Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003180
Parecer: P000332011
Nº do Documento: PGRP26012012003300
Descritores: REPRESENTAÇÃO DO ESTADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCESSO DE INJUNÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
TRIBUNAL DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA
BALCÃO NACIONAL DE INJUNÇÕES
COBRANÇA DE DÍVIDAS
JUÍZOS DE PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL
PROCESSO ESPECIAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
PROCESSO SUMARÍSSIMO
Livro: 00
Pedido: 10/14/2011
Data de Distribuição: 10/14/2011
Relator: FERNANDO BENTO
Sessões: 01
Data da Votação: 01/26/2012
Tipo de Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: DESPACHO DE S. EX.ª VICE-PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 12-10-2012
Nº do Jornal Oficial: 198
Nº da Página do Jornal Oficial: 34072
Indicação 2: ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM / DIR JUDIC * ORG COMP TRIB / DIR PROC CIV
Ref. Pareceres:P001711980Parecer: P001711980
P00031981
P001191982Parecer: P001191982
P000741991Parecer: P000741991
P001602001Parecer: P001602001
P001142003Parecer: P001142003
Legislação:CRP76 ART219 ; CPC67 ART449 N2 ART165 ART808 ART810 ART53 ART67 ART267 ART475 ART666 ART919 ART793 ART222 ;DL 269/98 DE 1998/09/01 ; DL 404/93 DE 1993/12/10 ; EMP86 ART219 ; ETAF ART51 ; DL 44278 DE 1962/04/14 ; EST JUD 1962 ; L 3/99 DE 1999/01/13 ; L 21/85 DE 1985/05/05 ; DL 343/99 DE 1999/08/26 ; DL 186-A/99 DE 1999/05/31 ; PORT 433/99 DE 1999/06/16 ; PORT 220-A/2008 DE 2008/03/04 ; DL 404/93 DE 1993/12/10 ; PORT 4/94 DE 1994/01/03 ; DL 224-A/96 DE 1996/11/26 ; PORT 902/98 DE 1998/10/15 ; PORT 903/98 DE 1998/10/16 ; DL 383/99 DE 1999/09/23 ; L 3-A/2000 DE 2000/04/04; DL 32/2003 DE 2003/02/17 ; PORT 233/2003 DE 2003/03/17 ; PORT 234/2003 DE 2003/03/17 ; PORT 324/2003 DE 2003/12/27 ; DL 148/2004 DE 2004/06/21; RCM 100/2005 DE 2005/05/30 ; DL 107/2005 DE 2005/07/01 ; DL 324/2003 DE 2003/12/27; L 34/2004 DE 2004/07/29 ; PORT 1200-C/2000 DE 2000/12/20 ; PORT 808/2005 DE 2005/09/09 ; PORT 809/2005 DE 2005/09/09 ; PORT 810/2005 DE 2005/09/09; L 14/2006 DE 2006/04/26 ; PORT 728-A/2006 DE 2006/07/24 ; DL 107/2005 DE 2005/07/01 ; DL 34/2008 DE 2008/02/26 ; PORT 220-A/2008 DE 2008/03/04 ; L 24/2008 DE 2008/06/02 ; L 6/2011 DE 2011/03/10 ; PORT 265/2011 DE 2011/09/14 ; PORT 115-C/2011 DE 2011/03/24 ; DL 32/2003 DE 2003/02/17 ; DL 329-A/95 DE 1995/12/12 ART7 ; PORT 946/2003 DE 2003/09/06 ; DL 267/85 DE 1985/07/16; DL 129/84 DE 1984/04/27 ; LPTA ART74 ; L 15/2002 DE 2002/02/22 ART11 ; DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART12 ; DL 129/84 DE 1984/04/27 ; L 3-A/2000 DE 2000/04/04; DL 265-A/77 DE 1977/06/17 ; PORT 433/99 DE 1999/06/16 ; DL 383/99 DE 1999/09/23 ; DL 148/2004 DE 2004/06/21 ; DL 107/2005 DE 2005/07/01 ; DL 34/2008 DE 2008/02/26 ;
Direito Comunitário:DIRECT 2000/35/CE DO PE E CONS DE 29 DE JUNHO ART5
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC REL LX DE 2010/10/14 , PROC 77791/03.3YIPRT. L1-8 ; AC REL PORTO DE 2011/06/14 , PROC 4559/07.3TBMTS-A.P1 ; AC REL COIMBRA DE 2011/03/29 , PROC. 10070/08.8YIPRT-A.C1; AC REL COIMBRA DE 2011/03/22 , PROC. 235291/09.0YIPRT.C1; AC REL COIMBRA DE 2011/02/25 , PROC. 6710/09.OTBBRG-A.G1; AC. DA REL LX DE 2010/04/20, PROC.208271/08.5YIPRT.L1-1; AC DA REL DE LX DE 2010/02/02 , PROC. 33805/09.7YIPRT.L1-1; AC DA REL DE LX DE 2009/12/03 , PROC. 61495/09.OYIPRT.L1-7; AC. DA REL DE LX DE 2009/09/17, PROC. 1999/05.6TBCSC-B.L1-6; AC DA REL. DE LX DE 2009/06/18 , PROC. 6201/06.OTBAMD.L1-2; AC. REL DE LX DE 2009/03/03 , PROC. 6500/2009-1 ; AC REL DE LX DE 2008/03/13 , PROC. 2071/2008-6
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – O Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria judicial integrada na orgânica dos tribunais judiciais, tendo, enquanto secretaria-geral, competência para tramitar as injunções em todo o território nacional [artigo 16.º, n.ºs 2 e 4, alínea b), do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e artigos 1.º e 3.º da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março];

2.ª- Os procedimentos regulados no regime anexo ao Decreto- -Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (acção declarativa especial e injunção), têm aplicação apenas no âmbito da jurisdição comum, sendo inaplicáveis na jurisdição administrativa;

3.ª– As acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que sejam da competência dos tribunais administrativos seguem os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima [artigos 37.º, n.º 1, alínea h), 42.º e 43.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos];

4.ª – Compete ao Ministério Público representar o Estado no processo de injunção, devendo ser-lhe efectuada a notificação a que se reporta o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98;

5.ª – Competente para receber tal notificação é o magistrado do Ministério Público junto do tribunal judicial competente para o julgamento da causa em caso de dedução de oposição, de acordo com o disposto nos artigos 8.º, n.os 1 e 2, e 10.º, n.º 2, alínea l), do referido regime.

Texto Integral:



Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:



Por despacho de Sua Excelência a Senhora Vice-Procuradora-Geral da República de 14 de Outubro de 2011, foi determinado, na sequência de uma exposição efectuada pelo Procurador-Geral Adjunto Coordenador no Tribunal Central Administrativo Sul[1], que este Conselho Consultivo se pronunciasse sobre a questão da representação do Estado no âmbito dos «processos de injunção instaurados contra os serviços da Administração directa do Estado».

Por despacho de 19 de Outubro de 2011, foi conferida natureza urgente ao procedimento respectivo.

Tendo o mesmo sido distribuído em 14 de Outubro de 2011, viria a ser objecto de redistribuição ao ora relator na sessão do Conselho Consultivo de 15 de Dezembro de 2011.

Cumpre, pois, emitir tal parecer.


I


A exposição efectuada pelo Procurador-Geral Adjunto Coordenador no Tribunal Central Administrativo Sul apresenta, relativamente às questões que cumpre analisar no parecer, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

«1. A criação de um procedimento célere, simplificado e desburocratizado assenta no pressuposto da inexistência de verdadeiro litígio entre o requerente e o requerido, pelo que a injunção tem em vista a obtenção de um título para poder aceder à acção executiva.
2. Trata-se de um meio facultativo, conforme se retira do disposto no artigo 449.º, n.º 2, alínea d), do CPC, sendo também de sublinhar que o próprio Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, confere ao requerente a faculdade de – em caso de se frustrar a notificação – indicar se pretende que o processo seja apresentado à distribuição (cf. Artigo 10.º, n.º 2, aI. j). Tal opção determina a devolução ao requerente do expediente respeitante ao procedimento de injunção (art. 13.º A), sem que a pretensão seja introduzida em juízo.
3. O artigo 15.º-A admite que o requerente possa desistir do procedimento «até à declaração da oposição ou, na sua falta, até ao termo do prazo de oposição». É patente que o requerente tem a faculdade de desencadear a providência e – antes da distribuição (altura em que se inicia a «fase judicial») – optar pela não submissão do litígio a uma decisão judicial (de mérito).
4. A providência de injunção alcança o objectivo a que se destina se, notificado o requerido, este não deduz oposição, caso em que o secretário aporá a fórmula executória. Frustrando-se o seu objectivo, o que sucede se for deduzida oposição ou não for possível concretizar a notificação do requerido, cessa o procedimento de injunção e os autos passam a tramitar-se em juízo, após distribuição.
5. No procedimento de injunção forma-se título extrajudicial, originado em processo desjurisdicionalizado e que não resulta da actividade do juiz. Não sendo o secretário autoridade judicial não pode, sem mais, ser equiparado a sentença um acto praticado por um funcionário da Administração, como resulta, nomeadamente, do artigo 202.º da CRP.
6. O que confere essência jurisdicional a um determinado processado é a intervenção decisória de um profissional sujeito a garantias de independência, irresponsabilidade, isenção, inamovibilidade e imparcialidade, integrado num poder do Estado distinto do legislativo e do executivo e apenas submetido às intervenções de gestão e disciplina do órgão de cúpula desse poder – o Conselho Superior da Magistratura – i.e., a intervenção de um juiz.
7. Não se pode confundir a aparente inelutabilidade da desjudicialização com mecanismos de criação de processos judiciais paralelos ou sem magistrado. Tal constituiria vera e dura agressão ao Estado de Direito e ao regime constitucional vigente e, sobretudo, deixaria o cidadão severamente desprotegido.
8. O legislador, na reforma de 2008, equiparou o título executivo extrajudicial injunção aos títulos judiciais impróprios. Fê-lo no exercido dos seus poderes de criação normativa. O que não concretizou nem poderia ter feito (ao manter os poderes do funcionário), foi alterar-lhe a essência: o processo em apreço continua a não ser um processo jurisdicional na apontada fase não contenciosa.
9. As alterações introduzidas adoptaram uma solução jurídica que – privilegiando a celeridade na obtenção de um título executivo rápido – acabou por consagrar uma opção que já foi considerada violadora da Constituição pelo Tribunal Constitucional.
10. A ideia a reter é a de que a notificação para deduzir oposição ocorre no momento em que a providência está a cargo do secretário, numa fase não jurisdicional, e é nesse momento que tem que ser aferida a competência do Ministério Público para ser notificado e intervir no processo em representação do Estado.
11. O Ministério Público não representa o Estado na medida em que “a competência para o Ministério Público representar o Estado, nos termos do artigo 219.° da Constituição e dos artigos 1.° e 3.°, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, reporta-se aos tribunais estaduais, designadamente aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos e fiscais”.
12. Os tribunais são órgãos do Estado (“órgãos de soberania”), dotados de independência (…), em que um ou mais juízes procedem à administração da justiça.
13. Se o Secretário, antes da distribuição do processo, não possui poderes de apreciação jurídica ou de composição de qualquer litígio, deve entender-se que não estamos perante a submissão de uma acção ao tribunal, órgão de soberania como vem definido na Constituição da República.
14. Na «constituição judiciária» o Ministério Público «surge como um órgão do poder judicial ao qual estão cometidas as funções de representação do Estado, do exercício da acção penal, da defesa da legalidade democrática e dos demais interesses determinados por lei»; a Constituição «não configurou o Ministério Público como órgão de natureza administrativa, dependente do Governo, mas sim como órgão independente, integrado na organização judicial».
15. O artigo 51.º do ETAF comete ao Ministério Público a representação do Estado e o artigo 52.º define o regime da representação do Ministério Público em termos idênticos aos constantes do EMP. Isto é, os Procuradores da República representam o Estado (apenas) nos «tribunais administrativos de círculo e nos tribunais tributários».
16. O Ministério Público é, pois, um órgão do Estado a quem compete a sua representação em juízo (…), nos tribunais portugueses, «sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio» (n.º 1 do artigo 20.º do Código de Processo Civil).
17. Caberá ao Governo ou aos respectivos Ministros definir, em concreto, como deve ser assegurada a defesa do Estado nas providências de injunção, tendo em consideração, como é óbvio, a natureza da obrigação, a complexidade do processo ou o valor em discussão.
18. A doutrina constante da Informação que foi remetida ao TAC parece estar desconforme com o entendimento que vem sendo defendido pelo Conselho Consultivo da PGR, pelo que seria desejável – face à relevância do caso – que fosse solicitado Parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de forma a ser clarificada a situação e que terminem, de uma vez por todas, as diversas interpretações que têm vindo a ser feitas.»


II

1. Estabelece-se no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Como referem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[2], no âmbito do direito de acesso aos tribunais, “o direito de acção é o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento do órgão judicial, solicitando a abertura de um processo, com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (direito à decisão) e, consoante o sentido da decisão, exigir, se for o caso disso, a execução da decisão do tribunal proferida no caso”.

Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º, n.os 1 e 2, da CRP).

Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem a jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (artigo 211.º, n.º 1, da CRP).

Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 212.º, n.º 3, da CRP).


2. O conceito de tribunal não é unívoco.

Um dos sentidos comuns do termo visa identificar o tribunal com o titular da função jurisdicional, isto é, com o juiz ou conjunto de juízes que decidem determinada causa.

A outra acepção corrente do termo referencia os tribunais como as organizações de pessoas e serviços legalmente destinadas a assegurar a administração da justiça.

Neste último sentido, referem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[3]: «Note-se, todavia, que os tribunais são órgãos complexos, conglobando as funções não apenas dos juízes mas também de outros agentes com estatutos muito distintos, como o MP (…), os advogados (que não são agentes públicos), os oficiais de justiça, etc. Consequentemente, o Tribunal não se identifica com o juiz, embora haja decisões e actos que só este pode praticar (reserva de juiz)».

É neste sentido de complexo organizacional destinado a assegurar a administração da justiça que os tribunais têm sido tradicionalmente encarados nos diplomas orgânicos respectivos.


3. Remontando ao Estatuto Judiciário aprovado pelo Decreto- -Lei n.º 44278, de 14 de Abril de 1962, verificamos que, no respectivo Título II, com a epígrafe «Dos Tribunais», se compreendiam os seguintes capítulos:

– Capítulo I – Composição, funcionamento e competência dos tribunais;
– Capítulo II – Da magistratura Judicial;
– Capítulo III – Do Ministério Público;
– Capítulo IV – Das Secretarias Judiciais.

Tal estatuto regulava, assim, no Título relativo aos Tribunais as matérias que posteriormente viriam a dar origem a quatro diplomas orgânicos distintos: Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais[4], Estatuto dos Magistrados Judiciais[5], Estatuto do Ministério Público[6] e Estatuto dos Funcionários de Justiça[7].

No Título III do mesmo Estatuto Judiciário, com a epígrafe «Dos concursos de habilitação para cargos judiciários», regulava-se, em capítulos separados, a matéria relativa aos concursos para juiz de direito (Capítulo II), para delegado do procurador da República (Capítulo III), para chefe de secretaria e escrivão de direito (capítulo IV) e para solicitador encartado (capítulo V). Tudo categorias legalmente englobadas no conceito de cargos judiciários.

No Título V, sob a epígrafe «Do mandato judicial», regulava-se, em capítulos separados, a matéria que posteriormente viria a ser integrada no Estatuto da Ordem dos Advogados[8] (Capítulo II) e no Estatuto da Câmara dos Solicitadores[9] (Capítulo III).

As leis orgânicas dos tribunais judiciais que se seguiram ao Estatuto Judiciário não deixaram, até hoje, de mencionar como integrando a organização judiciária as diversas categorias de profissionais acima referidas.

Assim, a Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), continha capítulos relativos à organização judicial e competência (Capítulo II), ao Ministério Público (Capítulo VIII), aos mandatários judiciais (Capítulo IX) e aos órgãos auxiliares, como tal se considerando as repartições e as secretarias (Capítulo X).

A Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), regulava no Capítulo II a organização e competência dos tribunais judiciais, no Capítulo VII o Ministério Público, no Capítulo VIII os mandatários judiciais e no Capítulo X os órgãos auxiliares (secretarias judiciais).

Presentemente, a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), regula no Capítulo II a organização e competência dos tribunais judiciais, no Capítulo VI o Ministério Público, no Capítulo VII os mandatários judiciais e no Capítulo IX as secretarias judiciais[10].


4. De acordo com a Lei n.º 3/99, o expediente dos tribunais é assegurado por secretarias, com a composição e as competências legalmente previstas (artigo 119.º), compreendendo serviços judiciais e serviços do Ministério Público e podendo ainda compreender serviços administrativos e secções de serviço externo (artigo 120.º).

Nos tribunais de comarca em que a natureza e o volume de serviço o justifiquem, há secretarias com funções de centralização administrativa, designadas por secretarias-gerais, que podem abranger um ou mais juízos ou um ou mais serviços do Ministério Público (artigo 121.º).

Podem ser criadas secretarias com competência para, através de oficiais de justiça, efectuar as diligências necessárias à tramitação do processo de execução – as denominadas secretarias de execução (artigo 121.º-A).

As peças processuais e os processos apresentados nas secretarias são registados em livros próprios, podendo o director-geral dos Serviços Judiciários[11] determinar a substituição dos diversos livros por suportes informáticos (artigo 125.º, n.os 1 e 2).

Os funcionários que chefiam as secretarias, secções e serviços são fiéis depositários do arquivo, valores, processos e objectos que a elas digam respeito (artigo 128.º, n.º 1).

Pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio[12], foi aprovado o Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

No respectivo artigo 16.º, que seguidamente se transcreve, contém-se uma enumeração dos serviços que se consideram compreendidos nas secretarias dos tribunais de 1.ª instância:
«Artigo 16.º
Secretarias dos tribunais de 1.ª instância
1 – As secretarias dos tribunais de 1.ª instância compreendem:
a) Serviços judiciais, compostos, consoante a natureza e volume do serviço, por uma secção central e uma ou mais secções de processos ou por uma única secção central e de processos;
b) Serviços do Ministério Público, compostos, consoante a natureza e volume do serviço, por uma secção central e secções de processos, por uma única secção central e de processos ou por unidades de apoio.
2 – Onde a natureza e volume do serviço o justifiquem, haverá secretarias com funções de centralização administrativa, designadas por secretarias-gerais, abrangendo um ou mais tribunais ou um ou mais serviços do Ministério Público.
3 – As secretarias-gerais podem compreender uma secção de expediente geral e uma secção de informações e arquivo.
4 – Podem ainda criar-se:
a) Secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do processo comum de execução;
b) Secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção;
c) Secretarias ou secções com funções de centralização do serviço externo.»

Conforme estatuído no n.º 2 deste artigo, quando a natureza e o volume do serviço o justifiquem, podem, na orgânica dos tribunais judiciais, ser criadas secretarias-gerais, abrangendo um ou mais tribunais.

De acordo com o disposto no n.º 4, alínea b), prevê-se, por outro lado, a possibilidade de criação, na mesma orgânica, de secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção, com a natureza de secretarias de tribunais de 1.ª instância.

Através da Portaria n.º 433/99, de 16 de Junho, foram criadas secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção em Lisboa e no Porto.

Tais secretarias, conhecidas pela designação de secretarias- -gerais de injunção, foram extintas pela Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, mantendo-se em funcionamento, temporariamente, como liquidatárias dos processos pendentes, e mantendo-se como competentes para a recepção dos requerimentos de injunção das comarcas de Lisboa e Porto até ao dia 31 de Maio de 2008 (artigo 4.º da Portaria).

Este diploma, referenciando no respectivo preâmbulo o procedimento de injunção como o mecanismo judicial para cobrança de dívidas mais procurado, criou uma secretaria-geral designada por Balcão Nacional de Injunções (artigo 1.º), atribuindo ao mesmo competência em todo o território nacional para a tramitação dos procedimentos de injunção (artigo 3.º).


5. Pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto[13], foi aprovado o Estatuto dos Funcionários de Justiça.

Por força do disposto no seu artigo 1.º, são funcionários de justiça os nomeados em lugares dos quadros de pessoal de secretarias de tribunais ou de serviços do Ministério Público (artigo 1.º).

Trata-se, assim, de categorias profissionais específicas da orgânica judiciária, cuja colocação deverá ocorrer em secretarias de tribunais ou em serviços do Ministério Público.

Estabelece-se no artigo 2.º do mesmo diploma que os funcionários de justiça se distribuem pelos seguintes grupos de pessoal: a) Pessoal oficial de justiça; b) pessoal de informática; c) pessoal técnico-profissional; d) pessoal administrativo; e) pessoal auxiliar; f) pessoal operário.

O grupo de pessoal oficial de justiça compreende as categorias de secretário de tribunal superior e de secretário de justiça e as carreiras judicial e dos serviços do Ministério Público. Na carreira judicial integram-se as categorias de escrivão de direito, de escrivão- -adjunto e de escrivão auxiliar. Na carreira dos serviços do Ministério Público integram-se as categorias de técnico de justiça principal, técnico de justiça-adjunto e técnico de justiça auxiliar (artigo 3.º)

As categorias de secretário de tribunal superior, secretário de justiça, escrivão de direito e técnico de justiça principal correspondem a lugares de chefia (artigo 3.º, n.º 4).

Os oficiais de justiça, no exercício das funções através das quais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos, dependem funcionalmente do magistrado competente (artigo 6.º, n.º 3).

Em regra, o recrutamento para lugares de secretário de justiça em secretarias-gerais, abrangendo um ou mais tribunais, faz-se por transferência de entre secretários de justiça com classificação de muito bom na categoria e que se encontrem a mais de três anos do limite de idade para o exercício de funções (artigo 38.º, n.º 1), tendo os mesmos direito à remuneração correspondente à categoria de secretário de tribunal superior (artigo 84.º, n.º 1).

De acordo com o mapa anexo à Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, o quadro do pessoal do Balcão Nacional de Injunções é constituído por 1 secretário de justiça, 1 escrivão de direito, 25 escrivães auxiliares e 5 assistentes administrativos.




III

1. Nos finais da década de oitenta e princípios da década de noventa do século passado assistiu-se a um crescimento exponencial dos processos judiciais de natureza cível destinados à cobrança de dívidas de baixo montante emergentes de contratos, com especial incidência nas grandes comarcas e particular relevo na comarca de Lisboa.

Para tal crescimento contribuíram variados factores, relacionados, designadamente, com o aumento da actividade económica decorrente da integração europeia, com o surgimento de múltiplos novos produtos de natureza comercial e financeira postos à disposição dos consumidores (crédito ao consumo e uso de cartões de crédito), com o desenvolvimento das telecomunicações e a ampla difusão do uso do telemóvel e da Internet na população portuguesa.

Tal aumento do volume processual provocou grandes atrasos na resolução das acções cíveis, gerando indesejáveis fenómenos de acumulação processual.

Os referidos processos, destinados à cobrança de dívidas de pequeno montante, não tinham subjacente, na sua grande maioria, qualquer controvérsia quanto à existência da dívida e à respectiva exigibilidade. Tratava-se de devedores relapsos que, interpelados extrajudicialmente para pagarem a dívida, a não pagavam, obrigando o credor a recorrer a tribunal para obter uma sentença condenatória que possibilitasse a subsequente instauração da correspondente acção executiva.

Tais acções seguiam a tramitação do processo sumaríssimo de declaração, não sendo objecto de contestação, pelo que davam lugar à chamada condenação de preceito, nos termos do artigo 795.º do Código de Processo Civil então em vigor: o réu, tendo sido ou devendo considerar-se citado pessoalmente, caso não contestasse, era logo condenado no pedido.

Esses processos, embora de tramitação relativamente simples, implicavam a realização de um significativo acervo de actos: iniciavam-se com um acto processual da secretaria judicial (recebimento da petição), a que se seguia o acto de distribuição[14], realizado por um distribuidor auxiliado por outros funcionários da secretaria e presidido pelo juiz de turno. Sucediam-se novos actos de secretaria (neste caso já na secção de processos à qual o processo coube em distribuição), com a autuação da petição e emissão de guias para o pagamento do preparo inicial. Pago o preparo (acto processual do autor), o processo, através de novo acto da secção de processos, era concluso ao juiz, para apreciação liminar. Seguia-se um acto processual do juiz, o qual, se a petição estivesse em condições de prosseguir, proferia despacho de citação. Efectuada a citação pela secção de processos, e inexistindo contestação, seguia-se nova conclusão do processo ao juiz, que proferia a condenação de preceito. Esta sentença condenatória era normalmente exarada em fotocópias ou em impressos pré-elaborados, em que o juiz se limitava a apor o nome do réu, a data e a assinatura, seguindo-se a respectiva notificação às partes e ao Ministério Público.

Embora tratando-se de processos que, pela sua simplicidade, não implicavam, em regra, qualquer esforço intelectual por parte do juiz, não deixavam de impor a sua intervenção em momentos vários – na distribuição, no despacho liminar e na sentença, podendo existir outras intervenções no decurso do processo para resolver questões interlocutórias (v.g., nos casos de necessidade de despacho de aperfeiçoamento ou nas situações de dificuldade em localizar o réu, havendo que recolher informação quanto à sua residência, ou havendo que proceder a citação edital).

A mobilização dos juízes cíveis para a realização, em massa, de actos processuais desta natureza, embora sem nenhuma complexidade, impedia-os de se dedicarem, com o necessário afinco e ponderação, aos processos mais complexos, que tendiam a acumular-se em grande número nas fases processuais mais exigentes – saneamento e julgamento.

Ao clamor público verberando os tribunais pelos atrasos na justiça cível, respondiam os juízes visados argumentando com o elevadíssimo número de acções que lhes cabiam em distribuição e reclamando o estabelecimento em diploma legal de um sistema de contingentação processual que lhes possibilitasse manterem o seu serviço em dia.


2. Esta situação levou o legislador a enveredar por diversas intervenções legislativas, designadamente ao nível da legislação processual civil e da organização judiciária, visando, por um lado, libertar os juízes encarregados de julgar as acções mais complexas dos processos de natureza bagatelar[15] e, por outro, criar estruturas judiciárias e fórmulas processuais civis mais simples e céleres que permitissem, em tempo razoável, resolver as questões relativas à cobrança daquele tipo de dívidas que, em grande escala, vinham a inundar os tribunais[16].

Uma dessas fórmulas processuais civis consistiu no processo de injunção, criado pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro.

A questão prática que se colocava ao legislador, e que este diploma pretendeu, sem grande êxito, resolver, consistia em, relativamente às acções para cobrança de dívidas emergentes de contrato de valor não superior a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância, a que correspondia o processo sumaríssimo de declaração, dispensar totalmente a intervenção do juiz, desde que, não havendo lugar à dedução de oposição por parte do demandado, existissem condições para proferir uma condenação de preceito.

Essa condenação de preceito pressupunha, por um lado, que o demandado tivesse sido pessoalmente citado ou como tal devesse considerar-se e, por outro, que não contestasse no prazo legal.

Tratava-se, como acima se referiu, da maioria das acções dessa natureza que vinham a dar entrada na jurisdição cível e que, por inexistir controvérsia quanto à existência e exigibilidade da dívida, o devedor não contestava.

Nestas situações, em que o trabalho exigido aos juízes era de natureza estritamente rotineira e de conteúdo essencialmente material[17], a solução, na falta de oposição por parte do devedor, consistiria em conferir cominatoriamente exequibilidade à pretensão do credor, abrindo a porta à acção executiva imediata, sem necessidade de efectiva intervenção do juiz.

Não era, todavia, possível, à partida, nem ao credor nem ao tribunal, antever, em qualquer desses processos, se o devedor, ainda que relapso, iria ou não contestar a acção. Daí que a fórmula processual a adoptar tivesse, para garantir os objectivos a prosseguir pelo legislador, que obedecer aos parâmetros seguintes:

– Uma vez entrada a petição na secretaria do tribunal, não poderia seguir-se-lhe a distribuição, que implicava já a presidência por parte do juiz (neste caso do juiz de turno), nem despacho liminar de citação, também implicando intervenção do juiz do processo.
– Não havendo lugar à distribuição imediata do processo à secção de processos, não poderia ser esta a emitir guias para pagamento do preparo inicial. A taxa de justiça correspondente teria, assim, que ser paga antes da distribuição.
– Teria, por outro lado, a secretaria do tribunal, ainda antes da distribuição do processo à secção respectiva, que proceder à comunicação da petição ao demandado, para que este, querendo, deduzisse oposição (fase processual desjurisdicionalizada, por nela não intervir o juiz).
– Uma vez praticado tal acto processual pela secretaria do tribunal, estabelecer-se-ia uma bifurcação processual alternativa:
– Nos casos em que anteriormente havia lugar à condenação de preceito (citação pessoal do demandado e inexistência de oposição por parte deste), a sentença condenatória correspondente (normalmente exarada em formulários pré-impressos ou fotocopiados datados e assinados pelo juiz) seria substituída pela atribuição de exequibilidade imediata à pretensão do credor, documentada através de uma fórmula executória a apor na petição pelo secretário judicial;
– Nos casos em que anteriormente não havia lugar à condenação de preceito, obrigando à realização de audiência de julgamento (ou porque o demandado não era encontrado, não podendo ser citado pessoalmente, ou porque, sendo citado pessoalmente, apresentava contestação dentro do prazo legal), o processo seria, só então, objecto de distribuição à secção judicial respectiva, para prosseguir os trâmites da acção sumaríssima de declaração até final.


3. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 404/93, sintetiza-se desta forma a ratio da figura processual civil da injunção:

«Na verdade, após a apresentação na secretaria do tribunal territorialmente competente do pedido de injunção, atribui- -se ao respectivo secretário judicial competência para proceder à notificação do requerido e, na ausência de oposição, também para a imediata aposição da fórmula executória na injunção.
A aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo Civil.
Trata-se, pois, de uma fase desjurisdicionalizada e, portanto, inevitavelmente mais célere, sem que, todavia, se mostrem diminuídas as garantias das partes intervenientes no processo, ínsitas, aliás, no direito constitucionalmente consagrado do acesso à justiça. O acautelamento de tais garantias é, efectivamente, assegurado quer pela via da apresentação obrigatória dos autos ao juiz quando se verifique oposição do devedor, quer pelo reconhecimento do direito de reclamação no caso de recusa, por parte do secretário judicial, da aposição da fórmula executória na injunção.
Num esforço de desburocratização, facilita-se, ainda, o acesso à justiça, possibilitando que a taxa de justiça inerente seja paga por estampilha apropriada e admitindo- -se a aprovação de formulários próprios para a apresentação do pedido de injunção.
Entende, assim, o Governo que o presente diploma, de natureza intercalar no que respeita à revisão da actual legislação processual civil em curso, constitui um significativo esforço de adequação dos trâmites processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou diminuição da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que hão-de informar a nova legislação processual civil.
Deste modo se contribui para a concretização do princípio constitucional do acesso à justiça, consagrado como direito fundamental no artigo 20.º da Constituição, que tem como vertente primordial a protecção eficaz e em tempo útil dos direitos dos cidadãos, através dos tribunais.»

A injunção caracteriza-se, pois, segundo o preâmbulo, como uma fase processual desjurisdicionalizada, intercalarmente criada no âmbito da revisão da legislação processual civil então em curso, que, embora mais célere, não diminui as garantias das partes intervenientes no processo, ínsitas no direito constitucional do acesso à justiça, através dos tribunais, acesso este que o diploma visa concretizar, correndo termos em juízo, após a apresentação do requerimento na secretaria do tribunal territorialmente competente.


4. A tramitação em juízo desta fase processual civil desjurisdicionalizada obedeceu às regras seguintes:

– Sob a epígrafe de Tribunal competente para apresentação do pedido de injunção, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 404/93 estabelecia que o pedido de injunção deveria ser apresentado na secretaria do tribunal que seria competente para a acção declarativa com o mesmo objecto. Havendo mais de um secretário judicial, o pedido deveria ser averbado, sem precedência de distribuição, por escala iniciada pelo secretário do 1.º juízo (n.º 2 do mesmo artigo).
– A forma do requerimento era análoga à da petição inicial do processo sumaríssimo de declaração: o requerente deveria expor os factos fundamentadores da pretensão (causa de pedir), juntando os documentos comprovativos, se os houvesse, concluindo pela formulação do pedido da prestação a efectuar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 793.º do Código de Processo Civil, regulador da petição inicial no processo sumaríssimo (artigo 3.º).
– A taxa de justiça seria paga por estampilha aposta no requerimento (artigo 9.º), revertendo a receita respectiva para o Cofre Geral dos Tribunais (artigo 11.º).
– Recebido o requerimento, o secretário judicial do tribunal notificava o requerido, por carta registada com aviso de recepção, remetendo cópia do requerimento e dos documentos juntos, indicando, de forma inteligível, o objecto do pedido e demais elementos úteis à compreensão do mesmo, e referindo, ainda, expressamente o prazo para a oposição, que era de sete dias a contar da notificação (artigos 4.º e 6.º, n.º 1).
– Caso não fosse possível levar a cabo a notificação por via postal, ou se o notificado deduzisse oposição, o secretário judicial apresentava os autos à distribuição[18], já sob a presidência do juiz de turno, sendo os mesmos subsequentemente conclusos ao juiz titular respectivo, seguindo-se a fase de julgamento com a tramitação do processo sumaríssimo de declaração (artigo 6.º, n.º 2).
– Caso o requerido, havendo sido notificado, não deduzisse oposição, a pretensão do requerente passaria, por efeito cominatório, a beneficiar de imediato de força de título executivo, sendo-lhe aposta pelo secretário judicial do tribunal a fórmula executória correspondente e dispensando-se, deste modo, a fase processual do julgamento (artigo 5.º).
– A aposição da fórmula executória só poderia ser recusada quando o pedido não se destinasse a obter o cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato e, bem assim, nas situações em que à secretaria, nos termos da lei de processo, fosse lícito não receber a petição. Da recusa cabia reclamação para o juiz presidente do tribunal ou do respectivo juízo cível (artigo 7.º).

5. A caracterização da injunção como uma forma de processo civil especial a tramitar nos tribunais, concretizando a garantia aos interessados do direito constitucional de acesso à justiça, manteve-se, desde então, até hoje, tendo vindo a ser sucessivamente reafirmada pelo legislador nos diplomas legais que se foram sucedendo no tempo e que ao mesmo se reportam.

Assim:

– Através da Portaria n.º 4/94, de 3 de Janeiro, foi aprovado o modelo e o valor das estampilhas relativas à taxa de justiça a pagar no processo de injunção. No preâmbulo deste diploma refere-se o seguinte: «O Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, veio instituir um processo especial de injunção, caracterizado pela celeridade e simplificação. Nesse sentido, facilita-se o acesso à justiça, designadamente pela possibilidade de pagamento da taxa de justiça, devida como condição do pedido de injunção, através de estampilha apropriada»[19].

– O Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, que aprovou o Código das Custas Judiciais, veio regular, no respectivo artigo 136.º, o registo contabilístico, nas secretarias judiciais, dos valores das estampilhas apostas nos processos de injunção.

– Pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro[20], foi aprovado o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância.
Reconhecendo, no preâmbulo, que a injunção instituída pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, tinha merecido até então uma aceitação inexpressiva, com uma média de 2.500 processos dessa natureza a entrar anualmente nos tribunais de todo o País, o legislador manifestou, com tal diploma, a expressa intenção de pretender incentivar o seu uso, através de medidas que a tornassem mais atractiva para os credores: tratamento informatizado da injunção; remoção de obstáculos de natureza processual suscitados pela doutrina no enlace entre a providência e certas questões incidentais a exigirem decisão do juiz; elevação até à alçada dos tribunais de 1.ª instância do valor do correspondente processo; diminuição sensível dos montantes da taxa de justiça a pagar pelo requerente.
A tramitação processual da injunção manteve-se, no essencial, com o figurino inicial que lhe foi dado pelo Decreto-Lei n.º 404/93, com algumas alterações de que seguidamente se dá conta:

– Admitiu-se, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98 que, mediante portaria do Ministro da Justiça, pudessem ser aprovadas outras formas de pagamento da taxa de justiça diversas da prevista para a injunção;

– O requerimento de injunção passou a poder ser apresentado, à escolha do credor, na secretaria do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou na secretaria do tribunal do domicílio do devedor (artigo 8.º do regime anexo ao diploma);

– Consignou-se a possibilidade de criação de secretarias judiciais ou secretarias-gerais destinadas a assegurar a tramitação das injunções (artigo 8.º, n.º 4);

– Salvo manifesta inadequação ao caso concreto, o requerimento de injunção passou a dever constar de impresso de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça, nele se devendo indicar: a identificação da secretaria do tribunal onde o requerimento irá ser entregue; a identificação das partes; o lugar onde deve ser efectuada a notificação; a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão (causa de pedir); a formulação do pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas; indicação da taxa de justiça paga (artigo 10.º, n.os 1 e 2);

– O requerimento de injunção só pode ser recusado pela secretaria judicial se: a) Não tiver endereço ou não estiver endereçado à secretaria judicial competente; b) Omitir a identificação das partes, o domicílio do requerente ou o lugar da notificação do devedor; c) Não estiver assinado; d) Não estiver redigido em língua portuguesa; e) Não constar do impresso aprovado pelo Ministro da Justiça, salvo manifesta inadequação deste ao caso concreto; f) Não se mostrar paga a taxa de justiça devida (artigo 11.º, n.º 1).

– Do acto de recusa do requerimento pela secretaria judicial cabe reclamação para o juiz ou, no caso de tribunais com mais de um juiz, para o que estiver de turno à distribuição (artigo 11.º, n.º 2);

– O secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão, sendo à notificação aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e nos artigos 237.º e 238.º do Código de Processo Civil (artigo 12.º, n.os 1 e 2). Da notificação constarão, para além dos elementos referidos no artigo 10.º, n.º 2, a indicação do prazo para dedução da oposição e respectiva forma de contagem, a cominação, no caso de falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, de que será facultada ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva, mediante aposição da fórmula executória no requerimento, e a indicação de que, na falta de pagamento, são devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e ainda juros, à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória[21] (artigo 13.º);

– Passa a prever-se a possibilidade de a notificação do requerimento de injunção ser promovida por mandatário judicial, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a citação (artigo 12.º, n.º 5);

– Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário judicial aporá no requerimento a seguinte fórmula executória: «Este documento tem força executiva». Tal aposição só poderá ser recusada quando o pedido não se ajustar ao montante ou à finalidade da injunção, cabendo do acto de recusa reclamação para o juiz (artigo 14.º);

– Sempre que, no decurso do processo de injunção, se suscitar qualquer questão que, por ultrapassar a competência do secretário judicial, implique decisão judicial[22], tal determinará a apresentação dos autos à distribuição que imediatamente se seguir, passando o processo a ser tramitado segundo a acção declarativa especial de condenação prevista nos artigos 1.º a 6.º [23](artigo 16.º, n.º 2).

– Através da Portaria n.º 902/98, de 15 de Outubro, foi aprovado o modelo de impresso do requerimento de injunção, determinando-se no n.º 2 do diploma que a sua existência deverá ser divulgada aos utentes, de forma adequada, pelas respectivas secretarias judiciais.
Estatui-se no mesmo diploma que, mediante autorização da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, o requerimento de injunção pode ser apresentado através de ficheiro informático, em formato e suporte definidos por aqueles serviços, caso em que o pagamento da taxa de justiça pode ser efectuado através de depósito em conta (n.os 3 e 4).

– Através da Portaria n.º 903/98, de 16 de Outubro, passou a admitir-se que, nas secretarias judiciais em que seja possível o franquiamento, mecânico ou informático, do requerimento de injunção, o pagamento da taxa de justiça pode ser efectuado em numerário, cheque visado ou através de sistema electrónico (n.º 3).

– Pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, que aprovou o Regulamento da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), veio prever-se, no respectivo artigo 16.º, n.º 4, a possibilidade, no âmbito dos tribunais judiciais de 1.ª instância, de criação de secretarias judiciais destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção.

– Pela Portaria n.º 433/99, de 16 de Junho, foram criadas as secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção de Lisboa e do Porto, com os quadros de pessoal seguintes: secretaria de injunção de Lisboa: 1 secretário judicial, 1 escrivão de direito, 4 escrivães-adjuntos e 25 escriturários judiciais; secretaria de injunção do Porto: 1 secretário judicial, 1 escrivão de direito, 1 escrivão adjunto e 6 escriturários judiciais.

– Com o Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro, que alterou o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, estabeleceu-se, relativamente aos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos previstos no regime anexo a este diploma (injunção e acção declarativa especial para exigir cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos), a possibilidade de as partes convencionarem o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio. Nesse caso, passa a ser inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do local convencionado salvo se o interessado tiver notificado a contraparte, mediante carta registada com aviso de recepção, da alteração do local do domicílio, nos 30 dias subsequentes à respectiva superveniência.
No preâmbulo do diploma o legislador justificou a alteração nos termos seguintes:
«A experiência recolhida, desde 1 de Novembro de 1998 até ao presente, em especial sobre as alterações introduzidas pelo diploma ao procedimento de injunção, revela um importante factor de bloqueio, o da frustração da notificação postal, pelo não levantamento pelos destinatários das cartas registadas expedidas.
(…) Visa-se, pelo presente diploma, mitigar o referido bloqueamento, estendendo a solução adoptada, por manifesto paralelismo, à acção declarativa.
Assim, introduz-se, no domínio dos contratos reduzidos a escrito, a possibilidade de fixação pelas partes de domicílio onde deva ser realizada a citação ou a notificação, em caso de litígio. Daqui decorre que, nos referidos procedimentos, se institua a presunção de citação ou de notificação pessoal em caso de insucesso na segunda tentativa.
No fundo, trata-se de fazer actuar um princípio básico do direito processual civil, o princípio da cooperação, impondo à parte ou ao requerido relapso as inerentes consequências pela sua falta de colaboração.
Ainda em tais procedimentos se consideram efectuadas a citação ou a notificação, verificada que seja a situação prevista no n.º 6 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, mas somente quando a recusa em assinar o aviso ou em receber a carta provier do citando ou do notificando.»

– Na Lei n.º 3-A/2000, de 4 de Abril (Grandes Opções do Plano para 2000), previu-se, no capítulo da Justiça, entre as medidas de política para o ano de 2000, a continuação do combate à morosidade processual, através da «expansão do uso de processos ágeis e rápidos para a cobrança de dívidas e outras acções simples do foro cível, criando 50 novas secretarias de injunção nas comarcas com maior movimento».

– O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, estabeleceu o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais, transpondo a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, tendo alterado o artigo 102.º do Código Comercial e os artigos 7.º, 10.º, 12.º, 12.º-A e 19.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Estatui-se no artigo 7.º de tal diploma que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos nele previstos, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (n.º 1), e que, para valores superiores à alçada do tribunal de 1.ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a tramitação subsequente do processo sob a forma de processo comum de declaração (n.º 2).

– Pela Portaria n.º 233/2003, de 17 de Março, estabeleceu-se que, nas secretarias judiciais em que seja possível o franquiamento, mecânico ou informático, do requerimento de injunção, o pagamento da taxa de justiça pode ser efectuado em numerário, cheque visado ou sistema electrónico (n.º 4.º).

– Pela Portaria n.º 234/2003, de 17 de Março, foi aprovado o novo modelo de impresso do requerimento de injunção (n.º 1.º), prevendo-se a possibilidade de o requerimento de injunção ser apresentado através de ficheiro informático (n.º 3.º), caso em que o pagamento da taxa de justiça poderá ser efectuado através de depósito em conta (n.º 4.º).

– O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que alterou, entre outros diplomas, o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, alterou também o artigo 19.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Considerando, no respectivo preâmbulo, que «…as custas judiciais – englobando a taxa de justiça e os encargos – são a única fonte de financiamento do sistema judicial que se encontra directamente relacionada com os seus utilizadores, bem como com os serviços prestados aos mesmos pelos tribunais», e consignando que «embora não se pretenda fazer repercutir sobre os utilizadores do sistema judicial o custo real do seu funcionamento, deve ser mantida a regra de que parte do mesmo seja suportado por quem dele, efectivamente, beneficia», estatuiu, na nova redacção dada ao n.º 1 do referido artigo 19.º, que quer a apresentação do requerimento de injunção, quer a dedução de oposição pressupõem o pagamento antecipado de taxa de justiça, através de estampilha apropriada, de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça.

– Pelo Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, foi alterado o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio (Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), passando a constar do respectivo n.º 4, alínea a), a possibilidade de criação de «secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do processo comum de execução», e, na alínea b), a possibilidade de criação de «secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção».

– Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio de 2005, tendo em vista «garantir a existência de uma resposta adequada do sistema judicial ao fenómeno da litigância de massa e a protecção do utilizador ocasional do sistema de justiça», foi, entre várias outras, adoptada a orientação de «possibilitar o recurso ao procedimento de injunção para exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 14963,94».

– Pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho, foram introduzidas várias alterações ao regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98.
Parte dessas alterações, atinentes à injunção, é justificada no respectivo preâmbulo nos termos seguintes:
«(…) Com o presente diploma, e tendo em conta a boa experiência obtida neste domínio, procede-se ao alargamento do âmbito de aplicação do regime jurídico da injunção, que passa a destinar-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação, actualmente fixada em (euro) 14963,94.
(…) Tendo em vista a eventual criação de secretarias-gerais de injunção de âmbito territorial alargado, prevê-se igualmente a obrigatoriedade de o requerente indicar qual o tribunal competente para apreciar os autos no caso de estes serem apresentados à distribuição.
(…) No que respeita ao regime de custas, considera-se conveniente pôr fim ao pagamento de taxa de justiça pela dedução de oposição, introduzida com a alteração ao regime da injunção preconizada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, assim promovendo a simplificação do procedimento. É de salientar que a introdução da referida medida, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2004, ocasionou o aumento exponencial de pedidos de apoio judiciário pelo requerido, incluindo a nomeação e pagamento de honorários de patrono, o que se tem revelado factor de morosidade do procedimento e não se tem traduzido em aumento de receita. Os dados estatísticos relativos à evolução dos procedimentos de injunção findos, por escalão de duração, são elucidativos: em 2003, apenas cerca de 9% dos procedimentos de injunção findos nesse ano duraram mais de quatro meses, sendo que em 2004 essa percentagem duplicou, ascendendo a quase 19%.
Procurando obviar à verificada multiplicação de oposições com intuitos meramente dilatórios, causa evidente de prejuízo para a administração da justiça, prevê-se a condenação do réu que deduza oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar em multa de valor variável em função da taxa de justiça devida na acção declarativa. A falta de fundamento que o réu não devesse ignorar é apreciada pelo juiz competente para a acção declarativa subsequente ao procedimento de injunção, na sentença final.»
Verifica-se, assim, pelo preâmbulo do diploma, que, na fase processual da injunção, passou, a partir de 1 de Janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a existir um número muito significativo de pedidos de apoio judiciário por parte dos requeridos, incluindo a nomeação e pagamento de honorários de patrono.
O regime do apoio judiciário então vigente, constante da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro[24], estabelecia que a protecção jurídica, revestindo as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigo 6.º), era concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização em que o utente tivesse um interesse próprio e que versassem sobre direitos directamente lesados ou ameaçados de lesão (artigo 8.º).
O apoio judiciário, compreendendo diversas modalidades [25], aplicava-se em todos os tribunais, qualquer que fosse a forma de processo (artigo 16.º, n.º 1), sendo independente da posição processual que o requerente ocupasse na causa (artigo 17.º, n.º 1), podendo ser requerido pelo interessado na sua concessão, ou pelo Ministério Público, por advogado, advogado estagiário, solicitador ou patrono, em sua representação (artigo 18.º).
Sendo o pedido de apoio judiciário apresentado na pendência de acção judicial e pretendendo o requerente a nomeação de patrono, o prazo que estivesse em curso interrompia-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento respectivo (artigo 25.º, n.º 4), só voltando a reiniciar-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (n.º 5 do mesmo artigo).
Este regime foi mantido, em termos gerais, pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que revogou a Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Pela Portaria n.º 1200-C/2000, de 20 de Dezembro, que aprovou a tabela de honorários de advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário, foi previsto, no anexo respectivo, no ponto 1.1.4, referente ao Processo Civil – Acção Declarativa – Processo de Injunção que não dê lugar a processo sumaríssimo, o montante de honorários de três unidades de referência[26] [27].

– Pela Portaria n.º 808/2005, de 9 de Setembro, foi aprovado novo modelo de requerimento de injunção (artigo 1.º), estatuindo-se no seu artigo 2.º que a existência do mesmo deveria ser divulgada aos utentes, de forma adequada, pelas respectivas secretarias judiciais.

– Pela Portaria n.º 809/2005, de 9 de Setembro, foi regulada a forma de apresentação do requerimento de injunção. De acordo com o disposto no seu artigo 1.º, tal requerimento é apresentado na secretaria judicial por uma das seguintes formas: a) Entrega na secretaria judicial, em suporte de papel ou ficheiro informático, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.

– Pela Portaria n.º 810/2005, de 9 de Setembro, foi regulada a forma de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de injunção. Conforme estabelecido no seu artigo 1.º, o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de injunção é prévio à apresentação do respectivo requerimento, podendo ser efectuado através de estampilha, numerário, cheque visado ou sistema electrónico (n.º 1). Nas secretarias judiciais em que seja possível o franquiamento, mecânico ou informático, do requerimento de injunção, o pagamento da taxa de justiça pode ser efectuado em numerário, cheque visado ou sistema electrónico (n.º 2). Quando o requerimento de injunção for apresentado em ficheiro informático, o pagamento da taxa de justiça pode ser também efectuado através de depósito em conta (n.º 3).

– Pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, foi alterado o Decreto- -Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro, que regula o regime das comunicações por meios telemáticos entre as secretarias judiciais e os solicitadores de execução previsto no Código de Processo Civil. Pelo artigo 6.º daquele diploma, estabeleceu-se que o regime respectivo seria aplicável às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor.

– A Portaria n.º 728-A/2006, de 24 de Julho, veio regulamentar a entrega do requerimento de injunção através da Internet.
Refere-se no preâmbulo respectivo o seguinte:
«O XVII Governo Constitucional reconheceu no seu Programa a necessidade de proceder à «adopção decisiva dos novos meios tecnológicos como via para» que «a justiça e os serviços por esta prestados aos cidadãos e às empresas sejam cada vez mais qualificados, cómodos e céleres». Nesse sentido, o Governo comprometeu-se a promover a «progressiva desmaterialização dos processos judiciais».
A desmaterialização dos processos judiciais visa facilitar o acesso e o trabalho nos tribunais através da utilização das novas tecnologias e de aplicações informáticas que permitam a circulação electrónica desses processos, viabilizando-se a prática de actos pelas partes por via electrónica e uma maior simplicidade do trabalho nos tribunais, evitando desperdícios de tempo em tarefas dispensáveis.
Uma das áreas onde se identificou a necessidade de avançar no sentido da desmaterialização foi a do procedimento de injunção. Trata-se de uma via processual muito directamente relacionada com a actividade económica e a cobrança de dívidas que, por essa razão, deve ser proporcionada através de mecanismos das novas tecnologias.
Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho, que procedeu à alteração do regime da injunção, regulado no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, remeteu para portaria a aprovação das formas de apresentação do requerimento de injunção, de modo a poder facilitar a desmaterialização deste procedimento.
A presente portaria visa, pois, regulamentar essas modificações legislativas, viabilizando a desmaterialização do procedimento de injunção. Passa agora a permitir-se que o requerente entregue o requerimento de injunção através da Internet e que a circulação do procedimento na secretaria judicial se realize por via electrónica, com vantagens evidentes para os requerentes e os profissionais que desempenham funções nos tribunais.»
Por força do disposto no artigo 1.º da Portaria, a entrega do requerimento, por via electrónica, passaria a ser efectuada através do sítio http://www.tribunaisnet.mj.pt/habilus, funcionando, a título experimental, na Secretaria Judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, sem prejuízo da sua extensão a outras secretarias judiciais.

– Pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, foi aprovado o Regulamento das Custas Processuais.
Estabelece-se no seu artigo 1.º que todos os processos estão sujeitos a custas, considerando-se, para tal efeito, como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.
O Regulamento aplica-se, de acordo com o preceituado no seu artigo 2.º, «aos processos que correm termos nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais».
Como processo dessa natureza que corre termos nos tribunais judiciais, a tributação do processo de injunção foi expressamente prevista no Regulamento, nos termos seguintes:
No artigo 6.º, n.º 4, estatuiu-se que, quando o requerimento de injunção fosse entregue por via electrónica, a taxa de justiça seria reduzida a metade.
No artigo 7.º, n.º 3, determinou-se que «a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pela apresentação de requerimento de injunção, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii.
No n.º 4 do mesmo artigo, preceituou-se que, nos processos de injunção, se o procedimento seguir como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no número anterior.
Na tabela ii anexa ao Regulamento, estabeleceram-se os montantes da taxa de justiça devida no âmbito dos processos de injunção, de acordo com o valor da causa, graduando-se a mesma entre 0,5 e 1,5 unidades de conta.

– Pela Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, foi criada uma secretaria-geral designada por Balcão Nacional de Injunções.
Referem-se no preâmbulo respectivo as razões seguintes que estiveram subjacentes à sua criação:
«No âmbito dos mecanismos judiciais para cobrança de dívidas, o procedimento de injunção é o procedimento destinado à obtenção de um título executivo mais procurado, verificando-se que anualmente são iniciados mais de 200 000 procedimentos deste tipo.
Um dos factores que explica o sucesso deste procedimento é a sua celeridade. Em 2006, a duração média de cerca de metade dos procedimentos de injunção foi inferior a dois meses.
A desmaterialização do procedimento de injunção que esta portaria executa contribui para facilitar o acesso e o trabalho de todos os profissionais envolvidos neste procedimento, através da utilização das novas tecnologias e de aplicações informáticas que permitam a circulação electrónica dos procedimentos, bem como a prática de actos por via electrónica, sem deslocações e com redução de custos directos e indirectos.
Assim, em primeiro lugar, a entrega do requerimento de injunção por via electrónica a partir de qualquer ponto do País passa a ser possível, sem necessidade de deslocação a qualquer secretaria ou tribunal para a sua entrega, sucedendo o mesmo com qualquer outra peça do procedimento.
(…) Mas a desmaterialização do procedimento de injunção não significa apenas a simplificação e a agilização da vida de quem pretende apresentar uma injunção. Permite também a concentração da tramitação das injunções numa única secretaria que agora se cria: o Balcão Nacional de Injunções. A existência de uma secretaria judicial destinada unicamente a tramitar os procedimentos de injunção permite aumentar os níveis de eficiência e eficácia no trabalho, consequência natural da especialização dessa secretaria, contribuindo assim para uma maior celeridade do procedimento. Além disso, a criação do Balcão Nacional de Injunções permitirá retirar estes procedimentos das 231 secretarias judiciais que hoje tramitam injunções, libertando-as para os restantes processos e procedimentos judiciais.
(…) Relativamente às formas de apresentação do requerimento, passa a ser dada prevalência à apresentação em formato electrónico através da Internet.
A apresentação do requerimento em suporte de papel (que deixará de poder ser efectuada por remessa de correio a partir de 1 de Maio de 2008) continua a ser efectuada nas secretarias judiciais competentes de acordo com o disposto no artigo 8.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, não podendo ser efectuada directamente no Balcão Nacional de Injunções. É da competência das secretarias judiciais que recebem o requerimento em ficheiro electrónico ou suporte de papel introduzir os dados constantes do requerimento no sistema informático das injunções de modo que a tramitação do procedimento ocorra no Balcão Nacional de Injunções de forma totalmente desmaterializada.»
Foi, assim, criada uma secretaria judicial destinada unicamente a tramitar os procedimentos de injunção, com competência em todo o território nacional (artigos 1.º e 3.º), sendo o respectivo quadro de pessoal constituído por: 1 secretário de justiça, 1 escrivão de direito, 25 escrivães auxiliares e 5 assistentes administrativos (mapa anexo à Portaria).
As secretarias de injunção existentes nas comarcas de Lisboa e Porto foram extintas, permanecendo em funcionamento como liquidatárias dos processos pendentes à data da entrada em vigor da portaria, mantendo-se, entretanto, como as secretarias competentes para a recepção dos requerimentos de injunção das comarcas de Lisboa e do Porto, respectivamente, até ao dia 31 de Maio de 2008 (artigo 4.º).
Por força do disposto no artigo 5.º, o requerimento de injunção passou a poder ser apresentado por envio de formulário electrónico ou de ficheiro informático através do sistema informático CITIUS, acessível através do endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, ou em suporte de papel, sendo, neste caso, entregue na secretaria judicial competente, de acordo com o disposto no artigo 8.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98.
De acordo com o estatuído no artigo 16.º, a entrega em suporte de papel seria admitida até 30 de Abril de 2008, devendo, a partir de então, as pessoas ou entidades que não tiverem a possibilidade de aceder ao sistema CITIUS proceder à entrega através de ficheiro informático na secretaria judicial competente.

– Pela Lei n.º 24/2008, de 2 de Junho, foi alterado o n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (que criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais), estabelecendo-se que «o prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos».
Pela Lei n.º 6/2011, de 10 de Março, foi alterado o artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 23/96, preceituando que «quando as partes, em caso de litígio resultante de um serviço público essencial, optem por recorrer a mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos suspende-se no seu decurso o prazo para a propositura da acção judicial ou da injunção.»

– No preâmbulo da Portaria n.º 265/2011, de 14 de Setembro, que revogou o n.º 2 do artigo único da Portaria n.º 115- -C/2011, de 24 de Março[28] refere-se que «o Memorando de Entendimento assinado em 17 de Maio de 2011, entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, previa o alargamento do RPCE a quatro tribunais até ao final do 3.º trimestre de 2011 (medida 7.9) bem como a sua avaliação global até ao final de Dezembro de 2011 (medida 7.10)».
Refere ainda que o mesmo Memorando prevê «a revisão do Código de Processo Civil e a preparação de uma proposta, a apresentar até ao final de 2011, que identifique as áreas-chave para aperfeiçoamento, nomeadamente consolidando legislação para todos os processos de execução presentes a tribunal, conferindo aos juízes poderes para despachar processos de forma mais célere, reduzindo a carga administrativa dos juízes e impondo o cumprimento de prazos legais para os processos judicias e, em particular, para os procedimentos de injunção, para os processos executivos e de insolvência».


6. A natureza da injunção como uma forma de processo civil especial a tramitar no âmbito do tribunal, embora sem intervenção do juiz (fase processual desjudicializada), determinando, na falta de oposição do requerido, o efeito cominatório da formação de um título judicial, embora impróprio[29], e o prosseguimento, em caso de existência de oposição, para a fase de julgamento, tem vindo a ser genericamente reconhecida na doutrina e na jurisprudência.

A esse propósito, refere LEBRE DE FREITAS[30]:

«Alguns dos títulos cuja força executiva resulta de disposição especial da lei (art. 46-1-d) formam-se no decurso de um processo.
(…) Assim, também, nos termos do DL 269/98, de 1 de Setembro, e do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro, que regulam o processo de injunção, o titular do direito de crédito pecuniário, decorrente de contrato, cujo valor não exceda a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou que constitua remuneração estabelecida em contrato de fornecimento de mercadorias ou prestação de serviços, celebrado entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, pode requerer, na secretaria do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou do domicílio do devedor, a injunção deste para o cumprimento da obrigação (art. 1 do DL 269/98, art. 8-1 do regime anexo e art. 2 do DL 32/2003). O requerido é notificado para, em 15 dias, pagar ao credor a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão. Se se opuser, tal como se a notificação se frustrar, seguem-se os termos do processo especial de acção declarativa criado pelo mesmo diploma (arts. 16 e 17 do regime anexo); mas, se o requerido não deduzir oposição, o secretário judicial, sem que o processo seja concluso ao juiz, escreverá no requerimento de injunção que “este documento tem força executiva”, a menos que não se verifiquem os requisitos do processo de injunção (art. 14, n.os 1 e 2, do regime anexo). O requerente pode propor, no competente juízo civil, acção executiva com base no título executivo assim formado.
Os títulos deste tipo, formados num processo mas não resultantes duma decisão judicial, têm sido classificados como judiciais impróprios.»

Em sentido análogo se pronuncia MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[31], referindo:

«Embora a tarefa não seja fácil, há no art.º 53.º, n.os 2 e 3 [do CPC], um elemento literal que pode ajudar na sua realização: é que o preceito mostra que o título judicial se constitui numa “acção” e que o título de formação judicial provém de um “processo”. Estas expressões parecem dar a entender que o legislador, ao aludir aos títulos de formação judicial, se está a referir ao título que se forma com a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção ao qual o requerido não deduziu oposição (…).»

No mesmo sentido se pronuncia CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO[32], em comentário ao artigo 53.º do Código de Processo Civil:

«Os n.os 2 e 3, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 38/03, vêm prever a relevância da figura do “título de formação judicial” – título judicial impróprio, formado no âmbito de um procedimento cometido aos tribunais judiciais, mas sem qualquer intervenção jurisdicional, como ocorre, de forma paradigmática, no processo de injunção.»

Em análogo sentido se pronunciam SALVADOR DA COSTA[33] e PAULO PIMENTA[34].


7. No Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 77791/09.3YIPRT.L1-8[35], refere-se, relativamente à natureza do processo de injunção, o seguinte:

«(…) 7) A própria lei processual oferece os indícios de que o intérprete carece quanto à qualificação do acto de apresentação do requerimento de Injunção como acto de natureza processual, ainda que não necessariamente subordinado à sindicância de um Juiz (daí resultando a sua caracterização como para-judicial), e, portanto, como o acto que marca o início do processo – cfr. artigos 1.° e 4.° do diploma preambular e artigo 7.° do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.
8) Também a Portaria nº 220-A/2008, de 4 de Março - que cria o Balcão Nacional de Injunções – estabelece, no seu artigo 5.°, que a data da prática do acto processual (ou seja, da apresentação do requerimento de Injunção) corresponde à data da confirmação do pagamento da taxa de justiça devida ou à data de entrega do requerimento, caso esta coincida com o pagamento daquela taxa.
9) O processo fundado na apresentação da Injunção inicia- -se, por isso, não com a remessa dos autos à distribuição, mas sim na data de entrada do respectivo requerimento na secretaria judicial competente ou na data da confirmação do pagamento da taxa de justiça devida; caso este não ocorra em simultâneo com aquela entrada.
10) A apresentação do requerimento de Injunção constitui, assim, o primeiro acto processual (ainda que não jurisdicional) tendente a alcançar o desiderato de obtenção de um título executivo, equivalendo, em termos simplificados, a uma petição inicial, na qual o Requerente descreve sumariamente os factos integrantes da causa de pedir (alínea d), formula o seu pedido contra o Requerido (alínea e) e indica, entre outros elementos, o Tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição – cfr. artigo 10.°, do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.
11) Com a dedução da oposição, a providência de Injunção convola-se ou transmuta-se em acção declarativa de condenação, cabendo, por isso, ao requerente «assegurar que nesse requerimento [de Injunção] se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma [causa de pedir], que o mesmo é a individualizar o contrato invocado» (Acórdão do 'TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO proferido no Processo nº 0631115 e datado de 30 de Março de 2006, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
12) Ou seja, materialmente, tanto o requerimento de Injunção como a oposição valerão como petição inicial e contestação para efeitos de apreciação judicial da procedência da pretensão deduzida.

13) Desta forma, contrariamente ao entendimento vertido na sentença recorrida, não faz sentido sustentar a inexistência do processo até ao momento da distribuição dos autos, uma vez que a providência de Injunção consubstancia uma forma especial de processo, ao atribuir a uma determinada pretensão a solução que o direito objectivo permite: neste caso, a faculdade de o credor exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, junto do devedor.»

A caracterização da injunção como uma forma de processo civil especial, como tal regulado subsidiariamente pelas regras do Código de Processo Civil, designadamente em matéria de contraditório, de formalismo de actos processuais e da respectiva nulidade ou irregularidade, tem sido uma constante na nossa jurisprudência, como poderá verificar-se, a título exemplificativo, pela consulta dos arestos seguintes[36]: Acórdão da Relação do Porto de 14-06-2011 (Processo nº 4559/07.3TBMTS-A.P1); Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2011 (Processo nº 10070/08.8YIPRT-A.C1); Acórdão da Relação de Coimbra de 22-03-2011 (Processo nº 235291/09.0YIPRT.C1); Acórdão da Relação de Guimarães de 25-02-2011 (Processo nº 6710/09.0TBBRG-A.G1); Acórdão da Relação de Lisboa de 20-04-2010 (Processo nº 208271/08.5YIPRT.L1-1); Acórdão da Relação de Lisboa de 02-02-2010 (Processo nº 33805/09.7YIPRT.L1-1); Acórdão da Relação de Lisboa de 03-12-2009 (Processo nº 61495/09.0YIPRT.L1-7); Acórdão da Relação de Lisboa de 17-09-2009 (Processo nº 1999/05.6TBCSC-B.L1-6); Acórdão da Relação de Lisboa de 18-06-2009 (Processo nº 6201/06.0TBAMD.L1-2); Acórdão da Relação de Lisboa de 03-03-2009 (Processo nº 6500/2009-1); Acórdão da Relação de Lisboa de 13-03-2008 (Processo nº 2071/2008-6).


IV


1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática (artigo 219.º da CRP e artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público).

O Ministério Público é o órgão encarregado de, nos Tribunais Judiciais, representar o Estado (artigo 5.º, n.º 1, da LOFTJ).

Quando representa o Estado, o Ministério Público tem intervenção principal nos processos correspondentes [artigos 3.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Estatuto].

O Ministério Público é representado nos tribunais de 1.ª instância por procuradores da República e por procuradores-adjuntos [artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Ministério Público, e artigo 113.º, n.º 1, alínea c), da LOFTJ].

Compete aos procuradores da República representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância, devendo assumir pessoalmente essa representação quando o justifiquem a gravidade da infracção, a complexidade do processo ou a especial relevância do interesse a sustentar [artigo 63.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto].

Os procuradores-adjuntos exercem funções em comarcas segundo o quadro constante das leis de organização judiciária, competindo-lhes representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância (artigo 64.º, n.os 1 e 2).

Nas acções cíveis em que o Estado seja parte, o Procurador- -Geral da República, ouvido o procurador-geral distrital, pode nomear qualquer magistrado do Ministério Público para coadjuvar ou substituir o magistrado a quem incumba a representação (artigo 67.º).

O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção do Ministério Público logo que este seja constituído (artigo 20.º, n.º 1, do CPC).

Por força do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre organização e competência do Ministério Público, salvo autorização ao Governo.


2. A questão do âmbito da representação do Estado[37] pelo Ministério Público tem sido objecto de discussão sob variados aspectos, tendo dado lugar à elaboração de múltiplos pareceres por parte deste Conselho.

No âmbito dos Pareceres n.os 171/80, de 18 de Dezembro, e 3/1981, de 8 de Outubro, analisou-se a questão de o Ministério Público ter ou não o exclusivo da representação do Estado em juízo, tendo-se concluído no sentido de ter consagração constitucional a competência exclusiva do Ministério Publico para efeito de tal representação.

Não tendo tal doutrina merecido acolhimento por parte da Comissão Constitucional[38], viria subsequentemente a ser alterada a redacção do artigo 20.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, permitindo que lei especial possa prever o patrocínio por mandatário judicial próprio[39].

No Parecer n.º 119/82, de 14 de Outubro[40], concluiu-se que não compete ao Ministério Publico representar o Estado junto de tribunais estrangeiros, pelo que o cumprimento das cartas rogatórias para citação ou notificação do Estado Português, sem individualização da pessoa ou entidade a citar ou a notificar, extraídas de acções cíveis contra este intentadas em tribunais estrangeiros, deve ser efectuado na pessoa do Primeiro-Ministro, como representante do Governo.

No Parecer n.º 74/1991, de 21 de Novembro[41], concluiu-se que a lei não atribui ao Ministério Público competência para representar o Estado Português nas acções emergentes de contratos de investimento estrangeiro intentadas nos tribunais arbitrais, sendo o mesmo neles representado pelo Primeiro-Ministro ou pelo Ministro que aquele designar.

No Parecer n.º 160/2001, de 26 de Setembro de 2003, concluiu-se que o Estado é representado pelo Ministério Público quando intervenha como parte, em processos próprios dos tribunais tributários, na defesa dos seus interesses decorrentes da qualidade de proprietário de bens integrados no seu domínio privado, tendo a mesma lugar quando legalmente admitida a intervenção processual do Estado e no respeito das instruções específicas formuladas pelo Ministro da Justiça que sejam conformes à lei.

No Parecer n.º 114/2003, de 11 de Março de 2004[42], concluiu- -se que a competência para o Ministério Público representar o Estado e os incapazes se reporta aos tribunais estaduais, designadamente aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos e fiscais, não atribuindo a lei ao Ministério Público competência para representar o Estado e os incapazes nos tribunais arbitrais.

No Parecer n.º 10/2005, de 2 de Setembro[43], concluiu-se que a competência para o Ministério Público representar o Estado, nos termos do artigo 219.º da Constituição e dos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, se reporta aos tribunais estaduais, designadamente aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos e fiscais, pelo que o Ministério Público não representa o Estado nos julgados de paz.

Resulta, pois, da doutrina deste Conselho acima exposta, sucessivamente reafirmada, que a representação judiciária do Estado se cinge aos tribunais estaduais (judiciais e administrativos e fiscais).


3. Atribuindo a lei ao Ministério Público a competência para representar o Estado-Administração nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais, não resulta da mesma qualquer limitação do âmbito dessa representação que seja determinada quer pela natureza do processo que ali venha a correr termos e no qual o Estado seja interessado, quer pelo facto de no processo vir ou não a haver intervenção efectiva de um juiz e, caso ela venha a existir, pelo momento a partir do qual tal intervenção venha a ter lugar.

Se o Estado tiver, como Autor, que propor uma acção declarativa de natureza condenatória no tribunal judicial com competência cível, o Ministério Público assume a sua representação ainda antes do início da instância processual[44], elaborando e subscrevendo, em tal qualidade, o pertinente articulado (petição inicial) que posteriormente dará entrada em juízo.

Caso a secretaria recuse o recebimento da petição, caberá ao Ministério Público, em representação do Estado, reclamar desse acto processual do secretário judicial para o juiz de turno (artigo 475.º do CPC). O facto de a instância ainda se não ter iniciado, pelo facto de a petição ainda não ter sido recebida em juízo, não obsta a que seja o Ministério Público a representar o Estado no incidente de reclamação, já que este é tramitado em juízo.

Uma vez iniciada a instância, o Ministério Público continua a representar o Estado antes e após a distribuição do processo
à secção judicial respectiva, caso tal acto processual tenha lugar, e antes e após a intervenção do juiz no processo, caso ela deva efectivamente vir a ocorrer.


Nas acções declarativas, a intervenção do juiz passou, em regra, após a reforma processual civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, a ter lugar apenas na fase do saneamento do processo, findos os articulados (artigo 508.º do Código de Processo Civil). No decurso desta fase processual (articulados), em regra desjudicializada, continua o Ministério Público a representar o Estado, uma vez que a respectiva representação em juízo em nada depende do momento em que a intervenção jurisdicional venha a ter lugar.

Uma vez proferida sentença condenatória julgando procedente a acção intentada pelo Estado, e esgotado o poder jurisdicional do tribunal (artigo 666.º do CPC), o Ministério Público, como representante do Estado no tribunal, instaura a correspondente acção executiva, dando entrada ao requerimento inicial respectivo (artigo 810.º do CPC) na secretaria judicial competente.

Por força do disposto no artigo 808.º do CPC, caberá ao oficial de justiça[45] exercer, no caso, as funções de agente de execução, efectuando todas as diligências de execução até final (artigo 919.º do CPC), sem intervenção do juiz, a menos que se suscite qualquer incidente que reclame a efectiva intervenção deste (caso da oposição à execução ou à penhora e da necessidade de verificação e graduação de créditos reclamados). O facto de o processo executivo poder decorrer em tribunal de forma totalmente desjudicializada, sob controlo do competente oficial de justiça, não tem, assim, qualquer influência na representação judiciária do Estado-exequente, que continuará a ser assegurada pelo Ministério Público.

Se o Estado pretender formular um pedido de indemnização no âmbito do processo penal, o Ministério Público, em sua representação, formula o pedido na acusação, ou em requerimento articulado no prazo em que aquela deve ser deduzida (artigos 76.º, n.º 3, e 77.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Quando tal pedido é formulado, o processo penal respectivo encontra-se ainda a correr termos nos serviços do Ministério Público, só mais tarde sendo remetido à distribuição pela secção judicial correspondente, para efeitos de prolação do despacho a que se reporta o artigo 311.º do mesmo Código.

De igual forma, se for deduzida qualquer pretensão em juízo em que o Estado seja interessado, como parte principal ou acessória, cabe ao Ministério Público assegurar a sua representação.

Na qualidade de representante do Estado nos tribunais judiciais, deve ser o Ministério Público a receber quaisquer citações, notificações ou comunicações que ao mesmo devam ser feitas pela secretaria judicial ou por qualquer secção de processos. A efectuação de tais actos em pessoa diversa do magistrado do Ministério Público que exerce funções junto do tribunal respectivo, ou de quem legalmente o substitua, determina a correspondente nulidade processual, sujeita ao regime previsto nos artigos 198.º e 200.º e seguintes do Código de Processo Civil.

Havendo lugar à dedução de oposição à pretensão formulada em juízo contra o Estado, caberá ao Ministério Público, como seu representante, elaborar e subscrever tal oposição, apresentá-la na secretaria do tribunal e acompanhar o processo correspondente até final.

Esta representação estende-se, assim, em juízo, a qualquer forma de processo, declarativo ou executivo, comum ou especial.

No procedimento de injunção, de natureza especial, cujas génese e teleologia acima se expuseram, caberá ao Ministério Público, pelas razões expostas, assegurar a representação do Estado.

Quando determinado operador económico dá entrada na secretaria judicial (trate-se de uma secretaria-geral, como o Balcão Nacional de Injunções, com competência a nível nacional, ou da secretaria privativa de qualquer tribunal judicial, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3, da Portaria n.º 220-A/2008) a um requerimento de injunção demandando o Estado, a alternativa que se apresenta a este, perante a pretensão contra ele formulada, é esta: ou opta por não deduzir oposição, sujeitando-se ao efeito cominatório da atribuição de exequibilidade imediata à pretensão, mediante a aposição da correspondente fórmula executória pelo secretário judicial, possibilitando ao credor demandante a passagem imediata à fase executiva, sem necessidade de o processo prosseguir para julgamento; ou deduz oposição, mobilizando todos os meios de defesa de que dispõe perante o tribunal, impedindo a produção do referido efeito cominatório e obrigando à realização de julgamento.

A elaboração da defesa do Estado em juízo, para subsequente apreciação jurisdicional no âmbito do julgamento a realizar, cabe ao Ministério Público, nos termos constitucionais e legais [artigo 219.º da Constituição, artigos 5.º, n.º 1, da LOFTJ, artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público e artigo 20.º, n.º 1, do Código de Processo Civil].

Não foi intenção do legislador, nem no Decreto-Lei n.º 404/93, que criou o processo de injunção, nem no Decreto-Lei n.º 269/98, que o reformulou, retirar ao Ministério Público a competência para assumir essa representação em juízo, que de há muito lhe vem sendo cometida no nosso ordenamento jurídico.

Para além de tais diplomas serem de todo omissos a tal respeito, uma eventual decisão de política legislativa que pretendesse retirar ao Ministério Público a representação do Estado no âmbito desse processo, passando a aplicar ao mesmo, em sede de mandato judicial, o disposto na parte final do artigo 20.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sempre haveria de caber à Assembleia da República, por força do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição. Ora, tais diplomas, tendo sido emitidos pelo Governo, não foram objecto de qualquer autorização parlamentar que possibilitasse a subtracção ao Ministério Público da competência legal para representação do Estado no âmbito do processo em causa.



V


1. A consulta foi suscitada pelo facto de o Ministério Público junto dos tribunais administrativos ter passado a ser notificado, como representante do Estado-Administração, em processos de injunção a tramitar no Balcão Nacional de Injunções.

Tal obriga a encarar, de seguida, a problemática da aplicação ou não do processo de injunção no âmbito da jurisdição administrativa.

A resposta, adianta-se desde já, não pode deixar de ser negativa.


2. Conforme acima se expôs, a injunção foi uma das medidas legislativas que visou acorrer à litigância em massa que se estava a verificar no âmbito da jurisdição cível, com especial relevo para a comarca de Lisboa.

Davam entrada, com efeito, em tribunal largas dezenas de milhares de processos sumaríssimos de declaração pedindo a condenação no pagamento de montantes pecuniários com fundamento em contrato, que não tinham subjacente qualquer litígio atinente à existência ou à exigibilidade dos créditos.

Tais processos, não sendo apresentada contestação, davam lugar a condenações de preceito, em formulários pré-elaborados que os juízes datavam e assinavam.

A introdução do processo de injunção visou retirar aos juízes esse trabalho material e rotineiro, permitindo-lhes dedicar-se aos processos mais complexos que tendiam a acumular-se nos tribunais.

Esse circunstancialismo histórico, existente na jurisdição comum (área cível), de litigância em massa geradora de condenações de preceito em processo sumaríssimo, e que motivou a referida medida legislativa, não se verificava, como nunca se verificou até hoje, na jurisdição administrativa.

Remontando ao ano de 1993, em que a injunção foi introduzida no nosso ordenamento jurídico, verificamos, pela análise estatística das acções entradas nos tribunais administrativos a nível nacional, demandando o Estado e outras entidades, que o respectivo número foi de apenas 360 (163 no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, 109 no do Porto e 88 no de Coimbra)[46].

No ano de 1998, em que o processo de injunção foi reformulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, o número de acções entradas nos tribunais administrativos foi de 589 (226 em Lisboa, 183 no Porto e 180 em Coimbra)[47].

Tratava-se de acções com finalidades várias: acções para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, acções sobre contratos administrativos[48] e sobre responsabilidade das partes pelo seu incumprimento e acções sobre responsabilidade civil do Estado, de outros entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso [artigo 51.º, n.º 1, alíneas f) a h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril]. Atento esse rol, o número de acções relativas a contratos, visando a condenação no pagamento de quantias pecuniárias com fundamento nos mesmos, seria, por certo, bem inferior aos números, já de si bem modestos, acima indicados[49].

Tais acções, relativas a contratos administrativos, a decorrer nos tribunais administrativos de círculo, seguiam, independentemente do valor da causa, os termos do processo civil de declaração, na sua forma ordinária, o mesmo sucedendo relativamente às acções de responsabilidade civil por actos de gestão pública (artigo 72.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto- -Lei n.º 267/85, de 16 de Julho).

As acções para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos seguiam os termos dos recursos dos actos administrativos dos órgãos da administração local (artigo 70.º do mesmo diploma).

Inexistia, assim, na jurisdição administrativa, a forma de processo sumaríssimo geradora de condenações de preceito em grande escala por falta de contestação que se verificava na jurisdição cível comum, que esteve, historicamente, na origem do processo de injunção.

Por outro lado, as acções emergentes de contratos administrativos interpostas na jurisdição administrativa, quando destinadas a obter condenação no pagamento de quantias pecuniárias, tinham, em regra, atenta a natureza das partes (pessoas colectivas públicas e operadores económicos sob forma societária a quem os contratos foram adjudicados em procedimento no decurso do qual tiveram que demonstrar a sua solidez financeira e, nos casos legalmente previstos, prestar a correspondente caução), um litígio real subjacente quanto à existência ou à exigibilidade do correspondente pagamento.

Tais acções, de expressão estatística insignificante, não se reportavam, qualquer que fosse o demandado, a devedores relapsos que, não contestando a existência da dívida, a não pretendiam pura e simplesmente pagar. Tendo em consideração a controvérsia real existente entre as partes, davam lugar, em regra, à dedução de oposição, obrigando à realização do competente julgamento.

Tratava-se, pois, de um terreno de todo inóspito para nele ser plantada a figura da injunção[50].


3. Para além de o circunstancialismo histórico e o elemento teleológico que estiveram na base da criação da figura da injunção excluírem, de todo, a sua extensão à jurisdição administrativa, os elementos literal e sistemático, na evolução legislativa que desde então se verificou, apontam, de igual forma, inequivocamente no mesmo sentido.

Retomando a análise do Decreto-Lei n.º 404/93, que introduziu no nosso ordenamento a figura da injunção, verificamos, pelo respectivo preâmbulo, que o mesmo teve «natureza intercalar no que respeita à revisão da actual legislação processual civil em curso», revisão essa que teve um fundamental desenvolvimento com a reforma que viria a ser introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95.

Estava totalmente fora do horizonte legislativo pretender-se, com tal diploma, introduzir qualquer alteração, ainda que intercalar, na lei de processo nos tribunais administrativos, então constante do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.

Por força do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 404/93, no requerimento de injunção, deveria o requerente expor os factos que fundamentavam a sua pretensão, juntar os documentos comprovativos, se os houvesse, concluindo pelo pedido da prestação a efectuar, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 793.º do Código de Processo Civil, isto é, a forma do processo sumaríssimo de declaração.

Caso existisse oposição por parte do requerido, ou frustrando- -se a notificação, os autos seriam remetidos à distribuição, observando-se subsequentemente a tramitação do processo sumaríssimo.

Como acima se salientou, o processo sumaríssimo inexistia na jurisdição processual administrativa, e o Decreto-Lei n.º 404/93 não efectuou qualquer alteração na LPTA no sentido de a passar a admitir. Após a sua entrada em vigor, mantiveram-se inalterados os artigos 18.º, 71.º e 72.º da LPTA, consignando, nos tribunais administrativos de círculo, a existência de apenas uma espécie de acções sobre contratos e responsabilidade, para efeitos de distribuição, seguindo a tramitação do processo civil de declaração na forma ordinária.

O sentido normativo das disposições legais citadas aponta, pois, consistentemente, no sentido da sua aplicação exclusiva à jurisdição cível comum, onde tal forma de processo existia.


4.No artigo 7.º do Decreto-Lei n.º329-A/95,

de 12 de Dezembro, que reviu o Código de Processo Civil, estabeleceu-se que, «sem prejuízo da aplicação do regime do processo sumaríssimo, diploma próprio poderá regular a tramitação dos processos que corram termos nos tribunais de pequena instância cível».


O Decreto-Lei n.º 269/98, que reformulou o processo de injunção e criou a acção especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, faz alusão expressa, no seu preâmbulo, ao facto de os tribunais comuns com competência cível, e fundamentalmente o tribunal de pequena instância cível de Lisboa, estarem a ser colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, convertendo-se em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano.

Referindo ser «elevadíssimo o número de acções propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos», adianta-se que «apenas nos tribunais de pequena instância cível de Lisboa, deram entrada nos anos de 1995, 1996 e 1997 respectivamente 46760, 56667 e 88523 acções, quase todas com o referido objecto».

Refere-se seguidamente no mesmo preâmbulo:

«O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, previu a possibilidade da criação de processos com tramitação própria no âmbito da competência daqueles tribunais.
É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando- -o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado.»

Refere, assim, o legislador que o seu propósito, ao introduzir uma nova forma de processo especial no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais da 1.ª instância, pretendeu concretizar a medida prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que se referia à possibilidade de criação, em diploma próprio, de uma tramitação específica para os processos a correr termos nos tribunais de pequena instância cível, mas generalizando tal concretização ao conjunto dos tribunais judiciais.

Assim, quer a acção especial visando o cumprimento das referidas obrigações pecuniárias, prevista nos artigos 1.º a 6.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, quer o processo de injunção previsto nos artigos subsequentes e que naquela vai desaguar em caso de dedução de oposição ou de frustração da notificação do requerido, são, por vontade legislativa expressa, aplicados exclusivamente na jurisdição comum (tribunais judiciais), sendo alheios à jurisdição administrativa.


5. É por isso que, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 269/98, se procedeu à alteração ao artigo 222.º do Código de Processo Civil, introduzindo, na distribuição a efectuar nos tribunais comuns, as espécies «3.ª Acções de processo sumaríssimo e acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos», e «7.ª Execuções nos termos do Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, e provenientes de procedimentos de injunção».

Tais espécies não foram objecto de introdução na jurisdição administrativa, pelo que, no respectivo âmbito, e de acordo com o disposto no artigo 18.º do LPTA, continuou a estar prevista apenas a espécie «1.ª Acções sobre contratos e responsabilidade», reportando- -se às acções previstas nos artigos 71.º e 72.º a tramitar como processo comum de declaração na forma ordinária, continuando, outrossim, a não se prever qualquer espécie de distribuição relativa a execuções relacionadas com as acções em causa.


6. No artigo 4.º, n.º 3, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, estabeleceu-se, na sua redacção originária, que, quando as partes não tivessem constituído mandatário judicial ou este não comparecesse, a inquirição das testemunhas seria efectuada pelo juiz.

Por outro lado, no artigo 10.º, n.º 3, estabeleceu-se que, quando o requerimento de injunção fosse subscrito por mandatário judicial, seria bastante a menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário.

Decorre de tais disposições que relativamente à acção declarativa especial e ao processo de injunção previstos em tal regime não foi estabelecida a necessidade de patrocínio por advogado.

Ora, no contencioso administrativo vigorava e continuou a vigorar a regra oposta, sendo sempre obrigatória a constituição de advogado (artigo 5.º da LPTA[51]).


7. Por outro lado, estabeleceu-se no artigo 6.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 que, sendo a acção julgada procedente, «a execução corre nos próprios autos[52]».

Desta forma, o autor, uma vez obtida sentença favorável, e uma vez esta transitada em julgado, requeria, no mesmo tribunal e no mesmo processo, o prosseguimento como acção executiva, a fim de obter o pagamento coercivo do seu crédito.

O que sucede é que, no âmbito do contencioso administrativo, inexistia até então e continuou a inexistir até ao início de 2004[53], a execução para pagamento de quantia certa, proveniente ou não de sentença condenatória, com o figurino existente nos tribunais judiciais.

Com efeito, estabelecia a LPTA, no seu artigo 95.º, que as decisões dos tribunais administrativos transitadas em julgado eram obrigatórias, nos termos da Constituição da República, e à sua execução pelas autoridades administrativas era aplicável o disposto nos artigos 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.

No artigo 96.º previa-se o requerimento da execução perante a jurisdição administrativa, mas apenas no âmbito do contencioso anulatório.

No artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77 estabelecia-se que a execução de sentença proferida em contencioso administrativo, quando não fosse efectuada espontaneamente pela Administração no prazo de 30 dias a contar do respectivo trânsito, poderia ser requerida pelo interessado ao órgão que tivesse praticado o acto recorrido ou, tratando-se de acção, ao competente órgão da pessoa colectiva nela demandada.

A sentença deveria ser integralmente executada no prazo de sessenta dias, salvo ocorrendo causa legítima de inexecução, sendo que, relativamente a sentenças condenatórias no pagamento de quantia certa, tal causa era ininvocável (artigo 6.º).

Uma vez não executada a sentença condenatória em quantia certa no prazo indicado, estabelecia-se no artigo 74.º da LPTA que a instauração, no tribunal judicial, de execução por quantia certa de decisão condenatória de pessoa colectiva de direito público só poderia ter lugar no caso de impossibilidade de cobrança através da requisição prevista no n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77. Este preceito estatuía a obrigatoriedade de existência no orçamento das pessoas colectivas de direito público de dotação destinada ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais, dotações que ficavam à ordem do Conselho Superior da Magistratura, o qual emitiria a favor dos respectivos credores as ordens de pagamento que lhe fossem requisitadas pelos tribunais.

A execução para pagamento de quantia certa, em caso de inexistência de verba na dotação prevista no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, corria, pois, no tribunal judicial e não no tribunal administrativo.


8. No artigo 8.º, n.os 1 e 2, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, estatuiu-se que o requerimento de injunção seria apresentado, à escolha do credor, na secretaria do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou na secretaria do tribunal do domicílio de devedor e que, no caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a apresentação do requerimento na secretaria deveria respeitar as respectivas regras de competência.

Teve, assim, o legislador o cuidado de, no caso de o tribunal territorialmente competente não ser de competência genérica, determinar que o requerimento de injunção deveria dar entrada no tribunal de competência especializada ou de competência específica correspondente.

Ora, quer os tribunais de competência especializada, quer os de competência específica, são categorias próprias dos tribunais judiciais (artigo 211.º, n.º 2, da Constituição e artigos 64.º, 65.º e 96.º da LOFTJ – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

Constituindo os tribunais administrativos uma ordem judiciária diversa da dos tribunais judiciais, seria incompreensível que o legislador, caso pretendesse aplicar no respectivo âmbito o regime processual em análise não tivesse, de igual forma, referido expressamente que, tratando-se de tribunal integrado nessa ordem, o requerimento injuntivo deveria ser apresentado na secretaria do correspondente tribunal.


9. Pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, foi aprovado o regulamento da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).

No seu artigo 16.º estabeleceu-se que, onde a natureza e volume do serviço o justifiquem, haverá secretarias com funções de centralização administrativa, designadas por secretarias-gerais, abrangendo um ou mais tribunais ou um ou mais serviços do Ministério Público (n.º 2), podendo criar-se secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção, bem como secções com funções de centralização de serviço externo de uma ou mais secretarias n.º 4).

A previsão de criação de secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção verificou-se exclusivamente no âmbito dos tribunais judiciais.

Foram, pouco depois, criadas, pela Portaria n.º 433/99, de 16 de Junho, secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção nas comarcas de Lisboa e do Porto.

Sucede, todavia, que na orgânica dos tribunais administrativos não foi introduzido qualquer preceito a prever a criação de secretarias dessa natureza (cfr. o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais então vigente[54] e o diploma que o regulamentou[55]).


10. Na Lei n.º 3-A/2000, de 4 de Abril, que aprovou as Grandes Opções do Plano para 2000, previu-se, em sede de medidas de combate à morosidade processual, a «expansão do uso de processos ágeis e rápidos para a cobrança de dívidas e outras acções simples do foro cível, criando 50 novas secretarias de injunção nas comarcas com maior movimento».

O expresso reconhecimento, pelo legislador, de que o procedimento de injunção se enquadra nos processos ágeis e rápidos para a cobrança de dívidas do foro cível, afasta qualquer ideia de que possa tratar-se de um mecanismo processual extensivo à jurisdição administrativa.


11. Pelo Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, foi estabelecido o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais, transpondo a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, e alterado o artigo 102.º do Código Comercial e os artigos 7.º, 10.º, 12.º, 12.º-A e 19.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.

No artigo 7.º desse diploma estatuiu-se que o atraso de pagamento nas transacções comerciais nele referidas confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida, e que, para valores superiores à alçada do tribunal de 1.ª instância, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.

Tal diploma, passando a permitir o recurso à injunção independentemente do valor no que respeita às transacções comerciais entre empresas e entre empresas e entidades públicas nele previstas[56], manteve o processo de injunção circunscrito aos tribunais judiciais, não o alargando à jurisdição administrativa, como anteriormente vinha a suceder.

Refere-se, a propósito desta ampliação do regime da injunção, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 32/2003, o seguinte:

«A directiva exige que o credor possa obter um título executivo num prazo máximo de 90 dias sempre que a dívida não seja impugnada. O presente diploma facilita ao credor a obtenção desse título, permitindo-lhe o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida. Esta possibilidade justifica que se estabeleça uma vacatio legis de 30 dias neste aspecto particular.
Por outro lado, aquela faculdade implica algumas alterações ao regime da injunção, nomeadamente ao nível das custas, sem prejuízo de uma posterior reavaliação, noutro contexto, das soluções ora adoptadas nesta matéria.
Aproveita-se ainda para tornar mais claro o regime da notificação no que se refere ao procedimento da injunção, sem introduzir no mesmo alterações de carácter substancial.»

Resulta do preâmbulo ter sido intenção do legislador, ao permitir o recurso à injunção relativamente aos créditos provenientes das referidas transacções comerciais independentemente do valor, facilitar ao credor a obtenção do correspondente título executivo dentro do prazo de 90 dias a que se referia a directiva.

Todavia, no que respeita ao procedimento de injunção, foram- -lhe apenas introduzidas alterações de pormenor, nomeadamente em matéria de custas e de formalismo da notificação, sem relevo substancial.

O artigo 5.º da directiva consignava, com efeito, que os Estados-Membros deveriam assegurar que fosse possível obter um título executivo válido, independentemente do montante da dívida, em regra no prazo de 90 dias a contar da apresentação do requerimento ou da petição pelo credor, ao tribunal ou a outra entidade competente, desde que não houvesse impugnação da dívida ou de aspectos processuais.

Porém, e como resulta do considerando n.º 23 do preâmbulo respectivo, tal preceito, prevendo que o procedimento de cobrança de dívidas não impugnadas fosse completado num prazo curto, de acordo com a legislação nacional, não exigia que os Estados-Membros adoptassem um procedimento específico ou alterassem os seus actuais procedimentos legais num sentido específico.

Ora, sucedia que o ordenamento jurídico nacional já dava, quer na jurisdição comum, quer na administrativa, plena satisfação à referida imposição comunitária.

Com efeito, qualquer que fosse a forma de processo aplicável à acção declarativa de condenação para cobrança de crédito decorrente de transacção comercial a intentar perante os tribunais judiciais (acção de processo comum, nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima, ou acção especial regulada no regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98), caso não fosse apresentada contestação, o título executivo decorrente da sentença condenatória respectiva seria legalmente obtido dentro do prazo de 90 dias imposto pela directiva – Cfr. artigos 166.º, n.º 1, 486.º, 484.º, n.º 2, 658.º, 783.º, 784.º e 794.º do Código de Processo Civil, e artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).

Se a acção declarativa de condenação respeitasse a um contrato administrativo, já então da competência dos tribunais administrativos, era-lhe aplicada, por força do disposto no artigo 72.º, n.º 1, da LPTA, o processo comum de declaração, na sua forma ordinária. Tendo em consideração as disposições do Código de Processo Civil atrás referidas, a obtenção do título executivo pelo credor no prazo de 90 dias, em caso de não apresentação de contestação, estava, de igual forma, legalmente estabelecida.

Não estava, pois, o legislador nacional obrigado, por força da directiva, a introduzir no nosso ordenamento jurídico qualquer alteração de natureza processual tendo em vista garantir ao credor a obtenção de um título executivo dentro do referido prazo.

A despeito disso, optou, todavia, o legislador, por facilitar ainda mais ao credor, em matéria de transacções comerciais, a obtenção do título dentro do referido prazo, permitindo-lhe o recurso ao procedimento de injunção existente na jurisdição comum independentemente do valor do crédito.

Não estendeu, todavia, essa facilitação à jurisdição administrativa, onde o procedimento era e se manteve inaplicável.

Nessa jurisdição, continuou o contencioso relativo aos contratos administrativos a regular-se, exclusivamente, pelo processo comum de declaração, na forma ordinária (artigo 72.º, n.º 1, da LPTA), continuando a existir na distribuição a espécie correspondente (artigo 18.º, n.º 1, da LPTA), e continuando a execução por quantia certa de decisão condenatória a ser relegada para os tribunais judiciais no caso de impossibilidade de cobrança através da requisição prevista no n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 265-A/77, de 17 de Junho (artigo 74.º da LPTA).


12. Consequentemente, o Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, previu, na redacção dada ao artigo 16.º, n.º 4, alínea c), do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, a existência de secretarias ou secções destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção no âmbito dos tribunais judiciais, sem que disposição análoga tivesse sido integrada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou nos diplomas que o regulamentaram.


13. Pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho, introduziram- -se alterações no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, e no Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.

Referiu-se no preâmbulo respectivo:

«A necessidade de encontrar alternativas para a litigância de massa e a crescente instauração de acções de baixo valor com o propósito de consecução de uma declaração judicial da existência de um débito e consequente formação de um título executivo, que têm contribuído largamente para o aumento da pendência processual, motivou a criação de mecanismos céleres e simplificados, adequados à rápida obtenção de um título executivo.
Assim, a resolução do problema do aumento explosivo da litigiosidade cível de baixo valor passou pela aprovação do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que, por um lado, criou um processo declarativo especial, simplificado, para cumprimento de obrigações pecuniárias que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, baseado no modelo da acção sumaríssima, e, por outro, reformulou, alargando, o regime da injunção, instituído pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, para o mesmo tipo de obrigações. Pretendeu-se, através destas medidas, possibilitar ao credor de obrigação pecuniária a obtenção de um título executivo de forma célere e simplificada.»

Continua, desta forma, o legislador a reafirmar que os procedimentos constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 se destinaram a resolver o problema da litigiosidade cível, sendo, consequentemente, alheios à litigiosidade afecta à jurisdição administrativa.


14. Pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, foi aprovado o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

Pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, foi aprovado o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Ambos os diplomas tiveram início de vigência em 1 de Janeiro de 2004[57].

Pelo artigo 4.º, n.º 1, alíneas e) e f), do novo ETAF, passou a competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, bem como questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

Este alargamento material da competência da jurisdição administrativa em matéria de contencioso contratual não foi acompanhado de qualquer alteração legislativa visando alargar à jurisdição administrativa os procedimentos especiais constantes do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (acção especial de condenação e procedimento de injunção).

Daí que, no novo CPTA, inexista qualquer referência a tais processos especiais, estatuindo-se que a tais acções corresponde o processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima [artigos 35.º, n.º 1 e 37.º, n.º 1, alínea h)].

Como decorrência de tal regime processual, o regulamento de distribuição de processos nos tribunais administrativos emitido pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ao abrigo do disposto no artigo 26.º, alínea a), do CPTA apenas prevê, em matéria de contencioso contratual, a 1.ª espécie, correspondente à acção administrativa comum na forma ordinária, a 2.ª espécie, correspondente à acção administrativa comum na forma sumária, e a 3.ª espécie, correspondente à acção administrativa comum na forma sumaríssima[58].


15. Pela Portaria n.º 728-A/2006, de 24 de Julho, foi regulamentada a entrega do procedimento de injunção através da Internet.

De acordo com o estabelecido no seu artigo 1.º, o diploma adoptou as regras necessárias à entrega do requerimento de injunção por via electrónica, através do sítio http://www.tribunaisnet.mj.pt/habilus, funcionando tal entrega, a título experimental, na Secretaria Judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, sem prejuízo da sua posterior extensão a outras secretarias judiciais.

Pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, foi alterado o artigo 19.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, estabelecendo-se que a entrega do requerimento de injunção por advogado ou solicitador é efectuada apenas por via electrónica.

A apresentação por via electrónica através do sítio acima referenciado circunscreve-se aos tribunais judiciais, não sendo susceptível de extensão à jurisdição administrativa[59].


16. Pela Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, foi criada uma secretaria-geral designada por Balcão Nacional de Injunções.

Com tal diploma visou-se a desmaterialização do procedimento de injunção e a concentração da tramitação das injunções numa única secretaria judicial, de modo a permitir aumentar os níveis de eficiência e eficácia no trabalho, consequência natural da especialização dessa secretaria, contribuindo assim para uma maior celeridade do procedimento. Além disso, a criação do Balcão Nacional de Injunções visava retirar estes procedimentos das 231 secretarias judiciais que até então tramitavam as injunções, libertando-as para os restantes processos e procedimentos judiciais (cfr. preâmbulo do diploma).

Ao Balcão Nacional de Injunções, secretaria-geral integrada na orgânica dos tribunais judiciais, foi atribuída competência exclusiva em todo o território nacional para a tramitação dos procedimentos de injunção (artigo 3.º).

Por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, o requerimento de injunção em formato electrónico passou a ser apresentado, em alternativa, através do preenchimento e envio de formulário electrónico disponível no sistema informático CITIUS, acessível através do endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, ou mediante envio do ficheiro informático através do sistema informático CITIUS, acessível através do mesmo endereço electrónico.

Estatuiu-se nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo que o requerimento de injunção poderá ainda ser apresentado em suporte de papel, por entrega na secretaria judicial competente, de acordo com o disposto no artigo 8.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, não podendo ser efectuada no BNI. Sempre que o requerimento seja entregue em suporte de papel, compete à secretaria em que o requerimento for recebido introduzir no sistema informático das injunções os dados dele constantes (n.º 4).

De igual modo, a oposição à injunção deverá ser apresentada através do sistema informático CITIUS, acessível através do endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt [artigo 7.º, n.º 1, alínea a)] e, caso seja apresentada por outra forma (em papel, por correio ou por telecópia), competirá ao funcionário do Balcão proceder à sua digitalização e introdução no referido sistema informático [artigo 7.º, n.os 1, alíneas b) a d), 2 e 3].

A apresentação de outros actos processuais (reclamação do acto de recusa do requerimento de injunção, reclamação do acto de recusa da aposição da fórmula executória, desistência do pedido, qualquer outro requerimento ou acto processual) deverá ser efectuada pelos mesmos processos (artigo 8.º).

Como acima se expôs, o referido sistema informático é específico dos tribunais judiciais[60], sendo alheio à jurisdição administrativa, que dispõe de aplicação informática específica e distinta.

Verifica-se, pois, da normação resultante deste diploma que todo o movimento processual das injunções anteriomente disperso pelas 231 secretarias dos tribunais judiciais passou a ser centralizado numa única secretaria judicial com competência a nível nacional (Balcão Nacional de Injunções). Sendo as peças processuais apresentadas em formato electrónico, serão directamente remetidas ao Balcão através do sistema informático Citius, existente nos tribunais judiciais e respectivas secretarias. Caso sejam apresentadas em formato diverso (papel ou outro), competirá aos funcionários das secretarias judiciais territorialmente competentes, de acordo com o disposto no artigo 8.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98[61], para onde as peças processuais deverão ser remetidas, proceder à introdução dos dados no sistema informático referido.

A jurisdição administrativa continuou, pois, totalmente alheia à tramitação do processo de injunção, que lhe era inaplicável.


17. Verifica-se, assim, pela evolução legislativa exposta, que a injunção criada pelo Decreto-Lei n.º 404/93, assim como os procedimentos constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, entre eles o da injunção, foram criados no âmbito da jurisdição comum, para acorrer a problemas específicos da respectiva jurisdição cível, mantendo-se, até ao presente, circunscritos à mesma, sendo de todo alheios à jurisdição administrativa. Nesse sentido confluem, concordantemente, todos os elementos interpretativos disponíveis, nos planos literal, histórico, teleológico e sistemático[62].


VI


Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª – O Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria judicial integrada na orgânica dos tribunais judiciais, tendo, enquanto secretaria-geral, competência para tramitar as injunções em todo o território nacional [artigo 16.º, n.ºs 2 e 4, alínea b), do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e artigos 1.º e 3.º da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março];

2.ª- Os procedimentos regulados no regime anexo ao Decreto- -Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (acção declarativa especial e injunção), têm aplicação apenas no âmbito da jurisdição comum, sendo inaplicáveis na jurisdição administrativa;

3.ª– As acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que sejam da competência dos tribunais administrativos seguem os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima [artigos 37.º, n.º 1, alínea h), 42.º e 43.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos];

4.ª – Compete ao Ministério Público representar o Estado no processo de injunção, devendo ser-lhe efectuada a notificação a que se reporta o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98;

5.ª – Competente para receber tal notificação é o magistrado do Ministério Público junto do tribunal judicial competente para o julgamento da causa em caso de dedução de oposição, de acordo com o disposto nos artigos 8.º, n.os 1 e 2, e 10.º, n.º 2, alínea l), do referido regime.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 26 DE JANEIRO DE 2012.

Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos – Fernando Bento (Relator) – António Leones Dantas – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (com voto de vencido em anexo, aderindo também ao voto de vencida da minha Exm.ª Colega Doutora Alexandra Leitão – Alexandra Ludomila Fernandes Leitão (com voto de vencido em anexo, aderindo também ao voto de vencido do meu Exm.º Colega, Doutor Paulo Dá Mesquita - Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos (vencido pelos fundamentos expressos nas declarações de voto dos meus Exmºs Colegas, Doutores Paulo Dá Mesquita e Alexandra Leitão, a que, no essencial, adiro.






(Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita) – Com voto de vencido em anexo.


Introdução: Razões de dissídio e estrutura de um voto

A consulta, embora incidindo sobre uma temática específica relativa à providência de injunção, convoca problemas de índole geral sobre os conceitos constitucionais de jurisdição, órgão jurisdicional e processo judicial, sobre os quais incide a nossa principal discordância com a posição aprovada pela maioria. Subordinadamente, a maioria também adoptou um tratamento sobre a representação do Estado-Administração e as funções do Ministério Público de que se diverge em componentes estruturais.

Importa destacar que a questão objecto da consulta reportava-se à natureza processual da providência de injunção. Embora nas conclusões do parecer nada se diga sobre a natureza da providência analisada, da respectiva fundamentação pode resultar um paradoxo: a providência de injunção seria uma espécie de processo judicial sem juiz.

Por último, entende-se que os alicerces axiológicos do parecer aprovado repercutem-se nas operações hermenêuticas subsequentes. Em sentido oposto ao aprovado por maioriam destacamos que:
1- A providência de injunção constitui um procedimento extrajudicial nos dois planos relevantes para o estabelecimento da respectiva natureza: institucional e funcional;
2- As secretarias actuam nesse procedimento como simples entidades administrativas desligadas da dependência funcional de um juiz;
3- Existe uma autonomia processual e institucional entre a providência de injunção que corre numa secretaria e o processo judicial que pode ter origem naquele;
4- A Constituição constituirá sempre um limite a desvios morfológicos e, fundamentalmente, à confusão entre: (a) Um procedimento que corre perante agentes administrativos e sem produção de prova, visando um simples acto de verificação de requisitos formais; e (b) uma acção judicial que envolve, pelo menos, duas partes e um juiz independente e terceiro.

O presente voto vai apresentar uma estrutura bipartida em que:
§ I. Será analisado sinteticamente o parecer, explicitando em termos dialógicos os motivos principais de discordância;
§ II De seguida, intenta-se, com maior desenvolvimento, o tratamento dos problemas objecto da consulta e dos argumentos que nos parece que deviam determinar conclusões opostas às da maioria[63].


§ I. Divergências centrais com a posição da maioria

§ I.1 O fosso intransponível sobre os conceitos de jurisdição, órgão jurisdicional e processo judicial

O parecer implicou tomadas de posição sobre os conceitos de administração da justiça e reserva de jurisdição conformadas por opções de fundo, ainda que implícitas, ao nível da metodologia jurídica e teoria constitucional.

Os princípios que geram o dissídio estão, assim, para além das «questões picuinhas (Quisquilien) do direito civil», que, como Habermas sublinha, tantas vezes levam a que «não se veja a floresta, devido às árvores que estão à sua frente»[64]. Sendo certo que na exposição que deu origem à consulta, o Procurador-Geral-Adjunto Coordenador do Tribunal Central Administrativo do Sul colocou de forma fundamentada, explícita e directa os problemas jurídico-constitucionais carecidos de estudo.

No substracto que conforma a posição da maioria existe, na nossa perspectiva, um entendimento demasiadamente restrito do princípio da reserva de jurisdição (enquanto limite das competências de órgãos não jurisdicionais) e/ou de um conceito de jurisdição excessivamente amplo, abrangente de procedimentos sem intervenção de um juiz desde que tramitados em serviços administrativos integrados por funcionários da carreira de oficiais de justiça (corpo inconfundível com o da magistratura judicial e que o parecer não localizou ao nível da organização do aparelho de Estado estabelecida na Constituição).

O direito constitui, como destaca Ferrajoli, «uma linguagem complexa objecto e produto da cultura jurídica, isto é um conjunto de sinais normativos e de significados associados na prática jurídica dos juristas, operadores e utentes, todos eles concorrendo, em diversas configurações e níveis, para a sua produção que vai além da sua interpretação»[65]. Daí que seja importante recortar as diferenças de fundo de culturas jurídicas, no aludido sentido, reflectidas na matéria objecto de consulta, pois o perfil das instituições de interpretação do direito (como este ente consultivo) encerra-se, antes do mais, no «conjunto de sinais normativos e de significados associados na prática jurídica», que estão para além da estrita caminhada por diplomas legais e portarias.

O parecer aponta, de forma inovadora, para uma ideia de tribunal sem juiz e jurisdição sem órgão jurisdicional. Na fundamentação do parecer, embora se evitem explicitações sobre quaisquer dimensões jurídico-constitucionais, opta-se por tratar de forma unitária os conceitos de tribunal e jurisdição e, no plano jurídico-normativo, apresenta-se uma base com duas premissas:
1- «O conceito de tribunal não é unívoco».
2- É no «sentido de complexo organizacional destinado a assegurar a administração da justiça que os tribunais têm sido tradicionalmente encarados nos diplomas orgânicos respectivos.» [66]

Então encerra-se uma compreensão metodológica de rotura com o lastro de anteriores abordagens deste órgão consultivo, circunscrevendo-se as balizas sobre a jurisdição e os tribunais aos «diplomas orgânicos respectivos». Subsequentemente, o parecer empreende a descrição diacrónica dos «diplomas orgânicos» desde o Estatuto Judiciário de 1962 à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, incluindo portarias de aplicação e o Estatuto dos Funcionários de Justiça. Dimensão crítica neste ponto afigura-se a omissão relativamente à reserva de jurisdição e suas implicações, focando-se na dicotomia entre jurisdição cível e jurisdição administrativa, quando a primeira linha de fronteira tem de se estabelecer entre jurisdição e não jurisdição. O parecer acaba por empreender um salto epistemológico ao considerar as secretarias como órgãos com competências jurisdicionais (uma jurisdição cível sem juízes), o que se nos afigura:
(1) Incompatível com os pressupostos jurídico-constitucionais da reserva de jurisdição (abordados infra no § II.2.1 do presente voto);
(2) Contraditório com as próprias concepções organicistas de jurisdição, a maioria ao colocar o enfoque na carreira dos agentes administrativos que integram as secretarias de injunções (que estão na dependência do executivo) diverge de ideias subjacentes às concepções organicistas ou holistas de tribunal, que exigem no plano institucional outros elementos além de juízes, desembocando o parecer num organicismo inédito que prescinde do juiz como pressuposto necessário para se poder classificar um órgão como tribunal (tribunal sem juiz).

Revela-se, assim, uma leitura institucional do conceito de tribunal que colide com um dado pacífico na doutrina e jurisprudência constitucionais portuguesas: os tribunais judiciais (e os tribunais administrativos e fiscais) não são um órgão complexo mas um complexo de órgãos. Matriz incompatível com a judicialização ou jurisdicionalização de outros organismos por afinidade ou proximidade aos tribunais judiciais como um todo, o dito «complexo organizacional», como defende a maioria ser o caso das secretarias de injunções em geral, ou o Balcão Nacional de Injunções em particular. Como destacaremos à frente no § II.2.1 deste voto, uma articulação cuidada do conceito de jurisdição com a análise compreensiva da providência de injunção à luz de vertentes sistémico-funcionais parece-nos que implica uma perspectiva absolutamente distinta.

Depois da consideração das secretarias como órgãos competentes para a prática de actos processuais cíveis[67], o parecer desenvolve uma análise detalhada dos regimes procedimentais e burocráticos do que classifica como «processos judiciais de natureza cível destinados à cobrança de dívidas de baixo montante emergentes de contratos», para, em sequência, enunciar de forma exaustiva vários passos da produção normativa sobre os regimes da injunção (e respectivas portarias de aplicação), sem atentar na natureza do procedimento, à luz da Constituição, tanto numa perspectiva funcional como institucional (planos em que temos um entendimento oposto do da maioria, vd. infra § II.2.1 deste voto)

A maioria não refere a teoria e a jurisprudência constitucionais e, ao nível doutrinário, procede a um conjunto de citações de trechos de alguns processualistas que, não se reportam à caracterização da providência de injunção mas a estritas fórmulas relativas ao título executivo gerado que alguns apodam de título judicial impróprio. De acordo com a fórmula impressiva de Benjamim Cardozo, «a tirania de rótulos é uma raiz fértil de perversões na teoria constitucional»[68]. Neste ponto, para além do adjectivo impróprio poder ser o elemento fulcral para eventuais desenvolvimentos nominalistas antagónicos dos da maioria (pelos quais não se pretende enveredar), a divergência decorre de uma razão maior que a crítica de qualquer cedência aos cantos de sereia da tirania dos rótulos doutrinários: O objecto da consulta é a providência de injunção (e a notificação para oposição nessa sede), procedimento pacificamente considerado pela generalidade dos processualistas como extrajudicial, como se demonstra de forma cabal à frente (infra § II.2.1 deste voto).

Nesta sede, o parecer diz, de forma expressa, que a providência de injunção é uma «forma de processo civil especial a tramitar no âmbito do tribunal embora sem intervenção do juiz» (§ III.6 do parecer), contrariando, na nossa perspectiva, os elementos sistemático, histórico e teleológico da interpretação (os quais se entende que implicam entendimento oposto, como se tenta demonstrar infra §§ II.2.1, II.2.2 e II.4.2 deste voto).

A base do parecer estriba-se numa tese que pode redundar num evidente paradoxo: A providência de injunção é um processo judicial sem juiz. Paradoxo decorrente, segundo nos parece, de uma pré-compreensão que constituirá ratio decidendi do parecer, e explica, por exemplo, o esforço de estabelecer uma suposta continuidade entre a condenação de preceito por um juiz e a aposição de uma fórmula executória por um secretário, ou a forma sumaríssima de processo civil e a providência de injunção, revelador dos perigos derivados do salto epistemológico operado quanto à reserva de jurisdição, que é uma reserva de juiz.

Levada ao limite a perspectiva da maioria, o juiz seria uma peça facultativa do processo judicial, podendo falar-se de processo judicial desde que o serviço onde corre seja integrado por funcionários judiciais (independentemente do enquadramento jurídico-constitucional desse corpo profissional), estando na disponibilidade do legislador estabelecer «formas de processo civil especial a tramitar sem intervenção do juiz» (segundo o parecer). Perspectiva que constitui corolário de múltiplas asserções dispersas pelo parecer, «o procedimento de injunção é um processo civil de natureza especial» e como «qualquer forma de processo, declarativo ou executivo, comum ou especial» «corre em juízo» na medida em que é tramitado, e em regra concluído, numa secretaria com agentes que integram a carreira dos oficiais de justiça. A essa luz, as secretarias de injunções seriam uma espécie de órgãos autónomos de administração da justiça pelo que os processos que aí correm estariam «em juízo» (expressão muito empregue pela maioria por referência a uma tramitação que se reconhece decorrer sem juiz), a providência de injunção seria uma fase do processo civil e não um processo extrajudicial, pelo que os oficiais de justiça não integrariam a Administração Pública antes seriam um corpo autónomo dos tribunais e com funções exclusivamente judiciais (não sendo claro se tal se estende às respectivas hierarquias orgânicas, nomeadamente ao director-geral da administração da justiça e em que medida estão abrangidos pela independência dos tribunais).

Teses da maioria em que se detecta um afastamento significativo de esteios da doutrina e jurisprudência, parecendo-nos que as vias seguidas derivam de razões subjacentes que, na nossa leitura, colidem com parâmetros jurídico-constitucionais, um conjunto de sinais normativos e de significados associados essenciais do sistema jurídico.


§ I.2 O Estado-Administração e o Ministério Público na tese da maioria

A concepção da maioria sobre jurisdição entrelaça-se com outra relativa ao estatuto e funções do Ministério Público em que, além de não serem relevadas as variantes decorrentes das diferentes funções (v.g. representação do Estado-Administração, acção penal e defesa da legalidade democrática), o parecer se aproxima da ideia de representação do Estado dos Estatutos Judiciários anteriores à Constituição de 1976, com uma nuance em relação áqueles, já não se trataria de representação nos tribunais mas junto das secretarias com oficiais de justiça, ainda que desligadas da dependência funcional de um juiz (em sentido, uma vez mais, antagónico do preconizado infra neste voto, em particular no § II.3.1).

A maioria não questiona de forma directa a doutrina anterior deste Conselho, em particular a preconizada no parecer n.º 114/2003 de 11-3-2004[69], e no parecer n.º 10/2005, de 21-4-2005[70], mas parece-nos que se afasta da perspectiva restritiva de representação «em juízo» aí defendida, já que agora a maioria do Conselho desliga-a do espectro funcional estabelecido no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, convertendo o papel do Ministério Público como representante do Estado-Administração num estar «em juízo» relativo à recepção e processamento de papeis tramitados em secretarias integradas por agentes da carreira de oficiais de justiça (ainda que relativos a processos sem juiz).

Reconhecendo-se, como se explicará com maior detalhe à frente, que as questões tratadas nos pareceres n.º 114/2003 e n.º 10/2005 são analiticamente distintas da suscitada nos presentes autos, um entendimento que, simultaneamente, abrace as conclusões daqueles e as aprovadas por maioria neste parecer n.º 33/2011 parece-nos que colide com a doutrina anterior do Conselho Consultivo[71], e pode revelar uma pré-compreensão sobre o próprio Ministério Público que não decorre daqueles pareceres. Isto é, a posição da maioria neste parecer apresenta-se inovadora pois, aparentemente, subsiste na tese de que o Ministério Público não representa nem patrocina o Estado nos tribunais arbitrais, mas acrescenta que já lhe incumbe a representação orgânica do Estado-Administração relativamente a procedimentos tramitados no Balcão Nacional de Injunções, perspectiva que tem impacto no próprio sentido dessa função do Ministério Público e, por arrastamento, na integração do órgão no aparelho estatal.

Concepção sobre o Ministério Público que, decorrendo de um entendimento sobre a jurisdição já rejeitado, apresenta neste plano corolários específicos merecedores de distanciamento crítico. Revelados, essencialmente, no subtexto, que nos parece em larga medida marcado pela ideia que a providência de injunção reporta-se a litigância de massa, a qual embora não corresponda à realidade normativa (infra § II.2.2 deste voto), pontua vários passos do parecer. Assim, os arrimos conceptuais do parecer, parecem combinar-se com uma pragmática relativa à defesa de uma espécie de nicho ou reserva do Ministério Público relativo à representação orgânica do Estado-Administração demandado em litigância de massa em providência sem intervenção de um juiz (mesmo num procedimento em que, como também se sublinha em passos da fundamentação da maioria, não é necessária representação forense dos interessados pelo que não seria essa a razão da chamada dos membros do Ministério Público).

Maximização das funções de representação orgânica obrigatória pelo Ministério Público do Estado-Administração demandado nos procedimentos bagatelares, em que nem sequer intervem um juiz, combinada com o afastamento obrigatório do Ministério Público da defesa dos interesses do Estado nos tribunais arbitrais, em casos em que as questões, necessariamente, já compreendem verdadeiros litígios com relevo jurídico e patrimonial e onde é necessário patrocínio forense.

Esboçando-se, desta forma, o que poderia sugerir uma deriva para um programa oposto ao que se entende resultar da revisão de 1998 do estatuto do Ministério Público (como se explana com mais desenvolvimento infra no § II.3.2). Já que o parecer antagoniza a uma concepção essencialmente funcional do Ministério Público quando assume a advocacia do Estado contrariando, nomeadamente, as leituras sobre o estatuto de 1998 defendidas por Cunha Rodrigues e Lopes do Rego (infra no § II.3.2). Com efeito, a maioria apresenta uma perspectiva de Ministério Público em que este constituiria sobretudo um corpo de agentes que representam organicamente o Estado-Administração junto de secretarias e se articulam com outros serviços para responder a pedidos de pagamento, reconhecendo dívidas (supomos que esteja comportada essa possibilidade), negando-as ou apresentando objecções procedimentais (que podem ter consequências dilatórias e em última instância determinar a própria extinção da obrigação de pagamento), numa providência em que o próprio parecer coloca o enfoque na inexistência de obrigatoriedade de representação forense[72]. Neste ponto, não existe uma mera diversidade de posições, entre a concepção da maioria e a leitura defendida neste voto, mas uma diferença estrutural, conforme decorre do desenvolvimento empreendido infra nos §§ II.3.1, II.3.2, II.4.1 e II.4.3 deste voto.


§ I.3 A tese da maioria sobre a jurisdição administrativa e a atribuição de privilégios contra legem ao Estado-Administração na posição de devedor

A maioria concluiu também que a providência de injunção não pode ter por objecto relação material de natureza jurídico-administrativa. Perspectiva que, como se explana de forma clara no voto de vencida da minha Exm.ª Colega Doutora Alexandra Leitão, que se acompanha na íntegra e para onde se remete neste ponto, tem debilidades que a afectam ao nível dos princípios que conformam a jurisidição administratica e as formas de processo nos tribunais administrativos.

Acresce que a tese da maioria corresponde a uma discriminação dos credores do Estado-Administração que contraria o princípio da interpretação conforme o direito da União Europeia, ao privilegiar essa pessoa colectiva por comparação com outras entidades previstas na Directiva n.º 2000/35/CE, discriminando negativamente os respectivos credores, violando a Directiva e o Decreto-Lei n.º 32/2003, sem qualquer arrimo nos elementos sistemático, histórico e teleológico (vd. com mais desenvolvimento infra § II.2.2).

Por outro lado, o parecer deixa na sombra a questão subjacente à consulta, pois não se esclarece, à luz da tese da maioria, qual deve ser a reacção processual do magistrado do Ministério Público colocado num tribunal administrativo e notificado para oposição de providência de injunção interposta contra o Estado-Administração (em contraponto, cf. infra § II.4.3, à luz da nossa perspectiva).

Acrescente-se, por último, que, como se explica no § II.2.1 deste voto, a acção jurisdicional subsequente a providência de injunção corresponde sempre a uma convolação que pode culminar na forma de processo comum, não sendo minimamente demonstrada uma suposta incompatibilidade de formas processuais com as da jurisdição administrativa, já que a asserção formalista não tem valor por si, antes pelo contrário (daí a jurisprudência em sentido oposto à tese da maioria, cf. infra § II.4.2).


§ I.4 Uniformização da actuação do Ministério Público

O parecer apresenta uma virtualidade importante que não é beliscada pelas discordâncias relativas ao seu conteúdo. Na medida em que a consulta foi solicitada com vista ao estabelecimento de uma orientação uniforme para o Ministério Público (mérito da iniciativa da consulta), constituiu a oportunidade para o exercício de uma tarefa central deste ente consultivo em prol da unidade do órgão do Estado e da transparência externa dos seus procedimentos (atenta a obrigatória publicação do parecer e do despacho que sobre ele recair no Diário da República, caso a respectiva doutrina seja estabelecida como obrigatória para a magistratura do Ministério Público, e, mesmo que não fosse fixada essa directiva, afigura-‑se obrigatória a divulgação do parecer na base de dados de acesso livre, permitindo o conhecimento do seu conteúdo enquanto documento que comporta interpretação de direito positivo[73]).

Virtualidade que podemos desdobrar em duas vertentes correlacionadas:
1) Assegura-se a unidade do Ministério Público, exigível num organismo cuja acção deve ser conformada pelo direito e não por quaisquer exasperações estratégicas (que podiam ser inferidas, ainda que injustamente, de actuações contraditórias em diferentes processos, em especial quando se representa o Estado-Administração na interacção com sujeitos privados).
2) Permite-se o escrutínio externo das opções do Ministério Público e da respectiva fundamentação, o que se afigura, além de salutar, necessário numa sociedade democrática.

Neste segmento, entendeu-se, em divergência com a maioria também ao nível da concepção da responsabilidade do ente consultivo, que o escopo da consulta obrigava a que se assumissem as consequências da teses adoptadas ao nível operativo, em especial para os magistrados do Ministério Público em funções na jurisdição administrativa notificados para oposição em sede de providência de injunção. Problema jurídico-prático que está na génese da consulta e sobre o qual a maioria se absteve de indicar as implicações da sua tese (que, aliás, não se afiguram claras). Daí que, também na expressão de uma concepção distinta das responsabilidades de redução da complexidade que devem conformar este órgão consultivo, o anteprojecto de parecer vencido (cuja fundamentação e conclusões constituem o § II deste voto) se comprometesse na extracção das consequências jurídico-práticas para os magistrados do Ministério Público notificados para oposição em providência de injunção da interpretação aqui preconizada (infra §§ II.4.3 e II.5).



§ II. Fundamentação de uma via alternativa rejeitada pela maioria dos membros do Conselho Consultivo

§ II.1 Objecto da consulta e enquadramento metodológico

A consulta foi determinada pela eventual necessidade de uma directiva sobre condições de acção da magistratura do Ministério Público relativamente à problemática da representação do Estado-Administração em sede de notificação para oposição em providência de injunção.

Poderes directivos Procurador-Geral da República em que ressalta a importância de uma função preventivo-primária, que se traduz na emanação de um comando que constituirá a fonte de decisões futuras do Ministério Público sobre determinadas questões[74]. Daí que nesta sede o órgão supra-ordenador, e, por inerência a entidade consultiva, assuma um importante papel de redução da complexidade no prosseguimento de uma função teórico jurídica sobre um domínio previamente recortado atinente às funções ou actividade do Ministério Público[75].

Clarificados os pressupostos teleológicos da consulta, o fenómeno jurídico carecido de tratamento centra-se no problema tratado na Informação n.º 7/2011 Procurador-Geral-Adjunto Coordenador do Tribunal Central Administrativo Sul: A notificação do Ministério Público para oposição no quadro de providência de injunção deduzida contra o Estado, em virtude de alegada obrigação de pagamento do Estado pessoa colectiva. Problema relativo à competência e legitimidade do Ministério Público para representar o Estado nos procedimentos de injunção.

No tratamento integrado da matéria objecto da consulta Importa começar por analisar o específico contexto operativo e jurídico-procedimental que está na génese do objecto da consulta, o procedimento de injunção sem intervenção judicial (§ II.2), para, de seguida, enquadrar a representação orgânica do Estado-Administração pelo Ministério Público (§ II.3) analisar a questão específica suscitada relativa à notificação para oposição no quadro de providência de injunção interposta contra o Estado-Administração (§ II.4), e, por fim, formular as conclusões (§ II.5).


§ II.2 A providência de injunção e o Estado

§ II.2.1 Perfil da providência de injunção

A providência de injunção encontra-se regulada no Regime Anexo (de ora em diante referido como RA) ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que, como destaca Armindo Ribeiro Mendes, «de um ponto de vista sistemático […] é um diploma preambular que aprova o RA»[76].

O artigo 7.º do RA abre o capítulo II intitulado Injunção e, com a epígrafe Noção, prescreve:
«Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.»

Desde já se deve adiantar que a providência de injunção apresenta duas características centrais:
(1) Constitui um procedimento extrajudicial;
(2) Pode dar origem a uma acção judicial mas é autónoma dessa acção e corre perante entidade estruturalmente distinta.

Trata-se de um procedimento que se inicia com um requerimento, seguido da notificação do requerido e alegado devedor para pagar ou se opor (artigo 12.º n.º 1 do RA), determinado pelo secretário judicial sem qualquer intervenção de um juiz. Se o requerido não deduzir oposição, o procedimento culmina na aposição pelo secretário da seguinte fórmula: «Este documento tem força executiva» (nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do RA).

O requerimento inicial da providência de injunção é dirigido a uma secretaria e não a um tribunal, daí a previsão da possibilidade de serem «criadas secretarias judiciais ou secretarias-gerais destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção» (artigo 8.º n.º 4 do RA), tendo, posteriormente, sido instalada uma secretaria designada de Balcão Nacional de Injunções que concentra todas as injunções requeridas[77]. Organismo que se encontra na dependência da Direcção-Geral da Administração da Justiça, a qual integra a Administração Directa do Estado no âmbito do Ministério da Justiça[78].

A providência de injunção, no caso da solução actualmente em vigor em Portugal, constitui um procedimento extrajudicial nos dois planos relevantes para o estabelecimento da respectiva natureza: institucional e funcional.

No plano institucional a providência de injunção caracteriza-se por constituir um procedimento sem intervenção de um órgão jurisdicional. Perfil institucional que se extrai de forma imediata do regime legal, daí que possa correr num serviço administrativo desligado de qualquer tribunal e sem que esteja sediado nesse organismo qualquer magistrado judicial, como sucede actualmente com o Balcão Nacional de Injunções. A dimensão administrativa do procedimento até à aposição da fórmula executória ou envio para distribuição ficou, assim, mais clara, mesmo para leituras de raiz impressionista, a partir do momento em que esse serviço administrativo deixou de ser uma secretaria integrada num tribunal judicial e passou a ser um simples organismo administrativo desligado de quaisquer juízes (embora a situação já merecesse o mesmo enquadramento no caso de o procedimento correr perante secretarias de tribunais, que nessa matéria actuavam como simples entidades administrativas desligadas da dependência funcional de um juiz[79]).

A natureza administrativa da autoridade que dirige a providência de injunção não é posta em causa pela possibilidade de incidentes judiciais, por força de impugnação da decisão administrativa de recusa do requerimento de injunção ou por se suscitar questão sujeita a decisão judicial[80]. Intervenções judiciais que apresentam uma natureza avulsa no procedimento e um desvio do iter que conduz à verificação pelo secretário dos requisitos para a aposição da fórmula sobre a força executiva do documento.

Na análise teleológica do procedimento de injunção ressalta que este visa um acto extrajudicial, a aposição por um agente administrativo de uma fórmula executória. Vertente que se apresenta pacífica na doutrina, apenas se encontrando variações de índole essencialmente semântica que não beliscam, em ponto algum, a classificação do procedimento como não jurisdicional, assim, designadamente, Lebre de Freitas[81], Salvador da Costa[82], Mariana França Gouveia[83], Paulo Pimenta[84], Armindo Ribeiro Mendes[85], Carlos Lopes do Rego[86]; Fernando Amâncio Ferreira[87].

Administrativização assumida pelo legislador logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, como uma finalidade do regime: «Não podendo limitar-se o direito de acção, importa que se encarem vias de desjudicialização consensual de certo tipo de litígios». Num aprofundamento do regime do precedente Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, que já visava uma «fase desjurisdicionalizada». Tendo essa via voltado a ser assumida pelo legislador na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho, que procedeu à revisão do RA, em que se esclareceu que a ampliação da providência de injunção visava «descongestionar significativamente os tribunais, permitindo a transferência anual de milhares de acções para as secretarias de injunção».

Providência de injunção em que a natureza extrajudicial distingue o regime legal português do procedimento homónimo consagrado noutros ordenamentos jurídicos nacionais (v.g. França e Itália)[88]. Natureza extrajudicial que também distingue a providência regulada no direito português do procedimento europeu de injunção consagrado e regulado pelo Regulamento (CE) n.º 1896/02 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento, o qual apresentando-se conformados pelas ideias de celeridade e simplificação procedimentais preservou a natureza jurisdicional[89].

Segundo aspecto central, existe uma autonomia processual e institucional entre a providência de injunção que corre numa secretaria e o processo judicial que pode ter origem naquele. Independência jurídico-processual que convive com a possibilidade de conexão diacrónica entre esses procedimentos extrajudiciais e eventuais acções judiciais subsequentes[90].

Plano em que a Constituição constituirá sempre um limite a desvios morfológicos e, fundamentalmente, à confusão entre: (a) Um procedimento que corre perante agentes administrativos e sem produção de prova, visando um simples acto de verificação de requisitos formais; e (b) uma acção judicial que envolve, pelo menos, duas partes e um juiz independente e terceiro[91].

Importa, neste ponto estabelecer alguns enunciados sobre a dinâmica procedimental da providência de injunção em que ressaltam três vectores:
1) A possibilidade (e probabilidade) de o requerimento terminar como simples procedimento administrativo;
2) Os pressupostos de uma eventual e subsequente acção judicial declarativa;
3) A competência jurisdicional na acção declarativa.

Começando pelo primeiro vector, o requerimento de injunção pode terminar (e estatisticamente termina na maior parte dos casos) como procedimento estritamente administrativo se:
1) Existir desistência do procedimento até à dedução de oposição ou, na sua falta, até ao termo do prazo[92];
2) Se frustrar a notificação, sem que o requerente tivesse expressado o desejo que, mesmo assim, o processo seguisse para a fase judicial[93];
3) Não houver oposição[94].

Por seu turno, a eventualidade de um subsequente litígio judicial em acção declarativa constitui um desenvolvimento que pode derivar de uma de duas situações:
1) Frustrou-se a notificação e o requerente expressou o desejo que, mesmo assim, o processo seguisse para a fase judicial[95];
2) O requerido deduziu oposição[96].

Transição do procedimento administrativo para processo judicial que pode dar origem a dois tipos de acções declarativas diferentes:
1) Se o valor for superior à alçada da relação, aplica-se a forma de processo comum[97];
2) Nos outros casos, inicia-se uma acção declarativa de condenação com processo especial[98].

No plano da caracterização diacrónica da providência de injunção, que transita para acção judicial declarativa que corre num tribunal, o juiz deve apreciar na perspectiva jurisdicional o requerimento e a oposição (caso exista), afim de aferir se os deve mandar aperfeiçoar para poderem valer como articulados[99].

Dinâmica procedimental que reforça a perspectiva de que no plano sincrónico é inadmissível uma metamorfose do título gerado no procedimento administrativo de injunção em título judicial. Vertente que poderíamos reputar de ontológica e imune às contingências fenomenológicas do procedimento (em particular os eventuais desenvolvimentos da providência de injunção), ou, dito por outras palavras, os poderes de conformação de requerente e requerido são insusceptíveis de alterar a natureza não jurisdicional do procedimento administrativo e do título gerado pois, designadamente, a actividade dos agentes da secretaria não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição de direitos e deveres relativos a uma alegada obrigação pecuniária.

Em síntese conclusiva, a providência de injunção constitui um procedimento inconfundível com o exercício da função jurisdicional. Estando reservado aos tribunais, nos termos do artigo 202.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, «administrar a justiça em nome do povo», nomeadamente, na vertente relativa ao «dirimir conflitos de interesses públicos e privados»[100].

Sem obnubilar a espessura reduzida, na expressão de Castro Mendes[101], em termos técnico-jurídicos das fórmulas empregues no texto constitucional, a providência de injunção está excluída, de forma inequívoca, da função jurisdicional. Quer se aborde o tema a partir das pautas desenvolvidas por Castanheira Neves sobre os traços «ideológico objectivamente e intencionalmente materiais» da função jurisdicional[102], quer se nos ativermos às notas «só formalmente caracterizadoras» do tipo de juízo jurisdicional destacadas pelo mesmo autor: (1) O princípio nemo iudex sine actore; (2) O princípio do contraditório; (3) O juízo de um terceiro imparcial[103].

Distância relativamente à função jurisdicional que persiste se se empreender uma leitura a partir da conceptualização de Afonso Queiró, que constitui o cânone que mais conforma a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema, o «quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma “questão de direito”»[104].

Adoptando-se uma síntese descritiva de «momentos fundamentais de caracterização material da função jurisdicional» também se revelam traços que afastam a providência de injunção regulada como instituto do direito positivo português da função jurisdicional, pois «os actos da função jurisdicional (i) vão dirigidos à resolução de uma questão jurídica pela via da extrinsecação e da declaração do direito que é; (ii) são praticados segundo perspectiva estrita e exclusivamente jurídica; (iii) prosseguem o interesse público da realização da justiça»[105].

Dimensão extrajudicial que se repercute na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema, em que esteve presente, desde a análise do anterior Decreto-Lei n.º 343/93, o pressuposto material enfatizado no acórdão n.º 394/95:
«Não se depara, na actividade do secretário judicial consistente na aposição da fórmula executória, qualquer modo ou forma de composição ou resolução de um conflito ou litígio entre credor (requerente da «injunção») e devedor (requerido nessa providência) por recurso a critérios constantes de normas jurídicas já existentes, tendo por finalidade alcançar a paz jurídica e sendo iluminado pelo desiderato de realização da justiça.»

Como sublinha Carlos Lopes do Rego, trata-se de uma jurisprudência «em consonância com o entendimento do Tribunal Constitucional acerca da natureza não jurisdicional da actividade de criação de títulos executivos extrajudiciais»[106], no sentido de «que a emissão de certidão, levada a cabo por uma entidade administrativa, conferindo-lhe a natureza de título executivo, não integra as características da função jurisdicional»[107].

Diferença matricial que se repercute na marcha do procedimento, na inexistência de produção de prova e de qualquer decisão de mérito, e nos limites dos efeitos extraprocessuais.

A providência de injunção não compreende a intervenção de um juiz, não exige prova, nomeadamente documental, do alegado direito e não compreende um juízo de mérito (de entidade administrativa ou judicial) sobre o suposto crédito, derivando o eventual título de crédito exclusivamente da omissão de reacção tempestiva do requerido[108]. Daí que tenha sido classificado por Mariana França Gouveia, como um procedimento que integra o modelo não probatório, por se caracterizar «pela total ausência de uma apreciação judicial relativamente ao mérito do pedido»[109].

Diferença estrutural da providência de injunção relativamente às acções declarativas merecedora de especial atenção por parte do Tribunal Constitucional, que tem sido claro a recortar as implicações da natureza não jurisdicional desse procedimento administrativo (veja-se por exemplo a referência às implicações em termos de taxa de justiça da «conversão» do procedimento, nos acórdãos n.º 625/2003[110] e 53/2004[111]). Importância jurídico-constitucional da autonomia entre o procedimento de injunção e a acção judicial gerada por aquele que também tem sido sublinhada pela doutrina[112].

A transição do procedimento administrativo para uma acção judicial declarativa é marcada pela intervenção material do juiz sobre os pressupostos processuais. Intervenção judicial precedida pela distribuição, em que a providência de injunção é tratada como processo originário de outra entidade integrando a sétima espécie de distribuição prevista no artigo 222.º, do Código de Processo Civil:
«Execuções por custas, multas ou outras quantias contadas, execuções especiais por alimentos e outras execuções que não provenham de acções propostas no tribunal»[113].

Não existe, assim, qualquer competência valorativa dos serviços da administração directa do Estado responsáveis pelo processamento das injunções sobre a definição ou selecção do tribunal competente. Com efeito, atendendo a que o requerente está sujeito a um ónus de indicação do tribunal que considera competente, mesmo no caso em que a providência de injunção entra numa secretaria desligada de qualquer tribunal (como sucede hoje com o Balcão Nacional de Injunções) a remessa à distribuição tem de ater-se ao que foi indicado pelo requerente. Neste ponto, a prescrição da alínea l) do n.º 2 do artigo 10.º do RA não deixa margem para dúvidas de que no requerimento se deve indicar o tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição[114].

Caso o requerente omita esse dever procedimental, a secretaria deve rejeitar o requerimento, nos termos da alínea a) n.º 1 do artigo 11.º do RA. Sendo certo, por outro lado, que a secretaria responsável pela tramitação do procedimento extrajudicial de injunção não tem quaisquer competências de correcção oficiosa da indicação pelo requerente do tribunal competente para apreciar os autos no caso de estes serem apresentados à distribuição, devendo, apenas, rejeitar o requerimento que omita essa informação.

Outro ónus do requerente importante para a matéria reporta-se à obrigatoriedade de se indicar o lugar de notificação do alegado devedor, matéria em que a secretaria também carece de quaisquer competências de correcção oficiosa desse dado, devendo, apenas, rejeitar o requerimento que omita essa informação (por força das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RA), aspecto que será retomado à frente[115], e proceder às operações relativas à execução do respectivo acto de notificação (artigo 12.º do RA).

Em síntese, relativamente à componente dos poderes do requerente e secretaria em matéria de notificação para a oposição e transição para a acção judicial ressaltam duas asserções:
(a) O requerente tem o ónus de indicar o lugar de notificação do alegado devedor e a secretaria não tem quaisquer competências de correcção oficiosa da indicação pelo requerente desse dado, devendo, apenas, rejeitar o requerimento que omita essa informação.
(b) O direito de acção e de acesso à justiça compreende, nomeadamente, o direito do autor ou requerente de escolha do requerido, não podendo ser condicionado por comando de nenhuma entidade estatal o exercício dessa dimensão da autonomia privada.

O enquadramento jurídico-constitucional obsta a que se confundam equiparações para alguns efeitos da providência de injunção com acções judiciais declarativas (carecidas de análises especificadas ao nível da reserva jurisdicional), com a inadmissível metamorfose em jurisdicional do acto final de um procedimento sem intervenção de um juiz.

A providência de injunção pode determinar a formação de um título executivo, que, por seu turno, pode dar origem a uma acção executiva. Plano em que os pressupostos da constitucionalidade têm integrada a possibilidade de o executado vir a «opor-se à execução», como destaca Armindo Ribeiro Mendes[116]. De qualquer modo, não integrava o objecto da consulta a análise da admissibilidade e implicações da equiparação com os títulos executivos judiciais, em particular nas vertentes com implicações na acção executiva, nomeadamente, a ressalva preconizada por Lebre de Freitas no sentido de que «o caso julgado, com o seu normal efeito preclusivo, só se forma na eventual acção de oposição à execução»[117].

Importa destacar que o eixo que preserva a constitucionalidade da providência de injunção, enquanto acto não jurisdicional, tem como pressuposto que esse procedimento administrativo não preclude os direitos de oposição, já que, como destacou o Tribunal Constitucional, com o modelo legal da providência de injunção consagrado no direito português optou-se por «eliminar em determinadas situações a própria acção declarativa, conferindo um acesso directo à acção executiva» (acórdão n.º 399/95[118]). Perspectiva que voltou a ser sublinhada no acórdão n.º 658/2006[119], em que se sublinha que o próprio efeito cominatório da falta de oposição «dá-se fora do âmbito do exercício da função jurisdicional, não tendo havido, antes da emissão do título executivo, apreciação da pretensão do autor por parte de um juiz».

Aspectos que se têm de repercutir nos efeitos da própria providência, pois, como se destacou no acórdão n.º 658/2006, «não existindo decisão condenatória, o executado não teve ocasião de, em acção declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente».

Pressupostos que constituem um limite constitucional a eventuais metamorfoses de títulos gerados em procedimento administrativo em títulos judiciais, retornando ao acórdão n.º 658/2006 do Tribunal Constitucional, «a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente».

A admissibilidade de um mecanismo administrativo para a formação de título executivo tem implicada a preservação do direito de superveniente defesa do devedor em processo judicial, sem, contudo, se gerar qualquer confusão entre os dois processos, mesmo no caso da acção executiva baseada em título obtido em injunção sem oposição[120]. Dai o juízo de inconstitucionalidade lavrado por unanimidade no acórdão n.º 658/2006:
«Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e seguintes do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do actual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua acepção de proibição de “indefesa”.
«Ponderadas as considerações referidas, apenas se justificando normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciam uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entende-se que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade.»

No acórdão n.º 283/2011[121], o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional o art. 814.° do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, que regula os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção, na parte reportada ao regime transitório e sua aplicação a processos anteriores (a única que então foi sindicada no recurso de fiscalização concreta). De qualquer modo, a ratio decidendi do aresto, no sentido de que apenas se justificam «normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entende-se que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade, porque também viola o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa)», pode irradiar para dimensões que estão para além da aplicação da lei no tempo[122].

Interpretação matricial da conformidade constitucional do regime da injunção correlacionada com a acção executiva que, como sublinha Lopes do Rego, tem um lastro em que releva, nomeadamente, a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a execução simplificada estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, entretanto revogado, em que «o juízo de não inconstitucionalidade passou decisivamente pela ponderação de que tal diferimento do contraditório do executado apenas funcionava relativamente a processos que versam sobre “dívidas de pequeno valor”, que terão passado pelo crivo da apreciação liminar do juiz, consagrada no então artigo 811.º-A do Código de Processo Civil, e com reserva da plena oportunidade de amplo e subsequente contraditório do executado»[123].

Na ponderação equilibrada entre os ónus processuais de requerente e requerido, em particular no que se repercute na transição da providência extrajudicial para a acção declarativa, no acórdão n.º 625/2003, considerou-se conformes a Constituição os sancionamentos diversos para autor e réu: «E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a acção fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cf. artigo 2.º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efectiva o seu direito de defesa».

Recentemente, no acórdão n.º 434/2011[124], tendo presente que «as cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual, não podem revelar-se funcionalmente desajustadas», o Tribunal Constitucional considerou que o artigo 20.º do RA na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro e articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais ao determinar o desentranhamento da oposição por falta de pagamento oficioso da taxa de justiça «é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos». Dimensão que se relaciona com a transição de um mero procedimento administrativo para uma acção judicial, considerando-se no aresto que «existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efectividade da tutela jurisdicional».

Estabelecido o quadro operativo da providência de injunção importará abordar a possibilidade de o Estado ser sujeito passivo desse procedimento extrajudicial.


§ II.2.2 O Estado como sujeito passivo da providência de injunção

A susceptibilidade da interposição da providência de injunção contra o Estado, apesar de não ter sido directamente suscitada, está subjacente à consulta, constituindo no plano lógico-analítico uma questão prévia à da respectiva representação.

Vertente em que emerge como factor central a inexistência de qualquer limite quanto à possibilidade de a pessoa colectiva pública Estado ser sujeito passivo desses procedimentos[125]. Pelo contrário, na ampliação do âmbito do procedimento de injunção operada pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, a obrigações de pagamento «independentemente do valor», a lei reportou-se, de forma expressa, a transacções comerciais entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, invocando-se na exposição de motivos a equiparação estabelecida pela Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que estabeleceu medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais:
«Esta directiva regulamenta todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais – ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, regulamenta todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes.[126]»

Sistema alargado do procedimento de injunção que se repercutiu, directamente, na redacção do artigo 7.º do RA, à luz do qual as entidades públicas reúnem os pressupostos subjectivos para o âmbito mais alargado da providência de injunção, relativo a transacções comerciais que ultrapassem o valor da alçada da relação (atentas as disposições conjugadas dos artigos, 7.º, 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 1, al. g) do RA). Encontrando-se a ratio do regime também relacionada com práticas gestionárias de organismos públicos, pois, como sublinha Paulo Duarte Teixeira, com a legislação comunitária que deu origem ao alargamento da injunção pretende-se, «fundamentalmente, proteger as pequenas empresas de determinadas práticas supostamente concertadas em que empresas de maior dimensão, ou entes públicos aproveitando-se da sua força negocial imponham à empresa ou profissional prazos excessivos de pagamento»[127].

Valendo em sede de providência de injunção um conceito amplo de entidade pública por força de uma taxonomia conformada pela legislação comunitária e recebido no n.º 1 do artigo 2.º da Directiva n.º 2000/35/CE[128]:
«Qualquer autoridade ou entidade contratante definida nas directivas relativas aos concursos públicos (92/50/CEE, 93/36/CEE, 93/37/CEE e 93/38/CEE).»

Em síntese interlocutória, conformada pela economia deste voto, pode sublinhar-se que o Estado como pessoa colectiva pública pode ser sujeito passivo da providência de injunção, desde que a mesma seja relativa a obrigações pecuniárias: (a) emergentes de contratos de valor até € 15000 (quinze mil euros); ou (b) independentemente do valor, transacções comerciais estabelecidas com empresas privadas, comerciantes, profissionais liberais ou outras entidades públicas que originem o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços (atentas as disposições conjugadas do artigo 1.º do diploma preambular aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, artigo 7.º do RA e artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro).

Estabelecidos os cânones da legitimidade passiva do Estado, pode passar-se a abordar o núcleo da problemática objecto da consulta: A função constitucional e legal do Ministério Público de representação orgânica e patrocínio do Estado-Administração abrange a oposição em sede de providência de injunção?


§ II.3 A representação do Estado-Administração pelo Ministério Público e a providência de injunção

§ II.3.1 Estatuto do Ministério Público, polifuncionalidade e representação do Estado-Administração

A questão suscitada na consulta centra-se na problemática das competências de representação do Estado pelo Ministério Público.

Como fonte de coordenadas primárias ressalta o estatuto constitucional Ministério Público, em que o artigo 219.º, n.º 1 da Constituição, integrado no capítulo IV (Ministério Público) do Título V, relativo aos tribunais, estabelece três funções constitucionais do órgão do Estado em causa: representar o Estado, exercer a acção penal e defender a legalidade democrática. Existe ainda um reenvio dinâmico para a lei na medida em que também compete ao Ministério Público defender «os interesses que a lei determinar».

Na análise da atribuição constitucional ao Ministério Público da representação do Estado importa ter presente, antes do mais, o conceito de Estado relevante nesta matéria que, de acordo com orientação pacífica, corresponde à «pessoa colectiva pública que no seio da comunidade politicamente organizada e sob a direcção do Governo, desenvolve a actividade administrativa, ou seja, no sentido de "Estado-Administração”»[129].

Conceito de Estado-Administração, corrente na doutrina administrativista nacional, em que, como enfatiza Freitas do Amaral, a «pessoa colectiva pública autónoma» não é «confundível com os governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas que integram a Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação»[130].

A referência à função de representação do Estado já constava da Constituição de 1933, em que o artigo 118.º (na redacção aprovada pela Lei n.º 209, de 17-9-1945) prescrevia:
«O Estado será representado junto dos tribunais pelo Ministério Público.»

A ausência de indicações programáticas relativamente ao órgão Ministério Público na matriz constitucional introduzida em 1976, articula-se com uma visão complexa e dinâmica dos tribunais, pois na Constituinte, a par da opção por uma ordenação dos órgãos do Estado segundo as suas competências e funções[131], foi preconizada uma ideia abrangente de função jurisdicional integrada pelo juiz, membro do Ministério Público e advogado[132].

Sendo certo que subsistem diversos nódulos problemáticos, e flutuações doutrinárias, é possível constatar um relativo consenso na dimensão judiciária das competências do Ministério Público, correlacionada com uma intervenção funcionalmente associada às atribuições dos tribunais.

No que concerne à representação do Estado-Administração pelo Ministério Público podem encontrar-se referências na doutrina dos pareceres do Conselho Consultivo ao nível de dois horizontes problemáticos relevantes para o objecto da consulta: a) A reserva da representação judiciária do Estado-Administração nos tribunais; b) Os tribunais abrangidos pela regra de representação do Estado-Administração pelo Ministério Público.

Começando pela primeira vertente, apresenta-se como momento central o parecer n.º 3/81, de 8-10-1981, em que o Conselho Consultivo, por unanimidade, concluiu: «tem consagração constitucional a competência exclusiva do Ministério Público para representar o Estado em juízo, não podendo, assim, conferir-se idêntica competência a outra entidade». Monopólio constitucional que já tinha sido preconizado no parecer n.º 171/1980, de 18-12-1980, cuja segunda conclusão fora no sentido de que «tem consagração constitucional a competência exclusiva do Ministério Publico para representar o Estado em juízo»[133].

A primeira asserção do parecer do Conselho Consultivo n.º 3/81 implicou uma segunda conclusão no sentido da inconstitucionalidade do artigo único do Decreto-Lei n.º 608/76, de 24 de Julho, «na medida em que permite a representação do Estado em juízo por determinadas instituições de crédito». Subsequentemente, veio a ser requerida pelo Procurador-Geral da República a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do preceito em causa.

Pedido de declaração de inconstitucionalidade que esteve na génese de uma apreciação conformadora do futuro desenho legislativo em torno da representação em juízo do Estado-Administração, no parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional que se pronunciou no sentido de que não devia ser declarada a inconstitucionalidade[134].

Nos pareceres n.º 171/80 e n.º 3/81 do Conselho Consultivo preconizou-se uma leitura centrada na expressão da Constituição de 1933 «junto dos tribunais», para se concluir pela reserva no sentido de que «compete exclusivamente ao Ministério Público a representação do Estado em juízo».

Importa recordar que, contudo, a queda da expressão «junto dos tribunais» não foi fruto de uma mera omissão.

O artigo 19.º do articulado proposto pela Sexta Comissão na Assembleia Constituinte prescrevia:
«O Ministério Público é um órgão autónomo, que funciona junto dos tribunais.»[135]

Em alternativa a essa formulação o Partido socialista propôs a fórmula que subsiste na primeira parte do n.º 2 do artigo 219.º, «o Ministério Público goza de estatuto próprio»[136]. Para além da questão complexa do abandono, da referência expressa na lei fundamental à autonomia do Ministério Público (que caiu na Constituinte, mas foi retomada na revisão de 1989)[137], a proposta do Partido Socialista então aprovada teve um efeito mais perene no rejeitar da constitucionalização do modelo orgânico do Ministério Público (inicialmente proposto) enquanto organismo «junto dos tribunais». Sendo importante nesse ponto a argumentação do deputado José Luís Nunes:
«É evidente que esta afirmação de que o Ministério Público faz parte do tribunal não impõe ou não retira a ideia de que o Ministério Público é um órgão diferente do juiz. […] Depois, o Ministério Público não funciona junto dos tribunais exclusivamente. Mesmo que adoptássemos a ideia de que o Ministério Público era um órgão autónomo, a afirmação de que funciona junto dos tribunais é, a meu ver, errada, porque o Ministério Público tem outras funções, nomeadamente a de emitir pareceres que sejam requeridos à Procuradoria-Geral da República por certos órgãos do Estado.»[138]

Por confronto com os pareceres n.º 171/80 e n.º 3/81 do Conselho Consultivo, a Comissão Constitucional no seu parecer n.º 8/82 empreendeu uma leitura mais larga do estatuto constitucional do Ministério Público[139]. Depois de recortar o conceito de Estado relevante nesta sede, «a pessoa colectiva que, para efeitos de direito interno, tem por órgão o Governo»[140], defende uma perspectiva funcional que distingue a actividade do Ministério Público de representação em juízo do Estado das suas outras atribuições constitucionais:
«O Ministério Público é, assim, neste domínio, um “corpo de advogados do Estado”.»[141]

Perspectiva funcional desligada de reservas de competência em que, além de se anotar com pertinência a «falta de conceitos capazes de exprimir com exactidão a realidade», se conclui que da regra constitucional dimana um princípio: «o legislador não pode privar, totalmente, o Ministério Público das funções de representação do Estado, em juízo, cometendo-as, por inteiro, a outras entidades»[142].

Orientação constitucional que esteve na base da redução da representação do Estado pelo Ministério Público, em particular, nas leis processuais[143].

Retracção da representação do Estado pelo Ministério Público ainda mais marcada no processo nos tribunais administrativos, em especial por força do disposto nos artigos 10.º, n.º 2 e o artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Restrição normativa que é complementada pela força de uma corrente doutrinária protagonizada, nomeadamente, por José Carlos Vieira de Andrade, que «apesar da referência constitucional à “representação do Estado”», defende «não haver razão para, no processo administrativo actual, atribuir ao Ministério Público a representação dos interesses patrimoniais do Estado-Administração […] quando a representação ou o patrocínio podem ser assegurados por funcionários dos serviços jurídicos ministeriais ou por advogados contratados, nem sequer para lhe conferir o encargo de promoção processual do interesse público, quando este possa ser prosseguido por órgãos administrativos»[144].

De qualquer modo, em termos de direito positivo e tendo presente o âmbito material dos procedimentos abrangidos pelo regime da injunção[145], a representação do Estado como sujeito passivo de acções relativas a contratos continua a incumbir ao Ministério Público por força das disposições conjugadas do artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.º 1, alínea a) do EMP[146]. Contudo, como também se destacou acima, a providência de injunção é um procedimento extrajudicial não constituindo uma acção em tribunal.

Pouco depois da recusa da Comissão Constitucional em acolher a tese do parecer do Conselho Consultivo n.º 3/81, de 8-10-1981, sobre o monopólio da representação do Estado-Administração nos tribunais, no parecer n.º 119/82, de 14-10-1982[147], o órgão consultivo da Procuradoria-Geral da República abordou o problema da representação do Estado em carta rogatória relativa a acção instaurada em tribunal estrangeiro. Tendo-se então concluído, por unanimidade, que:
«1 - Não compete ao Ministério Publico representar o Estado junto de tribunais estrangeiros;
«2 - O cumprimento das cartas rogatórias para citação ou notificação do Estado Português, sem individualização da pessoa ou entidade a citar ou a notificar, extraídas de acções cíveis contra este intentadas em tribunais estrangeiros deve ser efectuado na pessoa do Primeiro Ministro, como representante do Governo.»

Então superando os cânones da velha fórmula junto dos tribunais esteve presente uma preocupação pragmático-funcional:
«Se fosse o agente do Ministério Público junto do tribunal português a quem foi distribuída a carta rogatória a receber a citação ou notificação em representação do Estado, a actuação daquele limitar-se-ia a dar conhecimento do facto ao órgão do Governo competente a fim de este diligenciar pela defesa dos interesses do Estado junto do tribunal estrangeiro. Esta solução teria o inconveniente de consumir parte do prazo concedido para a apresentação dessa defesa, e não teria quaisquer vantagens sobre a solução que atribui directamente ao Governo capacidade para receber tais citações ou notificações.»

Recorte do espaço de representação do Estado em juízo pelo Ministério Público, com que o Conselho Consultivo veio a defrontar-se de novo no parecer n.º 74/1991, de 21-11-1991[148], reportado à representação do Estado Português em tribunal arbitral. Na respectiva estrutura argumentativa retorna-se ao lastro de pareceres anteriores, sobre a representação orgânica e a presença do Ministério Público junto dos tribunais:
«Os tribunais arbitrais, como tribunais, em regra, "ad hoc" que são –, e especialmente vocacionados para dirimir conflitos relativos a interesses disponíveis, não comportam obviamente que junto deles funcionem magistrados do Ministério Público.
«Como o Ministério Público não exerce funções junto dos tribunais arbitrais, inverificada está a razão que levou o legislador a atribuir-lhe lá a representação do Estado.
«A lei só prevê que o Ministério Público represente organicamente o Estado-Administração junto dos tribunais judiciais e administrativos em que funcione.»

Terminando o parecer com cinco conclusões lavradas por maioria:
«1 - Os contratos de investimento estrangeiro são de natureza administrativa e têm essencialmente por objecto a execução de programas de investimento enquadrados nas linhas da política de desenvolvimento económico e social definidas no Plano para os domínios de actividade a que respeitem;
«2 - No que concerne àqueles contratos compete ao Instituto do Comercio Externo de Portugal – ICEP a representação do Estado Português nas fases de negociação, conclusão e acompanhamento (artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n 143/89, de 29 de Abril);
«3 - Compete ao Ministério Publico representar o Estado Português nas acções emergentes daqueles contratos por este ou contra este intentadas nos tribunais administrativos (artigo 69.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril);
«4 - A lei não atribui seja ao Ministério Publico seja ao Instituto do Comercio Externo de Portugal – ICEP – a competência para representar o Estado Português nas acções emergentes dos referidos contratos intentadas nos tribunais arbitrais;
«5 - O Estado Português é representado pelo Primeiro-Ministro ou pelo Ministro que aquele designar nas acções emergentes de contratos de investimento estrangeiro intentadas nos tribunais arbitrais.»

Tendo existido dois votos de vencido contra a doutrina deste parecer, os mesmos não dão abrigo a qualquer ideia ampla de uma representação do Estado para além dos tribunais, ou do espectro funcional da representação em juízo, dissidindo da maioria pela crítica da perspectiva demasiado restrita sobre os tribunais onde deve ser assumida a representação do Estado pelo Ministério Público:
«O Ministério Público é competente para representar o Estado nos tribunais em geral, decorrendo tal competência da Constituição e da sua Lei Orgânica, nomeadamente.
«Uma vez que os tribunais arbitrais não podem deixar de qualificar-se como verdadeiros tribunais, então o Ministério Público é, em princípio, competente para representar e patrocinar o Estado nesses Tribunais.
«Pode sustentar-se que, no plano constitucional, a competência para representar o Estado nos tribunais não é exclusiva do Ministério Público.
«Não deixará, porém, de ser uma competência "natural" que, acolhida, ademais, na Lei Orgânica do Ministério Público, se deve considerar imbuída do "valor reforçado" atribuído a esta Lei.
«Para que essa competência do Ministério Público possa, assim, ser restringida, é necessário existirem fortes razões legais. […]
«Aliás, os tribunais arbitrais não constituem, como poderia pensar-se, algo de completamente estranho à justiça, ao ordenamento e à jurisdição estadual propriamente dita.
«Não são a expressão irrestrita da "amiable composition", como que esgotando-se no exercício absoluto da autonomia privada.
«É, bem ao invés, irrecusável a essencial ligação entre os tribunais arbitrais e a jurisdição estadual, a vocação da Jurisdição Arbitral para a justiça do Estado.
«Podem os tribunais arbitrais ter que aplicar estritamente o direito substantivo do Estado e observar as formas e ritos do seu direito adjectivo.
«Pode a decisão arbitral ser impugnada mediante recurso – necessariamente para o tribunal da Relação (artigo 29º, nº1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto - Lei da arbitragem voluntária), onde, aliás, a representação do Estado é assegurada pelo Ministério Público.
«E pode a mesma decisão arbitral ter que ser executada -no tribunal judicial de 1ª instância respectivo (artigo 30º da Lei nº 31/86), onde a representação do Estado exequente está indiscutivelmente confiada ao Ministério Público.
«Como aceitar, em suma, esse divórcio entre tribunais arbitrais e tribunais estaduais que é capaz de conduzir à exclusão da representação natural do Estado em juízo pelo Ministério Público, quando a própria lei de arbitragem voluntária supra citada aparece editada pela Assembleia da República ao abrigo do artigo 168º, nº1, alínea q), da Constituição, segundo o qual é da sua exclusiva competência (reserva relativa) a organização e competência dos Tribunais e do Ministério Público.»[149]

Em termos gerais, nos vários pareceres do Conselho Consultivo sobre o tema não se encontra lastro de nenhuma posição que ampliasse a intervenção do Ministério Público em representação do Estado-Administração fora dos tribunais. E mesmo os defensores de uma leitura mais ampla da responsabilidade de representação nos tribunais em sentido amplo não a implicavam em procedimentos anteriores ao início do processo judicial em que o Estado fosse sujeito passivo, mantendo-se vinculados à ideia de «representação natural do Estado em juízo pelo Ministério Público».

A matriz do parecer n.º 74/1991, de 21-11-1991, que derivou de consulta do Governo, veio a conformar dois outros pareceres (já na vigência da nova redacção de 1998 do Estatuto do Ministério Público) que confirmam, e acentuam, a interpretação restritiva do conceito de tribunais relevante para efeitos da função do Ministério Público de representação do Estado em juízo: Parecer n.º 114/2003 de 11-3-2004[150], e Parecer n.º 10/2005, de 21-4-2005[151]. O primeiro desses pareceres reportou-se aos tribunais arbitrais e o segundo aos julgados de paz, tendo sido determinado pelo Procurador-Geral da República que ambos constituíssem doutrina obrigatoriamente seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, alínea b), e 42.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público[152].

Estes pareceres não incidem no tema objecto de consulta, já que, como destacam Rui Medeiros / Maria João Fernandes, «a arbitragem corresponde, ainda, a um instrumento de composição jurisdicional de conflitos, podendo dizer-se que actua, através dela, a função jurisdicional de hetero-dirimação de conflitos»[153], e, por outro lado, não sofre dúvida que os julgados de paz são verdadeiros tribunais[154].

Revela-se nesses pareceres uma interpretação restritiva das competências de representação do Estado, mesmo em processos que correm em tribunais, limitando-a, de acordo com a conclusão segunda do parecer n.º 114/2003, «aos tribunais estaduais, designadamente aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos e fiscais»[155].

Saindo da temática da representação do Estado em juízo para retornar ao objecto da consulta, intervenção do Ministério Público em representação orgânica do Estado-Administração em procedimento extrajudicial, desde já se adianta que:

1- A representação do Estado-Administração pelo Ministério Público em procedimentos extrajudiciais não tem cobertura na lei;

2- Enquanto não forem instalados departamentos de contencioso do Estado, previstos no EMP, falece ao Ministério Público competência para patrocinar o Estado-Administração em procedimentos extrajudiciais relativos a alegadas dívidas a outras pessoas (singulares ou colectivas).

Começando pelo primeiro aspecto, se a tese restritiva dos pareceres números 74/1991, 114/2003 e 10/2005, nomeadamente, compreende um enfoque na necessidade de estabelecimento de competências intra-orgânicas no seio do Ministério Público (art. 4.º n.º 2, do EMP), para aferir as responsabilidades funcionais de representação do Estado-Administração pelo órgão complexo Ministério Público (que mereceu crítica da minoria no parecer n.º 7/91), no caso de procedimentos extrajudiciais a questão já se coloca noutro plano.

A problemática objecto da consulta, eventual representação do Estado-Administração pelo Ministério Público em sede de oposição no procedimento de injunção, envolve a articulação dos desenvolvimentos estabelecidos até este passo sobre os dois eixos da questão, a natureza do procedimento de injunção e o contexto significativo da lei que atribui a representação do Estado nos tribunais ao Ministério Público. Tendo sempre presente um conceito administrativo de competência, isto é, de acordo com a formulação sintética de Freitas do Amaral, «o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas»[156]. Plano em que o Ministério Público, enquanto órgão do Estado, «está limitado pela sua própria competência – não podendo, nomeadamente, invadir a esfera de competência dos outros órgãos da mesma pessoa colectiva»[157]. Sendo certo que o problema no Estado-Administração se densifica, pois, como também destaca Freitas do Amaral, «no Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros – e, nomeadamente, o que separa os Ministros uns dos outros – não é apenas a competência de cada um, são também, e sobretudo, as atribuições»[158].

De qualquer modo, a resposta à questão suscitada pela consulta no quadro do direito positivo não carece de um aprofundamento da teia mais complexa das atribuições e competências do (e no) Ministério Público, já que todos os dados confluem no sentido de que a representação do Estado-Administração enquanto sujeito passivo da providência de injunção não se integra nem nas atribuições, nem nas competências do Ministério Público.

Com efeito, não há sequer uma parcela que seja coberta pela fórmula genérica relativa à «representação nos tribunais», ao invés, existe um órgão de soberania, o Governo, que nos termos do artigo 182.º da Constituição «é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública». Órgão responsável, em primeira linha, pelos dois pilares da «estrutura dualista», na expressão de Sérvulo Correia, através da qual o Estado-Administração se relaciona com outras pessoas (singulares e colectivas) em sede de contratos administrativos e contratos de direito privado[159]. Nos regimes jurídicos relevantes (sobre a providência de injunção e o estatuto e orgânica do Ministério Público) constata-se que a lei não atribui ao Ministério Público a representação do Estado em procedimentos extrajudiciais, nomeadamente na providência de injunção.

Acresce que uma eventual competência de representação orgânica do Estado-Administração pelo Ministério Público, perante um órgão da Administração directa do Estado, como uma secretaria-geral de injunções ou um Balcão Nacional de Injunções, se afiguraria paradoxal e incompatível com o perfil funcional e autonomia do Ministério Público. Embora pareça ter sido essa a perspectiva que terá determinado as iniciativas da Direcção Geral da Administração da Justiça para aferir qual o subórgão do Ministério Público que deveria ter essa competência afim de os respectivos serviços accionarem as notificações[160].

Acrescente-se que também não existe nenhuma norma que designe magistrados do Ministério Público como agentes susceptíveis de serem notificados em representação do Estado no quadro de providências de injunção em que o Estado seja sujeito passivo. Sendo certo que o perfil jurídico-constitucional do Ministério Público não se compatibiliza com a representação orgânica do Estado junto de órgãos da Administração ou de órgãos da Administração para efeitos de notificação. Solução legal que, além de envolver o paradoxo, já assinalado, de um representante judiciário do Estado-Administração junto do Estado-Administração, colide com o estatuto do Ministério Público, sem qualquer arrimo nas razões pragmáticas, sublinhadas, há mais de 100 anos por José Alberto dos Reis, para atribuir a esse órgão a representação do Estado-Administração nos tribunais, «para que há-de complicar-se mais o serviço público e onerar-se o orçamento das despesas nomeando para cada pleito um advogado»[161].

Afigurando-se inadmissível uma solução legal que constituísse o Ministério Público como representante judiciário do Estado-Administração junto de órgãos do Estado-Administração, mais inaceitável se apresenta uma via em que, sem suporte legal, agentes administrativos decidam designar, ainda que através de programas informáticos relativos às actividades dos tribunais, a Procuradoria da República no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (ou nos vários tribunais administrativos e fiscais) como representante do Estado-Administração junto do Balcão de Injunções que constitui organismo do Estado-Administração[162].

Transfiguração de um subórgão do órgão complexo Ministério Público, que, ainda que fosse admissível no plano material, constitui matéria da reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, al. p) da Constituição), que nem sequer podia ser determinada por acto normativo do Governo e, muito menos, por mero por acto administrativo de um organismo subordinado.

Subsiste a questão de saber se a dimensão funcional do Ministério Público relativa à advocacia do Estado pode compreender uma actividade pré-judicial no quadro de procedimentos em que o Estado é sujeito passivo por força de alegadas dívidas ou obrigações de pagamento.

§ II.3.2 A susceptibilidade de a advocacia do Estado exercida pelo Ministério Público compreender a intervenção em composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado

Atendendo a que o serviço do Estado perante o qual corre a providência de injunção não conhece a questão de direito, servindo apenas a tramitação de um procedimento e a verificação de requisitos formais, a questão pode ser perspectivada em moldes distintos da «representação junto de», colocando o enfoque no patrocínio do Estado pelo Ministério Público em formas de composição extrajudicial de conflitos. Como já se destacou acima, nos processos que tenham por objecto relações contratuais, e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, sintetizam «o Ministério Público é como que um advogado do Estado – com direitos e deveres processuais correspondentes aos do advogado da contraparte – e depende do seu constituinte no que respeita (pelo menos) à disposição do processo, embora já não quanto à existência ou disposição do mandato»[163].

A representação pelo Ministério Público do Estado-Administração nos tribunais constitui uma responsabilidade que, embora controvertida de jure condendo e pouco comum em termos de direito comparado, se apresenta correlacionada com a respectiva matriz funcional marcada pela dimensão judiciária do patrocínio. Advocacia do Estado que se apresenta autónoma das funções nucleares do Ministério Público, relativas à acção penal em que, apesar de não estar consagrado um monopólio absoluto, existe uma reserva constitucional de competência. Daí uma diferença destacada no parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional, na representação do Estado-Administração «encontrar-nos-emos num terreno em que, então, já se não descobre qualquer fundamento material para uma reserva de competência»[164].

O aprofundamento da complexificação intra-orgânica do Ministério Público, iniciada na revisão estatutária de 1998, através de departamentos de contencioso ou de advocacia do Estado constitui uma via sistémico-funcional distinta da associação dos subórgãos do Ministério Público a tribunais específicos, consequentemente conformados pela atomização organizacional das ordens de tribunais judiciais e administrativos e fiscais. Os departamentos de contencioso no novo desenho consagrado no estatuto de 1998 apresentam-se desligados, em termos jurídico institucionais, de específicos tribunais, e assumem a representação do Estado em juízo podendo preparar, examinar e acompanhar formas de composições extrajudicial relativas a litígios sobre interesses privados do Estado. Contudo, a departamentalização intentada em 1998 só veio a ser concretizada na área penal, pois a criação dos departamentos de contencioso depende de «portaria do Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior do Ministério Público» (artigo 51.º, n.º 3 do EMP), a qual nunca teve lugar. Assim, nesta data subsistem no plano dos meros princípios programáticos os departamentos de contencioso do Estado que se encontram previstos no artigo 51.º do EMP, e que, por força do disposto, no n.º 2 desse preceito, quando criados terão «competência em matéria cível, administrativa ou, conjuntamente, cível e administrativa».

Como sublinhou Cunha Rodrigues, no que concerne à representação do Estado, os departamentos de contencioso «podem vir a inspirar transformações mais substanciais»[165], identificando na solução três objectivos:
«O primeiro, de diferenciação funcional, procurando autonomizar uma área em que existe, de facto, uma específica tensão profissional; o segundo, de especialização, em que se atende a exigências de complexidade que a experiência tornou candentes; o terceiro, de eficácia, teve em conta solicitações que se colocam em determinados níveis.»[166]

Verifica-se, assim, uma dessintonia entre o programa do Estatuto do Ministério Público consagrado em 1998 em matéria de advocacia do Estado e a realidade que, na ausência da criação dos departamentos de contencioso, subsiste conformada pela paisagem normativa precedente. O que compreende, designadamente, a dependência do sistema de advocacia do Estado assumido pelo Ministério Público do cordão umbilical relativamente a específicos tribunais, subsistindo, por outro lado, a cisão burocrático-institucional entre as estruturas do Ministério Público nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais. Esquema em que as válvulas de segurança, designadamente, a possibilidade de o Procurador-Geral da República, nomear qualquer magistrado do Ministério Público para coadjuvar ou substituir o magistrado a quem incumba a representação nas acções cíveis em que o Estado seja parte (prevista no artigo 67.º do EMP) obedecem ao paradigma anterior (lei orgânica de 1978 e redacção originária do diploma de 1986), muito marcado pela personalização de funções[167].

Programa ínsito às alterações estatutárias de 1998 cuja visita permite uma mais clara apreensão do regime organizatório que subsiste, e, em particular, as condicionantes da representação do Estado como sujeito passivo de eventuais demandas judiciais. As alterações intentadas através do novo quadro estatutário de 1998 têm especial relevo na pretendida ampliação da competência, que deixaria de se cingir à tradicional «representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais» e passaria a envolver o «preparar, examinar e acompanhar formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado» (por força da alínea b) do artigo 53.º do EMP).

Vertente em que, como sublinha Carlos Lopes do Rego, está compreendida uma nova perspectiva na relação do próprio Estado com as pessoas privadas, pois a preparação, exame e acompanhamento de formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado visa «obstar a que o particular só consiga ver realizado o seu direito contra a entidade pública por via judiciária – mesmo em casos em que é manifesto e inquestionável que lhe assiste inteira razão»[168].

Por seu turno, Cunha Rodrigues destaca a necessidade de uma resposta a dimensões pragmáticas do novo programa, em particular as «reformas processuais civis [que] têm evoluído no sentido de subtrair prerrogativas ao Ministério Público», desenvolvimento ocorrido «num momento em que se avoluma a intervenção activa e passiva do Estado, como demandante ou demandado»[169]. E apresenta pistas sobre a futura concretização do novo modelo orgânico: «Na regulamentação do diploma, não poderão deixar de desenvolver-se aspectos que decorrem do espírito das normas em que se destacam as ideias de coordenação e de intermediação. Referimo-nos particularmente à necessidade de um departamento central que possa funcionar, em Lisboa, como substabelecido de poderes processuais localizados na periferia.»[170]

Volvidos mais de 13 anos sobre a entrada em vigor do estatuto revisto não foram criados quaisquer departamentos de contencioso do Estado. O cenário que subsiste de atomização da representação do Ministério Público acaba por circunscrevê-la, pelo menos no que se reporta ao Estado como eventual sujeito passivo de litígios que podem determinar acções judiciais, aos parâmetros restritos da «representação em juízo» e, que, o Conselho Consultivo já veio a considerar que, mesmo ao nível nacional, não abrange todos os tribunais, excluindo o patrocínio do Estado-Administração pelo Ministério Público nos tribunais arbitrais e nos julgados de paz[171].

Enquanto não forem instalados departamentos de contencioso do Estado, previstos no EMP, falece ao Ministério Público competência para representar o Estado-Administração em quaisquer procedimentos extrajudiciais não existindo, nomeadamente, nenhum subórgão do referido órgão constitucional colectivo e complexo com competência intra-orgânica para esse efeito[172]. Para além do preceito relativo aos departamentos de contencioso do Estado, a lei não atribui ao Ministério Público competência para patrocinar o Estado em procedimentos extrajudiciais, nomeadamente na providência de injunção.

Em conclusão: A não criação dos departamentos de contencioso do Estado, previstos na redacção de 1998 do Estatuto do Ministério Público, e a consequente subsistência de um esquema organizacional do Ministério Público conformado, no que respeita à função de advocacia do Estado, pelas orgânicas dos tribunais judiciais e administrativos e fiscais obsta tanto à representação orgânica como ao patrocínio do Estado-Administração pelo Ministério Público em procedimentos extrajudiciais em que a pessoa colectiva pública é o sujeito passivo.


§ II.4 A providência de injunção interposta contra o Estado-Administração Central e a respectiva notificação para oposição

§ II.4.1 A dimensão administrativa da responsabilidade de receber a notificação de injunção requerida contra o Estado

Acima concluiu-se que o Estado pode ser sujeito passivo da providência de injunção e que o Ministério Público não tem competência para o representar nessa sede. Consequentemente, ao Ministério Público falecem quaisquer poderes ou responsabilidades funcionais em termos de determinação dos órgãos ou agentes administrativos que devem receber as respectivas notificações.

Por outro lado, a susceptibilidade de o Estado ser sujeito passivo na providência de injunção, não compreende «quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais» que justifiquem propostas de alteração legislativa por iniciativa do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sem prévia solicitação do órgão de soberania competente, o Governo[173].

A representação do Estado, nomeadamente para efeitos de notificação, integra a actividade administrativa, sendo o Governo o órgão superior da Administração Pública, e, consequentemente, o órgão de soberania competente para estabelecer eventuais directivas para actuação dos organismos dependentes. Importa ainda não esquecer que a identificação do requerido e a indicação do lugar de notificação no caso de providências de injunção é, em primeira linha, da responsabilidade do requerente. Acrescente-se que a pluralidade de hipóteses de contratos e transacções subjacentes a eventuais providências de injunção contra o Estado, bem como a multiplicidade e diversidade de leis orgânicas que podem ser relevantes, não se compatibiliza com sínteses conclusivas genéricas. Sendo apenas de realçar a ausência de um regime especial nesta matéria, para além das regras sobre o «domicílio convencionado» que não estão reservadas a nenhuma categoria de potenciais sujeitos passivos da providência de injunção (artigos 2.º, n.º 1 do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 269/98 e 10.º, n.º 2, al. c) e 12.º-A do RA).

Refira-se, em reforço da ideia de que se afiguram inapropriadas asserções não solicitadas neste domínio, que mesmo em termos de demandas judiciais existe a possibilidade de interposição de acções directamente contra órgãos e organismos do Estado-Administração o que, inclusive, determina algumas regras especiais, em particular o disposto no artigo 10.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA):
«Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.»

Preceito que para Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha deve ser «objecto de uma interpretação restritiva, mediante a qual será de entender que ela não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam no recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (agora enunciados nos artigos 50.º e seguintes, e 72.º), e a que há que acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação na prática de acto devido e à declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66.º e 77.º), bem como as acções de reconhecimento de direitos e as acções de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos»[174].

Importando ainda ter presente a norma do n.º 4 do artigo 10.º do CPTA:
«O disposto nos dois números anteriores não obsta a que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.»

Em complemento, a alínea e) do n.º 2 do artigo 78.º do CPTA prescreve que o autor na petição inicial (da acção administrativa especial, pelo que não abrange as relativas ao cumprimento de contratos) deve «indicar o órgão que praticou ou devia ter praticado o acto, ou a pessoa colectiva de direito público ou o ministério a que esse órgão pertence» e, na sua sequência, o n.º 3 do respectivo preceito determina que:
«Para o efeito do disposto na alínea e) do número anterior, a indicação do órgão que praticou ou devia ter praticado o acto é suficiente para que se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa colectiva ou o ministério, pelo que a citação que venha a ser dirigida ao órgão se considera feita, nesse caso, à pessoa colectiva ou ao ministério a que o órgão pertence.»

Em síntese de estrito enquadramento metodológico, tem de articular-‑se nesta matéria a problemática do sujeito passivo, a pessoa colectiva, com a da sua representação, isto é «o órgão através do qual ela poderá intervir no relacionamento jurídico com terceiros, passando a competir ao titular ou titulares desse órgão manifestar a vontade individual imputável à pessoa colectiva»[175].

Servindo como pauta de base a enunciação dos órgãos da Administração Pública, para efeitos do Código de Procedimento Administrativo, que consta do n.º 2 do artigo 2.º desse diploma que, embora desactualizada, persiste relevante no que concerne à administração central do Estado, ao reportar-se aos órgãos do Estado «que exerçam funções administrativas».

Atendendo ao objecto do presente parecer, a única questão que importa desenvolver nesta sede reporta-se à intervenção do Ministério Público nos procedimentos de injunção relativos a alegadas obrigações de pagamento do Estado-Administração. Tendo-se concluído que em sede de providência de injunção interposta contra o Estado, ao Ministério Público não tem qualquer atribuição ou competência, já que a intervenção nesse procedimento extrajudicial não integra a representação em juízo[176].

Consequentemente, apresentando-se pacífico que o Ministério Público não constitui órgão da Administração Pública para efeitos de procedimento administrativo (consenso independente das flutuações classificatórias em torno desse órgão do Estado), o mesmo não tem legitimidade para intervir como sujeito passivo em procedimento accionado contra o Estado-Administração, nem poderes de representação do Estado nessa sede[177].

§ II.4.2 O poder / dever de o requerente identificar o requerido e o local de notificação

Já se teve oportunidade de destacar que os serviços da administração directa do Estado responsáveis pelo processamento das injunções sobre o tribunal competente não têm qualquer competência valorativa na selecção do tribunal competente, cuja indicação constitui um ónus do requerente, por força da prescrição da alínea l) do n.º 2 do artigo 10.º do RA[178]. Caso o requerente omita esse dever procedimental, a secretaria deve rejeitar o requerimento, nos termos da alínea a) n.º 1 do artigo 11.º do RA, não tendo quaisquer competências de correcção oficiosa da indicação pelo requerente do tribunal competente para apreciar os autos no caso de estes serem apresentados à distribuição.

Indicação do tribunal competente no requerimento de injunção que se relaciona com outro ónus directamente relevante para a problemática da notificação para oposição, o requerente está obrigado a indicar o lugar de notificação do alegado devedor. Matéria em que a secretaria também não tem quaisquer competências de correcção oficiosa da indicação que consta do requerimento, devendo, apenas, rejeitar o requerimento que omita essa informação (por força das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RA).

As regras jurídicas analisadas devem servir para ler dois dados informativos que acompanharam o despacho que determinou a consulta:

1- A Direcção-Geral da Administração da Justiça atendendo a que «tem vindo a ser considerado, nos tribunais para os quais aquelas providências vêm a ser redistribuídas, que, não obstante a indicação concreta, como requerido, de determinado serviço, deve entender-se que a mesma é interposta contra o Estado», entendeu que, «tendo em conta que o Estado é representado pelo Ministério Público», devia ser estabelecido o «procedimento» a «ser observado pelo Balcão Nacional de Injunções»[179]. Refira-se que então um estudo de membro do Gabinete do Procurador-Geral da República se pronunciou no sentido de que o Ministério Público devia ser notificado em representação do Estado. Atentos os pressupostos e enquadramento do Conselho Consultivo, suscitada a pronúncia deste ente o mesmo tinha obrigação de analisar as questões sem qualquer vinculação a anteriores interpretações formuladas no seio do Ministério Público, estando antes subordinado de forma estrita aos princípios da legalidade e objectividade.

2- Na Informação n.º 7/2011 do Procurador-Geral-Adjunto Coordenador do Tribunal Central Administrativo, a dado passo, afirma-se: «A ideia que fica é a de que o Balcão Nacional de Injunções […] procedeu à inserção de um indicador na aplicação informática CITIUS para incluir os Tribunais Administrativos e Fiscais e, nesse contexto, remete os requerimentos de injunção ao TAC de Lisboa»[180].

Interligam-se neste ponto duas vertentes: (a) a identificação do requerido e do lugar da respectiva notificação e (b) indicação do tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição.

Retornando às pautas genéricas do procedimento de injunção, e à ausência de qualquer competência da secretaria (bem como dos organismos administrativos de que depende) para resolver uma «questão de direito» nessa sede, extrai-se a conclusão de que qualquer correcção ou preenchimento administrativo do requerimento quanto aos aludidos pontos se apresenta ilegal. Pelo que, o Balcão Nacional de Injunções não pode «corrigir» o requerente e apenas pode rejeitar o requerimento que omita os elementos legais obrigatórios (artigo 11.º do RA).

Tendo presente o objecto da consulta, nesta sede não se pode intentar o estabelecimento das regras da actuação que devem ser observadas pelo Balcão Nacional de Injunções (entidade subordinada ao Governo como órgão de soberania complexo, e, em particular, dependente do Ministro da Justiça), mas, apenas, abordar algumas questões prévias ao tratamento do problema central sobre a notificação empreendida por esse organismo no quadro de providências de injunção do Ministério Público (como representante do Estado), na perspectiva do delinear de eventuais linhas de orientação deste órgão do Estado[181].

No que concerne à competência do tribunal, a mesma deve ser aferida em sede jurisdicional e tendo presente os dados da situação específica[182]. Já no que respeita o Ministério Público, atento o sistema ainda vigente de associação dos subórgãos do Ministério Público a específico tribunais, enquanto não forem criados os departamentos de contencioso do Estado, a intervenção, nomeadamente para efeitos de notificação, deve incumbir ao subórgão junto do tribunal que o requerente entende competente ou onde a acção já está pendente[183].

Recapitulando os dados normativos de base, o regime legal sobre a providência de injunção atribui ao requerente o ónus de identificar o requerido, o lugar da respectiva notificação e o tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição (nos termos das alíneas b), c) e l) do artigo 10.º, n.º 2 do RA).

Reportando-se o nosso tema às providências de injunção contra o Estado-Administração, o regime legal da providência de injunção determina uma remissão, no que concerne à notificação do requerimento, para algumas normas do Código de Processo Civil, sendo aplicáveis, «com as devidas adaptações», as disposições dos artigos 231.º, 232.º, dos números 2 a 5 do artigo 236.º e do artigo 237.º.

Plano em que, além das normas aplicáveis por remissão expressa, importa ter presentes as normas omitidas, em particular o artigo 20.º e o n.º 1 do artigo 236.º do Código de Processo Civil. Omissões congruentes com a asserção de raiz no sentido de que o Ministério Público não tem competência para a representação orgânica do Estado-Administração na providência de injunção.

Sobre as três vertentes destacadas (indicação do sujeito passivo, local de notificação e tribunal onde deve ser remetido o procedimento no caso de distribuição), o regime relativo aos ónus do requerente e à estreita margem de valoração da secretaria impede estas de decisões autónomas no sentido de estabelecer:
1) O Ministério Público como representante unitário do Estado-Administração em sede de providências de injunção; ou
2) No caso de o requerente indicar o Ministério Público como representante orgânico do Estado-Administração seleccionar o concreto órgão do Ministério Público (nomeadamente a Procuradoria da República junto dos Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa) como representante para efeitos de notificação dos requerimentos de injunção.

Não competindo ao Conselho Consultivo indagar os procedimentos administrativos efectivamente realizados, e se, nomeadamente, houve uma orientação para se notificar, independentemente do teor do requerimento, o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa como representante orgânico do Estado-Administração requerido em providência de injunção, apenas se impõe nesta sede sublinhar a ilegalidade dessa hipotética pauta de actuação[184].

Proibição de actos valorativos da secretaria, que, sublinha-se uma vez mais, deriva das regras procedimentais estabelecidas na lei, em particular, a divisão de funções entre requerente de injunção e serviços administrativos responsáveis pelos actos procedimentais.

§ II.4.3 A notificação do Ministério Público para oposição em providência de injunção

A questão dos vícios da notificação para oposição não estando directamente regulada no Regime Anexo deve ser interpretada por aplicação subsidiária do regime da citação em processo civil (já que as regras sobre «notificações» reportam-se a «processos pendentes»).

Lei processual civil que se aplica ao processo nos tribunais administrativos por força do artigo 25.º do CPTA[185]. Regime que ao determinar um modelo idêntico para as citações e notificações das entidades públicas e dos sujeitos privados constituiu uma rotura com o regime precedente (estabelecido pelo artigo 10.º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos).

A eventual notificação de um órgão e de um agente sem faculdade de representação do requerido por decisão própria da secretaria do Balcão Nacional de Injunções (ainda que por via de mecanismos automáticos) constitui uma violação do artigo 231.º do CPC, aplicável à providência de injunção por força do artigo 12.º, n.º 2, do RA. Afigura-se inadmissível que a secretaria opte, sem impulso expresso do requerente, pela notificação do magistrado do Ministério Público, pois não existe qualquer nexo de representação orgânica do Estado-Administração em sede de procedimentos extrajudiciais e os membros dessa magistratura não têm qualquer dependência (antes autonomia) relativamente à hierarquia da Administração Pública. Pelo que, sendo notificado em providência de injunção um magistrado do Ministério Público não se pode presumir que o Estado-Administração ou um específico organismo deste teve conhecimento da notificação[186].

Falta de notificação do sujeito passivo da providência de injunção que acarreta a nulidade de todo o subsequente processado (por força do artigo 194.º, n.º 1, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 195.º do CPC cuja aplicação ao procedimento de injunção está implicada por extensão teleológica da remissão do artigo 12.º do RA). Pelo que, a única medida que pode ser tomada pelo magistrado do Ministério Público notificado por iniciativa do Balcão Nacional de Injunções em providência de injunção instaurada contra o Estado-Administração, em que o requerente não o identifique como notificando, é o suscitar da nulidade da falta de notificação do demandado no procedimento respectivo.

Constitui uma situação com distinto enquadramento jurídico-procedimental a notificação do Ministério Público por indicação constante do requerimento inicial.

Como já se referiu, na hipótese de o requerente indicar o Ministério Público como suposto representante do Estado-Administração sujeito passivo da providência de injunção ou como o requerido da injunção, incumbe ao Balcão Nacional de Injunções a notificação de magistrado junto do tribunal para onde o requerente pretende que o processo seja remetido no caso de superveniente distribuição (por força das disposições conjugadas das alíneas b), c) e l) n.º 2 do artigo 10.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RA e do artigo 4.º, n.º 1 do EMP).

Atento o autónomo poder conformador do requerente da injunção importará ainda, luz da doutrina preconizada neste voto, distinguir duas hipóteses:

1) Se o Ministério Público for indicado como representante do Estado na providência de injunção deve suscitar no prazo da oposição o problema da falta de poderes de representação orgânica da pessoa colectiva pública demandada (artigo 23.º, n.º 1 do CPC);

2) Sendo o Ministério Público indicado como requerido verifica-se um caso de ilegitimidade que deve ser excepcionada em sede de oposição (artigo 26.º do CPC) e, subsidiariamente, suscitada a ausência de poderes de representação orgânica do Estado-Administração (artigo 23.º, n.º 1 do CPC).


§ II.5 Em jeito de conclusão

Em face do exposto, entende-se que o Conselho Consultivo devia ter formulado as seguintes conclusões:

1.ª A providência de injunção regulada no Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, constitui um procedimento extrajudicial instaurado por um alegado credor contra o seu alegado devedor que visa, na sequência de omissão de oposição do requerido, a formalização de um título executivo por um agente administrativo.

2.ª Esse procedimento administrativo só dá origem a uma acção declarativa em tribunal se se frustrar a notificação (e o requerente tiver expresso o desejo que, mesmo assim, o processo seguisse para a acção em tribunal) ou se o requerido tiver deduzido oposição.

3.ª A autonomia entre o procedimento de injunção e a acção jurisdicional declarativa precedida por providência de injunção determina, nomeadamente, que os pressupostos processuais, entre os quais a competência, devam ser apreciados pelo juiz depois da distribuição no tribunal judicial ou no tribunal administrativo e fiscal.

4.ª A providência de injunção constitui um procedimento autónomo da função jurisdicional sendo inadmissível uma metamorfose do procedimento administrativo em jurisdicional ou do título gerado pelo mesmo em judicial.

5.ª O Estado como pessoa colectiva pública pode ser sujeito passivo de providência de injunção, desde que a mesma seja relativa a obrigações pecuniárias: (a) emergentes de contratos de valor até € 15000 (quinze mil euros); ou (b) independentemente do valor, transacções comerciais estabelecidas com empresas privadas, comerciantes, profissionais liberais ou outras entidades públicas que originem o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços

6.ª Nos termos do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República e dos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, está atribuída ao Ministério Público a representação do Estado nos tribunais, o que constitui uma responsabilidade correlacionada com a respectiva matriz funcional de raiz judiciária.

7.ª A lei não atribui ao Ministério Público a representação do Estado-Administração em procedimentos extrajudiciais, nomeadamente na providência de injunção.

8.ª Enquanto não forem criados os departamentos de contencioso do Estado, não existe nenhum subórgão do Ministério Público com competência intra-orgânica para patrocínio do Estado como sujeito passivo em formas de composição extrajudicial.

9.ª Nas providências de Injunção constitui um ónus do requerente identificar o requerido e o local da respectiva notificação bem como o tribunal para onde deve ser remetido o procedimento instaurado no Balcão Nacional de Injunções caso o mesmo deva dar origem a uma acção jurisdicional.

10.ª A secretaria responsável pela tramitação do procedimento extrajudicial de injunção não tem quaisquer competências de correcção oficiosa da pessoa do requerido indicada pelo requerente, nem do local da respectiva notificação, nem do tribunal competente para apreciar os autos (no caso de estes serem apresentados à distribuição), devendo, apenas, rejeitar o requerimento que omita esses dados.

11.ª Os direitos de acção e de acesso à justiça compreendem, nomeadamente, o direito do autor ou requerente escolher o visado pelo requerimento, não podendo o exercício dessa dimensão da autonomia privada ser condicionado por comando a priori, sem força de lei, de uma qualquer entidade estatal.

12.ª No caso de o Ministério Público ser notificado por iniciativa da secretaria de providência de injunção em que o requerente deduz o pedido contra organismo da Administração Directa do Estado ou contra a pessoa colectiva pública, verifica-se o vício de falta notificação na medida em que o Ministério Público não representa organicamente o Estado-Administração em procedimentos extrajudiciais, nem os respectivos magistrados são funcionários subordinados da Administração Pública.

13.ª Sendo formulado um requerimento de injunção contra o Estado e pretendendo o requerente de forma expressa que o Ministério Público seja notificado como suposto representante do Estado, os serviços da Administração Directa do Estado, nomeadamente o Balcão Nacional de Injunções, não têm competência para qualquer operação de selecção, devendo proceder à notificação do Ministério Público no tribunal para onde o requerente pretende que o processo seja distribuído caso venha a transitar para acção judicial.

14.ª Se o Ministério Público for indicado como representante do Estado na providência de injunção deve suscitar-se no prazo da oposição, tendo presentes as conclusões anteriores, a falta de poderes de representação orgânica do Estado ou do respectivo organismo requerido.

15.ª Sendo o Ministério Público indicado como requerido pelo requerente da injunção verifica-se um caso de ilegitimidade que deve ser excepcionada em sede de oposição, sem prejuízo de, subsidiariamente, se suscitar a ausência de poderes de representação do Estado-Administração pelo Ministério Público.



(Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão) - Votei vencida o presente parecer quanto a todas as suas conclusões pelas razões que passarei a expor:

Quanto à questão da natureza jurídica do procedimento de injunção e do Balcão Nacional de Injunções, acompanho o voto de vencido do Ex.mo Senhor Doutor Paulo Dá Mesquita. Permito-me acrescentar que o facto de o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, utilizar sempre a expressão “procedimento” e não “processo” não é despiciendo para esse problema.

Nesse pressuposto, não se pode considerar que a entrega de um requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções corresponda à entrega de um requerimento junto de uma secretaria judicial de um tribunal integrado na jurisdição comum e, muito menos, possa ter como consequência a subtracção da acção (subsequente ao procedimento de injunção) à jurisdição administrativa.

Assim sendo, se a relação material controvertida da qual emerge a dívida que se pretende executar por via da injunção tiver natureza jurídico-administrativa, a competência para conhecer do processo subsequente – esse sim jurisdicional – cabe aos tribunais administrativos, à luz do artigo 212.º, n.º 3, da CRP e do artigo 4.º do ETAF.

Por isso, mesmo admitindo que o processo subsequente ao requerimento de injunção, caso seja deduzida oposição, é uma forma processual alheia à jurisdição administrativa, tal apenas significaria que esse processo teria de ser convolado numa das formas de processo consagradas no CPTA. Efectivamente, a forma de processo não pode determinar nem condicionar a competência material do tribunal, sobretudo havendo um claro “indirizzo” constitucional nesse sentido.

Sempre se diga, no entanto, quanto ao entendimento segundo o qual o processo de injunção é alheio ao contencioso administrativo, e sem prejuízo de o problema ser duvidoso e não se pretender aqui tomar posição cabal sobre o mesmo, que a questão comporta grelhas de leitura diversas.

Por um lado, o artigo 1.º do CPTA determina a aplicação supletiva da “lei processual civil” - o que inclui não só o CPC, mas também legislação avulsa - ao contencioso administrativo e, por outro lado, o artigo 2.º, n.º 2, do mesmo diploma estabelece que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, sendo o elenco desse preceito meramente exemplificativo.

Isto significa que para todas as pretensões que devam ser deduzidas perante os tribunais administrativos têm necessariamente que existir meios processuais adequados, ao contrário da tipicidade que existia na LPTA de 1985.

É verdade que o artigo 35.º determina que os casos previstos no título II (acção administrativa comum) do Código seguem o processo ordinário, nas suas formas ordinária, sumária e sumaríssima, e que os casos dos títulos III e IV (acção administrativa especial) seguem a forma de processo específica do direito processual administrativo. Mas, salvo melhor opinião, esta disposição não afasta a possibilidade de utilização de outras formas de processo constantes da lei processual civil (CPC ou legislação avulsa) quanto tal for necessário para assegurar a tutela judicial efectiva num litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa.

Ainda assim, e independentemente da questão estritamente processual, mesmo que se entenda que o processo subsequente à injunção não é admissível no contencioso administrativo, essa conclusão apenas implica a convolação do processo noutra forma processual, não podendo afectar a competência da jurisdição administrativa.

Por isso, se o particular entregar um requerimento no Balcão Nacional de Injunções, mas se venha a constatar que o pedido se inscreve numa relação jurídica administrativa, é aos tribunais administrativos que cabe conhecer da oposição e tramitação subsequente, mesmo que para tal seja preciso alterar a forma de processo.





[1] Informação n.º 7/2011, de 6 de Julho de 2011.
[2] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 414-415.
[3] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, p. 791.
[4] Presentemente constante das Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (com alterações várias). Pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (também múltiplas vezes alterada), foi aprovada nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais cujo âmbito de aplicação se cinge às denominadas comarcas piloto previstas na Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e no Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro.
[5] Presentemente constante da Lei n.º 21/85, de 5 de Maio (múltiplas vezes alterada).
[6] Constante actualmente da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, com alterações várias.
[7] Constante presentemente do Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, várias vezes alterado.
[8] Constante presentemente da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, também já objecto de alterações.
[9] Constante do Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril, várias vezes alterado.
[10] Análogos capítulos constam da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais vigente no âmbito das comarcas piloto).
[11] Actualmente designado director-geral da Administração da Justiça.
[12] Este diploma foi objecto de múltiplas alterações, a última das quais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 113-A/2011, de 29 de Novembro.
[13] Este diploma foi objecto de múltiplas alterações, a última das quais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de Julho.
[14] A distribuição só tem lugar nas comarcas ou tribunais em que exerce funções mais do que um juiz, tendo como finalidade repartir com igualdade o serviço do tribunal (artigo 209.º do CPC).
[15] Para o efeito, foram criados, na comarca de Lisboa, oito Juízos de Pequena Instância Cível, com competência para preparar e julgar causas cíveis a que correspondesse a forma de processo sumaríssimo ou causas cíveis não previstas no Código de Processo Civil a que correspondesse processo especial e cuja decisão final não fosse susceptível de recurso ordinário (Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto, e Portaria n.º 780/94, de 30 de Agosto).
Posteriormente, através do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio (que aprovou o regulamento da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), foram os 17 Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca de Lisboa convertidos em Varas Cíveis, sendo criados 10 Juízos Cíveis e sendo o número de Juízos de Pequena Instância Cível aumentado para 15. No preâmbulo deste diploma, faz-se a referência seguinte às razões desta alteração circunscrita à comarca de Lisboa:

«Não se anuncia o regulamento com o optimismo com que, no respectivo preâmbulo, se anunciou o seu predecessor, o Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, optimismo que se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 206/91, de 7 de Junho, que lhe introduziu as primeiras alterações.
A LOFTJ, diploma estruturante da organização judiciária, bem como o respectivo regulamento, não bastam, de per si, como não bastaram os diplomas editados sobre a matéria a partir da ruptura constitucional de 1976, para fazer inflectir a situação difícil em que, há anos, se encontra a administração da justiça, consequência de fenómenos de natureza interdisciplinar. Assim, a terapêutica a aplicar tem de incidir sobre o conjunto de causas da persistência de uma situação quase endémica, na certeza de que uma das vias para o aperfeiçoamento do sistema consiste no adequado dimensionamento dos seus tribunais e respectivos quadros de magistrados e de funcionários.
Para tanto, diagnosticadas as distorções, conhecida a curva evolutiva do movimento processual, avaliadas as capacidades em meios humanos e em meios materiais, o presente regulamento surge como um diploma exequível, no imediato e no curto prazo. Por ele se aplica um tratamento excepcional à comarca de Lisboa, onde em 1998 deu entrada cerca de um terço dos processos instaurados na totalidade dos tribunais, tratamento que, por ora, não é possível aplicar à comarca do Porto, onde os problemas, ainda que com menor grau de relevância, não deixam de constituir motivo de preocupação. Acontece que a prévia necessidade de obtenção de infra- -estruturas para alargamento dos tribunais sedeados nessa comarca, máxime os tribunais cíveis, não permite ainda prever a instalação de varas cíveis, havendo que prolongar a subsistência dos juízos cíveis, com absorção da competência material que a LOFTJ atribui às varas, nos termos do n.º 1 do seu artigo 139.º
Não assim na comarca de Lisboa, em que pela primeira vez se afronta a situação gravíssima do seu tribunal cível, convertendo-se os actuais 17 juízos cíveis em outras tantas varas cíveis, as quais, a partir de 15 de Setembro, verão a entrada de processos novos confinada, grosso modo, a acções declarativas ordinárias e a execuções de valor superior a 3000 contos, permanecendo, por razoável período de tempo, em liquidação dos largos milhares de processos pendentes. Paralelamente, criam-se e instalam-se juízos cíveis, em rigoroso sentido técnico, ampliando-se ainda o número de juízos de pequena instância cível.»

[16] Outras providências legislativas visaram contribuir para diminuir as pendências nos tribunais, podendo citar-se, a título exemplificativo, a ampliação do elenco dos títulos executivos efectuada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro; a acentuada desjudicialização do processo civil na fase dos articulados, com remissão, em regra, do despacho liminar para o termo destes, com vista à marcação de uma primeira audiência, operada pelo mesmo diploma; a adopção de incentivos à desistência, transacção, confissão ou arbitragem (Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, e Decreto-Lei n.º 385/2007, de 19 de Novembro); a adopção de nova disciplina relativa ao pagamento dos prémios de seguro (Decreto-Lei n.º 105/94, de 23 de Abril, e Decreto-Lei n.º 142/2000, de 15 de Julho); a criação de novos centros de arbitragem em diversas áreas (Portaria n.º 761/92, de 7 de Agosto, Portaria n.º 536/93, de 25 de Maio, Portaria n.º 639/95, de 22 de Junho, Portaria n.º 1206/97, de 29 de Novembro, Portaria n.º 81/2001, de 8 de Fevereiro, Portaria n.º 350/2001, de 9 de Abril, Portaria n.º 1516/2002, de 19 de Dezembro, Portaria n.º 709/2003, de 4 de Agosto, Portaria n.º 1046/2009, de 15 de Setembro, Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, Portaria n.º 1149/2010, de 4 de Novembro, Decreto-Lei n.º 60/2011, de 6 de Maio, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e a criação de formas desjurisdicionalizadas de processos cometendo-se a decisão respectiva a outras entidades (Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro).
[17] A tal propósito, viria a referir-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, diploma que aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, o seguinte: «Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças.»
[18] O acto processual de distribuição só teria lugar caso exercessem funções no tribunal correspondente mais do que um juiz. Caso contrário, o processo seria imediatamente concluso ao juiz titular.
[19] O itálico é acrescentado, nesta e nas citações que se seguem.
[20] Este diploma foi objecto de múltiplas alterações, a última das quais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
[21] Estes juros, à taxa de 5% ao ano, que acrescem aos juros de mora, reverterão, em partes iguais, para o requerente e para o Cofre Geral dos Tribunais (artigo 21.º, n.º 3, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Trata-se de uma sanção pecuniária compulsória análoga à prevista no artigo 829.º-A, n.os 3 e 4, do Código Civil, aplicável no caso de sentenças condenatórias em quantia certa.
[22] Com exclusão das questões relativas à recusa do recebimento do requerimento de injunção pela secretaria judicial e à recusa, por parte do secretário judicial, de aposição da fórmula executória, que serão objecto de decisão judicial sem precedência de distribuição do processo.
[23] Assim, a arguição de uma nulidade processual na tramitação da injunção, ao abrigo do disposto nos artigos 201.º e seguintes do Código de Processo Civil, implicando decisão judicial, determinará a imediata distribuição do processo, que deixará de correr termos na secretaria judicial como injunção, para passar a tramitar na secção judicial respectiva como acção declarativa especial de condenação, nos termos dos artigos 3.º e seguintes do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98.
[24] Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
[25] Nos termos do artigo 15.º do diploma referido, o apoio judiciário compreendia as seguintes modalidades: a) Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) Diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo; c) Nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente; d) Nomeação e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado ou, em alternativa, pagamento da remuneração do solicitador escolhido pelo requerente.
[26] Correspondendo cada unidade de referência a ¼ de unidade de conta.
[27] Análoga previsão passou a constar dos diplomas que sucederam à referida portaria: Portaria n.º 150/2002, de 19 de Fevereiro, e Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
[28] A Portaria n.º 115-C/2011, de 24 de Março, previra o alargamento do Regime Processual Civil Experimental (RPCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, aos tribunais de competência especializada cível de Évora, Leiria, Portimão e Viseu a partir do dia 15 de Setembro de 2011.
[29] Título judicial impróprio este englobado no conceito de «outros títulos de formação judicial» a que se reporta o artigo 53.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
[30] A Acção Executiva, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, pp. 63-64.
[31] A Reforma da Acção Executiva, LEX, Lisboa, 2004, p. 69.
[32] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 90.
[33] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 164.
[34] “Notificação, Citação e Revelia”, THEMIS – Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano VII, n.º 13 – 2006, pp. 249-250.
[35] Susceptível de consulta em http://www.dgsi.pt.
[36] Ibidem.
[37] A representação do Estado reporta-se ao conceito de Estado-Administração, enquanto pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2006, p. 220).
[38] Parecer n.º 8/82, de 18 de Março de 1982 (Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º Volume, Lisboa, INCM, 1984, pp. 3 e ss.).
[39] Tal alteração foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
[40] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 139, de 20 de Junho de 1983.
[41] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 116, de 20 de Maio de 1992.
[42] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 134, de 14 de Julho de 2005.
[43] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 169, de 2 de Setembro de 2005.
[44] Nos termos do artigo 267.º do Código de Processo Civil, a instância inicia-se com a recepção da petição inicial na secretaria judicial.
[45] Conforme disposto na Portaria n.º 946/2003, de 6 de Setembro, o agente de execução será, neste caso, o escrivão de direito, titular da secção onde corre termos o processo de execução, o qual pode delegar a execução dos actos noutro oficial de justiça da mesma secção, sendo substituído nas suas faltas e impedimentos nos termos previstos no Estatuto dos Funcionários da Justiça.
[46] Relatório da Procuradoria-Geral da República do ano de 1993, p. 215.
[47] Relatório da Procuradoria-Geral da República do ano de 1998, p. 209.
[48] O conceito de contrato administrativo resultava do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo, considerando-se como tal o «acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa».
[49] Através do Relatório da Procuradoria-Geral da República relativo ao ano de 2010 (p. 274), verifica-se que, a despeito do alargamento da competência material dos tribunais administrativos em matéria de contencioso contratual determinado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, o número total de acções administrativas comuns entradas a nível nacional (englobando também o contencioso atinente à responsabilidade civil extracontratual) foi de 673 (317 na forma ordinária, 145 na sumária e 211 na sumaríssima).
[50] À data da criação da figura da injunção, em 1993, nem sequer existia, relativamente ao Estado e às outras pessoas colectivas públicas, quando demandadas, o efeito cominatório da confissão subsequente à falta de contestação, em processo comum ordinário, previsto no artigo 484.º do CPC, por força do preceituado no artigo 485.º, alínea b), do mesmo Código, na redacção então em vigor.
[51] Análoga regra viria a ser consignada no artigo 11.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro.
[52] Tal preceito só viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que alterou o regime jurídico da acção executiva.
[53] Com a entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigos 157.º, n.º 2, e 172.º, n.º 8).
[54] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril.
[55] Decreto-Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro.
[56] Nos termos do artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 32/2003, entende-se por «transacção comercial», para efeitos do disposto nesse diploma, qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
[57] Cfr. Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
[58] O regulamento foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 264, de 10 de Novembro de 2004 (Deliberação n.º 1313/2004).
[59] Conforme se refere no portal respectivo (http://www.tribunaisnet.mj.pt/CitiusInfo.htm), o sistema CITIUS (do latim - mais rápido, mais célere) é o projecto de desmaterialização dos processos nos tribunais judiciais desenvolvido pelo Ministério da Justiça.
Englobando aplicações informáticas para os diversos operadores judiciais (como o “CITIUS – Magistrados Judiciais” para os magistrados judiciais ou o “Habilus” para os funcionários judiciais), sendo presentemente também disponibilizada a aplicação destinada aos mandatários judiciais. Através desta nova aplicação é possível ao mandatário, a partir do seu escritório: proceder à apresentação de peças processuais e respectivos documentos; conhecer o resultado da distribuição; consultar processos judiciais e as diligências que lhes respeitam; e acompanhar o estado das suas notas de honorários no âmbito do apoio judiciário.

[60] Cfr. nota anterior.
[61] Neste caso, passaram a funcionar como competentes, nas comarcas de Lisboa e Porto, até 31 de Maio de 2008, as secretarias de injunção anteriormente ali existentes (artigo 4.º, n.º 2, da Portaria n.º 220-A/2008. A partir de tal data, o Balcão Nacional de Injunções passou a funcionar, para além de secretaria judicial com competência nacional, como secretaria judicial específica da comarca do Porto (artigo 16.º, n.º 6).
[62] Foram, todavia, proferidas algumas decisões em sentido diverso do exposto, no âmbito da jurisdição administrativa − vide Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Setembro de 2011 (processo n.º 05854/10), de 15 de Abril de 2010 (Processo n.º 05879/10) e de 14 de Janeiro de 2010 (processo n.º 05635/09), susceptíveis de consulta em http://www.dgsi.pt/.
[63] Essa parte corresponde, no essencial, à fundamentação de anteprojecto de parecer que foi vencido.
[64] «The Philosopher as the Real Law Teacher», 1990, tr. port. de Rúrion Soares Melo com o tít. «O filósofo como verdadeiro professor de direito», in Direito GV, v. 1, n. 2, 2005, pp. 180-181.
[65] La cultura giuridica nell’Italia del Novecento, Roma — Bari, Laterza, 1999, p. 5
[66] § I.2 do parecer.
[67] «Trate-se de uma secretaria-geral, como o Balcão Nacional de Injunções, com competência a nível nacional, ou da secretaria privativa de qualquer tribunal judicial, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3, da Portaria n.º 220-A/2008».
[68] Snyder v. Massachusetts, 291 U.S. 97, 114 (1934).
[69] Pub. no Diário da República, II Série, n.º 134, de 14-7-2005, relator: Esteves Remédio
[70] Pub. no Diário da República, II Série, n.º 169, de 2-9-2005, relator: Paulo Sá.
[71] Pelo menos da que precedeu o parecer n.º 38/2009, de 12-11-2009 (pub. no Diário da República, II Série, n.º 16, de 25-1-2010, relator: Fernando Bento).
[72] Cf. § V.6 do parecer.
[73] Cf. artigos 1.º, 5.º e 10.º, alínea b), da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto.
[74] Com mais desenvolvimento sobre os pressupostos e implicações da função directiva genérica, com referências biliográficas, cf. Paulo Dá Mesquita, Direcção do inquérito penal e garantia judiciária, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 295-317 e Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 263-293.
[75] Cf. Niklas Luhmann, Legitimation durch Verfahren, tradução italiana de Sergio Siragusa da 2ª ed. do original alemão de 1975 (1ª ed. data de 1969) com o tít. Procedimenti giuridici e legitimazione sociale, Milão, Giuffrè, 1995, pp. 130-133.
[76] «Recusa de aposição da fórmula executória e apresentação dos autos à distribuição», Themis VII.13, 2006, p. 261. Diploma sujeito a múltiplas alterações, que se passam a enunciar de forma sintética (já que a descrição exaustiva não se apresenta minimamente relevante para o tratamento do problema objecto da consulta): (1) O Decreto-Lei n.º 383/99, de 23-9, alterou a numeração dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, os quais passaram a ser, respectivamente, os artigos 4.º, 5.º e 6.º, 7.º e 8.º, aditou os artigos 2.º e 3.º, alterou a redacção dos artigos 1.º, 10.º e 12.º e aditou os artigos 1.º-A e 12.º-A ao Regime Anexo (RA); (2) O Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10-8, alterou os artigos 1.º-A e 12.º-A (aditados pelo Decreto-Lei n.º 383/99), ambos do RA; (3) O Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17-12, alterou o artigo19º; (4) O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, alterou os artigos 7.º, 10.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 383/99), 11.º, 12.º (este na redacção do Decreto-Lei n.º 383/99), 12.º-A (na redacção do Decreto-Lei n.º 383/99 e do Decreto-Lei n.º 183/2000) e 19.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001) do RA; (5) O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8-3, alterou, a partir de 15 de Setembro de 2003, o artigo 2.º, bem como os artigos 1.º-A e 21.º do RA ao presente diploma e revogou o artigo 6.º do RA também ao presente diploma; (6) O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27-12, alterou o artigo 19.º do RA ao presente diploma (na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001); (7) O Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1-7, alterou o artigo 1.º e artigo 6.º (renumerado pelo Decreto-Lei n.º 383/99), e alterou os artigos 1.º, 10.º e 12.º (estes dois últimos na redacção dos Decretos-Lei n.º 383/99 e n.º 32/2003), 11.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 32/2003), 3º, 4º, 9º, 13º, 14º, 16º, 17º e 19º (este último na redacção dos Decretos-Lei n.º 323/2001, n.º 32/2003 e n.º 324/2003), aditou os artigos 13.º-A e 15.º-A e revogou o artigo 22º, todos do RA; (8) A Lei n.º 14/2006, de26-4, alterou os artigos 10.º e 11.º do RA (na redacção do Decreto-Lei n.º 107/2005, Decreto-Lei n.º 32/2003 e Decreto-Lei n.º 383/99); (9) O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-8, alterou o artigo 1.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 107/2005) e o artigo 19.º do RA (na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001, do Decreto-Lei n.º 32/2003, do Decreto-Lei n.º 324/2003, do Decreto-Lei n.º 107/2005); (10) A Lei n.º 67-A/2007, de 31-12, alterou o artigo 19.º do RA (na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001, do Decreto-Lei n.º 32/2003, do Decreto-Lei n.º 324/2003 e do Decreto-Lei n.º 107/2005); (11) O Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-2, alterou os artigos 19.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001, do Decreto-Lei n.º 32/2003, do Decreto-Lei n.º 324/2003, do Decreto-Lei n.º 107/2005, do Decreto-Lei n.º 303/2007 e da Lei n.º 67-A/2007), 20.º e 21.º (este último na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003) e revogou os artigos 6.º e 20.º do RA; (12) O Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20-11 alterou os artigos 10.º (na redacção dos Decretos-Lei n.º 383/99, n.º 32/2003 e n.º 107/2005, e da Lei n.º 14/2006), 11.º (na redacção dos Decretos-Lei n.º 32/2003 e n.º 107/2005, e da Lei n.º 14/2006, de 26-Abr), 13.º e 14º do RA.
[77] A Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, criou o Balcão Nacional de Injunções, «destinado a assegurar a tramitação do procedimento de injunção», tendo cessado a situação de liquidatárias da Secretaria-Geral de Injunção do Porto e da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa, respectivamente, por força das Portarias n.º 1052/2008, de 18 de Setembro, e n.º 1314/2008, de 13 de Novembro.
[78] Artigo 2.º, n.º 2, al. c) do Decreto-Lei, de 27 de Abril e artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro.
[79] Na ordem jurídico-constitucional portuguesa a reserva jurisdicional é também uma reserva de juiz, e indissociável da sua independência (cf. José de Oliveira Ascensão, «A reserva constitucional da jurisdição», O Direito, ano 123, vs. 2/3, 1991, p. 464)
[80] Por força do disposto, respectivamente, nos artigos 11.º n.º 2 e 16.º n.º 2 do RA. Sublinhe‑se que temos por referência o conceito processual de incidente e não um conceito de incidente para efeitos de tributação de custas judiciais (cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 1960, p. 563; e Fernando Luso Soares, Processo civil de declaração, Coimbra, Almedina, 1985, 220-228). Na doutrina do processo civil podem identificar-se duas alternativas conceptuais relativas à noção de incidente, uma abrangente, de Carnelutti, que distingue as questões de mérito e as questões de ordem e considera que o tratamento destas corresponde sempre a um incidente, e uma outra, mais restrita, de Alberto dos Reis para quem «a ideia que, entre nós está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo» (op. cit., p. 563). Isto é o conceito processual de incidente não deriva pois de uma qualquer autonomia física do processado (a noção de incidente é mais ampla que a de processo incidental, cf. Luso Soares, op. cit., p. 220) e não se funda em qualquer problema relativo a custas judiciais, podendo aliás ser irrelevante nesse plano.
[81] Estudos sobre direito civil e processo civil, vol. 2, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2009, pp. 161-162. Este autor, embora empregue a expressão título judicial impróprio para classificar o título executivo gerado pela providência de injunção (op. cit. p. 162), trata o procedimento como extrajudicial, estrutural e funcionalmente distinto de uma acção judicial. Daí que considere: «Nem o requerimento de injunção nem a oposição têm, pois, de ser fundamentados: ao requerente basta afirmar-se credor do requerido pela quantia x e ao requerido bastará dizer que não se reconhece devedor» (op. cit., pp. 165-166). Extrajudicialidade que tem implicações no título e no direito dos envolvidos, em particular a ausência de caso julgado, pois «o caso julgado com o seu normal efeito preclusivo, só se forma na eventual acção de oposição à execução» (op. cit., p. 168). Vd. ainda infra nota 55.
[82] Para Salvador da Costa a injunção é um «processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo», A injunção e as conexas acção e execução, Coimbra, Almedina (6.ª ed.), 2008, p. 165. Conclusão estabelecida depois de, numa leitura mais descritiva, o autor ter destacado que «resultará, em regra, do referido procedimento um título executivo, formalizado por um acto de um secretário de justiça num processo pré-judicial implementado por um credor contra o respectivo devedor, na sequência da omissão de oposição por parte do último, apesar de notificado dessa cominação» (op. cit., p. 164)
[83] Autora que ressalta a «total ausência de uma apreciação judicial relativamente ao mérito do pedido» («A causa de pedir da injunção», Themis VII.13, 2006, p. 224).
[84] Este autor fala em «meio distinto da acção judicial» (Paulo Pimenta, «Notificação, citação e revelia», Themis VII.13, 2006, p. 249).
[85] Armindo Ribeiro Mendes, depois de destacar que se trata de uma «via de desjudicialização consensual de certo tipo de litígios» (op. cit., p. 262) conclui que se trata de um «procedimento de natureza administrativa destinado a, sem intervenção do juiz, criar um título executivo para o credor da obrigação nascida de um contrato, dentro de certos valores» (op. cit., p. 273).
[86] O qual destaca que o «entendimento do Tribunal Constitucional tem como pressuposto a caracterização do título executivo formado, nomeadamente, através do procedimento de injunção como tendo natureza extrajudicial» («Aspectos constitucionais da injunção e da acção declarativa especial», Themis VII.13, 2006, p. 283).
[87] Utiliza a fórmula descritiva de procedimento para aposição de fórmula executória (Curso de processo de execução, Coimbra, Almedina, 2010, p. 56).
[88] Armindo Ribeiro Mendes sublinha que o direito português «não se aproximou» do que designa como modelo latino, reportando-se aos regimes vigentes em Espanha, França e Itália, «em que existe sempre intervenção judicial» (op. cit., p. 273). Vd., ainda, destacando as diferenças no plano do direito comparado a referência no § 4.1.1 do acórdão n.º 399/95 reiterada no § 5 do acórdão n.º 658/06. Na doutrina podem referir-se também Giuseppe Vignera, «Considerazioni sul processo d’ingiunzione», Rivista di Diritto Processuale, vol. 56 (2 Série), 2001, pp. 162-199; Roland Debbasch, «Le juge administratif et l’injonction: La fin d’un tabou», La Semaine Juridique, n.º 3924, 1996, pp. 161-167; Mariana França Gouveia, op. cit., pp. 223-225; Carlos Melo Marinho, «Os títulos executivos europeus emergentes de decisões judiciais proferidas em acções sem oposição – Regime e problemas», Revista do CEJ, n.º 7 (2007), pp. 235-236; Fernando Amâncio Ferreira, op. cit., pp. 54-57.
[89] V.g. Georges de Leval, «La procédure sommaire d’injonction de payer et l’espace européen – Introduction générale», Actualités du Droit, 2003/3, pp. 399-402; «Livre vert sur une procédure européene d’injonction de payer et sur dês mesures visant à simplifier le règlemente dês litiges portant sur dês montants de faible importance», Actualités du Droit, 2003/3, pp. 409-469; Jean Paul Correa Delcasso, «La proposition de règlement instituant une procedure européene d’injonction de payer», Revue internationale de droit compare, ano 57, n.º1, 2005, pp. 143-170; Giovanni Porcelli, «La “nuova” proposta di proceedimento europeo d’ingiunzione di pagamento», Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano 60, n.º 4, 2006, pp. 1258-1289; António Carratta, «Il procedimento ingiuntivo europeo e la “comunitarizzazione” del diritto procesuale civile», Rivista di Diritto Processuale, vol. 62 (2 Sére), 2007, pp. 1517-1540; Sarah De Greef, «La procédure européene pour les petits litiges: Un nouveau pás dabs la convergence du droit judiciaire», Revue européene de droit de la consommation, 2/2007-2008, pp. 237-257; Michele Angelo Lupoi, «Di crediti non contestati e procedimenti di ingiunzione: le ultime tappe dell’armonizzazione processuale in Europa», Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano 62, n.º 1, 2008, pp. 171-206; Maria Rosaria Cultrera, «Il procedimento d’ingiunzione europeo le ragioni della scelta regolamentare», Le Nuovi Leggi Civili Commentate, ano 31, n.º 4, 2008, pp. 705-725.
[90] Com base naqueles procedimentos administrativos. Existem vários casos de sequência entre procedimento não jurisdicional e subsequente processo judicial sem que este seja contaminado por aquele - v.g. processo administrativo de contra-ordenação e recurso jurisdicional, fase de inquérito dirigida pelo Ministério Público e fases judiciais de instrução e julgamento dirigidas por um juiz, procedimento administrativo e recurso para a prática de acto devido.
[91] Pelo que a transição da providência administrativa para a acção judicial não colide com a diferente de natureza dos dois procedimentos, verificando-se na doutrina apenas variantes semânticas na ênfase dessa destrinça estrutural. Salvador da Costa adoptou a expressão transmutação (op. cit., p. 270) que tem tido várias adesões (cf. Armindo Ribeiro Mendes, op. cit., p. 272). Rita Lynce Faria fala numa «convolação em acção declarativa» («A sumarização da justiça civil», Julgar, n.º 4, 2008, p. 216), por seu turno Paulo Pimenta diz que a providência «se converte na acção declarativa» («Notificação, citação e revelia», op. cit., p. 238). A generalidade dos autores, independentemente das variações terminológicas, coincide na ideia de que a partir do momento em que a acção se inicia perante um juiz se trata de uma outra coisa.
[92] Artigo 15.º-A do RA.
[93] Artigo 13.º-A do RA.
[94] Artigo 14.º, n.º 1 e 5 do RA.
[95] Cf. disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea j) e 16.º, n.º 1, do RA.
[96] Artigo 16.º, n.º 1, do RA.
[97] Artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, na redacção revista pelo Decreto-Lei n.º 107/2005.
[98] Artigos 1.º a 5.º do RA, conjugados com os artigos 16.º do RA, 17.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 32/2003 e 222.º do Código de Processo Civil.
[99] Neste ponto existe uma divisão no sentido de saber se o requerimento já deve compreender uma causa de pedir em que a posição minoritária no sentido negativo é defendida por Lebre de Freitas (Estudos..., pp. 164-167) contra a generalidade da jurisprudência e a maioria dos autores (cf. Paulo Duarte Teixeira, «Os pressupostos objectivos e subjectivos do procedimento da injunção», Themis VII.13, 2006, pp. 175-182; Mariana França Gouveia, op. cit., pp. 230-232 ). De qualquer modo, num ponto, que é o único relevante para o objecto da consulta, as opiniões confluem: A apreciação jurisdicional dos articulados enquanto tal opera-se apenas em sede de acção judicial.
[100] Artigo 202.º, n.º 2 da Constituição.
[101] «Nótula sobre o art. 208.º da Constituição», Estudos sobre a Constituição (ed. Jorge Miranda), v. 1., Lisboa, Petrony, 1977, p. 395.
[102] «Da “Jurisdição” no actual Estado-de-Direito», in Ab uno ad omnes: 75 anos da Coimbra Editora 1920-1995 (ed. Antunes Varela et al.), Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 199.
[103] O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra, Coimbra Editora, 1983, p. 434.
[104] «A função administrativa», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV, n.ºs 1/2/3, 1977, p. 31, formulação que também se encontra em Lições de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, policopiado, 1976, p. 51. Sobre os reflexos da referida abordagem na jurisprudência do Tribunal Constitucional cf. Paulo Castro Rangel Reserva de jurisdição - sentido dogmático e sentido jurisprudencial, Porto, Universidade Católica Editora, 1997, pp. 39-42 e Rui Medeiros / Maria João Fernandes, Constituição Portuguesa Anotada (eds. Jorge Miranda / Rui Medeiros) tomo II, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 31-32.
[105] Rui Medeiros / Maria João Fernandes, op. cit., p. 24, síntese que parte de textos de Alberto Xavier, Baptista Machado, Jorge Miranda e Gomes Canotilho.
[106] «Aspectos constitucionais da injunção e da acção declarativa especial», Themis VII.13, 2006, p. 282.
[107] Op. cit., p. 283. Neste ponto, importa ter presentes os acórdãos n.º 760/95, 761/95 e 250/02 referidos por Lopes do Rego.
[108] Aspectos também destacados por Lebre de Freitas com pequenas variantes terminológicas (op. cit., p. 162).
[109] Op. cit., p. 224.
[110] Relator: Bravo Serra.
[111] Relator: Benjamim Rodrigues.
[112] Cf. Mariana França Gouveia, op. cit., pp. 211-223, 230-233.
[113] Na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro.
[114] De acordo com a redacção aprovada pelo artigo 4.º da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que corresponde ao anterior n.º 4 do mesmo artigo 10.º do RA na redacção que tinha sido revista pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho.
[115] Infra § II.4.
[116] Op. cit., p. 273.
[117] Estudos…, vol. 2, 2009, p. 168, vd. ainda do mesmo autor A acção executiva – Depois da reforma da reforma, Coimbra, Coimbra Editora, 5.ª ed., 2009, pp. 64, pp. 191-198, 224-228, 313-314. Desde o inicio do regime que constitui ponto fulcral a linha de fronteira do constitucionalmente admissível, no que se reporta à efectividade da possibilidade de oposição em sede de acção executiva (vd., além dos autores já citados, nomeadamente, Lopes do Rego, op. cit., p. 283, Armindo Ribeiro Mendes, op. cit., p. 273 e Paulo Pimenta, op. cit., p. 250, também Antas Teles, «Notas sobre a providência de injunção à luz dos princípios orientadores da reforma da legislação processual civil», O Direito, ano 131.º, III/IV, 1999, p. 477).
[118] Relator: Sousa Brito.
[119] Relator: Paulo Mota Pinto.
[120] «No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março).»
[121] Relator: Borges Soeiro.
[122] Efeitos da estrutura argumentativa com implicações no núcleo do novo regime, e não apenas no direito transitório, que também são evidentes na declaração de voto de Carlos Pamplona de Oliveira: «Acompanho a decisão com um distinto fundamento; na verdade, entendo que a norma que resulta da redacção dada ao n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 226/08 de 20 de Novembro – estendendo à execução do requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o regime de oposição que o corpo do preceito reserva à execução baseada em sentença – é inconstitucional por violação da reserva de juiz – artigo 202.º da Constituição».
[123] Op cit., p. 285.
[124] Relator: Catarina Sarmento e Castro.
[125] A conceptualização do Estado como pessoa colectiva, isto é o Estado-Administração, é analisada com mais detalhe e referências doutrinárias, incluindo anteriores pareceres deste Conselho Consultivo, infra no § II.3.
[126] Neste ponto transcreveu-se a directiva: «A presente directiva regulamenta todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas privadas ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, deve também regulamentar todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes».
[127] Op. cit., p. 193.
[128] Apesar de no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 32/2003 apenas se terem transcrito as definições de transacção comercial que constam do artigo 2º, n.º 1 da Directiva n.º 2000/35/CE, omitindo-se a referência nesse preceito à definição de entidade pública, a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 32/2003 e o princípio da interpretação do direito nacional conforme ao Direito da União Europeia, bem como a própria teleologia do regime não deixam dúvidas sobre a operatividade em termos nacionais de um conceito amplo de entidades públicas que inclui o Estado-Administração.
[129] V.g. Pareceres n.º 21/90, de 10-5-1990 (pub. no Diário da República, II Série, n.º 236, de 14-10-1991, relator: Salvador da Costa) e n.º 51/96, de 10-04-97 (pub. no Diário da República, II Série, n.º 288, de 15-12-1997, relator: Lourenço Martins). Constituindo fonte recorrente de referência do Conselho Consultivo, Bessa Pacheco / Simas Santos, «Representação do Estado pelo Ministério Público», Revista do Ministério Público, n. 2 (1980), pp. 180-188. António Neves Ribeiro empreende uma destrinça, controversa no quadro jurídico-constitucional, entre Estado-Administração e Estado-Colectividade (O Estado nos tribunais, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª ed., 1994, pp. 45-50) que não vai ser aqui abordada por despicienda na economia da resposta à consulta que se reporta exclusivamente, mesmo à luz dos cânones preconizados pelos defensores dessa perspectiva dualista, ao Estado- ‑Administração.
[130] Curso de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2006, p. 222.
[131] Vd. por todos Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina 1997: 574.
[132] Já na constituinte o deputado José Luís Nunes procedia a uma síntese genericamente acolhida, «Eu entendo que nós devemos ter consciência de que o tribunal não é só o juiz. O tribunal é formado pelo juiz, pelo Ministério Público e pelos advogados, que também fazem parte do tribunal. São estas as pessoas que, na orgânica do tribunal, têm funções jurisdicionais próprias» (in Diário da Assembleia Constituinte, nº 99, pp. 3225-3226). Na revisão de 1997 essa matriz ficou ainda mais evidenciada através da norma expressa relativa ao patrocínio forense como «elemento essencial à administração da justiça» (art. 208.º, da CRP). Vertente associada, desde os primeiros textos da Constituição de 1976, a um reforço do enfoque no elemento pessoal que terá levado à consagração de uma fórmula de Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira: «o Ministério Público é, depois dos juízes, a segunda das componentes pessoais dos tribunais», Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora (1ª edição), 1978, p. 411; Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora (2ª edição), v. 2, 1985, p. 346; Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora (3ª edição), 1993, p. 829.
[133] Parecer homologado por despacho do Ministro da Justiça de 3-2-1981 (relator: Padrão Gonçalves).
[134] Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º volume, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pp. 3-26 (relator: Messias Bento).
[135] Diário da Assembleia Constituinte, n.º 95, de 13-12-1975, p. 3080.
[136] Diário da Assembleia Constituinte, n.º 99, de 20-12-1975, p. 3225.
[137] Com mais desenvolvimento sobre o debate em torno da constitucionalização expressa da autonomia do Ministério Público, cf. Paulo Dá Mesquita, op. cit., 2003, pp. 36-41.
[138] Diário da Assembleia Constituinte, n.º 99, de 20-12-1975, p. 3226.
[139] Ultrapassando qualquer apego a fórmulas como órgão «junto dos tribunais».
[140] Pareceres…, 19.º volume, p. 6.
[141] Pareceres…, 19.º volume, p. 22.
[142] Idem, ibidem.
[143] No n.º 1 do artigo 20.º do Código de Processo Civil, por força da alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, passou a ressalvar-se da representação do Estado pelo Ministério Público, os casos em que a «lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio», em termos que vão para além da base conceptual imediata do parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional, mas que não se pode abordar aqui, atento o objecto da consulta e a economia do parecer que não incide na representação em juízo e na destrinça, a esse nível, entre representação orgânica e patrocínio (e que no plano metodológico se nos afigura uma exigência, pelo menos, no plano lógico-analítico na análise desenvolvida sobre a representação em juízo).
[144] A justiça administrativa, Coimbra, Almedina (11.ª ed.), 2011, p. 139.
[145] Cf. supra § II.2 sobre o âmbito material da injunção.
[146] No mesmo sentido Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2007, pp. 102-105
[147] Pub. no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 327 (1983), pp. 343-355 (relator: Mário Torres), parecer homologado por despachos do Primeiro-Ministro e do Ministro da Justiça de 14 e 28 de Janeiro de 1983.
[148] Pub. no Diário da República, II Série, n.º 116, de 20-5-1992 (relator: Salvador da Costa).
[149] Declaração de Eduardo de Melo Lucas Coelho (acompanhado por Manuel António Lopes Rocha).
[150] Pub. no Diário da República, II Série, n.º 134, de 14-7-2005 (relator: Esteves Remédio).
[151] Pub. no Diário da República, II Série, n.º 169, de 2-9-2005 (relator: Paulo Sá).
[152] No caso do parecer mais antigo por despacho de 21 de Junho de 2005, e no caso do parecer n.º 10/2005 por despacho de 10 de Maio de 2005.
[153] Op. cit., p. 34.
[154] Aspecto expressamente reconhecido no parecer n.º 10/2005: «não obstante serem estruturalmente diversos dos tribunais de existência obrigatória, os julgados de paz são considerados verdadeiros e próprios tribunais e participam do exercício da função jurisdicional».
[155] Fórmula reiterada na conclusão terceira do parecer n.º 10/2005.
[156] Op. cit., p. 776.
[157] Freitas do Amaral, op. cit., p. 777.
[158] Op. cit., p. 779.
[159] Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Coimbra, Almedina, 1987, p. 394.
[160] Supra § II.1.
[161] José Alberto dos Reis, Organização Judicial, 1905 (consultou-se o capítulo sobre o «Ministério Público», republicado na Revista do Ministério Público, n.º 66, 1996, p. 194).
[162] Via distinta, e que se nos apresenta admissível como se referirá infra nos §§ II.4.2 e II.4.3, será a configuração de programas informáticos relativos a notificações electrónicas viabilizando a notificação do magistrado do Ministério Público junto do tribunal indicado pelo requerente, para a hipótese de o requerente da providência de injunção indicar como tribunal competente após eventual distribuição (supra § II.2.1) um determinado tribunal administrativo e o Ministério Público como representante do requerido.
[163] Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, p. 174.
[164] Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º volume, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, p. 19.
[165] Em nome do povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 157. Sobre o novo paradigma organizatório do Ministério Público e implicações na gestão de recursos humanos, cf. ainda Dá Mesquita, op. cit., 2010, pp. 265-267
[166] Idem, ibidem.
[167] Existindo norma equivalente no artigo 50.º da redacção originária da Lei n.º 47/86, de 15-10, e no artigo 66.º da Lei n.º 39/78, de 5-7.
[168] «A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas», in AAVV O Ministério Público, a Democracia e a Igualdade dos cidadãos, Lisboa, Ed. Cosmos / Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, 2000, p. 93.
[169] Op. cit., pp. 157-158.
[170] Op. cit., p. 158.
[171] Aspecto que não se vai abordar aqui por estranho ao objecto da consulta, vd. ainda § II.1.
[172] Sobre as coordenadas e implicações do Ministério Público como órgão plural e complexo remete-se para as considerações e referências bibliográficas que constam de Paulo Dá Mesquita, op. cit., 2003, pp. 209-212; op. cit., 2010, pp. 263-267.
[173] Atentas as disposições conjugadas dos artigos 10.º, als. e) e g), 12.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, 37.º, als. a), d) e ), 42.º, n.ºs 1 a 3, e 43.º, n.º 1, do EMP – cf. supra § II.1 do presente voto.
[174] Op. cit., p. 82.
[175] Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, op. cit., p. 100.
[176] Consequentemente, caso fosse fixada uma directiva apenas, poderia ser ponderado, a eventual pertinência de transmitir ao Governo, através do Ministro da Justiça o seu conteúdo e fundamentos, atenta a repercussão que pode apresentar em sede de injunções deduzidas contra o Estado, nomeadamente, em termos de organização da Administração.
[177] Não se cuida aqui da problemática estranha ao objecto da consulta da susceptibilidade de procedimento contra a Procuradoria-Geral da República, enquanto órgão independente do Estado, por força do incumprimento de contratos em que fosse parte (em que vale a regra geral da susceptibilidade de dedução da providência contra entidades públicas).
[178] Cf. supra § II.2.
[179] Ofício do Subdirector-Geral da Administração da Justiça (em substituição da respectiva Directora-Geral) que deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 27-08-2009.
[180] Informação n.º 7/2011, de 6 de Julho de 2011, p. 1.
[181] Cf. supra § II.1.
[182] No acórdão do Tribunal de Conflitos de 11-3-2010 (relator: Azevedo Moreira), proferido no processo n.º 28/2009, entendeu-se, nomeadamente, que relativamente a contratos de prestação de serviços de comunicação de dados, circuitos e banda larga celebrados entre o Estado-Maior-General das Forças Armadas e uma entidade particular:
«O legislador do ETAF, no preceito acima transcrito, submete à jurisdição administrativa e fiscal não apenas os contratos efectivamente regidos por um procedimento pré-contratual de direito público, mas ainda aqueles que a lei admita que sejam submetidos a um tal procedimento. Não se exige, assim, uma submissão concretizada em acto, mas uma submissão meramente possível, potencial. E não há qualquer dúvida de que os contratos em apreço, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade de uma das partes (o Estado), poderiam ser regulados pelas normas procedimentais constantes dos citados diplomas.
«Depois, por uma razão lógica ou de interpretação do sentido do sistema.
«Sabe-se que, neste domínio, foi intenção clara do legislador alargar o âmbito da competência da jurisdição administrativa, procedendo a uma delimitação pontual do conceito de “relação jurídica administrativa” (art. 212.° n.° 3 da Constituição [CRP]) através de um critério mais abrangente do que o usado pelo direito ordinário anterior.
«Abandonou, assim, a distinção tradicional entre “actos de gestão pública” e “actos de gestão privada”, categorias que deixaram, para o efeito, de oferecer interesse operatório, orientando-se antes pela referida qualificação constitucional da relação jurídica que entreviu em situações que, anteriormente, não cabiam, pelo menos de forma expressa, nos limites da jurisdição. É o caso, designadamente, dos contratos cujo objecto seja passível de acto administrativo e dos contratos com regime substantivo regulado, em algum aspecto, por normas de direito público ou que as partes tenham remetido para uma disciplina juspublicística.»
Por seu turno, no acórdão do mesmo tribunal proferido em 16-9-2010 (relator: São Pedro), no processo n.º 13/2009 relativamente a um caso em que «a autora invoca e pretende fazer valer um contrato, impugnando aquilo que denominou “revogação ilícita” e pedindo uma indemnização pelo seu incumprimento. A sua pretensão não assenta na verificação dos requisitos da responsabilidade extracontratual, mas sim num acordo, que embora tenha esta por referente, estabeleceu as condições em que eram devidas determinadas prestações», entendeu-se que a competência pertencia aos tribunais judiciais por se entender que:
«O litígio não emerge de uma relação contratual de direito administrativo (art. 4º, 1, f)) nem de um contrato que esteja expressamente previsto no alargamento da jurisdição administrativa levada a cabo no art. 4º, n.º 1, al. b), e) do ETAF. Impõe-se concluir, deste modo, que a lei não atribui a competência para julgar esta causa aos Tribunais Administrativos.»
Refira-se, ainda, que em abstracto nada obsta a que a acção jurisdicional declarativa subsequente a providência de injunção em que foi deduzida oposição (cf. supra § II.2.1) pode correr nos tribunais administrativos – v.g. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 14-1-2010 (proc. n.º 5635/09); Tribunal Central Administrativo Norte de 1-7-2010 (proc. n.º 337/09.3BEAVR); e do Tribunal Central Administrativo Sul de 29-9-2011 (proc. n.º 5854/10).
[183] Sobre a atomização dos subórgãos do Ministério Público, supra § II.3.2.
[184] Que se poderia inferir, numa primeira leitura de alguns dos dados transmitidos com o despacho que determinou a consulta, sobre a actividade recente do Balcão Nacional de Injunções, e da respectiva hierarquia administrativa, mas, neste ponto, temos como única referência as informações que acompanharam a consulta, que se apresentam insuficientes para um juízo conclusivo e seguro sobre a matéria, o qual, por outro lado, não se afigura indispensável para a apreciar as questões suscitadas (daí que o mesmo não tenha sido precedido de nenhuma indagação autónoma sobre a matéria de facto).
[185] Sem prejuízo do que nesse código «especificamente se estabelece a propósito da citação dos contra-interessados quando estes sejam em número superior a vinte» regulada no artigo 82.º do CPTA. Importa ter presente que o regime específico relativo aos casos em que por erro cometido na petição seja citado um órgão diferente daquele que praticou ou devia ter praticado o acto previsto no artigo 81.º do CPTA reporta-se à acção administrativa especial, seguindo as acções sobre contratos o regime da acção administrativa comum (artigo 37.º, n.º 2, al. h) do CPTA), à qual corresponde o processo de declaração do CPC (artigos 35.º, n.º 1 e 42.º do CPTA).
[186] Cf. artigos 231.º, n.º 3 e 233.º n.ºs 4 e 5 do CPC ex vi artigo 12.º, n.º 2 do RA