Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00002997 |
Parecer: | P000532008 |
Nº do Documento: | PPA12022009005300 |
Descritores: | SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS EMPRESA PRIVADA ENERGIA ELÉCTRICA CONTRATO DE FORNECIMENTO TAXA IMPOSTO TAXA DE EXPLORAÇÃO INSTALAÇÃO ELÉCTRICA COBRANÇA REDE ELÉCTRICA NACIONAL BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO UTILIZAÇÃO POR PARTICULARES PREÇO CONSUMOS MÍNIMOS PROIBIÇÃO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA PRINCÍPIO DA BOA FÉ PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS PRÁTICA ENGANOSA DIREITOS DOS CONSUMIDORES PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR SISTEMA ELÉCTRICO NACIONAL PRIVATIZAÇÃO REGULAÇÃO OBRIGAÇÕES DE SERVIÇO PÚBLICO |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 2327 |
Data Oficio: | 07/11/2008 |
Pedido: | 07/14/2008 |
Data de Distribuição: | 07/16/2008 |
Relator: | ESTEVES REMÉDIO |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 02/12/2009 |
Tipo de Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Sigla do Departamento 1: | MEI |
Entidades do Departamento 1: | MIN DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 05/22/2009 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 30-06-2009 |
Nº do Jornal Oficial: | 124 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 25477 |
Indicação 2: | ASSESSOR: TERESA BREIA |
Conclusões: | 1.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo constitui, nos termos da lei [artigos 3.º, alínea b), 7.º, 9.º, 19.º e 22.º do Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, e 68.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto], uma taxa devida ao Estado (ou, se for o caso, aos municípios) pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada; 2.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo não está abrangida pelas proibições contidas no artigo 8.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (na redacção da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro), designadamente pela da alínea c) do n.º 2; 3.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo deve, pois, ser cobrada pelo operador da Rede Nacional de Distribuição de Electricidade aos respectivos comercializadores, que a reflectem na facturação aos respectivos utentes ou consumidores (artigo 68.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 172/2006). |
Texto Integral: | Senhor Ministro da Economia e da Inovação, Excelência: I Dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer urgente do Conselho Consultivo, «relativamente ao enquadramento da cobrança da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo, prevista no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, atenta a recente entrada em vigor da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, que procedeu à alteração da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho» ([1]). Em concreto, é solicitado o esclarecimento das seguintes questões: «– O comercializador de energia eléctrica pode cobrar aos utentes/consumidores a “taxa de exploração de instalações eléctricas” devida ao Estado, tendo em conta que de acordo com a Jurisprudência fixada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2003 (in Ac. Dout. do STA, 508, 573) se entende que “o tributo em causa corresponde à disponibilização pelo Estado da sua rede eléctrica, através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada”? – Atento o âmbito de aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, é legítimo concluir que o tributo devido pela disponibilização pelo Estado do Sistema Eléctrico Nacional não se encontra abrangido nesta Lei, dado o Estado não prestar qualquer serviço de fornecimento de energia eléctrica? – Considerando o disposto na alínea c), número 2, do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, com redacção introduzida pela Lei n.º 12/2008, e aceitando o princípio que este tributo se destina a compensar o Estado pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas (rede eléctrica, planeamento, licenciamento, regulação, etc.) e que sem tal disponibilização seria inviabilizada a prestação de serviços pelo comercializador de energia eléctrica, será legítimo concluir que tal tributo efectivamente onera o prestador de serviços, constituindo uma contrapartida para o Estado resultante do respectivo contrato de concessão podendo, em consequência, ser repercutida no cálculo da tarifa eléctrica a cobrar ao utente/consumidor?» Cumpre emitir parecer. II A evolução verificada no sector eléctrico nas últimas décadas foi naturalmente marcada pelo posicionamento do Estado ([2]). A este propósito, num breve panorama, ainda durante a segunda metade do século XIX, o Estado liberal viu-se confrontado com novas exigências no âmbito das grandes actividades económicas emergentes, como a produção e distribuição de electricidade, assumindo, na Europa ([3]), a titularidade das novas tarefas, que viriam a ser classificadas como tarefas de serviço público, e lançando mão da figura da concessão. Assistiu-se, pois, a uma relativa publicização das novas actividades económicas. Mas foi com o advento do século XX e sobretudo após a 2.ª Guerra Mundial que o Estado viria a assumir uma intervenção directa nas actividades económicas e sociais. A partir do fim da primeira metade do século XX dá-se uma profunda transformação do Estado, juntando-se aos fins tradicionais, fins sociais e económicos. Nesta nova forma de Estado, o designado Estado Social não é apenas titular das tarefas, mas passou também a prestador directo dos serviços. No que nos interessa, coube-lhe assegurar o desenvolvimento das grandes fontes de energia (electricidade, carvão). «Esta orientação – afirma-se ([4]) – viria a ser concretizada, nos diversos países europeus, através de programas de nacionalização dos sectores básicos da economia, dando lugar à criação do sector empresarial público. O acto de nacionalização operava a transferência para o sector público de actividades e de empresas privadas». Generalizou-se a prática de atribuir ao Estado a responsabilidade de gerir os serviços públicos, quer através da administração directa, quer através de entidades públicas criadas para o efeito, sobretudo, das empresas públicas. E a intervenção do Estado na economia não parou de crescer até à década de 80, originando um sector público económico (que, com o sector público social, integrava um imenso sector público), correspondendo-lhe os serviços públicos económicos (produção e distribuição de água, de energia eléctrica ou de gás, transporte colectivo terrestre, marítimo ou fluvial e aéreo, telecomunicações, correios, saneamento básico). Era o designado Estado de serviço público. Porém, nas décadas seguintes, deram-se profundas alterações com a liberalização dos grandes serviços públicos. Tal deveu-se, por um lado, às crises do Estado Social, destacando-se os gastos com o sector público, e, por outro, às exigências decorrentes da integração na Comunidade Europeia, face ao princípio da livre concorrência e de todos os seus corolários ([5]). Assiste-se a uma verdadeira privatização de actividades públicas, deslocando-se certas tarefas do Estado para o sector privado. Esta privatização, no caso português, foi assumida na revisão Constitucional de 1997, que desconstitucionalizou a obrigatoriedade da existência de sectores básicos fechados à iniciativa privada, deixando para o legislador ordinário o papel de regular o acesso da iniciativa privada a determinadas actividades económicas ([6]). Perante esta transformação do Estado e uma vez que as necessidades básicas anteriormente satisfeitas pelos serviços públicos se mantêm, surge agora a exigência de uma regulação pública. Passamos a ter um novo modelo de Estado, o Estado regulador, ou até, cada vez mais, uma Europa reguladora ([7]). A presença do Estado, a quem cabe a responsabilidade de regulação, há-de traduzir-se na definição da disciplina que rege a actuação dos agentes de mercado, a supervisão e fiscalização do seu cumprimento e a garantia da realização de certos fins sociais, cabendo-lhe, entre outras coisas, assegurar o acesso de todos os cidadãos a certos serviços essenciais – Serviço universal. III Atentemos no quadro legal mais relevante do sector eléctrico ([8]). 1. O Decreto n.º 12 559, de 20 de Outubro de 1926 – Lei dos Aproveitamentos Hidráulicos –, que aprovou as bases aplicáveis à produção, transporte e distribuição da energia eléctrica, continha a definição de Rede Eléctrica Nacional (“conjunto de linhas de transporte de energia no País que seja objecto de comércio em espécie”) e dispunha que as linhas que a integravam eram, para efeitos de construção e exploração, de utilidade pública e de interesse nacional, e que seriam objecto de concessão. Mais tarde, a Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944, aprovou as Bases da Electrificação do País, que só vieram a ser desenvolvidas pelo Decreto-Lei n.º 43 335, de 19 de Novembro de 1960. Aquela Lei regulou, autonomamente, a “rede eléctrica nacional” (que passou a abranger o conjunto de instalações de serviço público destinadas à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica) e o “transporte e grande distribuição”. Em qualquer das áreas ficou patente o importante papel que passou a caber ao Estado, que participaria ou apoiaria os produtores, prestaria auxílios à instalação das centrais ou procederia mesmo à instalação das centrais de interesse público, auxiliaria no estabelecimento das linhas de transporte e grande distribuição; a interligação das linhas deveria subordinar-se ao planeamento estatal. 2. A estrutura organizativa do sector eléctrico nacional – que assentava quanto ao regime de exercício das actividades de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica na outorga de concessões a cidadãos nacionais ou a empresas com maioria de capital nacional e sediadas em Portugal – foi modificada com a nacionalização, com eficácia a partir de 15 de Abril de 1975, das principais empresas que exploravam aquelas actividades, operada pelo Decreto-Lei n.º 205-G/75, de 16 de Abril, e pela concomitante previsão da criação de uma empresa pública, a Electricidade de Portugal, à qual seria atribuído «em regime de exclusivo e por tempo indeterminado o exercício de serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em todo o território nacional». A Electricidade de Portugal – Empresa Pública (EDP) foi criada pelo Decreto-Lei n.º 502/76, de 30 de Junho, emergindo como «única entidade ecomómico-jurídica» ([9]) resultante da reestruturação das empresas nacionalizadas. Pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a EDP tinha por objecto principal «o estabelecimento e a exploração do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica no território do continente, para promover e satisfazer as exigências de desenvolvimento social e económico de toda a população» (artigo 2.º, n.º 1). O monopólio do Estado no sector reforçou-se através da proibição de acesso da iniciativa privada às actividades de produção transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público assumida pela Lei de Delimitação de Sectores (Lei n.º 46/77, de 8 de Julho). 3.1. Porém, na década de 80, anunciou-se o fim do monopólio do Estado, associado ao processo de adesão à Comunidade Económica Europeia, reflectindo-se, inicialmente, apenas no sector da pequena produção de energia eléctrica, na aceitação do auto-produtor ([10]), e na distribuição da energia eléctrica em baixa tensão ([11]). O Decreto-Lei n.º 449/88, de 10 de Dezembro – que alterou a Lei n.º 46/77 (Lei de Delimitação de Sectores) – veio ainda permitir o acesso das entidades privadas às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público. Pelo Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro, a EDP foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, prevendo-se a possibilidade de cisão e constituição de novas sociedades anónimas cujo capital social seria por si integralmente subscrito ou realizado (artigo 8.º, n.º 1). Consagrado já o princípio da “liberdade de acesso”, o Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março, veio regular as actividades específicas do sector e instituir os princípios gerais do regime enquadrador do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, salvaguardando, contudo, «um quadro misto em que se estimula a iniciativa privada e se mantém ainda uma zona nuclear em regime de concessão de serviço público, bastante para garantir a segurança do abastecimento do país» ([12]). O modelo então criado compreendia o Sistema Eléctrico de Abastecimento Público (SEP) e o Sistema Eléctrico Independente (SEI). O SEP era constituído pela Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT), explorada em regime de concessão de serviço público, e por entidades contratualmente vinculadas ao sistema, que se comprometiam a abastecê-lo ou a ser por ele abastecidas, e que exerciam a actividade de produção e distribuição mediante atribuição de licenças vinculadas; o SEI compreendia o exercício de actividades fora do sistema, para uso próprio ou de terceiros, em regime de concorrência, e mediante licenças não vinculadas. Cabia à entidade concessionária da RNT a gestão global do SEP considerando-se tal concessão atribuída à EDP até à regulamentação da matéria por diploma próprio. 3.2. O aprofundamento da liberalização do sector fez-se com um conjunto de sete diplomas, publicados em 1995 – os Decretos-Leis n.os 182/95 a 188/95, todos de 27 de Julho ([13]) – que introduziram importantes alterações na actividade de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, antecipando as orientações traçadas pela Directiva n.º 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 1996 ([14]), que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da electricidade. Merece evidência o Decreto-Lei n.º 182/95, que estabeleceu as bases da organização do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) e os princípios que regiam as actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica. Foi mantida a matriz delineada pelo Decreto-Lei n.º 99/91, designadamente o desdobramento do SEN no SEP e no SEI: o primeiro, associado à prestação de um serviço público, integrava a concessionária da RNT (explorada em regime de serviço público através de contrato de concessão, considerando-se a mesma atribuída à REN – Rede Eléctrica Nacional, SA) e os titulares de licenças vinculadas de produção e distribuição; o SEI passou a compreender o Sistema Eléctrico Não Vinculado (SENV), a produção de energia eléctrica a partir de energias renováveis (com excepção da energia hidráulica), e a produção de energia eléctrica em instalações de cogeração, e, a partir das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 85/2002, de 6 de Abril, a produção de energia eléctrica em aproveitamentos hidroeléctricos instalada até 10MW. Este novo enquadramento inscreve-se num movimento mais vasto, de que a Directiva n.º 96/92/CE constitui corolário no plano comunitário, e que tem como objectivo essencial a criação de um mercado concorrencial da electricidade. Nessa medida, considerou-se que só a criação de um mercado interno do sector eléctrico permitiria «racionalizar a produção, o transporte e a distribuição da electricidade, reforçando simultaneamente a segurança de abastecimento e a competitividade da economia europeia e a protecção do ambiente» ([15]). No sentido crescente da liberalização, o Decreto-Lei n.º 85/2002, de 6 de Abril, que alterou o Decreto-Lei n.º 182/95, sujeitou os aproveitamentos hidroeléctricos até 10MW ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio, e integrou no SENV determinados aproveitamentos hidroeléctricos de potência instalada superior a 10MW. 3.3. À Directiva n.º 96/92/CE sucedeu a Directiva n.º 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho ([16]), que visa concretizar plenamente o mercado interno no sector da electricidade, aprofundando o percurso já trilhado pela anterior Directiva. Em todas as disposições comunitárias está presente o propósito de consolidar o modelo concorrencial, sem prejuízo do cumprimento dos requisitos de serviço público ([17]). Entretanto, a Resolução da Assembleia da República n.º 33-A/2004, de 20 de Abril, aprovou o acordo para a criação de um mercado de electricidade comum a Portugal e Espanha (Mercado Ibérico da Energia Eléctrica – MIBEL), como «marco de um processo de integração dos sistemas eléctricos de ambos os países», os quais se comprometeram a desenvolver legislação interna que permitisse o funcionamento de um mercado único em que todos os participantes tivessem igualdade de direitos e de obrigações. Foi, assim, editada nova legislação – Decretos-Leis n.os 198/2003, de 2 de Setembro, 153/2004, de 30 de Junho, e 240/2004, de 27 de Dezembro ([18]) – que, aprofundando a tendência liberalizadora e concorrencial, visou a redução do SEP. 3.4. Por fim, reconhecendo que as alterações legislativas ocorridas em 2003 e 2004 haviam assumido carácter transitório, foi publicado o Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional, bem como ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade, transpondo para a ordem jurídica interna os princípios da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que fixou regras comuns para o mercado interno da electricidade. O «novo quadro estabelece um sistema eléctrico integrado, em que as actividades de produção e comercialização são exercidas em regime de livre concorrência, mediante a atribuição de licenças, e as actividades de transporte e distribuição são exercidas mediante a atribuição de concessões de serviço público. Estas actividades são exercidas tendo em conta a racionalidade dos meios a utilizar e a protecção do ambiente, nomeadamente através da eficiência energética e da promoção das energias renováveis e sem prejuízo das obrigações de serviço público» ([19]). Assim, a actividade de transporte da electricidade «é exercida mediante a exploração da rede nacional de transporte, a que corresponde uma única concessão exercida em exclusivo e em regime de serviço público». A distribuição de electricidade «processa-se através da exploração da rede nacional de distribuição, que corresponde à rede em média e alta tensões, e da exploração das redes de distribuição em baixa tensão. A rede nacional de distribuição é explorada mediante uma única concessão do Estado, exercida em exclusivo e em regime de serviço público, convertendo-se a actual licença vinculada de distribuição de electricidade em média e alta tensões em contrato de concessão, no respeito das garantias do equilíbrio de exploração da actual entidade licenciada. As redes de distribuição em baixa tensão continuam a ser exploradas mediante concessões municipais, sem prejuízo de os municípios continuarem a poder explorar directamente as respectivas redes». Quanto à «actividade de comercialização de electricidade é livre, ficando, contudo, sujeita a atribuição de licença pela entidade administrativa competente, definindo-se, claramente, o elenco dos direitos e dos deveres na perspectiva de um exercício transparente da actividade». E os «consumidores, destinatários dos serviços de electricidade, podem, nas condições do mercado, escolher livremente o seu comercializador, não sendo uma mudança onerada do ponto de vista contratual». No âmbito da protecção dos consumidores, «define-se um serviço universal caracterizado pela garantia do fornecimento em condições de qualidade e continuidade de serviço e de protecção quanto a tarifas e preços e de acesso a informação em termos simples e compreensíveis». A protecção dos consumidores, designadamente quanto a tarifas e preços, figura entre as obrigações de serviço público enunciadas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 29/2006 [n.º 3, alínea d)], sendo-lhe dedicado o artigo subsequente: «Artigo 6.º Protecção dos consumidores 1 – Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por “consumidor” o cliente final de electricidade. 2 – No exercício das actividades abrangidas pelo presente decreto-lei, é assegurada a protecção dos consumidores, nomeadamente quanto à prestação do serviço, ao exercício do direito de informação, à qualidade da prestação do serviço, às tarifas e preços, à repressão de cláusulas abusivas e à resolução de litígios, em particular aos consumidores abrangidos pela prestação de serviços públicos considerados essenciais, nos termos da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. 3 – As associações de consumidores têm o direito de ser consultadas na definição do enquadramento jurídico das actividades previstas no presente decreto-lei.» Os direitos e deveres dos consumidores são explicitados no capítulo III (artigos 53.º a 55.º) do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro. No que concerne à organização, o sistema eléctrico nacional (SEN) é entendido como o conjunto de princípios, organizações, agentes e instalações eléctricas relacionados com as actividades abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 29/2006 [cf. artigos 3.º, alínea hh), e 10.º]. A Rede Eléctrica de Serviço Público (RESP) é o conjunto das instalações de serviço público destinadas ao transporte e distribuição de electricidade que integram a Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT), a Rede Nacional de Distribuição de Electricidade em Média e Alta Tensão (RND) e as redes de distribuição de electricidade em baixa tensão [cf. artigos 3.º, alíneas ee), ff) e gg), e 11.º] e que são consideradas, para todos os efeitos, de utilidade pública (artigo 12.º). A actividade de transporte de electricidade, que integra a gestão global do sistema, é exercida em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, mediante a exploração da RNT (artigo 21.º). A gestão técnica global do SEN consiste na coordenação sistémica das instalações que o constituem, tendo em vista a segurança e a continuidade do abastecimento de electricidade, e é da responsabilidade da entidade concessionária da RNT (artigo 23.º). De acordo com o artigo 31.º (regime de exercício), a actividade de distribuição de electricidade é exercida em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, mediante a exploração da RND e das redes de BT (Baixa Tensão) (n.º 1); a concessão da RND é atribuída, mediante contrato outorgado pelo Ministro da Economia e da Inovação, em representação do Estado (n.º 2); as concessões das redes de BT são atribuídas mediante contratos outorgados pelos órgãos competentes dos respectivos municípios (n.º 3); o estabelecido no n.º 1 não prejudica a opção dos municípios pela exploração directa das respectivas redes (n.º 4). As concessionárias das redes de distribuição relacionam-se comercialmente com os utilizadores das respectivas instalações, tendo direito a receber, pela utilização destas e pela prestação dos serviços inerentes, uma retribuição por aplicação de tarifas reguladas definidas no Regulamento Tarifário (artigo 40.º). O exercício da actividade de comercialização de electricidade é livre, ficando sujeito a licença (artigo 42.º, n.º 1), e a actividade de comercialização de electricidade é separada juridicamente das restantes actividades, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 36.º (artigo 43.º). Os comercializadores de electricidade relacionam-se comercialmente com os operadores das redes às quais estão ligadas as instalações dos seus clientes, assumindo a responsabilidade pelo pagamento das tarifas de uso das redes e outros serviços, e pela prestação das garantias contratuais legalmente estabelecidas (artigo 44.º, n.º 2); o relacionamento comercial com os clientes decorre da celebração de um contrato de compra e venda de electricidade, que deve observar as disposições estabelecidas no Regulamento de Relações Comerciais (artigo 44.º, n.º 3). O comercializador de último recurso fica sujeito à obrigação da prestação universal do fornecimento de electricidade, garantindo a todos os clientes que o solicitem a satisfação das suas necessidades, na observância da legislação aplicável, nomeadamente a relativa à protecção do consumidor (artigo 46.º, n.º 3) e deve aplicar as tarifas de venda a clientes finais publicadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) ([20]), de acordo com o estabelecido no Regulamento Tarifário [artigo 49.º, n.º 3, alínea b)]. Os princípios aplicáveis ao cálculo e à fixação das tarifas são indicados no artigo 61.º: igualdade de tratamento e de oportunidades; uniformidade tarifária; transparência na formulação e fixação das tarifas; inexistência de subsidiações cruzadas entre actividades e entre clientes; transmissão dos sinais económicos adequados a uma utilização eficiente das redes e demais instalações do SEN; protecção dos clientes face à evolução das tarifas, assegurando, simultaneamente, o equilíbrio económico e financeiro às actividades reguladas em condições de gestão eficiente; criação de incentivos ao desempenho eficiente das actividades reguladas das empresas; e contribuição para a promoção da eficiência energética e da qualidade ambiental. Por sua vez, as regras e as metodologias para o cálculo e fixação de tarifas e a estrutura tarifária são, segundo o artigo 62.º, estabelecidas no Regulamento Tarifário. 3.5. Algum tempo depois do diploma que acabámos de analisar, o Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, desenvolve – conforme o sumário oficial – os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do SEN, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 172/2006, frisa-se que, dada a sua natureza, «os comercializadores do último recurso ficam sujeitos a obrigações especiais, considerando o serviço universal a prestar e a defesa dos consumidores». O artigo 53.º enuncia os direitos e deveres do comercializador (ou titular de licença de comercialização) de último recurso: entre os primeiros está o direito a «uma remuneração, nos termos do Regulamento Tarifário, que assegure o equilíbrio económico e financeiro da actividade licenciada em condições de uma gestão eficiente» (n.º 2); entre os segundos, destaca-se o dever de prestar, de forma universal, o fornecimento da electricidade a todos os clientes que lha requisitem nos termos da regulamentação aplicável [n.º 3, alínea a)]. A ERSE fixa, no princípio de cada ano, o custo estimado para a aquisição de electricidade a aplicar na definição das tarifas do comercializador de último recurso (artigo 55.º, n.º 4). O Decreto-Lei n.º 172/2006 contém no último capítulo (artigos 68.º a 80.º) um conjunto de disposições finais e transitórias de que merece destaque o artigo 68.º: «Artigo 68.º Taxas administrativas 1 – Pelos actos previstos neste decreto-lei relativos a licenças e a concessões são devidas taxas, sem prejuízo das previstas no Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas (RTIE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro. 2 – As taxas de exploração previstas no RTIE para as instalações eléctricas do 3.º grupo são cobradas pelo operador da RND aos respectivos comercializadores, que as reflectem na facturação aos respectivos clientes. 3 – O operador da RND e os comercializadores têm o direito de reter 1,5% e 0,5%, respectivamente, do montante das taxas referidas no número anterior. 4 – A indicação dos actos previstos neste decreto-lei sujeitos a taxa e os respectivos valores são estabelecidos em portaria do ministro responsável pela área da energia, quando esteja em causa o exercício de competências da administração central, ou por acto regulamentar dos órgãos competentes dos municípios nos demais casos. 5 – As taxas são liquidadas e cobradas mediante a emissão de guias de receita, devendo ser pagas no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação das guias a emitir pela entidade licenciadora, e é devolvido ao interessado um dos exemplares como prova do pagamento efectuado. 6 – A entidade licenciadora pode estabelecer formas de pagamento das taxas, nomeadamente através de meios electrónicos. 7 – Os montantes cobrados constituem receita do Estado em 60% e da entidade licenciadora em 40%, salvo nos casos da competência dos municípios, em que a receita cabe integralmente a estes. 8 – As receitas do Estado provenientes da cobrança das taxas são afectas a um fundo de eficiência energética, nos termos a definir por portaria dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e da energia. 9 – A cobrança coerciva das dívidas provenientes da falta de pagamento das taxas faz-se através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão passada pela entidade que prestar os serviços.» ([21]) IV A evolução do sector eléctrico português acompanhou, pois, o movimento das últimas décadas de liberalização dos grandes serviços públicos. Tratou-se, ainda assim, de uma liberalização parcial, uma vez que as actividades de transporte e de distribuição são exercidas através de concessão de serviço público. Com efeito, nas designadas “indústrias de rede”, o sentido do direito comunitário foi de autonomizar a gestão de rede e a exploração dos serviços que ela suporta, o que foi, aliás, favorecido pelo progresso tecnológico. Deste modo, como vimos, continua, no nosso caso, a caber ao Estado assegurar a existência e a manutenção das redes públicas, mediante concessão, sendo neste contexto objecto privilegiado da concessão a gestão da rede, e compete-lhe impor às empresas que operam no sector obrigações de serviço público. Daí a referência a serviços de interesse geral ou aqui mais precisamente serviços de interesse económico geral, e que conduziu mesmo a que alguns autores substituíssem o conceito de serviço público pelo de serviço de interesse económico geral ([22]). No âmbito do direito comunitário, apesar de no Tratado da Comunidade Europeia se preferir a noção de serviço de interesse económico geral ([23]) e de a Comissão Europeia se ocupar dos serviços de interesse geral em várias comunicações, o conceito de serviço público não é ignorado. Vital Moreira defende que o que se deu foi um alargamento, «um conceito muito mais amplo do que de serviço público», porém, «sem excluir o serviço público com o sentido tradicional» ([24]). Isto é, continuará a existir a modalidade dos antigos serviços públicos, a ser prestados por entidades empresariais públicas ou por entidades concessionárias, em regime de exclusivo, a par da outra modalidade que é «obviamente a prestação do serviço de interesse económico geral por empresas privadas sujeitas a “obrigações de interesse geral” ou “obrigações de serviço público”, como se diz também, ou “obrigações de serviço universal”, como se diz na linguagem comunitária, sobretudo a propósito das telecomunicações e dos serviços postais» ([25]). Pedro Gonçalves e Licínio Martins entendem que serviço de interesse económico geral «é uma noção central em direito comunitário que visa abarcar, num supra conceito, a totalidade de concepções dos países membros a propósito do “serviço público” (em especial a construção do serviço público francesa e das public utilities anglosaxónicas)» ([26]). Mais à frente, sobre a ideia de serviço público no Estado regulador, referem aqueles Autores que «a reconceptualização dos serviços públicos económicos, permitindo que se venham a identificar com os serviços mínimos, essenciais ou universais demonstra a necessidade de manutenção da categoria, ainda que materialmente limitada, tendo por base critérios objectivos» e «como corolário do processo de liberalização, a sobrevivência do conceito de serviço público implica a sua objectivação, pelo que a qualificação de uma tarefa como serviço público deixa de depender da titularidade pública, como de resto não havia sido divisado pela concepção da public utilities, uma vez que as obrigações de serviço público tanto oneram a actividade de operadores públicos como de privados» ([27]). Nesta perspectiva, a nova ideia de serviço público manterá a dimensão material ou substantiva do conceito de serviço público – actividade de interesse público, na medida em que satisfaz necessidades colectivas. As obrigações de serviço público, sendo as constrições a que um serviço público de interesse económico geral ou serviço universal deve obedecer, revestem-se, assim, da maior relevância. E erigidas, em muitos casos, em princípios jurídicos, podemos, basicamente, enunciar: igualdade, que o direito comunitário tem densificado, exigindo que os serviços considerados mínimos e universais sejam disponibilizados em todo o território e a preços acessíveis; continuidade, implicando mesmo uma estrita permanência em domínios como o serviço telefónico e a electricidade; e adaptação, apelando aos ajustamentos que o desenvolvimento técnico ou social determinar ([28]). V Conforme acima se explicitou, os diplomas legais vigentes no sector eléctrico (Decretos-Leis n.os 29/2006, de 15 de Fevereiro, e 172/2006, de 23 de Agosto) salvaguardam as obrigações de serviço público e, em particular, a protecção dos consumidores. 1. Trata-se de matéria desde sempre acolhida na Constituição da República Portuguesa. Na sua versão originária (1976), a Constituição colocou logo a protecção do consumidor entre as incumbências prioritárias do Estado [artigo 81.º, alínea m) ([29]), hoje, alínea i) ([30])]. Na revisão constitucional de 1982 ([31]) aditou-se o artigo 110.º, com a epígrafe Protecção do Consumidor ([32]), disposição que, na revisão de 1989 ([33]) foi alterada e inserida, como artigo 60.º (Direitos dos consumidores), no capítulo I (Direitos e deveres económicos), do título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais) da parte I (Direitos e deveres fundamentais) da Constituição. Na redacção actual ([34]), o artigo 60.º prescreve: «Artigo 60.º (Direitos dos consumidores) 1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos. 2. ………………………………………………………………. 3. As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes reconhecida legitimidade processual para defesa dos seus associados ou de interesses colectivos ou difusos.» A Constituição elenca ainda no artigo 99.º como um dos objectivos da política comercial, a protecção dos consumidores [alínea e)]. Vejamos, em aspectos relevantes, alguns reflexos dos novos princípios e valores constitucionais na legislação ordinária. 2. A Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (vulgo Lei de Defesa do Consumidor) ([35]), estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores. Enunciou no que interessa frisar, o direito do consumidor à protecção dos interesses económicos [artigo 3.º, alínea e)]. Dedica o artigo 9.º ao direito à protecção dos interesses económicos do consumidor: no n.º 1 consagra o princípio geral de que o consumidor «tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos»; nos números subsequentes são individualizados direitos concretos que assistem ao consumidor (n.os 2 a 7) e é cometida ao Estado a adopção de medidas adequadas a assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenciais, designadamente água, energia eléctrica, gás, telecomunicações e transportes públicos (n.º 8), bem como a prevenir a lesão dos interesses dos consumidores no domínio dos métodos de venda que prejudiquem a avaliação consciente das cláusulas apostas em contratos singulares e a formação livre, esclarecida e ponderada da decisão de se vincularem (n.º 9). Assume, neste quadro, relevo do princípio da boa fé, que, em sentido objectivo, impõe às partes comportamentos correctos, honestos e leais, exprimindo a igualdade material dos contraentes ([36]) e, bem assim, o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenciais. 3. Maior atenção merece, na economia do parecer, a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho ([37]), que criou no ordenamento jurídico mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais. Os serviços de fornecimento de energia eléctrica figuraram sempre entre os serviços públicos essenciais, dispondo na redacção actual o artigo 1.º da Lei n.º 23/96 ([38]): «Artigo 1.º Objecto e âmbito 1 – A presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. 2 – São os seguintes os serviços públicos abrangidos: a) Serviço de fornecimento de água; b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica; c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados; d) Serviço de comunicações electrónicas; e) Serviços postais; f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais; g) Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos. 3 – Considera-se utente, para os efeitos previstos nesta lei, a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo. 4 – Considera-se prestador dos serviços abrangidos pela presente lei toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão.» O prestador do serviço – diz o princípio geral do artigo 3.º – «deve proceder de boa fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger». Como refere António Pinto Monteiro ([39]), «consagrou-se – à cabeça dos preceitos dedicados à relação propriamente dita da prestação do serviço – o princípio de boa fé, enquanto princípio normativo de alcance geral por que deve aferir-se o comportamento do prestador do serviço e matriz fundante dos múltiplos deveres que uma actuação segundo a boa fé exige». Deverão também ser considerados os princípios da universalidade, da igualdade, da continuidade e do bom funcionamento, devendo a prestação do serviço obedecer a elevados padrões de qualidade (artigo 7.º). De entre as medidas consagradas na lei, impõe-se, ainda, referir: – O dever de informação que, apesar de se poder considerar incluído no princípio da boa fé, foi autonomizado no artigo 4.º; – A suspensão do fornecimento do serviço não pode ter lugar sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior (artigo 5.º); – A facturação detalhada (artigo 9.º); – Prazos de prescrição e caducidades curtos (artigo 10.º); e – A proibição de consumos mínimos (artigo 8.º, n.º 1). A proibição da imposição e da cobrança de consumos mínimos constituía a única estatuição da versão originária do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, preceito a que a Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, deu esta redacção: «Artigo 8.º Consumos mínimos e contadores 1 – São proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos. 2 – É proibida a cobrança aos utentes de: a) Qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços utilizados; b) Qualquer outra taxa de efeito equivalente à utilização das medidas referidas na alínea anterior, independentemente da designação utilizada; c) Qualquer taxa que não tenha uma correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efectivamente incorra, com excepção da contribuição para o audiovisual; d) Qualquer outra taxa não subsumível às alíneas anteriores que seja contrapartida de alteração das condições de prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor. 3 – Não constituem consumos mínimos, para efeitos do presente artigo, as taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos, nos termos do regime legal aplicável.» Justifica-se mencionar alguns elementos dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro. Na exposição de motivos do Projecto de lei n.º 263/X lê-se ([40]): «Entendeu-se fixar a proibição da cobrança aos utentes de importâncias relativas ao uso dos contadores e outros instrumentos de medição aplicados pelos prestadores de serviços para controlo dos consumos efectuados. Os custos destes instrumentos, sendo inerentes ao exercício da actividade do prestador, devem ser por estes suportados e não incluídos na factura dos serviços paga pelo utente». Na apreciação, na generalidade, do projecto de lei, o Deputado Renato Sampaio (PS) referiu, na respectiva apresentação, que, com a iniciativa legislativa, se pretendia também «corrigir uma injustiça que tem prevalecido ao longo dos anos sem que nada o justifique – o aluguer de aparelhos de medição dos serviços prestados» ([41]). «Esta prática – prosseguiu – consubstancia uma verdadeira taxa fixa e permanente. Não é justa a prática corrente de cobrança de um valor pelo aluguer de um contador quando a amortização deste se pode fazer ao fim de determinado tempo e não indefinidamente pelo tempo de duração do contrato de prestação do serviço.» A Deputada Alda Macedo (BE) questionou, nestes termos, o Deputado que apresentara o projecto de lei ([42]): «Este projecto parece-me insuficiente porque deixa ficar de fora duas áreas, se é que interpreto a redacção das alíneas do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, tal como estão propostas adequadamente. Essa insuficiência tem que ver com o facto de, hoje, o cidadão comum, na sua conta de electricidade, além da taxa de contador, pagar também uma taxa de exploração. Pergunto-lhe, pois, se é a esta taxa de exploração que se refere quando o projecto de lei diz “outras taxas conexas com aquilo que são os instrumentos de medição”. É preciso que isto fique aqui claro, para sabermos exactamente do que é que estamos a falar.» Esta concreta pergunta ficou, no debate, sem resposta, tendo o Deputado Renato Sampaio (PS) reafirmado que a taxa de aluguer dos contadores «é, do nosso ponto de vista, indevida: é uma taxa a coberto de um aluguer de um aparelho de medição que deve ser da responsabilidade da entidade prestadora de serviços» ([43]). A Deputada Heloisa Apolónia (Os Verdes) realça que o projecto de lei «promove o alargamento da abrangência de serviços públicos essenciais fornecidos aos consumidores, a proibição de fixação de taxas encapotadas, o que nos parece extraordinariamente importante, como os montantes pagos pela existência de um contador que permite ao prestador de serviço contabilizar o consumo efectuado, ou a classificação da regularização do pagamento por defeito e em excesso ([44]). Na vigência da redacção originária da Lei n.º 23/96, escrevia Ferreira de Almeida ([45]): «No artigo 8.º, a Lei n.º 23/96 proíbe a “imposição e cobrança de consumos mínimos”. Trata-se de uma verdadeira regra de protecção do utente, visto que o beneficia para além da mera aplicação do direito contratual comum. Pode todavia ser facilmente defraudada através do débito de “taxas” (por exemplo, taxas de ligação, de disponibilidade e de potência) com valor exorbitante (-) ou até sem correspondência numa contraprestação efectiva pelo fornecedor. Seria conveniente que a lei fosse mais explícita a este propósito, consignando critérios de orientação para as entidades reguladoras e para os próprios fornecedores.» Já Menezes Cordeiro ([46]), aquando da discussão pública do anteprojecto de Código do Consumidor, e sobre o alcance e o significado da proibição constante do artigo 322.º ([47]), que retomava o artigo 8.º da Lei n.º 23/96, entendia que «[u]m “consumo mínimo” é uma técnica de facturação pela qual o prestador do serviço cobra, “à cabeça”, um montante equivalente a um certo consumo, independentemente de ele ter ocorrido. Tal montante é, economicamente, equivalente a: – uma assinatura; – um aluguer de contador; – uma taxa de acesso ao serviço». Após as alterações de 2008, Calvão da Silva defende «[a] proibição da cobrança aos utentes de qualquer contrapartida – independentemente do seu nomen iuris (preço, aluguer, taxa, “imposto”, encargo, taxa de disponibilidade, amortização, etc.) – pelo uso de contadores e de outros instrumentos de medição dos consumos evidencia o sentido e fim da norma do n.º 2 do art. 8.º: os custos desses instrumentos utilizados para controlo dos consumos efectuados devem ser imputados aos prestadores dos serviços públicos como dispêndios inerentes ao exercício das actividades profissionais em causa» ([48]). 4. Merece ainda referência o regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores. O Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores e que visava, nos termos do seu artigo 1.º, «a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros, relativas às práticas comerciais desleais que lesem os interesses económicos dos consumidores, contribuindo para o funcionamento correcto do mercado interno e para alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores». As práticas comerciais desleais são proibidas (artigo 4.º). Segundo o artigo 5.º, é desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço (n.º 1). São práticas comerciais desleais em especial, nos termos do artigo 6.º do mesmo diploma legal: «a) As práticas comerciais susceptíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis, em razão da sua doença mental ou física, idade ou credulidade, à prática comercial ou ao bem ou serviço subjacentes, se o profissional pudesse razoavelmente ter previsto que a sua conduta era susceptível de provocar essa distorção; b) As práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7.º, 9.º e 11.º; c) As práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas, respectivamente, nos artigos 8.º e 12.º, consideradas como tal em qualquer circunstância». O artigo 8.º, com a epígrafe acções consideradas enganosas em qualquer circunstância, considera como tais um conjunto de práticas comerciais, sendo de destacar a enunciada na alínea q): «q) Sem prejuízo do disposto nos Decretos-Leis n.os 240/2006, de 22 de Dezembro, 172/2007, de 8 de Maio, e 81/2006, de 20 de Abril, fazer o arredondamento em alta do preço, da duração temporal ou de outro factor, directa ou indirectamente, relacionado com o fornecimento do bem ou com a prestação do serviço que não tenha uma correspondência exacta e directa no gasto ou utilização efectivos realizados pelo consumidor e que conduza ao aumento do preço a pagar por este». VI Vejamos, em aspectos essenciais, a normação relativa a taxas, tarifas e preços. 1. O Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, aprovou o Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas (RTIE), «anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante» (artigo 1.º); os coeficientes e os montantes das taxas serão estabelecidos por portaria (artigo 2.º). O RTIE estabelece as disposições relativas à incidência e à cobrança das taxas de instalações eléctricas (artigo 1.º, n.º 1). No artigo 3.º prevê três tipos de taxas: taxas de estabelecimento [alínea a)], taxas de exploração [alínea b)] e taxas diversas [alínea c)]. Nos termos do artigo 7.º, as taxas de exploração «são devidas pelas entidades que explorem ou utilizem instalações eléctricas de abastecimento público ou instalações eléctricas particulares» (n.º 1); para efeitos do cálculo das taxas de exploração, as instalações eléctricas dividem-se em três grupos, consoante a classificação definida no Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, cabendo no 3.º grupo as instalações eléctricas de serviço particular de 3.ª e 5.ª categorias [n.º 2, alínea c) ([49])]. As taxas de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo são devidas pelos utilizadores enquanto as mesmas estiverem ligadas à rede de distribuição (artigos 9.º, n.º 2) e o seu valor será fixado por portaria do Ministro da Indústria e Energia (artigo 19.º). Segundo o artigo 22.º, a cobrança das taxas de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo será feita por intermédio dos distribuidores, os quais deverão incluir nos recibos a rubrica «Taxas de exploração» (n.º 1); os distribuidores são responsáveis perante o Estado pelo pagamento das taxas de exploração, quando não procedam para com os utilizadores que se neguem a satisfazê-las, de acordo com o que a legislação estabelece para a falta de pagamento da energia eléctrica (n.º 2). Até ao final de cada mês, os serviços competentes procederão à emissão dos recibos referentes às taxas arrecadadas pelos distribuidores com a dedução de 5%, que constitui receita destes (artigo 23.º do RTIE.) 2. Os coeficientes e as formas de cálculo das taxas de instalações eléctricas previstas no RTIE foram estabelecidos pela Portaria n.º 362/93, de 30 de Março, e depois actualizados pela Portaria n.º 116/2000, de 1 de Março. Sobre a matéria rege agora a Portaria n.º 311/2002, de 22 de Março. Face ao estabelecido no seu artigo 6.º a taxa de exploração das instalações eléctricas do 3.º grupo «é devida pelos consumidores, sendo o seu valor mensal de € 0,07 para instalações exclusivamente destinadas a casas de habitação, e sendo de € 0,35 em todos os outros casos». 3. No sector eléctrico, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), pelo Despacho n.º 18993-A/2005 (2.ª Série) ([50]) aprovou novo Regulamento de Relações Comerciais e bem assim novo Regulamento Tarifário. 3.1. O Regulamento de Relações Comerciais, que, entretanto, havia sido alterado ([51]), foi na sequência da publicação da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, alterado pelo Despacho n.º 15543/2008 da ERSE ([52]), onde se dá conta da importância daquela lei, «uma vez que a mesma tem como objectivos principais reafirmar e reforçar um nível elevado de protecção dos direitos dos utentes dos serviços públicos essenciais», e se elencam os seus impactes no relacionamento comercial com os consumidores de electricidade: periodicidade da facturação, periodicidade das leituras, leitura extraordinária, acertos de facturação, prazo de pagamento, pré-aviso de interrupção do fornecimento, ónus da prova e resolução de conflitos. O artigo 168.º, n.º 1, do Regulamento de Relações Comerciais estipula que as «regras aplicáveis ao relacionamento comercial entre os comercializadores, comercializadores de último recurso e os respectivos clientes são as previstas nos artigos seguintes, sem prejuízo de outra legislação aplicável, designadamente em matéria de protecção dos consumidores.» No que concerne a preços e tarifas os artigos 187.º e 188.º dispõem: «Artigo 187.º Preços a aplicar pelos comercializadores 1 – Os preços dos fornecimentos de energia eléctrica dos comercializadores aos seus clientes são acordados livremente entre as partes. 2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os preços praticados pelos comercializadores incluem uma parcela que corresponde às tarifas de acesso às redes, estabelecidas nos termos do Regulamento Tarifário. 3 – Os preços das tarifas de acesso às redes resultam da soma dos preços das tarifas aplicadas a seguir indicadas: a) Tarifa de Uso Global do Sistema. b) Tarifa de Uso da Rede de Transporte. c) Tarifas de Uso da Rede de Distribuição.» «Artigo 188.º Tarifas a aplicar pelos comercializadores de último recurso 1 – Aos fornecimentos dos comercializadores de último recurso aos seus clientes são aplicadas as tarifas de Venda a Clientes Finais, estabelecida nos termos do Regulamento Tarifário. 2 – As tarifas aplicáveis aos clientes em MAT, AT, MT e BTE são compostas pelos preços relativos a: a) Termo tarifário fixo. b) Potência contratada. c) Potência em horas de ponta. d) Energia activa. e) Energia reactiva. 3 – As tarifas aplicáveis aos clientes em BTN são compostas pelos preços relativos a: a) Potência contratada. b) Energia activa. 4 – Os preços das tarifas de Venda a Clientes Finais resultam da soma dos preços das tarifas aplicadas a seguir indicadas: a) Tarifa de Energia. b) Tarifa de Uso Global do Sistema. c) Tarifa do Uso da Rede de Transporte. d) Tarifas de Uso da Rede de Distribuição. e) Tarifa de Comercialização.» 3.2. O Regulamento Tarifário ([53]), como é definido no artigo 1.º, «estabelece as disposições aplicáveis aos critérios e métodos para a formulação de tarifas a preços de energia eléctrica a prestar pelas entidades por ele abrangidas, à definição das tarifas reguladas e respectiva estrutura, ao processo de cálculo e determinação das tarifas, à determinação dos proveitos permitidos, aos procedimentos a adoptar para a fixação das tarifas, sua alteração e publicitação, bem como às obrigações das entidades do sector eléctrico, nomeadamente, em matéria de prestação de informação». Quanto a tarifas a aplicar aos clientes dos comercializadores do último recurso, regula o artigo 19.º: as tarifas de Venda a Clientes Finais aplicam-se aos fornecimentos dos comercializadores de último recurso a clientes de Portugal continental (n.º 1); as tarifas de Venda a Clientes Finais resultam da adição das tarifas de Energia, de Uso Global do Sistema, de Uso da Rede de Transporte, de Uso da Rede de Distribuição e de Comercialização, aplicáveis pelos comercializadores de último recurso conforme estabelecido no Quadro 3 (n.º 2); o conjunto de proveitos a proporcionar pelas tarifas de Venda a Clientes Finais do comercializador de último recurso coincide com o conjunto de proveitos resultante da aplicação das tarifas referidas no número anterior aos fornecimentos a clientes do comercializador do último recurso (n.º 3). Por seu turno, as tarifas de Vendas a Clientes Finais dos comercializadores de último recurso devem proporcionar os «proveitos a recuperar relativos ao uso global do sistema, ao uso da rede de transporte e ao uso da rede de distribuição, que coincidem com os proveitos permitidos da actividade de compra e venda do Acesso às Redes de Transporte e Distribuição» e os «proveitos permitidos das actividades de Compra e Venda de Energia Eléctrica e de Comercialização» (n.º 1 do artigo 37.º). VII Numa breve incursão pelo direito estrangeiro, refira-se o seguinte. 1. Em Espanha, a Lei n.º 17/2007, de 4 de Julho, que modificou a Lei n.º 54/1997, de 27 de Novembro, do Sector Eléctrico, para a adaptar ao disposto na Directiva n.º 2003/54/CE, anuncia no seu preâmbulo que o Governo deve estabelecer uma metodologia de cálculo das tarifas e direitos de acesso («peajes de acceso»), indicando os custos que devem incluir, de forma que cada serviço cubra os custos que provoca. Assim, o artigo 18.º da Lei n.º 54/1997, na redacção actual, versa sobre as tarifas de último recurso, importando destacar algumas das suas estatuições: as tarifas de último recurso serão únicas para todo o território nacional e serão os preços máximos que os comercializadores poderão cobrar (n.º 1); para o seu cálculo, atender-se-á ao custo de produção de energia eléctrica e aos correspondentes direitos de acesso e custos de comercialização (n.º 2); as tarifas de último recurso não incluirão nenhum tipo de imposto (n.º 4); para que exista a maior transparência nos preços do fornecimento de energia eléctrica serão individualizados na facturação ao utente, entre outros, os tributos que agravem o consumo de electricidade e os suplementos territoriais quando os haja ([54]). 2. No direito francês, rege a Lei n.º 2000-108, de 10 de Fevereiro de 2000 ([55]), relativa à modernização e ao desenvolvimento do serviço público de electricidade. Dispõe no artigo 22-VIII que, nas condições fixadas pelo artigo L 121-92 do Código do Consumo, os consumidores domésticos têm a possibilidade de fazer um contrato único de fornecimento e de distribuição de electricidade ([56]). E, designadamente de acordo com o artigo L 121-92 ([57]), o fornecedor só pode facturar ao consumidor os custos que o gestor da rede lhe imputou a título de prestação. A factura da electricidade contém três elementos: a parte do fornecimento, a parte da utilização da rede e as taxas. As taxas compreendem, nomeadamente, a contribuição para o serviço público de electricidade (CSPE) e as taxas locais sobre a electricidade. A CSPE permite aos distribuidores de electricidade serem compensados por eventuais sobrecustos ligados à missão de serviço público que lhes está atribuída; diz respeito, em particular, a três aspectos: a obrigação de compra da electricidade produzida pela cogeração gás e energias renováveis; a perequação tarifária (isto é, o sobrecusto da produção eléctrica em certas zonas insulares não ligadas à rede); os aspectos sociais do fornecimento de electricidade, sobretudo após a sua classificação como bem de primeira necessidade. As taxas dependem do consumo efectuado; assim, as taxas locais, conquanto diferentes de município para município, são devidas sobre parte do preço devido pelo consumidor final respeitante quer ao fornecimento, quer ao transporte quer a ambos ([58]). VIII A questão da natureza jurídica da quantia pecuniária paga pelo utente em contrapartida do serviço prestado tem sido analisada na doutrina. A este propósito, escreve Pedro Gonçalves: «A doutrina mais antiga entendia que as quantias a pagar pela prestação do serviço público revestiam a natureza de taxas, ou seja, tratar-‑se-ia de encargos ou contrapartidas de natureza fiscal ou tributária. De resto, em alguns casos, ainda hoje assim se entende, designadamente quando o concessionário atribui a terceiros a faculdade de utilizar um bem público de cuja exploração está encarregado, caso em que o conceito (tributário) de taxa se impõe. «Na nossa opinião, a contrapartida não tem natureza tributária quando está em causa o pagamento do serviço prestado ou do fornecimento efectuado pelo concessionário, isto é, quando está em causa a “relação de prestação do serviço público”; nesse caso, e a menos que a lei disponha inequivocamente de outro modo, entendemos que a contrapartida a pagar ao concessionário tem a natureza de um preço, isto é, de um valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado: sendo de direito privado as relações de prestação constituídas entre o concessionário e o utente, não faz sentido, quanto a nós, sustentar a natureza fiscal da contrapartida, que é justamente um dos elementos essenciais da relação contratual.» ([59]) O mesmo Autor volta, mais tarde, com Licínio Lopes Martins, a apreciar a questão ([60]): «A concepção clássica ou tradicional remete as quantias a pagar pelos utentes do serviço público para o domínio fiscal ou tributário, qualificando-as como taxas. Consequentemente, em caso de incumprimento, o credor (neste caso o concessionário) estaria habilitado a usar o processo de execução fiscal, tendo a nota de cobrança emitida pelo concessionário força executiva. «Em nosso entender, e sem embargo de reconhecermos que a questão não é pacífica, a quantia paga pelos utentes tem a natureza de um preço. As relações entre os utentes e o concessionário são constituídas por um contrato de direito privado; são relações de direito privado, não obstante o regime da prestação de serviço também incluir em regra normas de direito público. «Um dos elementos essenciais daquela relação é, justamente, o montante a pagar pelo utente do serviço. «Ora, não nos parece coerente defender a natureza de taxa de uma quantia pecuniária que o concessionário fixa ao abrigo de um contrato de direito privado celebrado com o utente como contrapartida directa dos serviços que presta. Pelo que tal quantia tem a natureza de um preço, entendido como valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado. «Mais difícil se torna defender a natureza de taxa nas situações em que vigore um princípio de liberdade tarifária do concessionário, ao abrigo do qual pode fixar unilateralmente os preços do serviço, embora normalmente lhe seja imposta a obrigação de os comunicar previamente ao concedente. «Do mesmo modo, entendemos que não deixa de ser assim mesmo nas situações em que o concessionário deva fixar os encargos a suportar pelos utentes segundo critérios pré-estabelecidos por via administrativa, podendo estes constar do próprio contrato de concessão ou de um regulamento – normalmente designado por regulamento tarifário, sujeito, em regra, à aprovação do concedente, sob proposta do concessionário –, ou quando são fixados através de convenções administrativas multilaterais (caso das telecomunicações) ou por deliberação de autoridades reguladoras. «Em síntese, e quando esteja apenas em causa o pagamento do serviço prestado entendemos que a quantia a pagar pelos utentes ao concessionário tem a natureza de um preço. Só assim não será quando a lei disponha em contrário. E mesmo neste caso deve exigir-se uma disposição expressa inequívoca, uma vez que não raras vezes as qualificações legislativas se encontram desprovidas de rigor técnico. «Por último, não deve confundir-se o preço de que aqui falamos com os encargos cobrados pelo concessionário naquelas situações em que a exploração de um bem do domínio público envolve a faculdade de utilização por terceiros, e de que constituem exemplo as taxas de portagem das auto-estradas. Neste caso está em causa a utilização de bens do domínio público por particulares, cuja exploração está a cargo do concessionário, e não a prestação de um serviço público.» IX Para terminar a enunciação dos instrumentos de análise da matéria das questões colocadas à apreciação do Conselho Consultivo, importa abordar o conceito de taxa, aproveitando o ensejo para conhecer o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 9 de Julho de 2003 ([61]), citado na primeira pergunta. 1. A taxa constitui uma figura tributária afim do conceito de imposto, mas que com este não se confunde. Para Cardoso da Costa, o imposto é «uma prestação unilateral, o que significa que ao pagamento do respectivo montante […] não corresponde nenhuma contraprestação específica por parte do Estado»; e por aí não se confunde com outras prestações coactivas do Estado, como sejam as taxas, «as quais, sendo preços autoritariamente estabelecidos pagos pela utilização individual de bens semi-públicos (-), têm a sua contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado» ([62]). Por sua vez, Alberto Xavier referia ser «corrente separarem-se os tributos em duas grandes categorias: os impostos e as taxas». Sobre o critério de distinção entre ambos, dizia que «as taxas se individualizam no terreno mais vasto dos tributos por revestirem carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares», enquanto o imposto é «uma prestação unilateral, no sentido de não sinalagmática» ([63]) ([64]). Para Sousa Franco, «os critérios de fixação das taxas assentam nos seguintes ideias basilares; a) facilitar ou dificultar os acessos aos serviços públicos (custas judiciais), segundo um critério puramente político; b) proceder à justa distribuição dos encargos públicos» ([65]). 2. No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2003 discutia-se a constitucionalidade da taxa de exploração de instalações eléctricas prevista no n.º 1 do artigo do RTIE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, tributo que a recorrente qualificava como imposto, concluindo serem inconstitucionais as normas que o previam. O STA, com recurso à jurisprudência do Tribunal Constitucional, considerou que nos encontramos perante uma taxa, a qual «corresponde à disponibilização pelo Estado da sua rede eléctrica, através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada», e não julgou inconstitucionais as normas em causa ([66]). X É altura de responder às questões colocadas. 1. Os contratos de fornecimento de electricidade celebrados com os utentes/consumidores dos serviços públicos essenciais pertencem à categoria genérica dos contratos de consumo, na acepção que resulta da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho. Trata-se de contratos de direito privado ([67]), a isso não obstando a sujeição do prestador do serviço a normas de direito público no âmbito do exercício da sua actividade. Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, consideram-se incluídos no seu âmbito «os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos». De acordo com o n.º 4 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (serviços públicos essenciais), considera-se prestador dos serviços abrangidos por esta lei «toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não do contrato de concessão». Aos contratos em causa aplicam-se as normas que visam a protecção dos consumidores, designadamente as das mencionadas Leis n.os 23/96, de 26 de Julho, e 24/96, de 31 de Julho. 2. Neste quadro, como vimos, Pedro Gonçalves e Licínio Martins consideram que a quantia paga pelos utentes ao concessionário, como contrapartida pelo fornecimento de serviços públicos essenciais, tem a natureza de um preço, i. e., de «um valor a pagar pela prestação de um serviço regulado por um contrato de direito privado». Isto não deixa de ser assim mesmo nas situações em que o concessionário fixa os encargos a suportar pelos utentes segundo critérios antes estabelecidos por via administrativa – constantes do contrato de concessão ou de regulamento (regulamento tarifário) – ou quando os encargos são fixados por deliberação de entidade reguladora (no caso, a ERSE). Todavia, os mesmos Autores fazem duas advertências. Por um lado, precisam que a quantia a pagar pelo utente/consumidor ao concessionário tem a natureza de um preço «quando esteja apenas em causa o pagamento do serviço prestado». Já não será assim «quando a lei disponha em contrário», sem embargo de se dever exigir «uma disposição expressa inequívoca, uma vez que não raras vezes as qualificações legislativas se encontram desprovidas de rigor técnico». Por outro, afirmam que «não deve confundir-se o preço de que aqui falamos com os encargos cobrados pelo concessionário naquelas situações em que a exploração de um bem do domínio público envolve a faculdade de utilização por terceiros». Não se questiona, sob o ponto de vista dogmático, a bondade da tese segundo a qual a quantia a pagar pelo utente/consumidor ao concessionário tem a natureza de um preço. O que, no caso presente, cumpre apurar é qual a natureza da taxa de exploração das instalações eléctricas do 3.º grupo e se a mesma, enquanto tal, entra na composição do preço devido pelo utente/consumidor ao concessionário pela prestação do serviço. 3. A taxa de exploração das instalações eléctricas de 3.º grupo, nos termos do RTIE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, é devida pelos utilizadores ligados à rede de distribuição, a sua cobrança é feita pelos distribuidores e constitui receita do Estado (ou, se for o caso, dos municípios). Coube à Portaria n.º 362/93, de 30 de Março, determinar os coeficientes e as formas de cálculo das taxas de instalações eléctricas, que foram, depois, alterados pela Portaria n.º 116/2000, de 1 de Março. Os valores actuais dos coeficientes e formas de cálculo das taxas de instalações eléctricas foram fixados pela Portaria n.º 311/2002, de 22 de Março. Deve acentuar-se que as Portarias n.os 116/2000 e 311/2002 foram ambas editadas na vigência da Lei n.º 23/96 que, logo na versão originária, proibia a imposição e cobrança de consumos mínimos. Esta proibição foi mantida após as alterações introduzidas à Lei n.º 23/96 pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, alterações que, como já frisámos, se traduziram na consagração de medidas sobre dever de informação, suspensão do fornecimento, consumos mínimos e contadores, facturação detalhada, ónus de prova e resolução de conflitos. A proibição da imposição e cobrança de consumos mínimos constava (e preenchia) o artigo 8.º da Lei n.º 23/96, na sua versão originária. Não obstante esta proibição, a legalidade e vigência da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo foi expressamente afirmada pelos n.os 1 e 2 do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, que desenvolveu os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Eléctrico Nacional, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, regulamentando o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade. De acordo com o artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, as taxas de exploração previstas no RTIE para as instalações eléctricas do 3.º grupo são cobradas pelo operador da Rede Nacional de Distribuição de Electricidade (RND) aos respectivos comercializadores, que as reflectem na facturação aos respectivos clientes (n.º 2); os montantes cobrados constituem receita do Estado em 60% e da entidade licenciadora em 40%, salvo nos casos da competência dos municípios, em que a receita cabe integralmente a estes; as receitas do Estado provenientes da cobrança das taxas são afectas a um fundo de eficiência energética, nos termos a definir por portaria dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e da energia (n.º 8); a cobrança coerciva das dívidas provenientes da falta de pagamento das taxas faz-se através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão passada pela entidade que prestar os serviços (n.º 9). Esta reafirmação da legalidade e vigência da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo é também posterior à edição pela ERSE do quadro regulamentar atrás referido, o Regulamento de Relações Comerciais e o Regulamento Tarifário. 4. Com as alterações da Lei n.º 23/96 pela Lei n.º 12/2008, a proibição da imposição e cobrança de consumos mínimos passou a integrar o n.º 1 do novel artigo 8.º, ao qual foram aditados os n.os 2 e 3; a epígrafe anterior – «consumos mínimos» – foi alterada para «consumos mínimos e contadores». Para além da manutenção da proibição de imposição e cobrança de consumos mínimos, as alterações da Lei n.º 12/2008 visaram reconhecidamente, por um lado, a proibição de cobrança aos utentes de importâncias relativas ao uso de contadores e outros instrumentos de medição aplicados ou utilizados pelos prestadores de serviços. Trata-se de um propósito abundantemente documentado, como tivemos ocasião de ver, no decurso do respectivo processo legislativo, e que se encontra reflectido nas actuais alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 23/96. Sucede que a taxa de exploração de instalações eléctricas de 3.º grupo não se mostra coligada a qualquer procedimento ou mecanismo de medição nem se apresenta como uma «taxa encapotada». 5. Mas, as alterações da Lei n.º 12/2008 traduziram-se também na proibição de cobrança aos utentes das taxas referidas nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 23/96. Deixando de lado a alínea d) ([68]), por desajustada à matéria do parecer, fixemos a nossa atenção no parâmetro de validade enunciado na alínea c), que proíbe qualquer taxa que não tenha uma correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efectivamente incorra (com excepção da contribuição para o audiovisual). 5.1. Em argumento de lógica formal, pode logo dizer-se que a taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo, constituindo um encargo cometido à entidade prestadora do serviço – que está obrigada (em proveito do Estado ou dos municípios) a reflecti-la na facturação aos clientes – está ressalvada pela alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º Assim é, de facto. Mas, no sentido de que a taxa referida não é abrangida pela proibição constante da alínea c) é possível acrescentar outra ordem de considerações. 5.2. A teleologia imanente à proibição desta alínea reside na preocupação do legislador em proteger o consumidor da introdução na factura do contrato de fornecimento do serviço (no caso, a energia eléctrica) de custos acrescidos e sem correspondência com um encargo da entidade prestadora do serviço. È nesta lógica de protecção do consumidor que se insere a proibição da imposição e cobrança de consumos mínimos, a proibição de arredondamentos ou a proibição de cobrança aos utentes de quantias relativas ao uso de aparelhos de medição utilizados pelo prestador do serviço. Ora, a taxa de exploração das instalações eléctricas de 3.º grupo escapa ao âmbito de protecção da alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, por razões que se prendem com a sua génese legal, a sua qualificação, a sua autonomia em relação ao preço do serviço e as suas específicas afectação e destinação. Em primeiro lugar, foi criada pelo RTIE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, tendo as suas vigência e legalidade sido reafirmadas pelo artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto ([69]), já na vigência da regulamentação editada pela ERSE sobre tarifas e preços (referimo-nos ao Regulamento de Relações Comerciais e ao Regulamento Tarifário). O legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, terá considerado justificar-se a manutenção autónoma da taxa de exploração, no âmbito mas para além das contrapartidas resultantes para o Estado do próprio contrato de concessão. Neste sentido, não cremos que se possa dizer que existe duplicação entre a taxa de exploração e tarifas previstas na regulamentação publicada pela ERSE, designadamente a Tarifa de Uso da Rede de Transportes e as Tarifas de Uso das Redes de Distribuição previstas no Regulamento de Relações Comerciais [cf. artigo 187.º, n.º 3, alíneas b) e c)]. Em segundo lugar, a taxa de exploração corresponde a um encargo imposto pelo Estado, que obriga o operador da RND a proceder à sua cobrança aos comercializadores, que, por sua vez, a reflectem na facturação dos respectivos clientes. É conceptualmente uma taxa devida ao Estado – e aqui acompanhamos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2003 – pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada. Seria porventura mais consentâneo com a sua natureza, mesmo mais equitativo, que a taxa de exploração dependesse do consumo em vez de ter carácter fixo. Este aspecto de regime, contudo, não se nos afigura suficiente para a descaracterizar. Em terceiro lugar, a taxa de exploração constitui receita do Estado (ou dos municípios, se for caso disso) e, nesta medida não integra o preço do serviço, não é elemento do preço a pagar pelo utente/consumidor ao concessionário. A lei é muito clara quando autonomiza a taxa de exploração em relação ao preço do serviço e reduz o papel do operador da RND e comercializadores à mera cobrança da taxa de exploração e subsequente devolução dos montantes cobrados. Em quarto lugar, as receitas do Estado provenientes da cobrança das taxas têm uma afectação e destinação específicas: são afectas a um fundo de eficiência energética (artigo 68.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 172/2006). Por último, não será irrelevante lembrar que a cobrança coerciva proveniente da falta de pagamento das taxas faz-se através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão passada pela entidade que prestar os serviços (artigo 68.º, n.º 9, do mesmo diploma). Em suma, a taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo não se mostra abrangida pelas proibições contidas no artigo 8.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (na redacção da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro), designadamente pela da alínea c) do n.º 2; XI Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo constitui, nos termos da lei [artigos 3.º, alínea b), 7.º, 9.º, 19.º e 22.º do Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, e 68.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto], uma taxa devida ao Estado (ou, se for o caso, aos municípios) pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada; 2.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo não está abrangida pelas proibições contidas no artigo 8.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (na redacção da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro), designadamente pela da alínea c) do n.º 2; 3.ª – A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo deve, pois, ser cobrada pelo operador da Rede Nacional de Distribuição de Electricidade aos respectivos comercializadores, que a reflectem na facturação aos respectivos utentes ou consumidores (artigo 68.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 172/2006). VOTO DE VENCIDO (Maria Manuela Flores Ferreira) – votei vencida, em síntese, pelas razões que passo a expor e que, essencialmente, constavam das últimas partes do projecto de parecer que apresentei. 1. Analisando as questões que concretamente foram colocadas na consulta, relativamente à primeira pergunta sobre se o comercializador de energia eléctrica pode cobrar aos utentes/consumidores a taxa de exploração de instalações eléctricas, entenda-se, do 3.º grupo, devida ao Estado, por o tributo corresponder à disponibilização pelo Estado da sua rede eléctrica, através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada, poder-se-ia, de imediato, dizer que aquela disponibilização se faz através de concessão e, consequentemente, com as inerentes contrapartidas para o Estado. E, em particular, a Tarifa de Uso da Rede de Transporte deve proporcionar os proveitos da actividade de transporte de Energia Eléctrica que inclui o estabelecimento, operação e manutenção das redes de transporte e das interligações. Também as Tarifas de Uso das Redes de Distribuição devem proporcionar os proveitos das actividades reguladas de distribuição de energia. Mas analisemos mais detalhadamente a questão. Face à evolução no âmbito dos serviços públicos essenciais, não se pode hoje falar de uma relação administrativa entre a Administração Pública e o utente/consumidor, pertencendo os contratos celebrados com os utentes dos serviços públicos essenciais à categoria genérica dos contratos de consumo. E, naturalmente, a quantia paga, no caso, pelo fornecimento de energia eléctrica tem a natureza de preço. É certo que as taxas de exploração de instalações do 3.º grupo previstas no Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas (RTIE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/93, são devidas pelos utilizadores. E, de acordo com o n.º 2 do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 172/2006 (artigo que integra o capítulo VI “Disposições finais e transitórias”), as taxas de exploração previstas no RTIE para as instalações eléctricas do 3.º grupo são cobradas pelo operador da RND aos respectivos comercializadores, que as reflectem na facturação aos respectivos clientes. Mas, mesmo aceitando a natureza de taxa daquelas importâncias cobradas aos utentes/consumidores, elas hão-de funcionar como contrapartida, ainda que não totalmente proporcional, de uma prestação do Estado [70]. Se convocarmos aqui o enunciado da 2.ª questão que nos é colocada, seríamos tentados a dizer que se o Estado não presta qualquer serviço de fornecimento de energia eléctrica, então não se vê fundamento para a aplicação daquelas taxas. Porém, o que estará em causa é a disponibilização da rede eléctrica. Ora, a disponibilização das redes, como se sabe, é feita através de concessão, quer no que respeita ao transporte, quer no que respeita à distribuição, cabendo aos concessionários o pagamento das taxas respectivas. Assim, a taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo prevista em 1993, antes, portanto, do aprofundamento da liberalização do sector, parece, desde logo, não se mostrar adequadamente inserida no actual figurino do sector da electricidade, em que existe a separação entre as redes de transporte e de distribuição e os serviços, não prestando o Estado directamente os serviços, nem mesmo através de concessão – a taxa parece apresentar-se como um resquício da situação de monopólio do Estado no sector eléctrico. E, como se viu, nos preços das tarifas de venda a clientes finais são considerados os preços, designadamente, das Tarifas de Uso Global do Sistema, das Tarifas de Uso da Rede de Transporte e das Tarifas de Uso da Rede de Distribuição, que integram, aliás, as tarifas de acesso às redes[71]. Ou seja, haverá, porventura, sobreposição (naturalmente, parcial) na incidência da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo e das tarifas de acesso às redes. Mas mais, conquanto no Parecer se afirme que a taxa de exploração de instalações do 3º grupo constitui um encargo cometido à entidade prestadora do serviço, não se explica em que consiste a contraprestação atinente àquela taxa[72]. A nosso ver não colhe citar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2003 em apoio do sentido de que a taxa é devida ao Estado pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada, pois a taxa objecto de análise naquele aresto não foi a taxa de exploração de instalações do 3º grupo. Na situação ali apreciada estava em causa o pagamento de taxa de exploração de instalações eléctricas por um produtor de energia eléctrica. Logo, fora do campo de aplicação do diploma legal relativo aos serviços públicos essenciais, que tem em vista o consumidor (e, de todo o modo, antes da alteração efectuada pela Lei n.º12/2008). 2. Neste momento e estando em causa «o enquadramento da cobrança da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo, prevista no Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, atenta a recente entrada em vigor da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, que procedeu à alteração da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho», afigura-se-nos evidente que a resposta às duas primeiras questões elencadas na consulta tem de ser uma só. Isto é, impõe-se também considerar se «é legítimo concluir que o tributo devido pela disponibilização pelo Estado do Sistema Eléctrico Nacional não se encontra abrangido nesta Lei [Lei n.º 23/96, com a redacção dada pela Lei n.º 12/2008], dado o Estado não prestar qualquer serviço de fornecimento de energia eléctrica». Relembrando a Lei n.º 23/96, após a redacção dada pela Lei n.º 12/2008, temos que o seu objecto é o estabelecimento de regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente[73] e que se considera prestador dos serviços por ela abrangidos toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não do contrato de concessão[74]. Assim, quando se fala em serviço de fornecimento de energia eléctrica não poderá deixar de se atender a todas as actividades atinentes ao serviço de electricidade e que se traduzem na produção, transporte, distribuição e comercialização, obviamente na perspectiva do consumidor – o cliente final de electricidade. O que, aliás, como acabámos de recordar, se reflecte na tarifa de venda a clientes finais. E frise-se ainda que o utente apenas celebra um contrato, diferentemente do que acontece no caso francês em que apenas se prevê a possibilidade de os consumidores domésticos fazerem um contrato único de fornecimento e de distribuição de electricidade[75]. São os comercializadores de electricidade que se relacionam comercialmente com os operadores das redes às quais estão ligadas as instalações dos seus clientes, assumindo a responsabilidade pela pagamento das tarifas de uso das redes e outros serviços[76]. E são os comercializadores que cobram aos respectivos clientes as taxas de exploração previstas no RTIE para as instalações eléctricas do 3.º grupo. Estas taxas, para além de colocarem em causa o princípio da transparência no cálculo e na fixação das tarifas consagrado no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, bem como a regra de preços justos e transparentes estabelecida na Directiva 2003/54/CE[77], suscitam a questão, ínsita na consulta, da sua proibição, face ao estabelecido no artigo 8.º da Lei n.º 23/96, na redacção dada pela Lei n.º 12/2008. Com efeito, como resulta do que temos vindo a dizer, a taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo prevista no Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas apresenta-se como uma taxa de ligação/disponibilidade. Ora, por um lado, não se vê fundamento para a sua autonomização relativamente à Tarifa de acesso às redes. E, por outro lado, sendo o seu valor fixo (cfr. artigo 6.º da Portaria n.º 311/2002), também não se vê a correspondência a uma contraprestação efectiva. Aliás, aqui, como no caso do uso de contador, a ligação/disponibilidade é inerente ao exercício da actividade. E o carácter fixo da taxa afigura-se-nos, na economia do parecer, de particular relevância. A proibição de consumos mínimos tal como se encontra actualmente consagrada na lei obsta à consideração de taxas fixas e permanentes. O legislador em 2008 procurou precisamente densificar o conceito de consumo mínimo através da introdução dos n.os 2 e 3 do artigo 8.º da Lei n.º 23/96[78]. Da nova redacção do artigo 8.º da Lei n.º 23/96 fica claro que deve ser pago o que se consome, na exacta medida em que se consome – tem de haver correspondência entre o serviço prestado e o preço[79]. Portanto, se não houver consumo de energia eléctrica não pode ser imposto ao consumidor o pagamento de uma taxa[80]. Acresce que a taxa em apreciação não foi ressalvada no n.º 3 daquele artigo, que estabeleceu não constituírem consumos mínimos as taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos, nos termos do regime legal aplicável. Acrescenta-se, ainda, que, de todo o modo, no presente caso, não se verificará fundamento para idêntica ressalva. Assim, a taxa de exploração das instalações do 3.º grupo, com o valor mensal estabelecido, actualmente, no artigo 6.º da Portaria 311/2002, encontra-se abrangida pela proibição do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, na redacção dada pela Lei n.º 12/2008. A tal não se poderá contrapor que o legislador terá considerado justificar-se a manutenção autónoma da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3º grupo. Desde logo, porque o RTIE foi aprovado em 1993, posteriormente apenas houve ajustamentos relativos aos valores da taxa, e mesmo o artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, que, saliente-se, se insere nas disposições finais e transitórias, apenas se reporta à sua cobrança. E, de todo o modo, mesmo que se aceitasse a intenção do legislador, em 2006, de manter aquela taxa, hoje, face à Lei n.º 12/2008, parece-nos que a eventual reafirmação não pode subsistir. 3. Perguntava-se-nos, finalmente, na consulta, se «considerando o disposto na alínea c), número 2, do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, com a redacção introduzida pela Lei n.º 12/2008, e aceitando o principio que este tributo se destina a compensar o Estado pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas (rede eléctrica, planeamento, licenciamento, regulação, etc.) e que sem tal disponibilização seria inviabilizada a prestação de serviços pelo comercializador de energia eléctrica, será legitimo concluir que tal tributo efectivamente onera o prestador de serviços, constituindo uma contrapartida para o Estado resultante do respectivo contrato de concessão podendo, em consequência, ser repercutida no cálculo global da tarifa eléctrica a cobrar no utente/consumidor». Do que vimos de dizer, a taxa em apreço, tal como se apresenta, e considerando, precisamente, o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 23/96, na redacção dada pela Lei n.º 12/2008, não pode ser repercutida no cálculo global da tarifa eléctrica. É claro que situação diferente será a de nas concessões de transporte e de distribuição não estarem a ser atendidos custos que o devessem ser, implicando eventual reponderação. Não se dispõe, porém, de elementos que permitam fazer essa apreciação, que sempre seria de natureza técnica, não estando, por conseguinte, no âmbito deste Conselho Consultivo. 4. Em suma, entendo que a taxa de exploração das instalações do 3.º grupo, tal como se apresenta fixada no artigo 6.º da Portaria n.º 311/2002, de 22 de Março, com um valor fixo mensal, reveste a natureza de uma taxa fixa e permanente, sem correspondência numa contraprestação efectiva, o que implica a imposição e a cobrança de um consumo mínimo proibido pelo artigo 8.º, nos 1 e 2, alínea c), da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro. E, consequentemente, após a entrada em vigor da Lei n.º 12/2008, não deve ser cobrada a taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.º grupo aos utentes/consumidores. ([1]) Ofício n.º 2327, de 11 de Julho de 2008, com entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 14 do mesmo mês. Por vencimento da Relatora inicial, o processo foi redistribuído na sessão do Conselho Consultivo de 16 de Janeiro de 2009. A reformulação do parecer, como por regra sucede nestas circunstâncias, é tributária da investigação constante do projecto primitivo. ([2]) Pedro Gonçalves/Licínio Lopes Martins, “Os Serviços Públicos Económicos e a Concessão no Estado Regulador”, Estudos de Regulação Pública – I, Coimbra Editora, 2004, pp. 173 e ss. ([3]) Ao invés do que aconteceu nos Estados Unidos da América, onde se instituíram os “monopólios privados regulados”, no sector das public utilities. ([4]) Pedro Gonçalves/Licínio Lopes Martins, loc. cit., p. 178. ([5]) Que implicou não apenas o desmantelamento de certos monopólios públicos, como também a eliminação de condicionamentos administrativos de vária ordem. ([6]) V. a Lei n.º 88-A/97, de 25 de Julho. ([7]) Cf. Maria João Estorninho, “Concessão de serviços públicos – que futuro?”, Direito e Justiça, volume especial, 2005, p. 22. ([8]) V., do Conselho Consultivo, os Pareceres n.os 66/2005, de 30 de Junho de 2005 (Diário da República, II série, n.º 167, de 31 de Agosto de 2005), e 126/2005, de 11 de Maio de 2006 (Diário da República, II série, n.º 51, de 13 de Março de 2007). ([9]) Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 502/76. ([10]) Decreto-Lei n.º 20/81, de 28 de Janeiro, e Lei n.º 21/82, de 28 de Julho. ([11]) O Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, devolveu aos municípios o direito de distribuição de energia eléctrica de baixa tensão. ([12]) Cf. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 99/91. ([13]) Os Decretos-Leis n.os 182/95, 183/95, 184/95, 185/95 e 186/95 foram alterados pelo Decreto-Lei n.º 56/97, de 14 de Março, que também revogou o Decreto-Lei n.º 188/95. O Decreto-Lei n.º 182/95 foi ainda alterado pelos Decretos-Leis n.os 24/99, de 28 de Janeiro, 198/2000, de 24 de Agosto, 69/2000, de 25 de Março, 85/2002, de 6 de Abril; e, mais recentemente, aquele diploma legal foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro. O Decreto-Lei n.º 187/95 foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 44/97, de 20 de Fevereiro. O Decreto-Lei n.º 183/95 sofreu alterações sucessivas pelos Decretos-Leis n.os 198/2000 e 153/2004, de 30 de Julho. ([14]) Jornal Oficial, n.º 27, de 30 de Janeiro de 1997. ([15]) Dos considerandos preambulares da referida Directiva. ([16]) Jornal Oficial (JO), n.º 176, de 15 de Julho de 2003. Essa Directiva foi alterada pelas Directivas n.os 2004/85/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 2004, e 2008/3/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro de 2008, apenas quanto à aplicação de certas disposições à Estónia (JO, n.º 236, de 7 de Julho de 2004, e JO, n.º 17, de 22 de Janeiro de 2008, respectivamente). ([17]) Cf. considerandos preambulares da citada Directiva. ([18]) Este último rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 1-A/2005, de 17 de Janeiro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 199/2007, de 18 de Maio, e 264/2007, de 24 de Julho. ([19]) Pertencem ao preâmbulo do Decreto-Lei n.º 29/2006 os trechos ora citados. ([20]) Cf. o Decreto-Lei n.º 97/2002, de 12 de Abril, que transformou a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico, criada pelo Decreto-Lei n.º 187/95, de 27 de Julho, na Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, conservando a sigla ERSE, e aprovou os seus estatutos. ([21]) A sigla RND significa Rede Nacional de Distribuição de Electricidade (artigo 2.º, alínea ccc), do Decreto-Lei n.º 172/2006). ([22]) V. Mário Frota, “Os Serviços de interesse geral e o princípio fundamental da protecção dos interesses económicos do consumidor”, Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 46, Junho 2006, pp. 113 e ss. ([23]) V. Carlos Ferreira de Almeida, “Serviços Públicos, Contratos Privados”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Volume II, Almedina, p. 118. ([24]) “Regulação Económica, Concorrência e Serviços de Interesse Geral”, Estudos de Regulação Pública – I, Coimbra Editora, 2004, p. 550. ([25]) Ibidem, pp. 551-552. ([26]) Loc. cit. , p. 198. ([27]) Loc. cit., pp. 296-297. ([28]) Loc. cit., pp. 204 e ss. ([29]) «m) proteger o consumidor, designadamente através do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores». ([30]) «i) Garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores». ([31]) Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro. ([32]) Integrava o título VI (Comércio e protecção do consumidor) da parte II (Organização económica). ([33]) Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho. ([34]) Proveniente da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro. ([35]) Revogou a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, procurando uma melhor adequação às novas realidades política, económica, social e legal (cf. Proposta de Lei n.º 17/VII/1, Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 29, de 21 de Março de 1996). ([36]) O princípio da boa fé merece referência autónoma no artigo 6.º do Anteprojecto do Código do Consumidor (edição do Instituto do Consumidor, Março de 2006). ([37]) Alterada pelas Leis n.os 12/2008, de 26 de Fevereiro, e 24/2008, de 2 de Junho. ([38]) Redacção da Lei n.º 12/2008. ([39]) “A Protecção do Consumidor de Serviços Públicos Essenciais”, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 2, Coimbra, 2000, pp. 342-343. ([40]) Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 115, de 1 de Junho de 2006. ([41]) Diário da Assembleia da República (DAR), I série, n.º 60, de 16 de Março de 2007, p. 12. ([42]) DAR, I série, n.º 60, de 1 de Junho de 2006, p. 13. ([43]) DAR, I série, n.º 60, de 1 de Junho de 2006, p. 14. ([44]) DAR, I série, n.º 60, de 1 de Junho de 2006, p. 18. ([45]) “Serviços Públicos, Contratos Privados”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Almedina, 2002, p. 136. ([46]) “O anteprojecto de Código do Consumidor”, O Direito, Almedina, 2006, p. 715 ([47]) Pronunciou-se, aliás, pela supressão do artigo (ibidem). ([48]) “Serviços públicos essenciais: alterações à Lei n.º 23/96 pelas Leis n.os 12/2008 e 24/2008”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 137.º Ano, n.º 3948, p. 165. ([49]) O 1.º grupo refere-se às instalações eléctricas de abastecimento público e o 2.º grupo às instalações eléctricas de serviço particular de 1.ª, 2.ª e 4.ª categorias [alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 7.º do RTIE]. ([50]) Diário da República, II série, n.º 167, de 31 de Agosto de 2005. ([51]) Despacho n.º 17744-A/2007, da ERSE (Diário da República, II série, n.º 154, de 10 de Agosto de 2007). ([52]) Diário da República, II série, n.º 107, de 4 de Junho de 2008. O Regulamento de Relações Comerciais foi alterado pelo Despacho n.º 22393/2008 da ERSE (Diário da República, II série, n.º 167, de 29 de Agosto de 2008), despacho que alterou também o Regulamento Tarifário. ([53]) Aprovado pelo Despacho n.º 18993-A/2005 (Diário da República, II série, n.º 167, 1.º Suplemento, de 31 de Agosto de 2005), e alterado pelo Despacho n.º 14785-A/2006 (DR, II série, n.º 132, 1.º Suplemento, de 11 de Julho de 2006), bem como pelos Despachos n.os 17744-A/2007 (DR, II série, n.º 154, 2.º Suplemento, de 10 de Outubro de 2007), 22393/2008 (DR, II série, n.º 167, 1.º Suplemento, de 29 de Agosto de 2008), e, muito recentemente, 58/2009 (DR, II Série, de 2 de Janeiro de 2009), que o republicaram. ([54]) É o seguinte o teor do artigo em referência: «Artículo 18. Tarifas de último recurso. 1. Las tarifas de último recurso, que serán únicas en todo el territorio nacional, serán los precios máximos que podrán cobrar los comercializadores que, de acuerdo con lo previsto en el apartado f) del artículo 9, asuman las obligaciones de suministro de último recurso, a los consumidores que, de acuerdo con la normativa vigente para estas tarifas, se acojan a las mismas. Estas tarifas de último recurso se fijarán de forma que en su cálculo se respete el principio de suficiencia de ingresos y no ocasionen distorsiones de la competencia en el mercado. 2. Las tarifas de último recurso tendrán en cuenta las especialidades que correspondan. Para su cálculo, se incluirán de forma aditiva en su estructura los siguientes conceptos: a) El coste de producción de energía eléctrica, que se determinará atendiendo al precio medio previsto del kilovatio hora en el mercado de producción durante el período que reglamentariamente se determine y que será revisable de forma independiente. b) Los peajes de acceso que correspondan. c) Los costes de comercialización que correspondan. 3. El Gobierno establecerá la metodología de cálculo de las tarifas de último recurso. El Ministro de Industria, Turismo y Comercio, mediante Orden ministerial, previo Acuerdo de la Comisión Delegada del Gobierno para Asuntos Económicos, dictará las disposiciones necesarias para el establecimiento de estas tarifas de último recurso. 4. Las tarifas de último recurso para cada categoria de consumo no incluirán ningún tipo de impuestos que sean de aplicación. 5. En caso de que las actividades eléctricas fueran gravadas con tributos de carácter autonómico o local, cuya cuota se obtuviera mediante reglas no uniformes para el conjunto del territorio nacional, a la tarifa de último recurso se le podrá incluir un suplemento territorial, que podrá ser diferente en cada Comunidad Autónoma o entidad local. 6. Con el fin de que exista la mayor transparência en los precios del suministro de energía eléctrica, se desglosarán en la facturación al usuario, en la forma que reglamentariamente se determine, al menos los importes correspondientes a la imputación de los costes de diversificación y seguridad de garantía de abastecimiento y permanentes del sistema y los tributos que graven el consumo de electricidad, así como los suplementos territoriales cuando correspondan.» ([55]) Versão consolidada em 15 de Novembro de 2008. ([56]) «VIII – Dans les conditions fixées par l'article L 121-92 du code de la consommation, les consommateurs domestiques ont la possibilité de conclure un contrat unique portant sur la fourniture et la distribution d'électricité.» ([57]) Dispõe: «Article L 121-92 Le fournisseur est tenu d'offrir au client la possibilité de conclure avec lui un contrat unique portant sur la fourniture et la distribution d'électricité ou de gaz naturel. Ce contrat reproduit en annexe les clauses réglant les relations entre le fournisseur et le gestionnaire de réseau, notamment les clauses précisant les responsabilités respectives de ces opérateurs. Outre la prestation d'accès aux réseaux, le consommateur peut, dans le cadre du contrat unique, demander à bénéficier de toutes les prestations techniques proposées par le gestionnaire du réseau. Le fournisseur ne peut facturer au consommateur d'autres frais que ceux que le gestionnaire du réseau lui a imputés au titre d'une prestation.» ([58]) Cf. o estabelecido no artigo L 233-3 do Code général des collectivités territoriales (red. da Lei n.° 2006-1537, de 7 de Dezembro de 2006): «Article L 233-3 La taxe est due par les consommateurs finaux pour les quantités d'électricité livrées sur le territoire de la commune, à l'exception de celles qui concernent l'éclairage de la voirie nationale, départementale, intercommunale et communale et de ses dépendances. Elle est assise: 1.° Sur 80% du montant total hors taxes des factures acquittées par un consommateur final, qu'elles portent sur la fourniture, l'acheminement ou sur ces deux prestations, lorsque l'électricité est livrée sous une puissance souscrite inférieure ou égale à 36 kVA; 2.° Et sur 30% de ce montant lorsque l'électricité est livrée sous une puissance souscrite supérieure à 36 kVA et inférieure ou égale à 250 kVA. La puissance souscrite prise en compte est celle qui figure: – dans le contrat de fourniture d'un consommateur bénéficiant des tarifs réglementés de vente d'électricité mentionnés à l'article 4 de la loi n° 2000-108 du 10 février 2000 relative à la modernisation et au développement du service public de l'électricité; – ou dans le contrat d'accès au réseau conclu par un consommateur qui a exercé les droits mentionnés à l'article 22 de la même loi; – ou dans le contrat conclu par le fournisseur, pour le compte d'un consommateur, en application de l'article 23 de la même loi. Lorsque l'électricité est livrée sur plusieurs points de livraison situés sur plusieurs communes et fait l'objet d'une facturation globale par un fournisseur, la facture est répartie, pour le calcul de la taxe, au prorata de la consommation de chaque point de livraison.» ([59]) A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1999, pp. 319-320 (omitimos as notas). ([60]) Pedro Gonçalves/Licínio Lopes Martins, “Os Serviços Públicos Económicos e a Concessão no Estado Regulador”, Estudos de Regulação Pública – I, 2004, cit., pp. 293-‑294. ([61]) Apêndice ao Diário da República, de 15 de Julho de 2004, pp. 1485-1489. ([62]) Curso de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1970, pp. 10 e 11. ([63]) Manual de Direito Fiscal, F.D.L., Lisboa, 1974, pp. 42 e 43. ([64]) Também o Conselho Consultivo acolheu, em momentos anteriores, essa caracterização das espécies de tributos em presença – v. os Pareceres n.os 64/80, de 28 de Agosto de 1980 (Diário da República, II série, de 7 de Agosto de 1981), 6/2001, de 30 de Janeiro de 2003 (inédito), e 59/2003, de 12 de Fevereiro de 2004 (Diário da República, II série, n.º 106, de 6 de Maio de 2004), de onde retirámos a súmula precedente e onde se encontram referências actualizadas à doutrina sobre esta matéria (ponto II, 1, 2 e 2.1). ([65]) António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.ª edição, 7.ª reimpressão, Almedina, p. 68. ([66]) Não temos notícia de que a matéria tivesse chegado a ser apreciada pelo Tribunal Constitucional. ([67]) V. Ferreira de Almeida, loc. cit., pp. 122 e ss., e Pedro Gonçalves/Licínio Lopes Martins, “Os Serviços Públicos Económicos…”, cit., pp. 290 e ss. ([68]) Proíbe a cobrança de qualquer outra taxa não subsumível às alíneas anteriores que seja contrapartida de alteração das condições de prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor. ([69]) Note-se que este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 23/2009, de 20 de Janeiro – depois, portanto, das alterações da Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, à Lei n.º 23/96, de 26 de Julho – sem que o legislador tivesse sentido necessidade de alargar as alterações à taxa de exploração. [70] «A taxa é uma prestação tributária (ou tributo) que pressupõe, ou dá origem a, uma contraprestação específica», como refere ANTÓNIO L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.ª edição, 7.º reimpressão, Almedina, pág. 63, que acrescenta mais à frente (pág. 68) «os critérios de fixação das taxas assentam nas seguintes ideias basilares; a) facilitar ou dificultar o acesso aos serviços públicos (custas judiciais), segundo um critério puramente político; b) proceder à justa distribuição dos encargos públicos». [71] Cfr. fls. 30 e 31 do Parecer. [72] O que é indispensável para se falar em taxa. Caso contrário, não se verificando o carácter bilateral ou sinalagmático, estaremos, sim, perante um imposto. [73] Cfr. n.º 1 do artigo 1.º. [74] Cfr. n.º 4 do artigo 1.º. [75] Cfr. fls.33 do Parecer. [76] Artigo 44.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 29/2006. [77] Nos termos do n.º 3 do artigo 3.º, com a epígrafe “Obrigações de serviço público e protecção dos consumidores”, «[o]s Estados-Membros devem garantir que todos os clientes domésticos e, nos casos em que o considerem adequado, as pequenas empresas, entendidas como empresas com menos de 50 trabalhadores e um volume de negócios ou um balanço anual não superior a 10 milhões de EUR, beneficiem de um serviço universal, ou seja, do direito de serem abastecidos, a preços razoáveis, fácil e claramente comprováveis e transparentes, de electricidade de uma qualidade específica no seu território. Para garantir a existência de um serviço universal, os Estados-Membros podem designar um fornecedor de último recurso. Os Estados-Membros devem impor às empresas de distribuição a obrigação de ligarem os clientes às respectivas redes, de acordo com condições e tarifas estabelecidas em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º. A presente directiva não contém qualquer disposição que impeça os Estados-Membros de reforçar a posição de mercado dos consumidores domésticos, pequenos e médios mediante a promoção das possibilidades de associação voluntária dos representantes desta classe de consumidores». E o n.º 2 do artigo 23.º da Directiva estabelece: «2. As entidades reguladoras são responsáveis por fixar ou aprovar, antes da sua entrada em vigor, pelo menos as metodologias a utilizar para calcular ou estabelecer as condições de: a) Ligação e acesso às redes nacionais, incluindo as tarifas de transporte e distribuição. Estas tarifas ou metodologias devem permitir que os investimentos necessários nas redes sejam realizados de molde a garantir a sua viabilidade; b) Prestação de serviços de compensação». [78] Vide, a este propósito, CALVÃO DA SILVA, “Serviços públicos essenciais: alterações à Lei n.º 23/96 pelas Leis n.os 12/2008 e 24/2008”, em Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 137, n.º 3948, pág.172. [79] Aliás, tal vai também ao encontro do estabelecido no regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores e que visava, nos termos do seu artigo 1.º, «a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros, relativas às práticas comerciais desleais que lesem os interesses económicos dos consumidores, contribuindo para o funcionamento correcto do mercado interno e para alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores». E, no âmbito da presente consulta, interessa-nos particularmente a alínea q) do artigo 8.º, pois considera-se enganosa a prática comercial de fazer o arredondamento em alta, além do preço e da duração temporal, de outro factor, directa ou indirectamente, relacionado com o fornecimento do bem ou com a prestação do serviço que não tenha uma correspondência exacta e directa no gasto ou utilização efectivos realizados pelo consumidor e que conduza ao aumento do preço a pagar por ele. Podemos, com efeito, entender aqui “o outro factor” relacionado com o fornecimento do serviço público como uma taxa – será o caso da “taxa de exploração”, no sector da electricidade – sem correspondência exacta e directa no consumo efectivo realizado pelo consumidor e que conduz ao aumento do preço a pagar por ele. [80] Lembre-se o caso francês, em que as taxas, cuja incidência está devidamente clarificada, dependem do consumo efectuado (cfr. fls. 34 do Parecer). |