Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00003215 |
Parecer: | P000252012 |
Nº do Documento: | PPA27092012002500 |
Descritores: | DOMÍNIO HÍDRICO DO ESTADO DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO DOMÍNIO PRIVADO DO ESTADO INAG EMPRESA PÚBLICA ESTABELECIMENTO HOTELEIRO LEI MEDIDA ACTO ADMINISTRATIVO FORÇA DE LEI DESAFECTAÇÃO |
Numero Oficio: | 2777 |
Data Oficio: | 06/12/2012 |
Pedido: | 06/19/2012 |
Data de Distribuição: | 06/28/2012 |
Relator: | FERNANDO BENTO |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 09/27/2012 |
Tipo de Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Sigla do Departamento 1: | SEAOT |
Entidades do Departamento 1: | SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 11/05/2012 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 23-11-2012 |
Nº do Jornal Oficial: | 227 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 37939 |
Indicação 2: | ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES |
Conclusões: | 1.ª – Aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, a parte dos terrenos afetos à exploração da pousada da ria de Aveiro compreendida na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria pertencia ao domínio público marítimo do Estado; 2.ª – Por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano de 30 de janeiro de 1980, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de fevereiro de 1980, e ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, na interpretação que ao mesmo foi dada pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de junho, a pousada da ria, com todo o ativo e passivo, e o imóvel afeto à respetiva exploração foram integrados, como bens de capital, no património da ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P.; 3.ª – Tal transferência de património abrangeu todo o imóvel afeto à exploração da pousada da ria, nele se compreendendo a parte que se encontrava integrada no domínio público marítimo do Estado; 4.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 151/92, de 21 de julho, a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., foi transformada em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, passando a denominar-se ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A.; 5.ª – Por força do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 151/92, a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A., sucedeu automática e globalmente à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., continuando a personalidade jurídica desta e conservando a universalidade dos direitos e obrigações que constituíam o seu património no momento da transformação; 6.ª – O imóvel afeto à exploração da pousada da ria, anteriormente pertencente à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., passou, consequentemente, após a transformação, a pertencer à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S. A.; 7.ª – Nesta conformidade, não recai sobre a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S. A., a obrigação de pagar qualquer taxa pela utilização dos terrenos compreendidos no referido imóvel. |
Texto Integral: | Senhor Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, Excelência: Pelo ofício n.º 2777, de 12 de junho de 2012, subscrito pelo Chefe do Gabinete de Vossa Excelência, foi solicitado que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitisse parecer sobre a questão da atual titularidade dos terrenos onde se encontra situada a pousada da ria de Aveiro. Cumpre emitir tal parecer, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público. I 1. A consulta foi formulada nos termos que seguidamente se transcrevem: Encarrega-me Sua Excelência o Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território de informar V. Exa. sobre o assunto mencionado em epígrafe, o seguinte: 1 A Pousada da Ria em Aveiro encontra-se construída em local cuja titularidade é, desde há alguns bons anos, objeto de controvérsia. 2 De um lado o INAG, IP, atualmente integrado na APA, IP, entende que os terrenos onde se encontra localizada a pousada pertencem ao domínio público do Estado/domínio público marítimo. 3 De um outro lado a ENATUR, Empresa Nacional de Turismo, SA, perfilha a ideia que a Pousada da Ria se encontra situada em terrenos pertencentes ao domínio privado do Estado. 4 Considerando a complexidade e especificidade da questão em apreço; 5 Considerando os diferentes atos normativos que transferiram património para a ENATUR; 6 Considerando as alterações à natureza jurídica da ENATUR ao longo do tempo, 7 Urge analisar a questão de saber se os terrenos onde se encontra situada a pousada da ria são do domínio público ou do domínio privado do Estado e consequentemente se o regime específico dos recursos hídricos pode ser afastado nos terrenos em questão. 8 Assim, ao abrigo do artigo 37.°, alínea a), da Lei n.° 47/86, de 15 de outubro, vem o senhor Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território solicitar a emissão de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria aqui controvertida, pelo que se remete original do processo com todos os documentos nele existentes, alguns desde 1959. 9 Permito-me chamar a atenção para a informação de 28 de novembro de 2011 (a primeira a aparecer no processo) que nas suas 11 páginas apresenta todo o histórico e descreve a situação em causa.» 2. Analisados os elementos que vieram anexos ao ofício em que o parecer foi solicitado, e designadamente a «informação de 28 de novembro de 2011»[1], verifica-se que, contrariamente ao que resulta do pedido de parecer, o dissídio entre o Instituto da Água, I.P. – INAG (presentemente integrado na Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.[2]) e a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A., não reside em apurar se os terrenos em que a pousada da ria de Aveiro se encontra implantada, com o respetivo logradouro, se enquadram no domínio público marítimo ou no domínio privado do Estado. Tal dissídio assenta no facto de o INAG ter vindo a sustentar que os terrenos pertencem ao domínio público marítimo do Estado, enquanto a ENATUR sustenta que tais terrenos fazem parte do seu património, não sendo, consequentemente, propriedade do Estado. 3. Dos elementos remetidos com o pedido de parecer extraem- -se, com interesse, os elementos de facto seguintes: 1. No decurso do ano de 1959, iniciou-se a construção da pousada da ria de Aveiro, em terrenos situados no Bico do Moranzel, freguesia da Torreira, concelho da Murtosa. 2. A área de tais terrenos compreendia-se, na sua maior parte, numa faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria de Aveiro, em zona de água navegáveis e flutuáveis sujeita à influência das marés e sob jurisdição da autoridade marítima (Capitania do Porto de Aveiro). 3. Antes do início da construção, e por se suscitarem dúvidas quanto à propriedade dos terrenos, foi a questão colocada ao então Ministro das Finanças, a quem foi presente uma planta com o levantamento topográfico do local. Nessa planta, vinham marcadas cinco parcelas, com as letras A a E, cuja propriedade era reivindicada por particulares. Tais parcelas, a integrar no empreendimento da pousada, tinham como limite, a poente[3], a nova estrada a construir (variante), e a nascente[4] a estrada velha, que se desenvolvia junto ao leito da ria. 4. Essas cinco parcelas situavam-se, todas elas, em grande parte dentro da faixa de 50 metros adjacente à ria de Aveiro referida. Para além disso, situava-se integralmente dentro dessa faixa a área ocupada pela estrada velha, a substituir pela nova estrada a construir a poente do empreendimento (variante), assim como o terreno situado entre a estrada velha e o leito da ria, na parte compreendida nos limites do empreendimento da pousada. 5. Colocado perante as dúvidas que se suscitavam quanto à propriedade dos terrenos, o então Ministro das Finanças proferiu, em 2 de julho de 1959, o despacho seguinte: «1. Sem prejuízo das conclusões a que chegar a Comissão do Domínio Público Marítimo – cujo processo deve prosseguir normalmente – considero que os terrenos situados a Sul [nascente] da atual estrada [estrada velha], onde se localiza a maior parte dos edifícios da pousada, pertencem ao domínio privado do Estado. Nestas condições, autorizo a ocupação imediata destes terrenos pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que poderá iniciar as obras neles localizadas quando entender oportuno. 2. Quanto aos terrenos assinalados na planta com as letras A a E – a Norte [poente] da atual estrada e destinados à construção da “variante” [estrada nova] e zona de proteção da pousada, a arborizar – deverá a Fazenda Pública: a) Obter com urgência a avaliação de cada uma das parcelas, a indicação do preço pretendido pelos respetivos proprietários e da natureza do título de propriedade que possuem, submetendo o processo a despacho logo que disponha destes elementos. b) Informar a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais que este Ministério, logo que possível, lhe comunicará a data a partir da qual poderá ocupar estes terrenos que, aliás, parece não serem indispensáveis para o início das obras.» 6. Sobre tal despacho viria a incidir subsequente despacho do Ministro das Obras Públicas, de 3 de julho de 1959, com o seguinte teor: «Ao Exmo. D.G.E.M.N. para conhecimento e pronto início dos trabalhos.» 7. A questão da propriedade dos terrenos e da sua eventual delimitação em relação ao domínio público marítimo viria a ser colocada pela Direção-Geral da Fazenda Pública à Comissão do Domínio Público Marítimo. Esta Comissão emitiu, a tal propósito, em 21 de julho de 1959, o parecer n.º 2635, o qual concluiu nos termos seguintes: «I – Deu origem à presente consulta ter a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais solicitado a aquisição de certa área de terreno no lugar chamado Pico [Bico] do Moranzel, ou, como em alguns documentos se diz, simplesmente Moranzel, junto da ria da Murtosa, para aí se construir a futura pousada da ria de Aveiro, e haver-se verificado que parte da área prevista para a instalação está situada em terrenos afetos ao Domínio Público Marítimo. Diligenciou a Junta Autónoma esclarecer a situação jurídica desses terrenos e, para tal, e bem, convidou os cinco pretensos proprietários dos terrenos confinantes com a ria da Murtosa, abrangidos na zona a expropriar, a fazerem prova de que tais terrenos, na parte situada na zona atribuída ao Domínio Público Marítimo, já constituíam propriedade privada de particulares anteriormente a 1864. Não logrou a Junta obter dos pretensos proprietários satisfação a essa diligência, como consta das cartas apensas ao processo, nem tampouco o conseguiu por outras vias tentadas, como é afirmado no ofício n.º 780, que a mesma Junta dirigiu à Junta Central. II – A Comissão do Domínio Público Marítimo, reconhecendo a necessidade que há para a Direção-Geral da Fazenda pública em que se defina a situação dos terrenos sitos na zona atribuída ao Domínio Público Marítimo a utilizar para o estabelecimento da futura pousada da ria de Aveiro, e entendendo que essa situação só poderá ser esclarecida mediante um estudo local dos terrenos em causa, conjuntamente com nova documentação que seja possível obter ou outros elementos de reconhecida força probatória de posse privada anteriormente à data exigida de 1864, dá a sua concordância à solicitada delimitação desses terrenos com o Domínio Público Marítimo e propõe que, para o efeito, seja nomeada uma comissão constituída por um oficial da Marinha, que servirá de presidente, por um representante da Junta Autónoma do Porto de Aveiro e um representante dos cinco pretensos proprietários mencionados na planta, junta ao processo.» 8. A comissão cuja nomeação a Comissão do Domínio Público Marítimo propôs no referido parecer nunca viria a ser constituída. 9. As parcelas de terreno a incluir no empreendimento da pousada cuja propriedade era reivindicada por particulares viriam a ser adquiridas por compra (escrituras públicas celebradas em 9 e 11 de dezembro de 1959) e, quanto a uma delas, através de expropriação, tendo a adjudicação desta ao Estado sido efetuada por despacho de 19 de fevereiro de 1962, transitado em julgado em 3 de março do mesmo ano. 10. Uma vez construída, a pousada entrou em funcionamento no decurso do ano de 1963, no âmbito da Direção-Geral do Turismo. 11. Pelo Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, foi criada a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., com o capital estatutário de 100.000 contos, dotado pelo Estado (artigo 5.º) Estabelecia-se no artigo 6.º daquele diploma que o capital da Enatur seria aumentado em relação direta dos valores que fossem integrados no seu património, sendo os aumentos de capital determinados por despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo e, se fosse caso disso, do Ministério da Tutela da empresa da qual fosse desafetado o bem ou bens a integrar na Enatur. Resultava do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma que seriam transferidos para a Enatur e integrados no respetivo património os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, salvo no caso de se tratar de monumentos nacionais ou imóveis classificados. 12. Em 21 de fevereiro de 1980, foi publicado no Diário da República, II Série, o despacho conjunto de 30 de janeiro de 1980 dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo[5] que seguidamente se transcreve: «Despacho O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, determina que serão transferidos para a Enatur – Empresa Nacional de Turismo, E.P., os estabelecimentos hoteleiros e similares pertencentes ao Estado, bem como os imóveis onde os mesmos se encontram instalados, desde que não sejam monumentos nacionais ou imóveis classificados. Em correspondência com o estabelecido na citada disposição, a alínea a) do artigo 5.º dos estatutos da mencionada empresa pública prescreve que lhe compete especialmente integrar no seu património os estabelecimentos pertencentes ao Estado afetos à atividade turística. Considerando que até à presente data ainda não foram tomadas as medidas necessárias para dar cumprimento ao prescrito na citada disposição legal; Considerando que esta definição [sic] cria uma situação equívoca relativamente à gestão de tais estabelecimentos, impedindo a Empresa de definir relativamente a elas qualquer programa a médio ou longo prazo; Considerando que nada justifica por parte do Estado a manutenção de tal situação: Nos termos dos artigos 7.º e 8.º do citado Decreto-Lei n.º 662/76 determina-se o seguinte: 1 – São considerados transferidos para a Enatur – Empresa Nacional de Turismo, E. P., com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1979, os estabelecimentos hoteleiros e similares do Estado identificados na relação anexa ao presente despacho. 2 – Os estabelecimentos são transferidos com todo o ativo e passivo, de acordo com os inventários existentes na Direção-Geral do Turismo e na Enatur nessa data. 3 – São igualmente transferidos e integrados no património daquela empresa os imóveis do Estado afetos à exploração dos estabelecimentos constantes da lista anexa que não estejam abrangidos pelo disposto na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do citado diploma. 4 – Os bens existentes nos estabelecimentos transferidos que constituam obras de arte classificadas não são integrados no património da Enatur, que é considerada sua depositária. 5 – Os bens existentes nos estabelecimentos integrados na Enatur que venham a ser classificados obras de arte serão transferidos para o património do Estado, ficando a Enatur somente sua depositária. 6 – Os bens móveis e imóveis serão integrados no património da Enatur pelos valores que resultarem do estabelecido no n.º 2 do artigo 7.º do mesmo diploma, procedendo-se ao aumento de capital estatutário da Enatur em conformidade com os valores apurados. 7 – A Direção-Geral do Património do Estado, a Direção-Geral do Turismo e a Enatur tomarão as medidas necessárias para que a formalização e legalização das transferências determinadas estejam concluídas até um mês após a data da publicação do presente despacho. 8 – Logo que estejam apurados os valores dos bens transferidos, a Enatur deverá apresentar a proposta para o aumento de capital resultante da integração. Ministérios das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, 30 de janeiro de 1980.» 13. Da relação anexa ao despacho consta a pousada da ria, sita na Murtosa, não classificada como monumento nacional nem tendo a natureza de imóvel classificado. 14. Em 13 de outubro de 1983, foi publicado no Diário da República, II Série, o seguinte despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e do Turismo: «1 – Dada a impossibilidade de até ao momento todas as avaliações estarem a ser concluídas, consideram-se ao abrigo do artigo 6.º e nos termos dos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, desde já integrados na Enatur – Empresa Nacional de Turismo, E. P., os seguintes bens imóveis, já avaliados e autorizados pela Direção-Geral do Património do Estado: Pousada da Ria – 46 470 000$00 Pousada de Santa Luzia – 42 000 000$00. 2 – Nestes termos, o capital da ENATUR será aumentado em 88 470 000$00, pela integração do valor dos bens imóveis acima citados. Secretarias de Estado das Finanças e do Turismo, 30 de agosto de 1983.» 15. Em 30 de agosto de 1985, através da apresentação n.º 1, foi inscrita, a favor da ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., na Conservatória do Registo Predial da Murtosa, a aquisição do prédio descrito sob o n.º 46759 (correspondente à atual ficha n.º 797/19900621), constituído pelos anteriormente descritos sob os n.os 46060, 46061, 46062, 46063, 46082 e 46724. Tal inscrição teve por base o despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo de 30 de janeiro de 1980, acima transcrito. Tal prédio corresponde à globalidade dos terrenos onde se encontra implantada a pousada da ria, com o respetivo logradouro. 16. Sobre tal prédio, viriam a ser registadas as hipotecas seguintes: – Pela apresentação n.º 10, de 27 de dezembro de 1985, hipoteca voluntária favor do Fundo de Turismo, para garantia de um empréstimo, sendo o total garantido (capital, juros e despesas) de 23.152.500$00 (inscrição cancelada em 19 de abril de 1996); – Pela apresentação n.º 11, da mesma data, hipoteca voluntária a favor do mesmo Fundo, para garantia de um empréstimo, sendo o total garantido (capital, juros e despesas) de 38.244.500$00 (inscrição cancelada em 19 de abril de 1996); – Pela apresentação n.º 11 de 16 de julho de 1986, hipoteca voluntária a favor do mesmo Fundo, para garantia de um empréstimo, sendo o total garantido (capital, juros e despesas) de 22.878.000$00; – Pela apresentação n.º 2 de 18 de janeiro de 1994, hipoteca voluntária a favor do mesmo Fundo, para garantia de um empréstimo, sendo o total garantido (capital, juros e despesas) de 209.947.500$00. 17. Pelo Decreto-Lei n.º 151/92, de 21 de julho, a ENATUR foi transformada em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos. 18. Posteriormente, o Estado Português alienou 49% do respetivo capital social, que passou a pertencer ao Grupo Pestana Pousadas, S.A.. O valor do imóvel afeto à pousada da ria foi, no âmbito do processo de alienação, tomado em consideração como integrando o património da ENATUR. 19. No decurso do ano de 2009, a Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P., efetuou diligências junto da ENATUR, S.A., tendo em vista passar a cobrar-lhe taxa pela utilização dos terrenos afetos à exploração da pousada da ria, alegando que a parte dos mesmos compreendida na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria se integrava no domínio público marítimo do Estado. 20. A ENATUR, alegando que os terrenos em causa são propriedade sua, diligenciou junto do INAG para que tal propriedade fosse reconhecida e, caso o não fosse, para que se reiniciasse procedimento tendente à respetiva desafetação do domínio público. 21. A Diretora do Departamento de Ordenamento e Regulação do Domínio Hídrico do INAG submeteu o assunto à consideração superior, sugerindo a recolha de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. 22. Em 21 de dezembro de 2011, foi pela Vice-Presidente do INAG proferido despacho determinando o envio do processo à consideração do Senhor Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, com a proposta de que sobre o assunto fosse solicitada ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República «a emissão de parecer que esclareça a validade dos atos normativos praticados ao longo do tempo». II 1. Conforme resulta da factualidade acima descrita, suscitaram-se dúvidas, aquando do início da construção da pousada da ria de Aveiro, sobre a propriedade dos terrenos em que a mesma viria a ser implantada. Em face dessas dúvidas, o Ministro das Finanças, em despacho de 2 de julho de 1959, decidiu qualificar desde logo, ainda que provisoriamente, como pertencendo ao domínio privado do Estado os terrenos situados a sul [de facto, a nascente] da estrada então existente (estrada velha) junto ao leito da ria. Tal despacho é omisso relativamente ao terreno em que a estrada velha se encontrava implantada, e que, com a construção do empreendimento, iria por este ser ocupada, sendo substituída pela estrada nova (variante), a construir a poente do empreendimento. Ora, tais terrenos, englobando a estrada velha e os situados a nascente desta junto ao leito da ria, tendo em consideração o teor da planta topográfica constante do processo, situavam-se na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria. Tal faixa de terreno, pela legislação então vigente, seria de considerar integrada no domínio público marítimo. Com efeito, pelo decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864, passaram a considerar-se do domínio público imprescritível os rios navegáveis e flutuáveis, com suas margens, canais e valas, portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se viessem a construir, bem como os portos de mar e praias[6]. Pelo Decreto n.º 8, publicado no Diário do Governo n.º 276, de 5 de dezembro de 1892, foram classificadas como públicas as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos artificiais, docas, fozes, rias, esteiros e seus respetivos leitos, cais e praias, até onde alcançar o colo da máxima preia-mar de águas vivas (artigo 1.º, n.º 1.º), bem como os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água navegáveis e flutuáveis, com seus respetivos leitos e margens, e as fontes públicas (n.º 2.º). Nos termos do artigo 4.º deste diploma, nos lagos, lagoas, rios, valas, esteiros e mais correntes de água, a margem, incluindo os cômoros, motas, valados e diques, integrava uma faixa do terreno adjacente, junto à linha de água, que se conservava ordinariamente enxuta, que teria, relativamente a correntes navegáveis e flutuáveis, uma largura de 3 a 30 metros e, excecionalmente, até 50 metros a contar da linha que limita o leito ou álveo, conforme a importância e necessidade da via flutuável ou navegável. O Decreto n.º 5787-IIII, de 10 de maio de 1919, consagrou, no seu artigo 1.º, n.os 1.º e 2.º, preceitos idênticos aos constantes do artigo 1.º, n.os 1.º e 2.º, do Decreto n.º 8, publicado no Diário do Governo n.º 276, de 5 de dezembro de 1892. O Decreto n.º 12445, de 29 de setembro de 1926, conforme resulta do respetivo preâmbulo, reconhecendo a urgência em «definir, ainda que provisoriamente, a largura das margens dos cursos de água sujeitos ao domínio público», estatuiu no seu artigo 14.º que, «enquanto não se proceder à demarcação das margens de correntes de água referidas no § 2.º do artigo 124.º da Lei de Águas[7] e a fim de definir a margem sujeita ao domínio público, como prescreve o n.º 2 do artigo 1.º da mesma lei[8], considera-se como margem sujeita à fiscalização dos serviços hidráulicos: 1.º Nas correntes de água não navegáveis nem flutuáveis uma faixa de 5 m, contados da linha que limita o álveo ou leito; 2.º Nas correntes de água navegáveis e flutuáveis uma faixa mínima de 30 m de largura ou até ao limite das cheias ordinárias, se ela exceder 30 m; 3.º Nas águas marítimas uma faixa mínima com 50 m de largura contada a partir da linha da máxima preia-mar.» Com fundamento em tais diplomas legais, e como vinha sendo entendido pela Comissão do Domínio Público Marítimo[9] e viria a ser posteriormente clarificado pelo Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro[10], os terrenos situados na margem das águas do mar e das águas sujeitas à influência das marés, numa largura de 50 metros, integravam-se no domínio público do Estado. 2. Desconhecem-se as razões pelas quais o então Ministro das Finanças considerou os referidos terrenos como pertencendo ao domínio privado do Estado, embora com a ressalva das conclusões a que viesse a chegar a Comissão do Domínio Público Marítimo. Com efeito, não consta do processo qualquer elemento que aponte no sentido de que tenha havido, anteriormente a 2 de julho de 1959, um ato de desafetação de tais terrenos do domínio público marítimo do Estado. O regime jurídico da desafetação de bens imóveis do domínio público marítimo, quando afetos às administrações portuárias, achava-se então regulado pelo Decreto-Lei n.º 39083, de 17 de janeiro de 1953. Nos termos do § 1.º do seu artigo 2.º, a desafetação far-se-ia por portaria dos Ministros das Finanças e das Comunicações, dependendo de parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, homologado pelo Ministro da Marinha. A subsequente alienação de tais imóveis seria autorizada pelo Conselho de Ministros ou pelos Ministros das Finanças e das Comunicações conjuntamente, conforme se tratasse ou não de bens de valor excedente a 400.000$00, devendo a alienação revestir a forma de escritura pública (§§ 2.º e 3.º do artigo 2.º do referido diploma). Relativamente aos terrenos do domínio público marítimo não afetos às administrações portuárias, como era o caso dos terrenos em que foi implantada a pousada da ria de Aveiro, não havia sido criado um regime específico de desafetação, pelo que, como viria a ser reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48784, de 21 de dezembro de 1968, as desafetações vinham a ser operadas por leis ou decretos-leis de caráter especial restritos às parcelas que em cada caso se pretendia desafetar[11]. Foi através desse diploma que foi instituído um regime específico de desafetação relativamente aos terrenos do domínio público sob a administração da Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos, a qual seria da iniciativa do Ministério das Obras Públicas e revestiria a forma de decreto referendado pelo respetivo Ministro e pelo Ministro das Finanças (artigo 2.º, n.º 1) e, sempre que se tratasse de terrenos situados no litoral ou nas faixas marginais dos rios, dentro das zonas de jurisdição dos departamentos marítimos e capitanias, a desafetação dependeria de parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, homologado pelo Ministro da Marinha (n.º 2 do mesmo artigo)[12]. 3. No que respeita às parcelas de terreno cuja propriedade era reivindicada por particulares, situadas entre a estrada velha e a «variante» (estrada nova) a construir, resulta dos elementos constantes do processo que nenhum deles fez prova de que tais terrenos eram de propriedade particular ou se encontravam na posse, nomine proprio, de particulares anteriormente a 31 de dezembro de 1864. Como acima se referiu, o decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864 declarou «do domínio público imprescritível os portos de mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam». Em face de tal disposição legal, a Comissão do Domínio Público Marítimo sempre entendeu que o Estado beneficiava, a partir do início da sua vigência, de uma presunção juris tantum de dominialidade relativamente aos terrenos que constituem o leito e a margem das águas dominiais da sua jurisdição, pelo que, enquanto não fosse produzida prova em contrário, presumia-se que esses terrenos pertenciam ao Estado[13]. Embora tal entendimento não fosse pacífico, o mesmo viria a ser acolhido mais tarde pelo legislador, no âmbito do Decreto-Lei n.º 468/71, em cujo artigo 8.º se estabeleceu o regime de prova a que ficaram sujeitos os particulares que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis. Posteriormente, através da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, veio a estabelecer-se a data limite de 1 de janeiro de 2014 para a propositura pelos particulares das ações judiciais tendentes a obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis[14]. Ao proceder à compra ou expropriação das referidas parcelas de terreno, o Estado Português, presumivelmente, e no que respeita à parte das mesmas compreendida na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria, esteve a comprar/expropriar terrenos que já eram seus e que se integravam no respetivo domínio público marítimo. 4. Tendo em consideração o facto de o Estado ter procedido à compra ou expropriação das parcelas referidas, como se as mesmas fossem anteriormente propriedade de particulares, poderia colocar-se a dúvida sobre se as mesmas, na parte em que se situavam na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria, passaram, a partir de então, a integrar o domínio público ou o domínio privado respetivo. Anteriormente à vigência do Decreto-Lei n.º 468/71, já vinha sendo entendimento da Comissão do Domínio Público Marítimo que todos os terrenos pertencentes ao Estado e situados nos leitos e margens das águas públicas na sua jurisdição pertenciam ao domínio público[15]. Tal entendimento não era, todavia, pacífico, tendo a questão vindo a ser clarificada pelo referido diploma, o qual, no seu artigo 5.º, n.º 1, veio estabelecer que se consideram do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam. No dizer de DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, «o Decreto-Lei n.º 468/71 veio ousadamente consagrar a posição da Comissão do Domínio Público Marítimo que sempre defendeu arreigadamente a dominialidade dos leitos e das margens das águas públicas na sua jurisdição»[16]. Assim, quer a fração de tais parcelas que integrava a margem da ria fizesse já anteriormente parte do domínio público do Estado, quer fosse propriedade dos particulares que procederam à respetiva venda ao Estado ou foram objeto de expropriação por utilidade pública, haverá que concluir que, pelo menos a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 468/71 (6 de fevereiro de 1972), a mesma passou a integrar o domínio público marítimo do Estado. III 1. Pelo despacho conjunto de 30 de janeiro de 1980 dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de fevereiro de 1980, determinou-se, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 662/76, que eram considerados transferidos para a Enatur – Empresa Nacional de Turismo, E. P., com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1979[17], os estabelecimentos hoteleiros e similares do Estado identificados na relação anexa ao mesmo despacho, com todo o ativo e passivo, sendo igualmente transferidos e integrados no património daquela empresa os imóveis do Estado afetos à respetiva exploração que não estivessem abrangidos pelo disposto na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do citado diploma (isto é, que não tivessem a natureza de monumentos nacionais ou de imóveis classificados). Entre os estabelecimentos hoteleiros constantes da relação anexa ao referido despacho encontrava-se a pousada da ria de Aveiro. Uma vez que parte da área em que a mesma se encontrava implantada se integrava na margem da ria, fazendo parte do domínio público marítimo do Estado, importa esclarecer se, perante tal circunstância, essa parte continuou no domínio público do Estado ou se, em consequência do referido despacho, foi desafetada de tal domínio e passou a fazer parte do património da ENATUR. 2. Para esclarecimento de tal questão nuclear, importa apreender o sentido normativo que decorre dos artigos 5.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 662/76, cuja redação é a seguinte: «Art. 5.º O capital inicial da Enatur será de 100000 contos, em numerário, dotado pelo Estado. Art. 6.º – 1. O capital da Enatur será aumentado em relação direta dos valores que forem integrados no seu património. 2. Os aumentos de capital serão determinados por despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo e, se for caso disso, do Ministério da Tutela da empresa da qual foi desafetado o bem ou bens a integrar na Enatur e dela constarão, pelo menos: a) Identificação do bem; b) Proprietário; c) Valor; d) Ato através do qual se processa a transmissão. 3. Do diploma previsto no número anterior constará ainda a contrapartida que receberão as empresas proprietárias. 4. O diploma será título bastante para se efetuarem os registos da transmissão dele resultante. Art. 7.º – 1. Serão transferidos para a Enatur e integrados no respetivo património os seguintes bens: a) Imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, salvo no caso de se tratar de monumentos nacionais ou imóveis classificados; b) A universalidade que constitui os estabelecimentos referidos na alínea anterior; c) Os bens e os direitos do Estado ou para ele reversíveis, afetos às concessões das zonas de jogo, bem como as rendas devidas pela respetiva utilização;[18] d) As participações financeiras do Estado, de quaisquer institutos públicos ou de empresas nacionalizadas no capital de sociedades ou empresas proprietárias de estabelecimentos cuja atividade se insere nos domínios da indústria turística, designadamente na hoteleira e similares no alojamento complementar, no campismo, nas agências de viagens e outros operadores turísticos ou na exploração de outro equipamento complementar, salvo no caso previsto na alínea seguinte;[19] e) A universalidade que constitui os estabelecimentos referidos na alínea anterior, incluindo os imóveis próprios a eles afetos, quando tais estabelecimentos não representem a atividade principal das respetivas sociedades ou empresas proprietárias. 2. Os bens referidos no número anterior constituirão bens de capital da Enatur e serão integrados, em princípio, pelos valores que constarem do cadastro do Estado e dos balanços e inventários das sociedades ou empresas.» Resulta de tais disposições que o capital estatutário inicial da ENATUR era de 100.000 contos, dotado pelo Estado (artigo 5.º), o qual seria aumentado em relação direta dos valores que viessem a ser integrados no seu património, mediante despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo e, se fosse caso disso, do Ministério da Tutela da empresa da qual fosse desafetado o bem ou bens a integrar (artigo 6.º). Estabeleceu-se no artigo 7.º, n.º 1, corpo e alínea a), que seriam transferidos para a ENATUR e integrados no seu património os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, com exceção dos casos em que se tratasse de monumentos nacionais ou de imóveis classificados. Nos termos da alínea b) do mesmo número, seriam também transferidos para a ENATUR e integrados no respetivo património as universalidade constitutivas dos referidos estabelecimentos hoteleiros e similares. Tais bens imóveis e universalidades, conforme disposto no n.º 2 do mesmo artigo, passariam a constituir bens de capital da ENATUR, nela sendo integrados e contabilizados, em princípio, pelos valores que constassem do cadastro do Estado e dos balanços e inventários das sociedades ou empresas de onde proviessem. 3. Como se referiu, o Decreto-Lei n.º 662/76, no seu artigo 7.º, n.º 1, alínea a), estabeleceu uma regra e uma exceção. Como regra, determinou que os imóveis afetos a estabelecimentos hoteleiros e similares do Estado seriam transferidos para a ENATUR e integrados no seu património, a título de bens de capital. Excecionou dessa regra, todavia, os bens imóveis afetos a tais estabelecimentos quando se tratasse de monumentos nacionais ou de imóveis classificados. Por força do disposto no artigo 24.º do Decreto n.º 20985, de 7 de março de 1932, a concessão do título de «monumento nacional» aos imóveis cuja conservação e defesa, no todo ou em parte, representasse interesse nacional, pelo seu valor artístico, histórico ou arqueológico, deveria ser feita por decreto expedido pelo Ministério da Instrução Pública (Ministério da Educação), ouvido o Conselho Superior de Belas Artes, o qual teria também para esse efeito a iniciativa de propostas. Nos termos do artigo 30.º do mesmo diploma, os imóveis que, sem merecerem a classificação de monumento nacional, oferecessem todavia considerável interesse público, sob o ponto de vista artístico, histórico ou turístico, seriam, com essa designação, descritos em cadastro especial, e nenhuma obra de restauração poderia realizar-se neles sem que o respetivo projeto houvesse sido superiormente aprovado, ouvido o Conselho Superior de Belas Artes, sendo-lhe aplicáveis as demais disposições do diploma no que respeita à classificação, desclassificação, alienação, demolição e conservação de monumentos nacionais[20]. Conforme resultava do disposto no artigo 1.º, alínea e), do Decreto n.º 23565, de 12 de fevereiro de 1934, consideravam-se integrados no domínio público do Estado os respetivos monumentos nacionais, qualificação essa que o Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, viria a manter no seu artigo 4.º, alínea m). A pousada da ria de Aveiro, de acordo com os elementos constantes do processo, não havia sido classificada como monumento nacional nem como imóvel de interesse público. Uma vez que a exceção consignada na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 662/76, para além de contemplar os imóveis classificados, apenas se reportava a uma determinada espécie de imóveis do domínio público do Estado, os monumentos nacionais, seria de sustentar, com base no argumento a contrario, que quaisquer imóveis do domínio público que não tivessem tal natureza, incluindo o domínio público marítimo, passariam a ser abrangidos no regime-regra constante da mesma disposição legal, sendo transferidos para a ENATUR e integrados no seu património, como bens de capital? É consabida a delicadeza que suscita o recurso à interpretação a contrario[21], e o preceito legal em causa, como se verifica pelas interpretações divergentes efetuadas pelo INAG e pela ENATUR, propicia, a esse propósito, dúvidas de interpretação. O que é certo é que, através do acima citado Despacho de 30 de janeiro de 1980, dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, se determinou, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 662/76, a transferência, para a ENATUR, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1979, dos estabelecimentos hoteleiros e similares identificados na relação ao mesmo anexa, neles se incluindo a pousada da ria de Aveiro. Tal transferência abrangeu todo o ativo e passivo, nela se compreendendo os imóveis do Estado afetos à exploração dos estabelecimentos, desde que não se tratasse de monumentos nacionais ou de imóveis classificados. O imóvel correspondente à pousada da ria viria, subsequentemente, pelo despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e do Turismo, a ser valorado em 46.470.000$00, como bem de capital, sendo o capital da ENATUR aumentado na medida correspondente. Embora tais despachos sejam de todo omissos quanto à natureza jurídica da propriedade do Estado incidente sobre a parte desse imóvel situada dentro dos limites da margem da ria, resulta inequivocamente dos mesmos a intenção de transferir do património do Estado para o património da ENATUR, no seu todo, a propriedade do imóvel afeto à respetiva exploração, sem distinguir a parte situada na margem da parte restante. Como se referiu acima, a aquisição da propriedade do imóvel, na sua totalidade, viria a ser inscrita na competente conservatória a favor da ENATUR em 30 de agosto de 1985, tendo tal inscrição como título o despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo de 30 de janeiro de 1980. Tendo a ENATUR sido transformada em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, o valor do imóvel afeto à pousada foi, no âmbito do processo de alienação, tomado em consideração como integrando o respetivo património. 4. A abrangência ou não no âmbito do regime-regra estabelecido no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76 dos bens imóveis pertencentes ao domínio público do Estado sem a natureza de monumentos nacionais ou de imóveis classificados terá suscitado dúvidas. Terá sido, certamente, por isso que o legislador, no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 157/86, de 25 de junho, veio estabelecer que «os imóveis do Estado a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, compreendem os imóveis do domínio público e do domínio privado do Estado». Não resulta do preâmbulo deste diploma qualquer alusão às razões que determinaram a inclusão nele do preceito referido, sendo o mesmo também omisso relativamente à natureza interpretativa ou não do normativo em causa. Em princípio, a lei só dispõe para o futuro e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a mesma se destina a regular (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil). Todavia, se se tratar de uma lei interpretativa, a mesma integra-se na lei interpretada, sendo retroactivamente aplicada, apenas com ressalva dos efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza (artigo 13.º, n.º 1, do mesmo Código). Para aferir da natureza interpretativa ou não interpretativa de uma lei não é necessário que tal intenção normativa resulte expressamente do texto do diploma ou do respetivo preâmbulo[22]. Bastará, para tanto, que se reconheça no diploma a sua intenção interpretativa inequívoca[23], podendo o caráter interpretativo resultar da flagrante referência da nova fonte a uma situação duvidosa preexistente[24]. Ora, a norma que se extrai do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 157/86 não pode deixar de ser considerada como interpretativa. Ao reportar-se aos «imóveis do Estado a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto», consignando que «compreendem os imóveis do domínio público e do domínio privado do Estado», o diploma pretende claramente abranger todo o universo dos imóveis a que tal preceito anterior se referia, com a ressalva, já acima mencionada, dos monumentos nacionais e dos imóveis classificados. Outra interpretação não faria, com efeito, qualquer sentido. Se se pretendesse sustentar que o preceito só vigorava para o futuro, sucederia que as transferências de bens do domínio público para a ENATUR, em data anterior à sua entrada em vigor, efetuadas por despacho ministerial ao abrigo dos artigos 6.º e 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, não seriam legalmente admissíveis, pelo que enfermariam de nulidade[25]. Tal nulidade repercutir-se-ia no capital estatutário da ENATUR, anteriormente valorizado com as transferências, bem como nas hipotecas que, anteriormente à vigência do Decreto-Lei n.º 157/86, tivessem sido constituídas sobre os imóveis em causa. Todavia, se as transferências tivessem lugar após a entrada em vigor do mesmo preceito, já seriam legalmente admissíveis e consequentemente válidas. Tal viria a determinar a necessidade de repetição, por despacho ministerial conjunto, das operações de transferência para a ENATUR de bens do domínio público anteriormente efetuadas, em conformidade com a lei nova, a realização de novas operações de valorização do capital estatutário daquela empresa e a constituição de novas hipotecas para garantia dos empréstimos anteriormente pela mesma contraídos. Ora, não foi esse, manifestamente, o sentido do preceito em causa, de cuja redação se deduz uma intenção claramente interpretativa, visando abranger quer as transferências operadas de pretérito, quer as futuras, caso viessem a existir[26]. 5. Concluindo-se pela natureza interpretativa do preceito decorrente do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 157/86, importa seguidamente aferir da validade, no quadro do ordenamento jurídico então vigente, da transferência para a ENATUR do imóvel afeto à exploração da pousada da ria da Aveiro, tendo presente que grande parte do respetivo terreno se situava na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria. Como se expôs, tal transferência foi operada mediante despacho conjunto de 30 de janeiro de 1980 dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, com fundamento no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, e mediante recurso ao formalismo consignado no artigo 6.º do mesmo diploma. Os terrenos compreendidos na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria integravam-se no domínio público marítimo do Estado, estando sob jurisdição da autoridade marítima (Capitania do Porto de Aveiro)[27]. À data em que a transferência foi operada vigorava, em matéria de desafetação de terrenos do domínio público marítimo sob jurisdição da autoridade marítima, o regime consignado no Decreto-Lei n.º 48784, de 21 de dezembro de 1968, que determinava que os mesmos poderiam ser desafetados quando se considerassem prevalentes, em relação ao uso público a que estavam destinados, outros fins de interesse geral para que os terrenos fossem aptos e para cuja conveniente satisfação fosse inadequado o regime de dominialidade (artigo 1.º). A desafetação seria da iniciativa do Ministério das Obras Públicas e revestiria a forma de decreto referendado pelo respetivo Ministro e pelo Ministro das Finanças (artigo 2.º, n.º 1). Tratando-se de terrenos situados no litoral ou nas faixas marginais dos rios, dentro das zonas de jurisdição dos departamentos marítimos e capitanias, a desafetação dependeria de parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, ministerialmente homologado [28](artigo 2.º, n.º 2). Dispondo diferentemente do preceituado em tal regime, o Decreto-Lei n.º 662/76, nesta parte interpretado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 157/86, determinou que os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros ou similares compreendidos no domínio público, desde que se não tratasse de monumentos nacionais ou de imóveis classificados, seriam transferidos para a ENATUR e integrados no respetivo património, como bens de capital. Resulta do mesmo diploma que a integração desses bens no património da ENATUR, como bens de capital, seria efetuada mediante despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo. Não resulta dos preâmbulos do Decreto-Lei n.º 662/76 e do Decreto-Lei n.º 157/86 que a mencionada opção político-legislativa tomada pelo Governo de transferir para o património da ENATUR todos os imóveis afetos à exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares do Estado, neles se compreendendo os do domínio público, tivesse sido precedida de consulta à Comissão do Domínio Público Marítimo e de emissão por esta de parecer favorável superiormente homologado. É, pois, de presumir que tal órgão consultivo não tenha sido ouvido para o efeito. Haverá, assim, que apurar se a falta de emissão de parecer prévio favorável por parte da Comissão do Domínio Público Marítimo, por um lado, e a não observância do formalismo estabelecido no Decreto-Lei n.º 48784, de 21 de dezembro de 1968, por outro, terão a virtualidade de invalidar a transferência do domínio público do Estado para o património da ENATUR da parte do imóvel afeto à exploração da pousada da ria compreendida na margem desta. 6. A Constituição de 1933 continha, no seu artigo 49.º, uma enumeração de bens pertencentes ao domínio público do Estado. Tratava-se de uma enumeração não taxativa, pois se consignava no n.º 8 daquele preceito que pertenceriam ainda ao domínio público do Estado quaisquer outros bens sujeitos por lei ao regime dominial. Da enumeração constante do referido preceito constitucional não constavam as margens das águas marítimas, nem as dos lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, mas apenas os respetivos leitos (n.os 2.º e 3.º). A Constituição de 1976 não continha, na sua redação inicial, qualquer preceito relacionado com o domínio público do Estado. A Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, passou a incluir na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a definição e regime dos bens do domínio público[29]. Só a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, viria a incluir no artigo 84.º da Constituição uma enumeração, também não exaustiva, dos bens do domínio público, estatuindo no seu n.º 1, alínea a), que pertencem ao domínio público «as águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos». Tal preceito não faz, de igual modo, qualquer alusão às margens das águas públicas. Nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da Constituição, «a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites». Resulta do exposto que, aquando da entrada em vigor dos Decretos-Leis n.os 662/76 e 157/86, e da prolação e publicação do despacho conjunto de 30 de janeiro de 1980 dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo que determinou a transferência para o património da ENATUR do imóvel afeto à exploração da pousada da ria de Aveiro, não havia qualquer preceito constitucional que impusesse ao legislador ordinário qualquer formalismo específico a observar para a desafetação de bens do domínio público marítimo do Estado. O regime constante do Decreto-Lei n.º 48784, de 21 de dezembro de 1968, não colidindo com o ordenamento jurídico- -constitucional decorrente da Constituição de 1976, manteve-se em vigor[30], apenas vindo a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 100/2008, de 16 de junho. Tal diploma regulava a desafetação de bens do domínio público sob a administração da Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos, a qual deveria ser efetuada por ato administrativo da autoria conjunta do Ministro das Obras Públicas e do Ministro das Finanças, sob a forma de decreto. Tratando-se de terrenos situados no litoral ou nas faixas marginais dos rios, dentro das zonas de jurisdição dos departamentos marítimos e capitanias, a desafetação dependeria de parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, ministerialmente homologado. 7. O Decreto-Lei n.º 662/76, com a interpretação dada ao respetivo artigo 7.º, n.º 1, alínea a), pelo Decreto-Lei n.º 157/86, não tem, na medida em que determinou que fossem transferidos bens imóveis do domínio público do Estado para o património da ENATUR, a natureza de mero ato administrativo praticado pelo Governo sob a forma de Decreto-Lei. Tal diploma tem a natureza de lei-medida, contendo opções fundamentais da política económica do Governo em matéria de turismo[31]. Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 662/76, por razões decorrentes do lançamento de empresas com objetivos que, muitas vezes, nada tinham a ver com uma exploração turística racional e, quase sempre, deficientemente estruturadas, sem condições para suportarem as profundas alterações produzidas pela mudança do regime político sob o qual foram criadas e sem aptidão para enfrentarem as modificações conjunturais derivadas da crise económica internacional, foi cometida ao Estado a responsabilidade da gestão de várias unidades turístico-hoteleiras e de cerca de duas dezenas de agências de viagens que, em conjunto, envolviam mais de uma dezena de milhar de trabalhadores, aos quais havia que garantir condições de emprego estável, o que impunha que, umas e outras, passassem a ser geridas segundo esquemas de exploração rendível. A preocupação de evitar erros resultantes de decisões apressadas e irrealistas justificava que, até então, não tivesse sido definida uma orientação concertada no sentido de criar estruturas capazes de garantirem melhor aproveitamento das potencialidades em causa. Era, por isso, compreensível que o Estado pouco tivesse ido além da prestação do apoio financeiro às empresas, de modo a garantir-lhes condições de sobrevivência durante a crise turística que o País atravessava. Os indícios do crescimento turístico mundial, bem como as perspetivas que se abriam ao turismo português, demonstravam ter-se seguido a via certa e garantiam a possibilidade de recuperação a relativamente curto prazo. Havia, no entanto, que criar condições que permitissem introduzir esquemas de gestão equilibrados e harmónicos de modo a conseguir a rendibilização dos equipamentos envolvidos e evitar custos sociais que lhe retirassem validade económica. Não era, com efeito, tolerável que, através da aplicação dos meios financeiros que pertenciam à comunidade e para ela deviam reverter sob a forma de prestação de serviços ou da criação de melhores condições para o desenvolvimento do seu bem estar, o Estado tivesse de suportar elevados custos de ineficiência ou de inatividade de equipamentos cuja função era gerar rendimentos superiores aos custos. Por outro lado, não era viável nem possível manter a situação existente em que o Governo se via constantemente solicitado a prestar apoio financeiro disperso e à medida que as necessidades iam surgindo, o que lhe retirava a possibilidade de obter uma visão realista de conjunto, lhe limitava a capacidade de análise dos problemas e o inibia de introduzir as modificações estruturais que se impunham. Por tais razões, decidiu o Governo criar um organismo destinado a gerir as participações do Estado no capital das empresas do setor. Após a inventariação de situações a que se procedeu, entendeu-se que um tal organismo deveria ser apetrechado de modo a conseguir uma exploração racional e que permitisse adequar, de forma eficaz, a oferta disponível aos diferentes tipos e exigências da procura: a uma gestão individualizada e, por vezes, com características artesanais, havia que opor uma gestão em moldes e segundo técnicas empresariais e que, sem deixar de visar a rendibilidade, colocasse o turismo ao serviço do desenvolvimento económico e social do País. Daí que se tivesse enveredado pela criação de uma empresa pública, com autonomia administrativa e financeira, a fim de poder vir a ser gerida segundo princípios que visassem obter a economicidade ótima, devendo, para isso, ficar liberta de burocratismos entorpecedores da ação num domínio em que a capacidade de manobra e de permanente adaptação a situações novas se colocavam com a maior acuidade. Por isso procurou dotar-se a Enatur – Empresa Nacional de Turismo, E. P., com instrumentos jurídicos que lhe garantissem a possibilidade de operar as transformações que viessem a revelar-se mais aconselháveis, e concebeu-se um esquema de ligações hierárquicas e funcionais de grande maleabilidade sem perder de vista a necessidade de criar inter-relações e graus de dependências capazes de garantirem a melhor coordenação. Assim, foi a Enatur constituída como empresa pública que gere as participações do Estado no setor turístico, participa no capital de empresas constituídas ou a constituir, promove a reestruturação económica e financeira das empresas, coordena, controla e estabelece diretrizes a observar na sua gestão e fixa planos de desenvolvimento. Estas considerações, constantes do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 662/76, conjugadas com o articulado do diploma, retratam uma opção de fundo da política económica do Governo de então para o setor turístico: criar uma empresa pública para centralizar a gestão das participações do Estado no setor, em cujo património viriam a ser integrados, como bens de capital, entre outros bens, os estabelecimentos hoteleiros e similares pertencentes ao Estado, assim como os imóveis afetos à respetiva exploração, ainda que compreendidos no domínio público, desde que se não tratasse de monumentos nacionais ou de imóveis classificados. No âmbito de tal opção político-legislativa, a lei-medida criou um formalismo próprio a que deveria obedecer a integração no património da ENATUR dos referidos bens de capital. Com efeito, o capital estatutário inicial da ENATUR, no montante de 100.000 contos, foi realizado em numerário por parte do Estado (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 662/76). Estabeleceu-se, porém, no artigo 4.º do mesmo diploma que o capital estatutário dessa empresa pública seria realizado também «nos diversos bens móveis, direitos, universalidades e demais valores que forem integrados no respetivo património». Conforme estatuído no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma, o capital da ENATUR seria aumentado em relação direta dos valores que fossem integrados no seu património. Tais aumentos seriam determinados, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, por despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo e, sendo caso disso, do Ministério da Tutela da empresa da qual fosse desafetado o bem ou bens a integrar na ENATUR. Entre os bens a integrar no património da ENATUR através de aumento do respetivo capital social encontravam-se, nos termos do artigo 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 662/76, os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, ainda que pertencentes ao domínio público, salvo no caso de se tratar de monumentos nacionais ou imóveis classificados, e as universalidade integrantes dos mesmos estabelecimentos. Tais bens seriam integrados, como bens de capital, no património da ENATUR, em princípio pelos valores que constassem do cadastro do Estado ou dos balanços e inventários das empresas respetivas, e o despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo que determinasse os correspondentes aumentos de capital constituiria, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 662/76, título bastante para se efetuarem os registos das transmissões dele resultantes. A opção político-legislativa que resulta do Decreto-Lei n.º 662/76, determinando que os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, ainda que pertencentes ao domínio público, salvo no caso de se tratar de monumentos nacionais ou imóveis classificados, e as universalidades integrantes dos mesmos estabelecimentos, seriam integrados, como bens de capital, no património da ENATUR, é perentória e incondicional, ficando apenas dependente da prática subsequente, pelos Ministérios das Finanças e do Comércio Externo, dos atos administrativos de execução concretizadores das transferências e dos correspondentes aumentos de capital, sob a forma de despacho conjunto. Tal opção político-legislativa não ficou, assim, dependente da verificação de qualquer condição e designadamente da obtenção, relativamente aos imóveis a transferir compreendidos no domínio público do Estado, de prévio parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo. A natureza perentória e incondicional da referida opção político-legislativa tomada pelo Governo seria, aliás, de todo incompatível com a sujeição da respetiva eficácia a um parecer vinculativo a emitir por um órgão administrativo colocado na dependência de um dos respetivos ministérios. Ora, uma lei-medida, embora não reunindo os requisitos clássicos da generalidade ou da abstração, não deixa de ser dotada de força de lei, quer no sentido de que, em razão do valor hierárquico que ostenta, pode revogar, modificar, suspender ou condicionar normas de natureza e valor infraordenado (força geral de lei), quer no sentido de que possui uma potência constitucionalmente valorada que lhe permite suspender, alterar ou revogar outro ato da mesma natureza (força específica de lei)[32]. As opções de política legislativa que decorrem dos Decretos-Leis n.os 662/76 e 157/86 não contendem com qualquer norma ou princípio constitucional e designadamente com o princípio da igualdade. Atento o exposto, o regime especial de integração de bens de capital no património da ENATUR, mesmo que pertencentes ao domínio público do Estado, estabelecido no Decreto-Lei n.º 662/76 prevalece, pois, sobre o regime genérico de desafetação de bens do domínio público hídrico estabelecido no Decreto-Lei n.º 48784, não lhe sendo aplicável o formalismo neste consignado[33]. A transferência dos referidos bens, operada nos termos descritos, determinou, como efeito necessário implícito e em simultâneo, a desafetação do domínio público da parte do imóvel afeto à pousada da ria compreendido na margem desta. Haverá, assim, que concluir, que a integração dos referidos bens no património da ENATUR, como bens de capital, sob a forma de despacho ministerial conjunto e sem prévio parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo, não enferma de invalidade. IV Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões: 1.ª – Aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de agosto, a parte dos terrenos afetos à exploração da pousada da ria de Aveiro compreendida na faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria pertencia ao domínio público marítimo do Estado; 2.ª – Por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano de 30 de janeiro de 1980, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de fevereiro de 1980, e ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 662/76, na interpretação que ao mesmo foi dada pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de junho, a pousada da ria, com todo o ativo e passivo, e o imóvel afeto à respetiva exploração foram integrados, como bens de capital, no património da ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P.; 3.ª – Tal transferência de património abrangeu todo o imóvel afeto à exploração da pousada da ria, nele se compreendendo a parte que se encontrava integrada no domínio público marítimo do Estado; 4.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 151/92, de 21 de julho, a ENATUR – – Empresa Nacional de Turismo, E. P., foi transformada em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, passando a denominar-se ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A.; 5.ª – Por força do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 151/92, a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A., sucedeu automática e globalmente à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., continuando a personalidade jurídica desta e conservando a universalidade dos direitos e obrigações que constituíam o seu património no momento da transformação; 6.ª – O imóvel afeto à exploração da pousada da ria, anteriormente pertencente à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, E. P., passou, consequentemente, após a transformação, a pertencer à ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S. A.; 7.ª – Nesta conformidade, não recai sobre a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S. A., a obrigação de pagar qualquer taxa pela utilização dos terrenos compreendidos no referido imóvel. ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 27 DE SETEMBRO DE 2012. Fernando José Matos Pinto Monteiro – Fernando Bento (relator) – Maria Manuela Flores Ferreira (com voto de vencida em anexo) – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Lourenço Gonçalves Nogueiro. Maria Manuela Flores Ferreira – voto vencida, pelas razões que de seguida muito sinteticamente se passam a expor[34]. 1. Desde logo, afigura-se-nos que os elementos de facto presentes ao Conselho Consultivo não são suficientes para uma completa apreciação do caso sob consulta. Mas vejamos. No que, ora, nos interessa, o Decreto-Lei n.º 662/76 estabelece na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º que são transferidos para a Enatur e integrados no respetivo património os imóveis do Estado afetos à exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares, salvo no caso de se tratar de monumentos nacionais ou imóveis classificados. Não é, portanto, feita qualquer referência a domínio público marítimo, ou mesmo a domínio público. Nem se vê que daquela norma resulte qualquer desafetação do domínio público. Por outro lado, não se compreenderia que se excluíssem os monumentos nacionais[35] ou imóveis classificados e se considerasse abrangido o domínio público marítimo. E do Despacho conjunto, de 30 de janeiro de 1980, dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo também não nos parece resultar algo de diferente. Acresce que se consignou que «[o]s bens existentes nos estabelecimentos transferidos que constituam obras de arte classificadas não são integrados no património da Enatur, que é considerada sua depositária» (cfr. n.º 4) e «[o]s bens existentes nos estabelecimentos integrados na Enatur que venham a ser classificados obras de arte serão transferidos para o património do Estado, ficando a Enatur somente sua depositária» (cfr. n.º 5). Destarte, e independentemente da natureza do Decreto-Lei n.º 157/86, entendemos, como se verá a seguir, que o património da pousada da Ria de Aveiro não pode integrar domínio público marítimo. 2. O Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro[36], que estabeleceu o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico, considera domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado (cfr. n.º 1 do artigo 5.º). E a margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m (cfr. n.º 2 do artigo 3.º). Ora, sem prejuízo do reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos, nos termos do artigo 8.º, o Decreto-Lei n.º 468/71 só prevê usos privativos atribuídos mediante licença ou concessão (cfr. artigos 17.º e ss.). Com efeito, trata-se de domínio público natural. Certos elementos do domínio público pertencem-lhe por imposição da própria natureza[37]. É certo que a Constituição da República Portuguesa, na sua redação inicial (1976), não continha qualquer disposição atinente ao domínio público[38], o que só veio a acontecer na revisão constitucional de 1989. Porém, na revisão constitucional de 1982, foi atribuída à Assembleia da República competência legislativa reservada para qualificar e definir os tipos de bens que integram o domínio público[39]. Assim, do Decreto-Lei n.º 157/86, que não foi emitido ao abrigo de autorização legislativa, não se pode retirar qualquer definição que contrarie o consagrado no Decreto-Lei n.º 468/71. Não se pode, pois, considerar que tenha havido desafetação do domínio público marítimo. Refira-se, aliás, que, apesar das alterações entretanto verificadas, o modelo atual não traz, nesta perspetiva, nenhuma novidade. O Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 10/2007, de 6 de março, estabelece o regime jurídico do património imobiliário público, estatui no artigo 14.º que os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou por lei, individualmente ou mediante a identificação por tipos. E dos artigos 16.º e 17.º atinentes, respetivamente, à afetação e há desafetação retira-se que tal só ocorre quando o interesse público subjacente ao estatuto da dominialidade de um imóvel não decorra direta e imediatamente da sua natureza (cfr. 1º segmento do n.º 1 do artigo 16.º)[40] Não pode, ainda, deixar-se de assinalar que o Tribunal Constitucional tem recorrentemente prestado a sua atenção à problemática do domínio público marítimo[41]. Assim, no Acórdão n.º 654/2009, de 16 de dezembro[42], em que foi apreciada a legalidade e a constitucionalidade de Decretos Legislativos da Região Autónoma da Madeira, bem como de Resoluções do respetivo Governo Regional, a dado passo, se frisou que a questão do domínio público se coloca de modo diverso consoante estejam em causa construções humanas, as infra-‑estruturas e os equipamentos imobiliários, ou bens do domínio público natural, compreendendo-se que, nos termos do artigo 144.º, n.º 2, do EPARAM, sejam domínio público regional os bens do domínio público afetos a serviços públicos não regionalizados caso constituam património cultural da região e que o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, na redação da Lei n.º 16/2003, de 4 de junho, considerasse que a margem, que é domínio público do Estado, só se estende até onde se encontre uma estrada regional ou municipal. E, mais à frente, não há, portanto, razão para comprimir o domínio público marítimo, enquanto domínio público natural, nas áreas em torno dos portos e cais. Ainda, mais à frente, é referido que as mutações dominiais subjetivas envolvendo entes públicos não territoriais são atualmente proibidas pelo Decreto-Lei n.º 280/2007, expressamente, acrescentaríamos nós. 3. Voltando ao caso em apreço, e em suma, entendo que o imóvel afeto à exploração da pousada da ria não compreende a faixa de 50 metros adjacente ao leito da ria que pertence ao domínio público marítimo do Estado. [1] Informação n.º INT/DORDH/DOV/2011/194, elaborada por uma técnica superior da Divisão de Ordenamento e Valorização do Departamento de Ordenamento e Regulação do Domínio Hídrico. [2] Integração essa operada pelo Decreto-Lei n.º 56/2012, de 12 de março. [3] Pelos elementos constantes do processo, verifica-se que na planta, por erro, foi aposto um sinal indicativo do ponto cardeal norte, quando a orientação correta seria oeste. Daí que na planta o limite poente venha indicado incorretamente como limite norte. [4] Na planta incorretamente indicado como sul. [5] O Ministério do Comércio Externo, criado pelo Decreto-Lei n.º 158-A/75, de 26 de março, deixou de existir na orgânica do Governo a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 683-A/76, de 10 de setembro, sendo substituído pelo Ministério do Comércio e Turismo. [6] Sobre o regime jurídico do domínio público hídrico e sua evolução vide JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil Português Anotado, Volume I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1894, pp. 270-273; JOSÉ TAVARES, Princípios Fundamentais do Direito Civil, Volume II, Coimbra Editora, 1928, pp. 347-369; LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, Volume III, Coimbra Editora, 1931, pp. 123-139; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 9.ª Edição, Tomo II, Coimbra Editora, 1972, pp. 874-882; DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo II, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 61-67; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, O Domínio Público – O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 168-194. Este Conselho tem emitido múltiplos pareceres sobre a matéria, podendo indicar-se, entre os mais recentes, os pareceres n.º 25/84, de 14 de março de 1985, n.º 97/87, de 20 de dezembro de 1987, n.º 16/91, de 11 de fevereiro de 1993, n.º 33/92, de 9 de julho de 1992, e n.º 10/2006, de 17 de janeiro de 2008. [7] Estabelecia-se no § 2.º do artigo 124.º da Lei das Águas (Decreto n.º 5787-III, de 10 de maio de 1919), que «a delimitação da largura das margens, variável segundo a importância e o destino das correntes, será feita quando se proceder à classificação e demarcação das bacias hidrográficas, nos termos do regulamento». [8] Estabelecia-se no n.º 2 do artigo 1.º da Lei das Águas que «são do domínio público (…) os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água navegáveis ou flutuáveis, com seus respetivos leitos e margens». [9] DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, ob. cit., pp. 87-93. [10] Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, «a margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis e flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m». [11] Como exemplos concretos subordinados a tal regime de desafetação, indicam-se no preâmbulo de tal diploma Lei n.º 1490, de 8 de novembro de 1923, relativa à zona da povoação de S. Pedro de Moel e à zona envolvente de Vieira de Leiria, e o Decreto-Lei n.º 40718, de 2 de agosto de 1956, respeitante a uma parte da ilha de Ancão. [12] O Decreto-Lei n.º 48784, de 21 de dezembro de 1968, viria, entretanto, a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 100/2008, de 16 de junho, em cujo artigo 4.º se estabeleceu o novo regime de desafetação, com referência ao artigo 19.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro. [13] DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, ob. cit., p. 124. [14] Tal data limite foi estabelecida no artigo 15.º deste diploma, cuja redação é a seguinte: «Artigo 15.º 1 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a correspondente ação judicial até 1 de janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868. Reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos 2 - Sem prejuízo do prazo fixado no número anterior, observar-se-ão as seguintes regras nas ações a instaurar nos termos desse número: a) Presumem-se particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais, na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade dos mesmos nos termos do n.º 1, se prove que, antes daquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa; b) Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. 3 - Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objeto de um ato de desafetação nem aqueles que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião.» [15] DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, ob. cit., p. 106. [16] Ibidem. [17] Não se descortinam neste despacho, bem como nos demais elementos constantes do processo, as razões da retroação a 1 de janeiro de 1979 dos efeitos da transmissão. Uma vez que a data a que o despacho reporta os seus efeitos é posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 662/76, não se suscita, relativamente à questão, qualquer problema de validade. Presentemente, o regime da eficácia retroativa dos atos administrativos tem assento no artigo 128.º do Código do Procedimento Administrativo, em cujo n.º 2, alínea c), se dispõe que o autor do ato pode atribuir-lhe eficácia retroativa quando a retroatividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende remontar a eficácia do ato já existissem os pressupostos justificativos da retroatividade. [18] A alínea c) viria a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de junho. [19] À alínea d) viria, pelo Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de junho, a ser dada a seguinte redação: «d) As participações financeiras do Estado ou de quaisquer institutos públicos cuja atividade se insere nos domínios da indústria turística e que se entenda serem transferidas». [20] Vários diplomas vieram, posteriormente, regular a classificação de imóveis, salientando-se de entre eles a Lei n.º 13/85, de 6 de julho (Lei do Património Cultural Português), a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro (estabeleceu as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, revogando a Lei 13/85), e o Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro (estabeleceu o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda). [21] OLIVEIRA ASCENSÃO, O DIREITO, Introdução e Teoria Geral, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 470-472. [22] OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 561. [23] INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Introdução ao Estudo do Direito, Reimpressão, Volume 1, Lisboa, 1995, p. 171. [24] OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem. [25] DIOGO FREITAS DO AMARAL-JOSÉ PEDRO FERNANDES, ob. cit., pp. 135-137. [26] Em face dos elementos constantes do processo, desconhece-se se, posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 157/86, se verificou qualquer transferência de bens imóveis do Estado para a ENATUR ao abrigo das disposições legais em análise. [27] Cfr. Quadro n.º 1 anexo ao Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho. [28] Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48784, a homologação do parecer caberia ao Ministro da Marinha. Inexistindo tal ministério na orgânica dos governos posteriores a abril de 1974, a homologação passou a caber ao Ministério da Defesa, uma vez que a Comissão se integra na estrutura do mesmo dependente (encontrando-se presentemente integrada no sistema de autoridade marítima, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de março). [29] Artigo 168.º, n.º 1, alínea x), a que corresponde presentemente a alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. [30] Cfr. artigo 293.º da Constituição de 1976, a que corresponde presentemente o artigo 290.º, n.º 2. [31] Sobre a problemática da admissibilidade das leis-medida no nosso ordenamento jurídico--constitucional, cfr. JORGE MIRANDA, Funções, Órgãos e Atos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 172-196, e Manual de direito Constitucional, Tomo V, Coimbra Editora, 1997, pp. 128-150; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, O Problema da Responsabilidade do Estado por Atos Lícitos, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pp. 146-151; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 454-456; J. J. GOMES CANOTILHO-VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Volume II, Coimbra Editora, 2010, pp. 898-899; JORGE MIRANDA-RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pp. 714-717; RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade do Estado por Atos Legislativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp. 14-24, e a Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1999, pp. 100-107; JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 487-488; CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, 1998, pp. 84-90, 109-136; JORGE REIS NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, pp. 801-815; LUÍS S. CABRAL MONCADA, Lei e Regulamento, Coimbra Editora, 2002, pp. 1077-1080; MANUEL AFONSO VAZ, “O conceito de lei na Constituição da República Portuguesa – uma perspetiva de reflexão”, Direito e Justiça, Vol. III, 1987-1988, pp. 179-192. Na jurisprudência constitucional, poderão citar-se os acórdãos n.os 26/85, de 15-02-1985, 80/86, de 11-03-1986, 405/87, de 06-10-1987, 157/88, de 07-07-1988, 365/91, de 07-08-1991, 121/92, de 31-03-1992, 195/94, de 01-03-1994, 276/93, de 02-03-1994, 1/97, de 08-01-1997, 444/97, de 25-03-1997, 510/98, de 14-07-1998, e 353/2007, de 12-06-2007. [32] CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, 1998, pp. 87, 109-113, 120-136, 145-148. [33] Cumpre, a propósito, referir que esta desafetação de bens do domínio público marítimo mediante uma lei-medida, sem qualquer alusão à emissão de parecer prévio favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, não é caso isolado no nosso ordenamento jurídico. A título meramente exemplificativo, poderá referir-se que, pelo Decreto-Lei n.º 207/93, de 14 de junho, foram desafetados do domínio público do Estado diversos bens imóveis sob jurisdição da Administração do Porto de Lisboa, sendo afetados à realização, em espécie, de um aumento de capital social da sociedade Parque EXPO 98, S. A., a subscrever pelo Estado e destinados à realização do respetivo objeto social. Pelo Decreto-Lei n.º 336/99, de 21 de agosto, foi desafetada do domínio público marítimo do Estado uma parcela da margem dominial denominada «Praia Formosa», sita na freguesia de Almagreira, concelho de Vila do Porto, na qual se encontrava implantado o imóvel designado por pousada da Praia Formosa, sendo integrado no domínio privado da Região Autónoma dos Açores. Pelo Decreto-Lei n.º 330/2000, de 27 de dezembro, foram desafetados do domínio público marítimo e do domínio público hídrico diversos imóveis situados nas zonas de intervenção previstas pelo Programa Polis. [34] Conquanto a problemática impusesse mais desenvolvimentos, limitar-nos-emos a emitir meros tópicos, já pela economia do voto de vencido, já pelo volume de serviço. [35] Só mais tarde, o Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, que criou o inventário geral do património do Estado, incluiu no domínio público os monumentos nacionais [cfr. artigo 4.º, alínea m)]. [36] Estamos a considerar a versão originária que é a que, aqui, relevará. [37] Cfr. MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 1994, págs. 920 e ss. [38] Não havia, com efeito, norma equivalente ao artigo 49.º da Constituição de 1933. [39] Nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea x) [atualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea v)], é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre definição e regime dos bens do domínio público. [40] Sem se pretender uma análise exaustiva, afigura-se-nos que alguns exemplos de desafetação não serão tão exemplares quanto, porventura, se pretende. Assim, no que respeita ao Programa Polis, importa atentar que o Decreto-Lei n.º 330/2000 prescreve no seu artigo 5.º o seguinte: «Artigo 5.º 1 - Realizado o objeto social da sociedade gestora do Programa Polis ou extinta a mesma, os bens imóveis que tenham sido desafetados por via do presente diploma serão afetados ao domínio público do Estado, sem encargos ou responsabilidades. Reversão e afetação definitiva 2 - A afetação referida no número anterior dispensa quaisquer formalidades, constituindo o presente diploma título bastante. 3 - Os imóveis com possibilidade de utilização portuária poderão ver a mesma reconhecida por despacho conjunto do Ministro do Equipamento Social e do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, com o que reverterão para o domínio público do Estado, sob jurisdição da respetiva administração portuária.» [41] Por exemplo, Acórdãos n.os 280/90, de 23 de outubro, 330/99 de 2 de junho, e 131/2003, de 11 de março. [42] Dada a sua extensão e complexidade, não se fará obviamente uma análise exaustiva do aresto, limitando-nos a respigar alguns aspetos. |