Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00002514 |
Parecer: | P000932004 |
Nº do Documento: | PPA17032005009300 |
Descritores: | PESSOAL DIRIGENTE NOMEAÇÃO COMISSÃO DE SERVIÇO SUSPENSÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO CESSAÇÃO AUTOMÁTICA DA COMISSÃO DE SERVIÇO MEMBRO DO GOVERNO FUNÇÃO POLÍTICA REVOGAÇÃO TÁCITA |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 6812 |
Data Oficio: | 08/19/2004 |
Pedido: | 08/20/2004 |
Data de Distribuição: | 09/23/2004 |
Relator: | FÁTIMA CARVALHO |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 03/17/2005 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MCALHDR |
Entidades do Departamento 1: | MIN DAS CIDADES, ADMINISTRAÇÃO LOCAL, HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 03/17/2005 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 22-09-2005 |
Nº do Jornal Oficial: | 183 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 13761 |
Indicação 3: | ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES |
Conclusões: | 1ª - A Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro (Estatuto do Pessoal Dirigente), ao contrário dos estatutos anteriores, não prevê a figura de suspensão da comissão de serviço do pessoal dirigente; 2ª - Na vigência deste diploma, e sem prejuízo das situações ressalvadas na norma transitória do artigo 37º, nº 2, a tomada de posse seguida de exercício de funções como membro do Governo, por titular de cargo dirigente, não origina a suspensão da respectiva comissão de serviço, cessando esta nos termos previstos no artigo 25º, nº 1, a). |
Texto Integral: | Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Excelência: I Face a dúvidas representadas pelo Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) acerca da possibilidade de “utilizar o mecanismo de suspensão de comissões de serviço”, no âmbito do regime introduzido pela Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro (que aprovou o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado), dignou-se Sua Excelência o Ministro das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, do anterior Governo, solicitar parecer a este corpo consultivo[1]. A questão foi suscitada em parecer jurídico elaborado pelos serviços daquela Comissão na sequência da seguinte comunicação efectuada ao respectivo Presidente, através de fax datado de 18 de Julho de 2004, por Maria Hermínia Cabral Oliveira: «Tendo cessado as funções de Secretária de Estado Adjunta e do Desenvolvimento Regional do XV Governo Constitucional, venho informar V. Excª que retomo as funções de Vice-Presidente dessa Comissão». Analisada essa pretensão pelos serviços jurídicos da destinatária, foram extraídas as seguintes conclusões: «a) Após a entrada em vigor da Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado, isto é, a partir de 1 de Fevereiro de 2004, deixou de ser possível a utilização da figura jurídica da suspensão da comissão de serviço, prevista no artigo 19º, da Lei nº 49/99, de 22 de Junho, expressamente revogada pelo artigo 38º da Lei nº 2/2004. b) O artigo 37º da Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro, disposição transitória, em respeito pelo princípio da salvaguarda das situações já constituídas, manteve as situações de suspensão de comissões de serviço existentes à data da entrada em vigor daquela lei (01.02.2004), até ao termo dos mandatos que lhes deram origem, isto é, até ao fim das respectivas comissões de serviço. c) As conclusões anteriores resultam quer da interpretação literal do artigo 37º, nº 2, mencionado, quer do espírito da lei (ratio legis). d) Assim, e salvo melhor opinião, resulta que quer da letra quer do espírito da lei não é possível utilizar o mecanismo da suspensão da comissão de serviço em 24 de Maio de 2004, altura em que a Sra. Dra. Maria Hermínia tomou posse como Secretária de Estado Adjunta e do Desenvolvimento Regional.» Contudo, o subscritor do parecer sugeriu, a final, que, «atendendo às dúvidas apresentadas sobre esta interpretação», a questão fosse colocada ao gabinete ministerial, o que foi aceite, originando a presente consulta. Cumpre, pois, emitir parecer. II 1. Para o parecer a elaborar importa ter presentes os seguintes pressupostos: - Por despacho de 1 de Outubro de 2003 do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, e nos termos dos artigos 3º, nºs 1 e 2, e 18º, nº 1, da Lei nº 49/99, de 22 de Junho - Estatuto do Pessoal Dirigente - conjugados com o artigo 10º, nº 6, do Decreto-Lei nº 104/2003, de 23 de Maio[2] - diploma que criou as CCDR - foram nomeados, em regime de comissão de serviço, diversos vice- -presidentes destas Comissões, entre os quais e para o cargo de vice- -presidente da CCRD do Norte, a Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Maria Hermínia Cabral de Oliveira. - Por Decreto do Presidente da República nº 26-D/2004, de 24 de Maio de 2004, foi aquela dirigente nomeada Secretária de Estado Adjunta e do Desenvolvimento Regional do XV Governo Constitucional. - Por Decreto do Presidente da República nº 32-A/2004, de 6 de Julho de 2004, foi o mesmo Governo demitido por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro. - Pelos Decretos do Presidente da República nº 35-C/2004 e nº 35-D/2004, ambos de 17 de Julho, foi exonerado o Primeiro-Ministro do Governo demitido e nomeado o Primeiro-Ministro do novo Governo (XVI), respectivamente. - Nos termos do artigo 186º da Constituição, as funções dos membros do Governo iniciam-se com o acto de posse e, no caso dos Secretários de Estado, cessam com a sua exoneração ou com a exoneração do Primeiro-Ministro ou do respectivo Ministro. Em caso de demissão do Governo, o Primeiro-Ministro é exonerado na data da nomeação e posse do novo Primeiro-Ministro (mantendo-se os membros do Governo demitido em exercício de funções até essa data, limitada, após a demissão, à prática de actos estritamente necessários a assegurar a gestão dos negócios públicos)[3]. 2. A nomeação para o cargo de vice-presidente da CCDRN resultou do novo quadro orgânico-funcional estabelecido pelo Decreto--Lei nº 104/2003, de 23 de Maio, que extinguiu as anteriores comissões de coordenação regional (CCR) e as direcções regionais do ambiente e do ordenamento do território[4], operando a cessação das comissões de serviço dos respectivos dirigentes. Pelo mesmo diploma foram criadas, no âmbito do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (MCOTA)[5], como novas unidades orgânicas, as comissões de coordenação e desenvolvimento regional; com a extinção deste Ministério, pela Lei Orgânica do XVI Governo Constitucional, as CCDR transitaram para o Ministério das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, participando o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território na definição dos seus domínios prioritários e no acompanhamento da sua actuação em matérias que relevam das atribuições do respectivo Ministério. De acordo com a nota preambular do Decreto-Lei nº 104/2003, a evolução introduzida inseriu-se num «processo de desconcentração e descentralização administrativas», constituindo as novas CCDR «instrumentos de dinamização, acompanhamento e avaliação do processo de desconcentração ao nível regional da administração central e de descentralização das suas competências para a administração local autárquica». 2.1. Do regime consagrado neste diploma destacam-se as seguintes linhas gerais: - As CCDR são caracterizadas como «serviços desconcentrados daquele Ministério, dotados de autonomia administrativa e financeira, incumbidos de executar ao nível das respectivas áreas geográficas de actuação, políticas de ambiente, de ordenamento do território, de conservação da natureza e da biodiversidade, de utilização sustentável dos recursos naturais, de requalificação urbana, de planeamento estratégico regional e de apoio às autarquias locais e suas associações, tendo em vista o desenvolvimento regional integrado». Na sequência da divisão territorial oriunda dos anteriores diplomas, as CCDR são em número de cinco: CCDR Norte, CCDR Centro, CCDR de Lisboa e Vale do Tejo, CCDR do Alentejo e CCDR do Algarve. - São órgãos destas comissões o presidente, o conselho administrativo, o conselho de fiscalização e o conselho regional. Nos termos do artigo 10º, nºs 1 e 3, o presidente é o órgão executivo da CCDR, nomeado pelo período de três anos, por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e do Ministro da tutela e é coadjuvado por três vice-presidentes nomeados por despacho deste último. Na redacção originária do diploma, o presidente e os vice- -presidentes eram equiparados, para todos os efeitos, a director-geral e a subdirector-geral, respectivamente; com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 117/2004, de 18 de Maio, e de acordo com as novas classificações do pessoal dirigente, passaram a ser equiparados, respectivamente, a director superior de 1º grau e a director superior de 2º grau. Nos termos do artigo 12º, os vice-‑presidentes são responsáveis pela gestão da área ou áreas funcionais de actuação, mediante delegação de poderes pelo presidente. - No capítulo referente a “Pessoal”, o artigo 20º prevê que a entrada em vigor do diploma opera a cessação das comissões de serviço, nos termos previstos no artigo 20º, nº 1, da Lei nº 49/99, de 22 de Junho, e o artigo 21º regula a situação dos funcionários que, nessa data, se encontrem a exercer funções em regime de destacamento ou requisição nas CCDR e, bem assim, dos funcionários das mesmas comissões que se encontrem a exercer funções em outros serviços. - Também no capítulo final - “Disposições finais e transitórias” - o artigo 24º prevê que, com a entrada em vigor do novo diploma, cessam as comissões de serviço dos presidentes e vice-presidentes das CCR, sem prejuízo de os mesmos se manterem em funções, com poderes de gestão corrente, até à nomeação dos novos presidentes. Desde já se constata que nenhuma disposição deste diploma regula, em especial, as comissões de serviço dos novos dirigentes, designadamente, no que concerne a hipóteses de suspensão ou cessação. Por outro lado, as normas transitórias a que fizemos referência não têm aplicação ao caso em análise, que respeita a dirigente nomeado em plena vigência do novo diploma. 3. Conforme se referiu, a nomeação para o cargo de vice- -presidente da CCRDN foi feita ao abrigo da Lei nº 49/99 (que estabelecia o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central e local do Estado e da administração regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos). No âmbito desse diploma era considerado pessoal dirigente aquele que exercia actividade de direcção, gestão, coordenação e controlo nos serviços ou organismos públicos, estando previstos os seguintes cargos: director-geral, secretário-geral, inspector-geral, subdirector-geral, director de serviços e chefe de divisão, bem como os cargos a estes legalmente equiparados[6]. No caso dos directores-gerais e subdirectores-gerais o recrutamento era feito, por escolha, de entre dirigentes ou funcionários da Administração Pública titulares de determinadas categorias e com experiência e aptidão adequadas, ou, de entre indivíduos detentores de uma licenciatura, ainda que não vinculados à Administração Pública, com as exigências atinentes à experiência e aptidão profissionais. O pessoal dirigente era provido em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos. Do regime de comissão de serviço instituído pelo referido diploma destacam-se as normas sobre suspensão e cessação, contidas, respectivamente, nos artigos 19º e 20º: «Artigo 19.º 1 – A comissão de serviço do pessoal dirigente suspende-se nos casos seguintes:Suspensão da comissão de serviço a) Exercício dos cargos de Presidente da República, deputado à Assembleia da República, membro do Governo, Ministro da República para as Regiões Autónomas, Governador e Secretário-Adjunto do Governo de Macau e outros por lei a eles equiparados, membros dos governos e das assembleias regionais, governador civil e vice-governador civil, presidente e vice-presidente do Conselho Económico e Social, presidente de câmara municipal e de comissão administrativa ou vereador em regime de permanência, juiz do Tribunal Constitucional; b) Exercício dos cargos de chefe da Casa Civil e do Gabinete do Presidente da República e membros da Casa Civil e do Gabinete do Presidente da República, chefe de gabinete e adjunto do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, do Ministro da República e dos grupos parlamentares, dos governos e assembleias regionais e, bem assim, de assessor do Primeiro-Ministro, ou outros por lei a eles equiparados; c) Exercício de cargo ou função de reconhecido interesse público, desde que de natureza transitória ou com prazo certo de duração, que não possa ser desempenhado em regime de acumulação; d) Exercício de funções em regime de substituição nos termos do artigo 21.º ou nas situações previstas em lei especial. 2 – Nos casos referidos no número anterior, a comissão de serviço suspende-se enquanto durar o exercício do cargo ou função, suspendendo-se igualmente a contagem do prazo da comissão, devendo as respectivas funções ser asseguradas nos termos do artigo 21.º desta lei. 3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o período de suspensão conta, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no cargo dirigente de origem. 4 – (...)» «Artigo 20.º 1 – Sem prejuízo do previsto na presente lei, a comissão de serviço cessa automaticamente:Cessação da comissão de serviço a) Pela tomada de posse seguida de exercício, noutro cargo ou função, a qualquer título, salvo nos casos em que houver lugar a suspensão ou for permitida a acumulação nos termos da presente lei; b) Por extinção ou reorganização da unidade orgânica, salvo se, por despacho fundamentado do membro do Governo, for mantida a comissão de serviço na unidade orgânica que lhe suceda, independentemente da alteração do respectivo nível. 2 – A comissão de serviço pode, a todo o tempo, ser dada por finda durante a sua vigência: a) (...); b) (...); c) (...).» 4. A Lei nº 49/99 foi revogada pela Lei nº 2/2004, que contém o novo estatuto do pessoal dirigente. Este diploma manteve a definição mas inovou quanto à classificação dos dirigentes, passando a compreender cargos de direcção superior e de direcção intermédia, cada um dos quais subdividido em dois níveis de acordo com o nível hierárquico, as competências e as responsabilidades cometidas; são, designadamente, cargos de direcção superior de 1º grau o de director- -geral, o secretário-geral, o inspector-geral e o presidente, e de 2º grau o subdirector-geral, o adjunto do secretário-geral, o subinspector-geral, o vice-presidente e o vogal de direcção. A classificação em dois níveis e, dentro destes, em dois graus, terá visado «a uniformização de conceitos, pondo termo à indefinição e multiplicidade de designações casuísticas»[7]. Manteve-se, contudo, uma essencial correspondência entre as competências cometidas aos cargos de direcção superior relativamente às que eram anteriormente cometidas aos directores-gerais, subdirectores-gerais e equiparados, bem como entre as competências cometidas aos cargos de direcção intermédia relativamente às que eram cometidas aos directores de serviço e aos chefes de divisão. Por outro lado, prevê-se que as leis orgânicas e estatutos dos diversos serviços e organismos contenham a indicação dos respectivos cargos dirigentes, com menção da designação, qualificação e grau, e, em sede de disposição transitória, consideram- -se eficazes as equiparações anteriormente efectuadas. A missão do pessoal dirigente consiste, nos termos do artigo 3º, em «(...) garantir a prossecução das atribuições cometidas ao respectivo serviço, assegurando o seu bom desempenho através da optimização dos recursos humanos, financeiros e materiais e promovendo a satisfação dos destinatários da sua actividade, de acordo com a lei, as orientações contidas no Programa do Governo e as determinações recebidas do respectivo membro do Governo». De acordo com o artigo 18º os titulares de cargos de direcção superior – nível que nos importa – «são recrutados, por escolha, de entre indivíduos licenciados, vinculados ou não à Administração Pública, que possuam competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respectivas funções». E, nos termos do dispositivo seguinte, os cargos de direcção superior são providos em regime de comissão de serviço por um período de três anos, renovável por iguais períodos. No caso dos titulares de cargo de direcção superior de 1º grau a nomeação é feita por despacho conjunto do Primeiro-ministro e do ministro competente e, no caso dos titulares de cargos de direcção superior de 2º grau, por despacho do ministro competente; em ambos os casos o provimento é feito por urgente conveniência de serviço e a partir da data do despacho, se outra não for expressamente fixada. Na secção IV do Capítulo II são expressamente contempladas as situações de cessação e de nomeação em substituição, sendo que nada se dispõe - nem neste nem noutro capítulo do diploma - sobre a possibilidade de suspensão da comissão de serviço. Quanto à cessação da comissão de serviço, dispõe o artigo 25º: «Artigo 25.º Cessação a) Pela tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, salvo nos casos em que seja permitida a acumulação nos termos da presente lei; b) Por extinção ou reorganização da unidade orgânica, salvo se for expressamente mantida a comissão de serviço no cargo dirigente do mesmo nível que lhe suceda. 2 – A comissão de serviço pode, a todo o tempo, ser dada por finda durante a sua vigência: a) (...); b) (...); c) (...).» Já no âmbito das disposições finais e transitórias dispõe o artigo 37º, na parte que aqui releva: «Artigo 37º 1 – A entrada em vigor da presente lei não prejudica as nomeações do pessoal dirigente existentes àquela data, nem a contagem dos respectivos prazos.Normas transitórias 2 – A suspensão das comissões de serviço ao abrigo do disposto no artigo 19.º da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho, mantém-se até ao termo dos mandatos que lhes deram origem. 3 – As equiparações dos cargos dirigentes feitas antes da entrada em vigor da presente lei consideram-se eficazes para efeitos do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 2º da mesma. 4 – (...). 5 – (...). 6 – (...).» III 1. A nomeação dos dirigentes constitui uma das modalidades de nomeação em comissão de serviço, estabelecida no artigo 7º, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro (diploma que define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública)[8]. Conforme refere MENEZES CORDEIRO[9], a comissão de serviço teve a sua génese em situações em que um funcionário era chamado a exercer funções transitórias fora do quadro a que pertencia. Esta figura foi depois utilizada para abranger as situações de funcionários «com provimento definitivo colocados em lugares vagos com diferente provimento»; com o Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho - que continha o regime do pessoal dirigente - a comissão de serviço passou a ser «a única forma de provimento do pessoal dirigente», ou seja, passou a ser usada para «designar o modo de provimento de certos lugares». Segundo JOÃO ALFAIA, a utilização da figura jurídica da comissão de serviço no preenchimento de lugares dirigentes justifica- -se, “em rigor”, nos casos em que as pessoas que os ocupam são já titulares de lugares de um quadro, a título definitivo ou vitalício, os quais ficam cativos[10]. A ratio legis desta figura jurídica é, ainda nas palavras daquele Autor, “por demais evidente”: «(...) se um indivíduo que possui estabilidade num emprego público vai, em virtude do interesse público, ocupar um outro lugar com investidura provisória, temporária ou transitória, há que salvaguardar-lhe o direito adquirido no lugar que ocupa até à investidura no novo lugar se converter em definitiva ou (quando não haja hipótese disso) até ao regresso ao lugar de origem». O Autor destaca como direitos salvaguardados pela cativação do lugar, a promoção, a contagem de serviço, a aposentação, bem como o direito de «regresso ou de reocupação do lugar cativo». Assim, enquanto perdurar a comissão de serviço, as funções correspondentes ao lugar de origem só podem ser desempenhadas através de um preenchimento interino ou de uma investidura precária. E evidencia que, inexistindo um regime geral para a “cativação consequente da comissão de serviço”, o mesmo foi fixado de forma casuística para as diversas modalidades[11]. 2. O princípio segundo o qual aqueles que são chamados a desempenhar funções governativas não devem ser, em virtude desse desempenho, prejudicados ou discriminados na sua actividade e carreira profissionais, foi especificamente afirmado pelo Decreto-Lei nº 467/79, de 7 de Dezembro. Referiu-se no parecer nº 46/96, deste Conselho[12], com referência àquele diploma, que «o legislador ordinário entendeu dever ser protegido, na sua máxima extensão, a posição profissional pública ou privada, daquele que é chamado, por eleição, escolha ou designação, ao desempenho de relevantes funções no aparelho de Estado», em consonância com o princípio que, pela revisão constitucional de 1982, viria a ser consagrado no artigo 50º, relativamente ao exercício de cargos públicos em geral. Na respectiva nota preambular evidenciou-se que o desempenho destas funções é, nas sociedades democráticas, por natureza temporário e, que constitui elementar justiça «a definição de um quadro de garantias mínimas quanto ao reassumir das funções profissionais por quem seja chamado a exercer cargos e funções governativas (...)». Dispunha o artigo 1º, na parte relevante: «1 - Os membros do Governo não podem ser prejudicados na sua colocação ou emprego permanente, bem como nos benefícios sociais anteriormente auferidos, enquanto exercem as respectivas funções, devendo, no entanto, e durante o mesmo período, cessar todas as actividades profissionais, públicas ou privadas, que vinham exercendo à data da posse. 2 - (...). 3 - Nos casos em que a actividade, pública ou privada, se encontrar sujeita a termo de caducidade, a posse como membro do Governo suspende a respectiva contagem, observando-se quanto às funções de chefia abrangidas pelo Decreto-lei nº 191-F/79, de 26 de Junho, o que se dispõe no referido diploma.» Este diploma não foi objecto de revogação expressa, embora a matéria referente a incompatibilidades tivesse sido entretanto objecto de regulação específica[13], e o regime dos titulares de cargos dirigentes, então estabelecido no Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho - diploma para o qual remetia o nº 3 do artigo 1º, utilizando a expressão “funções de chefia” num sentido que compreendia as funções dirigentes - tivesse sido entretanto objecto de revogação, passando a matéria a ser regulada pelos diplomas que, sucessivamente, aprovaram os novos estatutos do pessoal dirigente. Assim, o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 191-F/79, consagrava a regra da cessação das comissões de serviço do pessoal dirigente que tomasse posse de outro cargo ou função, mas excepcionava dessa regra o exercício, entre outros, dos cargos de Presidente da República, deputado da Assembleia da República, membro do Governo, Ministro da República, membros dos Governos e das Assembleias Regionais, presidente de câmara municipal, vereador em regime de permanência, governador civil, e determinados membros de gabinetes de membros do Governo e dos Ministros da República. Nestes casos, excepcionados, previa-se que a comissão de serviço se suspendia enquanto durasse o exercício do respectivo cargo ou função. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, que aprovou o novo estatuto do pessoal dirigente, e que continha já uma norma sobre “Suspensão da comissão de serviço”. Nos termos aí estabelecidos, a comissão de serviço do pessoal dirigente suspendia-se com o exercício daqueles mesmos cargos, e de outros entretanto aditados[14], e nas mesmas condições de duração. Este regime manteve-se no estatuto do pessoal dirigente aprovado pela Lei nº 49/99, e só em 2004 o legislador abandonou essa orientação por considerar - como veremos - a figura da suspensão das comissões de serviço perturbadora do funcionamento dos serviços, não distinguindo nem excepcionando o exercício de qualquer cargo ou funções, designadamente, as governativas. Assim, no que respeita às implicações do exercício de funções governativas na comissão de serviço de titulares de cargos dirigentes, o artigo 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 467/79, limitava-se a enunciar um princípio, visto que a matéria era objecto de regulação específica, em termos com ele compatíveis, no diploma que então continha os estatutos do pessoal dirigente, bem como naqueles que foram posteriormente aprovados, para os quais o referido preceito fazia uma remissão que podemos considerar dinâmica. Já com a Lei nº 2/2004, que dispôs sobre a matéria em sentido contrário, o referido preceito foi tacitamente revogado[15]. 3. O Estatuto do Pessoal Dirigente em vigor na data em que ocorreu a nomeação de Maria Hermínia Cabral Oliveira como vice-‑presidente da CCRDN previa, pois, na linha da orientação consagrada nos anteriores estatutos do pessoal dirigente, que o exercício de funções governativas teria por efeito a suspensão daquela comissão de serviço. Porém, na data em que se verificou o facto potencialmente gerador desse efeito (tomada de posse em cargo governativo) estava já em vigor um novo diploma que não prevenia - como veremos, deliberadamente - tal hipótese, nem sequer consagrava já a figura da suspensão da comissão de serviço do pessoal dirigente. Face ao novo normativo, a tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, determina automaticamente a cessação das comissões de serviço dos titulares de cargos dirigentes. Conforme refere BAPTISTA MACHADO, o legislador pode resolver os problemas suscitados pela sucessão de leis mediante disposições transitórias[16]. E, no caso em apreço, o legislador de 2004, salvaguardou as situações já constituídas - comissões de serviço suspensas aquando da sua entrada em vigor, com fundamento na lei anterior – determinando que, em tais casos, se mantém a suspensão até ao termo do mandato que lhes deu origem. Porém, como vimos, não é essa a hipótese em apreço. IV Este Conselho teve oportunidade de, em data recente, apreciar as questões que se suscitam com esta evolução normativa. No parecer nº 94/2004, de 16 de Dezembro de 2004, ponderou-se se, na vigência da Lei nº 2/2004, o exercício de funções de membro de gabinete ministerial por um titular de cargo dirigente, suspende a respectiva comissão de serviço[17]. Acolhendo os fundamentos então expostos e as conclusões então extraídas, passamos a transcrever algumas passagens do citado parecer que se mostram particularmente relevantes no âmbito da presente consulta: «No confronto entre a Lei n.º 49/99, de 22 de Junho, e a Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, importa, na perspectiva da consulta, acentuar alguns aspectos. É notória, na Lei n.º 2/2004, a falta de previsão da suspensão da comissão de serviço, figura que antes se encontrava regulada no artigo 19.º da Lei n.º 49/99x1 e que era ainda objecto de menção na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º desta lei, onde, entre outras situações, se previa a cessação da comissão de serviço «[p]ela tomada de posse seguida de exercício, noutro cargo ou função, a qualquer título, salvo nos casos em que houver lugar a suspensão ou for permitida a acumulação nos termos da presente lei»x2. Nem a previsão da suspensão da comissão de serviço nem ressalva idêntica à da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 49/99 constam agora da Lei n.º 2/2004 – o artigo 19.º da Lei n.º 49/99 não tem correspondência na Lei n.º 2/2004 e a alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 2/2004 [disposição equivalente à alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 49/99] deixou de aludir à suspensão, não obstante continuar a prever a cessação da comissão de serviço «[p]ela tomada de posse seguida de exercício, de outro cargo ou função, salvo nos casos em que seja permitida a acumulação nos termos da presente lei». A única referência que a Lei n.º 2/2004 faz à suspensão da comissão de serviço consta agora das normas transitórias do artigo 37.º em cujo n.º 2 se estabelece que a «suspensão das comissões de serviço ao abrigo do disposto no artigo 19.º da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho, mantém-se até ao termo dos mandatos que lhes deram origem». A não previsão da suspensão da comissão de serviço e a salvaguarda de situações constituídas ao abrigo da lei anterior levam-nos a concluir que o legislador propôs-se eliminar a possibilidade de suspensão da comissão de serviço dos cargos dirigentes. Isto é, presentemente, a tomada de posse seguida de exercício, noutro cargo ou função, a qualquer título, por parte de titular de cargo dirigente em comissão de serviço dá lugar à cessação da comissão, não à sua suspensão. Este propósito, aliás, é assumido com clareza nos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeirox3. Na origem da Lei n.º 2/2004 estão a proposta de lei n.º 89/IX, do Governo, e o projecto de lei n.º 347/IX, de Deputados do Partido Socialista. O projecto de lei n.º 347/IX situa-se numa linha de continuidade em relação à Lei n.º 49/99, na qual se propõe introduzir «algumas melhorias que, mantendo no essencial a sua estrutura de base, permitam superar algumas das suas insuficiências e, num ou noutro caso, aprofundar e tornar mais exigente e transparente o processo de recrutamento dos dirigentes da nossa Administração Pública». A matéria relativa à suspensão da comissão de serviço não é objecto de alterações x4. Mas foram as soluções da proposta de lei n.º 89/IX que acabaram por vingar e aqui, sim, a mesma matéria é regulada em termos inovadores. Na respectiva exposição de motivos afirma-se a dado passox5: «A afirmação do primado do interesse público na gestão dos organismos tem também como corolário que se garantam as condições para o pleno exercício dos cargos, eliminando factores de instabilidade que dificultam a prestação e dão oportunidade à desresponsabilização. «É neste âmbito que se elimina a figura de direito à suspensão da comissão de serviço, ao abrigo da qual se eternizavam situações precárias ao mais alto nível. «De facto, o exercício de cargos dirigentes é fundamentalmente determinado pelo interesse do serviço, o qual não pode ser minimizado em função do percurso profissional livremente escolhido por aqueles a quem essa responsabilidade foi atribuída. «No entanto, em respeito pelo princípio de salvaguarda das situações já constituídas, mantêm-se as actuais situações até ao termo dos mandatos que lhes deram origem.» Não seria fácil expressar com maior clareza o propósito de eliminar a figura da suspensão da comissão de serviço, sem embargo do respeito pelo princípio de salvaguarda de situações regularmente constituídas ao abrigo da lei anterior. O próprio fundamento material para as alterações propostas é bem explícito: trata-se de reforçar o primado do interesse público na gestão dos serviços e organismos e de garantir condições para o pleno exercício dos cargos dirigentes, arredando factores de instabilidade que, ao possibilitarem a eternização de situações precárias ao mais alto nível, dificultam a prestação e propiciam a desresponsabilização. Em conformidade, adequou-se o articulado à proclamada intenção legislativa: omitiu-se disposição relativa à suspensão da comissão de serviço e aditou-se norma transitória a consagrar a cláusula de salvaguarda (n.º 2 do artigo 37.º da proposta de lei n.º 89/IX) x6. Pelo seu carácter inovador estas alterações são destacadas no decurso do processo legislativo, tanto em pareceresx7 como em intervenções parlamentaresx8. Isto é, de modo pensado, a Lei n.º 2/2004 elimina a figura da suspensão da comissão de serviço do cargo dirigente. No campo interpretativo, o elemento gramatical (a lei deixa de prever a suspensão da comissão de serviço) e o elemento histórico (traduzido na assunção expressa da eliminação e na explicitação das razões que a motivaram) conjugam-se com clareza nesse sentidox9. A razão de ser da alteração, a sua teleologia, radica num maior peso atribuído pelo legislador ao interesse público na gestão dos serviços e organismos, privilegiando a estabilidade e o pleno exercício dos cargos dirigentes com a consequente erradicação de situações precárias de duração indefinida. Trata-se de uma relevante alteração de política legislativa, cuja eficácia o legislador vai procurar assegurar quer, como veremosx10, através da norma de prevalência constante do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 2/2004, quer mediante o seu alastramento a específicos domínios – os lugares paralelos do elemento sistemático da interpretação – onde a figura obtinha consagração legal e foi eliminada x11. Assentemos, pois, em que, sem prejuízo de situações constituídas ao abrigo da legislação anterior, a Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro, não admite a suspensão de comissão de serviço de cargo dirigente.» V Resta-nos confrontar esta última constatação com o princípio de que os membros do Governo, e outros titulares de cargos públicos, não devem ser prejudicados na sua actividade e carreira profissionais em virtude do desempenho daquelas funções, princípio que mantém actualidade e foi objecto de consagração no artigo 50º da Constituição que, sob a epígrafe “Direito de acesso a cargos públicos”, dispõe no seu nº 2: «Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos». Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[18], esta norma implica, designadamente: «(a) garantia da estabilidade no emprego com a consequente proibição de discriminação ou favorecimento na colocação ou emprego; (b) garantia dos direitos adquiridos e, consequentemente, proibição de lesão das posições alcançadas (benefícios sociais, progressão na carreira, antiguidade); (c) direito a retomar as funções exercidas à data da posse para os cargos públicos (as quais, portanto, só podem ser providas a título interino enquanto durar o cargo público).» Importa-nos determinar o alcance desta última implicação em ordem a apurarmos se, e em que medida, o “direito a retomar funções” tem incidência nos casos de funções dirigentes exercidas em regime de comissão de serviço. A resposta a esta questão convoca sobretudo argumentos de ordem teleológica e a ponderação dos interesses em jogo. A comissão de serviço caracteriza-se, como vimos, pela transitoriedade e pela «provisoriedade reclamada pelo tipo de funções a desempenhar»[19]. Permite-se, por esta via, a satisfação de «necessidades específicas e razoáveis», designadamente, o provimento temporário de determinados lugares que não podem ter natureza vitalícia, tal como sucede com os cargos dirigentes e com «certas posições que postulam uma ligação de tipo pessoal»[20]. A comissão de serviço do pessoal dirigente tem um limite de tempo definido, correspondendo-lhe um “estatuto transitório” que - sem prejuízo da necessária fundamentação e, em determinados casos, do direito a indemnização - pode cessar a qualquer momento, entre outras razões, pela não consecução dos objectivos e das orientações superiormente definidas ou por razões relacionadas com a reorganização e reestruturação dos serviços, ou mesmo com a definição de novas linhas e orientações de gestão. Numa época em que a eficácia dos serviços públicos constitui uma prioridade política, o legislador adoptou um modelo de desempenho de funções dirigentes que aponta para uma efectividade de exercício. Reconhece-se o papel fundamental que cabe ao dirigente na obtenção desse desiderato e comete-se-lhe uma responsabilidade acrescida na prossecução das políticas definidas para cada sector, em especial, e para a racionalização dos serviços, em geral. À permanência do dirigente na titularidade do respectivo cargo sobrepõem-se razões de funcionalidade e de eficiência dos serviços. Todas estas razões, que se reconduzem à primazia do interesse público no bom funcionamento dos serviços, ficariam prejudicadas com a suspensão por tempo indeterminado das respectivas comissões de serviço. Toda a dinâmica que deve presidir a uma boa administração pública não poderia deixar de se ressentir com essa indeterminação e com o prolongamento, para além do limite razoável, do exercício em regime de substituição. A estes óbvios inconvenientes para o funcionamento dos serviços, não se opõem, por outro lado, prejuízos que tenham a ver com o núcleo essencial de interesses profissionais, tais como a estabilidade no emprego, a contagem do tempo de serviço ou o direito à progressão na carreira. O modo de exercício das funções dirigentes caracteriza-se pela transitoriedade e não pela permanência; neste enquadramento, o direito a retomar o lugar, em se tratando de cargo dirigente, não assume a dimensão que justificou consagração constitucional. Ora, também esta vertente foi ponderada no parecer nº 94/2004, citado, nos seguintes termos: «(...) a proibição de prejuízos abrange a garantia de estabilidade no emprego, com proibição de discriminação ou favorecimento em colocação ou emprego, a garantia dos direitos adquiridos (benefícios sociais, progressão na carreira, antiguidade) e o direito a retomar as funções exercidas à data da posse para o cargo público. O que se pode questionar é se este último direito – a que aludem os autores citados – não será posto em causa pela eliminação da figura da suspensão da comissão de serviço. Decididamente, cremos que não. A comissão de serviço constitui nuclearmente um modo de preenchimento de certos lugares (cargos dirigentes ou pessoal dos gabinetes, por ex.). Quando a nomeação recai em funcionário, este mantém-se vinculado ao lugar de origem, através da cativação do mesmo. É o lugar de origem o ponto de referência para a afirmação de diversos direitos do nomeado em comissão de serviço: desde logo, o direito ao próprio lugar de origem, para onde regressa aquando da cessação da comissão; mas também o direito ao regime de segurança social por que está abrangido e o direito de acesso na carreira (cf. os artigos 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 427/89 e 28.º e 29.º da Lei n.º 2/2004). Todos estes direitos são e continuam a ser garantidos ao nomeado em comissão de serviço. Não está mesmo excluído que o titular de um cargo exercido em comissão de serviço possa ser nomeado para outro cargo ainda em comissão de serviço. Porém, neste caso, deixa de ter direito à suspensão da primeira comissão de serviço e quando a segunda cessar regressa ao seu lugar de origem. O que a eliminação da suspensão de comissão de serviço implica, na prática, é a impossibilidade de haver como que uma comissão de serviço de comissão de serviço, reconduzindo esta figura à sua teleologia originária que residia na salvaguarda do lugar (no quadro) de origem e demais direitos quando, em nome do interesse público, se era chamado a exercer funções dirigentes. Na óptica do legislador de 2004, a suspensão da comissão de serviço, ao permitir a constituição de comissão de serviço sobre comissão de serviço, vai além desta teleologia e origina as situações perniciosas identificadas no decurso do processo legislativo. E é o valor constitucional da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição) que, sem pôr em causa o direito de acesso a cargos públicos, justifica a eliminação da suspensão da comissão de serviço: trata-se de, por forma adequada, razoável e proporcional, assegurar a eficiência na gestão dos serviços e organismos públicos e de garantir as condições para um exercício pleno e responsável dos cargos dirigentes.» VI Termos em que se formulam as seguintes conclusões: 1ª - A Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro (Estatuto do Pessoal Dirigente), ao contrário dos estatutos anteriores, não prevê a figura de suspensão da comissão de serviço do pessoal dirigente; 2ª - Na vigência deste diploma, e sem prejuízo das situações ressalvadas na norma transitória do artigo 37º, nº 2, a tomada de posse seguida de exercício de funções como membro do Governo, por titular de cargo dirigente, não origina a suspensão da respectiva comissão de serviço, cessando esta nos termos previstos no artigo 25º, nº 1, a). [1] Através de ofício nº 6812, de 19 de Agosto de 2004 - Proc. 26.01, Reg. 6834 - que deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 20 do mesmo mês e ano. [2] Alterado pelo Decreto-Lei nº 117/2004, de 18 de Maio. [3] Sobre a matéria cfr. parecer deste Conselho nº 73/92, de 11 de Fevereiro de 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Abril de 1993. [4] Sobre a criação e regime das anteriores CCR, cfr. entre outros, os pareceres deste Conselho nº 45/87, de 28 de Janeiro de 1988, e nº 24/98, de 2 de Dezembro de 1998. Conforme melhor se explicita nesses pareceres, as CCR sucederam, de certo modo, às comissões consultivas regionais, criadas pelo Decreto-Lei nº 48905, de 11 de Março de 1968, na sequência da divisão do território em “regiões de planeamento” dotadas de estruturas adequadas à prossecução dos respectivos objectivos (permitir a elaboração e assegurar a execução da política de desenvolvimento regional e de ordenamento do território traçada nos Planos de Fomento). As CCR foram criadas pelo Decreto-Lei nº 494/79, de 21 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 48905, e que visava a criação de condições para um efectivo e real apoio à acção dos municípios, preparando o caminho para, gradualmente, se descentralizarem funções para estes e, por via da coordenação de acções, garantir a salvaguarda do interesse geral. Foram criadas como órgãos externos do Ministério da Administração Interna, em número de cinco, dotadas de autonomia administrativa e financeira, destacando-se, entre os seus órgãos, o presidente já então equiparado a director-geral. Com a criação do Ministério do Plano e da Administração do Território e a aprovação da respectiva lei orgânica – Decreto-Lei nº 130/86, de 7 de Junho – as CCR passaram a constituir serviços regionais desse Ministério. Por seu turno, o Decreto-Lei nº 260/89, de 17 de Agosto, aprovou a Lei Orgânica das Comissões de Coordenação Regional, estabelecendo uma disciplina comum, mas sem prejuízo de cada uma dessas comissões observar um modelo orgânico próprio, mais conforme ao respectivo quadro real de actuação; as CCR foram então definidas como «organismos incumbidos de, no respectivo âmbito regional coordenar e executar as medidas de interesse para o desenvolvimento da respectiva região, promovendo as necessárias acções de apoio técnico e administrativo às autarquias locais nela compreendidas, em ligação com os serviços centrais envolvidos na sua realização». Este diploma seria revogado pelo Decreto-Lei nº 224/2001, de 9 de Agosto, que adaptou as atribuições e a estrutura das CCR à nova orgânica governamental, passando estas a ser definidas como «serviços desconcentrados do Ministério do Planeamento, dotados de autonomia administrativa e financeira, incumbidos de, na respectiva área de actuação, executarem as políticas de planeamento e desenvolvimento regional». [5] O artigo 16º da Lei Orgânica deste Ministério, aprovada pelo Decreto-Lei nº 97/2003, de 7 de Maio, integrava as CCDR como serviços desconcentrados e definia as suas atribuições. [6] Os presidentes e vice-presidentes das CCRD eram então equiparados a director-geral e a subdirector-geral, respectivamente. [7] Conforme preâmbulo do diploma. Seguiu-se, nesta parte e por vezes textualmente, o parecer nº 67/2003, de 5 de Junho de 2004. [8] Sobre a comissão de serviço de pessoal dirigente, cfr. entre outros os seguintes pareceres deste Conselho: nº 71/92, de 14 de Janeiro de 1993; nº 7/96, de 30 de Maio de 1996; nº 12/2001, de 14 de Fevereiro de 2001; nº 62/2002, de 21 de Novembro de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Março de 2003. [9] “Da constitucionalidade das comissões de serviços laborais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais”, ano XXXIII-1991 (VI da 2ª Série), página 129 e seguintes (Pareceres). [10] Conceitos Fundamentais do Regime jurídico do Funcionalismo Público, Coimbra, Almedina, 1985, volume I, página 324. Segundo este Autor, a admissão reveste a modalidade de comissão de serviço «sempre que um funcionário titular de um lugar do quadro com investidura definitiva ou vitalícia vai ocupar um lugar de outro quadro ou de outra categoria do mesmo quadro, continuando, todavia, vinculado ao lugar de origem, através de cativação». [11] Obra citada, página 397 e seguintes. [12] Parecer de 9 de Janeiro de 1997, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 2004, que aprecia a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 467/79 em casos de funções de natureza temporária. [13] No que respeita ao regime de incompatibilidades aplicável aos titulares de cargos políticos e de cargos públicos, o mesmo teve assento na Lei nº 9/90, de 1 de Março, alterada pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro; aquele diploma foi revogado pela Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, sucessivamente alterada pelas Leis nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, nº 28/95, de 18 de Agosto, nº 12/96, de 18 de Abril, nº 42/96, de 31 de Agosto, e nº 12/98, de 24 de Fevereiro. [14] Tais como o de Governador e Secretário Adjunto do Governo de Macau, de vice-governador-civil, e de diversos membros de gabinetes de outros titulares de órgãos de soberania, bem como, sob certas condições, o exercício de determinados cargos e funções de reconhecido interesse público ou de cargos dirigentes em regime de substituição. [15] O artigo 36º da Lei nº 2/2004, consagra ainda a prevalência do diploma sobre «quaisquer disposições gerais ou especiais relativas aos diversos serviços ou organismos». [16] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 2002 (13ª Reimpressão), página 231. [17] O artigo 7º, nº 3, do Decreto-Lei nº 262/88, que estabelece a composição, orgânica e regime dos gabinetes dos membros do Governo, prevê expressamente que nestes casos se suspende o prazo da comissão de serviço ou de outra modalidade de exercício de cargo público de carácter temporário. x1 E antes da Lei n.º 49/99, em termos muito próximos, no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Junho. x2 Itálico acrescentado. x3 Na origem da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, estiveram a proposta de lei n.º 89/IX do Governo (Diário da Assembleia da República – DAR –, II Série-A, n.º 2, de 20 de Setembro de 2003) e o projecto de lei n.º 347/IX, de Deputados do Partido Socialista (DAR, II Série-A, n.º 3, de 25 de Setembro de 2003). Sobre estas iniciativas pronunciaram-se, designadamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DAR, II Série-A, n.º 11, de 31 de Outubro de 2003, p. 399 e segs.) e a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais (DAR, II Série-A, n.º 11, de 31 de Outubro de 2003, p. 406 e segs.). A discussão e votação na generalidade ocorreram a 31 de Outubro de 2003 (DAR, I Série, n.º 18, desta data, pp. 931 e segs. e 980); a votação final global do texto final teve lugar a 28 de Novembro de 2003 (DAR, I Série, da mesma data, p. 1508); o Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias consta do DAR, II Série-A, n.º 17, de 29 de Novembro de 2003; o Decreto da Assembleia da República n.º 146/IX (Aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado) foi publicado no DAR, II Série-A, n.º 24, de 6 de Janeiro de 2004. x4 DAR, II Série-A, n.º 3, de 25 de Setembro de 2003, p. 111. As alterações pretendidas referem-se sobretudo ao aperfeiçoamento das normas relativas ao concurso enquanto forma de recrutamento de dirigentes intermédios. x5 DAR, II Série-A, n.º 2, de 20 de Setembro de 2003, p. 48. x6 Um resquício do regime anterior consta ainda da proposta de lei n.º 89/IX: no artigo 25.º, n.º 1, alínea a), dispõe-se que a comissão de serviço cessa «(p)ela tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, salvo nos casos em que haja lugar a suspensão ou seja permitida acumulação nos termos do presente diploma» (realce acrescentado); o segmento «haja lugar a suspensão», porventura inadvertidamente mantido na proposta, foi eliminado e já não aparece no Decreto n.º 146/IX da Assembleia da República. x7 No parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias afirma-se (DAR, II Série-A, n.º 11, de 31 de Outubro de 2003, pp. 399-400): «Querendo reforçar o primado do interesse público na gestão dos organismos, assim como garantir condições para o pleno exercício dos cargos, arredando factores de instabilidade que dificultam a prestação e dão oportunidade à desresponsabilização, o Governo elimina a figura de direito à suspensão da comissão de serviço, ao abrigo da qual se eternizavam situações precárias ao mais alto nível. Não obstante, é garantida a salvaguarda das situações já constituídas e em vigor, até ao termo dos mandatos que lhes deram origem.» x8 Na apresentação da proposta n.º 89/IX a Ministra de Estado e das Finanças (Manuela Ferreira Leite) disse a dado passo (DAR, I Série, n.º 18, de 31 de Outubro de 2003, p. 935): «Limitam-se os mandatos dos dirigentes máximos numa clara afirmação do interesse público na renovação e mobilidade profissional e eliminam-se factores de instabilidade, como a suspensão das comissões de serviço, que permitem que se eternizem situações precárias nos mais altos cargos de direcção.» x9 No domínio da interpretação da lei, o elemento gramatical é constituído pelo texto ou letra da lei; o elemento histórico abrange todos os materiais relacionados com a história do preceito ou diploma; o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma; e o elemento sistemático «compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 181-185). Sobre a matéria, cf. também José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 400-409. Do Conselho Consultivo, v., sobre interpretação da lei, por exemplo, os Pareceres n.os 10/91, de 21 de Março de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992), 61/91, de 14 de Maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de Novembro de 1992), 50/96, de 16 de Dezembro de 1997 (Diário da República, II Série, n.º 166, de 21 de Julho de 1998), 26/98, de 24 de Setembro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 279, de 3 de Dezembro de 1998), 357/2000, de 17 de Janeiro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 244, de 22 de Outubro de 2002), e 1/2003, de 13 de Fevereiro de 2003 (Diário da República, II Série, n.º 132, de 7 de Junho de 2003). x10 Infra, n.º 9.2. x11 O Decreto-Lei n.º 121/93, de 16 de Abril, entre as garantias de que beneficiavam os membros da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, enunciava a de que «[q]uando à data do início do seu mandato se encontrem investidos em cargo público de exercício temporário, por virtude de lei, acto ou contrato, ou em comissão de serviço, o respectivo prazo é suspenso pelo período correspondente ao do mandato» [alínea c) do artigo único]. A matéria encontra-se agora regulada na Lei n.º 43/2004, de 18 de Agosto (Lei de organização e funcionamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados), que revogou o Decreto-Lei n.º 121/93 e «deixou cair» a referida «garantia» (cf. o artigo 10.º). [18] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, 1993, página 273. [19] Neste sentido, cfr. JORGE LEITE, “Comissão de serviço”, Questões Laborais, ano VII – 2000, página 152 e seguintes. [20] MENEZES CORDEIRO, local citado, página 137 e 138. |