Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0325347
Nº Convencional: JTRP00036725
Relator: ALZIRO CARDOSO
Descritores: UNIÃO DE FACTO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RP200402190325347
Data do Acordão: 02/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A união de facto dissolve-se por vontade de um dos seus membros não tendo, em regra, de ser declarado judicialmente.
II - Interposta a acção nessas circunstancias, existirá falta de "interesse em agir".
III - Na união de facto não há "bens comuns" sujeitos a partilha finda a união.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – RELATÓRIO
António..... instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra Maria....., pedindo que seja declarada a “dissolução da união de facto” existente entre ambos e a condenação da Ré a pagar ao Autor o valor correspondente à sua meação à data da separação, nos bens que identifica, ou a proceder à entrega dos bens que ainda for possível entregar, de modo a preencher a sua meação
Fundamentou o pedido invocando a existência de uma “união de facto/economia comum”, já cessada, entre Autor e Ré, alegando que no período de vivência do casal em comum foi adquirindo bens móveis e imóveis que “constituem património comum do casal”, tendo direito à sua meação naqueles bens.

Citada, a Ré contestou, negando a existência da alegada união de facto ou de uma “comunhão patrimonial” sobre os bens descritos, concluindo pela improcedência da acção.
Para o caso de ser julgada procedente pediu, em reconvenção, a condenação do autor a entrar para o património a partilhar, com o valor do apartamento, dos veículos e estabelecimento a que se referem os artigos 32º, 36º, 38º, 40º, 41º e 43º da contestação e ainda os montantes existentes em todas as contas bancárias do autor, individuais ou conjuntas.

O Autor replicou respondendo a pretensa defesa por excepção da Ré e à matéria da reconvenção, pugnando pela improcedência desta.

Teve lugar uma audiência preliminar, tendo o Autor, convidado a pronunciar-se sobre “o eventual erro na utilização deste processo para um pedido de declaração judicial de cessação de união de facto”, reiterado a posição assumida na petição inicial.

No saneador foi a Ré absolvida da instância quanto ao pedido de declaração judicial de dissolução da união de facto, por se ter considerado verificada a excepção dilatória atípica de falta de interesse em agir e, na restante parte, absolveu-se a Ré do pedido.

Inconformado o Autor interpôs o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1- O Autor ao formular o pedido de declaração de dissolução da união de facto não o fundamentou numa dissolução ocorrida por acordo das partes, sendo que resulta da alegação das partes que não aconteceu por acordo, pelo que está por apurar se ocorreu alguma das causas de dissolução previstas no artigo 8º da Lei n. 7/2001 de 11 de Maio. Perante a dúvida formal da necessidade daquele pedido que não da sua impossibilidade, o Autor formulou-o;
2- Perante a dúvida formal se os pedidos subsequentemente formulados eram direitos dependentes daquela declaração judicial deve atender-se a tal pedido;
3- Não existe acordo quanto à dissolução da união de facto e, não resulta da letra ou da interpretação do n.º 2 do artigo 8º, que aquela declaração de dissolução se refira restritivamente ao direito previsto no n.º 3 do art.º 4º da mesma Lei n.º 7/2001 porque refere expressamente “ fazer valer direitos da mesma dependentes”;
4- Podendo concluir-se do interesse em agir do Autor e da improcedência da excepção dilatória atípica com aquele fundamento, assim como deve improceder a conclusão de aquele pedido de declaração poder e dever ser formulado numa acção autónoma de simples apreciação onde aquela excepção relevaria. Entende-se que, num tipo de acção assim proposta é que relevaria a falta daquele pressuposto processual;
5- Não respondendo à terceira e última pergunta que formulou no douto despacho recorrido, o Ex.mo Juiz do Tribunal “a quo” sobre qual o direito que o Autor pretendia ver assegurado, não pôde avaliar aquela pretensão à luz de outras soluções, expandidas acima, nem da consonância da pretensão do Autor com a pretensão da Ré, que são iguais e que determinariam a procedência daqueles pedidos;
6- Pese a linguagem e conceitos de partilha utilizados quer pelo Autor quer pela Ré não foi seguida a forma especial para a partilha prevista pelo que,
7- Deveria determinar-se a procedência da acção na forma declarativa escolhida mas configurada como uma acção de divisão de coisa comum ou de enriquecimento sem causa, dependentes do pedido de dissolução da união de facto por causa unilateral, convidando-se as partes a suprir as deficiências nos termos prescritos na alínea c) do n.º 1, do artigo 508º do CPC;
8- Ao decidir-se de mérito, nesta fase processual, quer quanto ao primeiro pedido formulado por invocação de uma excepção dilatória atípica quer quanto aos restantes pedidos por o estado do processo o não permitir e tratar-se não só de uma questão de direito mas também de uma questão de facto, da primeira indissociável, há excesso de pronuncia nos termos do artigo 668º n.º 1 alínea d), 2ª parte e da alínea e) conjugada com o artigo 661º, todos do Código de Processo Civil, o que conduz à nulidade do douto despacho saneador;
9- Existe igualmente nulidade do douto despacho saneador recorrido, por falta de especificação dos fundamentos de direito e de facto como seja a especificação de qual o direito que o Autor e Ré pretendem ver assegurado por meio daquela acção judicial;
10- O douto Tribunal não teve em consideração a doutrina e jurisprudência transcrita nem a vontade das partes que, na ausência da Lei, deveria relevar, aplicando-se de entre outros preceitos legais, os enunciados, os que melhor garantissem aquela vontade sem com isso violar o espírito da Lei que, no tocante às relações invocadas, não existia, nem existe;

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

A Ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II- Apreciação do mérito do recurso

Cumpre antes de mais apreciar a arguida nulidade da decisão recorrida por alegado excesso de pronuncia.
Dispõe o artigo 668º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta nulidade está em correlação com a segunda parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo diploma, que proíbe ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Há, pois, que indagar sobre o que deve entender-se por questões suscitadas pelas partes.
A este propósito, são actuais os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis quando escreveu: “... para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que assentam. Por outras palavras: além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir) ... também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
Por outro lado, prescreve o art.º 664º do CPC que “ o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º”.
Quer dizer, exceptuados os factos notórios, os factos de conhecimento oficial do tribunal e os factos indiciadores de uso anormal do processo, o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na acção, alegados pelas partes, seja qual for a natureza e o tipo de acção, podendo a invocação ser feita não só explicita, mas também implicitamente.
Mas já para a matéria de direito, tanto na sua determinação, como na interpretação e na aplicação, o juiz não está sujeito às alegações das partes, sendo totalmente livre. Isto significa, além do mais, que não se encontra adstrito à qualificação jurídica dos factos efectuada pelas partes.
Cabe-lhe proclamar os efeitos e declarar as consequências jurídicas que entender legitimas e não as que qualquer das partes se permita reclamar.
Ora, tendo em atenção o que se deixou dito, facilmente se conclui que a decisão recorrida não enferma da nulidade que lhe é apontada pelo recorrente.
O M.º Juiz “a quo” julgou verificada a excepção dilatória da falta de interesse processual quanto ao pedido de declaração de dissolução da união de facto, excepção de que lhe competia conhecer oficiosamente.
Pugna o recorrente pela não verificação da apontada excepção. Mas, ainda que lhe assistisse razão, aquele vicio não inclui o chamado erro de julgamento, pois respeita tão somente aos limites da decisão (cfr. A. Varela, Ob. Cit., págs. 670 e 686).
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Defende ainda o recorrente que sendo a questão a decidir de facto e de direito, não havia elementos suficientes para o conhecimento do mérito da causa no saneador.
Mas também sem razão, sendo certo que ainda que o estado da causa não permitisse o conhecimento de mérito no saneador, a situação não configuraria a apontada nulidade.
Mas nem sequer procede o argumento de que o estado do processo não permitia conhecer imediatamente do mérito da causa.
De acordo com o artigo 510º n.º 1, al. b) do CPC deve, no despacho saneador, conhecer-se imediatamente do mérito da causa “ sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.
Este conhecimento pressupõe que se trate apenas de questões de direito ou, sendo também de facto, que os mesmos estejam já provados por confissão, acordo das partes ou por documentos.
Existindo matéria de facto alegada que se mostre controvertida e que possa plausivelmente justificar diverso tratamento jurídico, não pode conhecer-se do mérito da causa no despacho saneador.
É que, o artigo 511º n.º 1 do CPC manda o juiz seleccionar a “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”, organizando a base instrutória.
Porém, no caso dos autos, como adiante se verá, ainda que viessem a provar-se os factos alegados pelo Autor sempre improcederia o pedido de reconhecimento de uma “comunhão patrimonial” emergente de uma “união de facto” e de condenação da Ré no pagamento do valor correspondente à “meação” do Autor ou, na entrega de bens de modo a “preencher aquela meação”.
A matéria de facto articulada pelo Autor, mesmo quando provada, nunca conduziria à procedência do pedido.
Tão pouco ocorre a apontada falta de especificação dos fundamentos em que se baseou a decisão recorrida.
Aliás, o apelante embora invoque a apontada falta, o que alega é uma suposta omissão de indicação do direito que o Autor pretende fazer valer através da presente acção. Porém, a individualização da pretensão deduzida na acção cabe ao autor, a quem incumbe indicar o pedido e não ao tribunal. Em qualquer caso sempre se dirá que a decisão recorrida indica a pretensão que o autor pretende fazer valer através da presente acção - reconhecimento de uma “comunhão patrimonial” emergente de uma “união de facto” e condenação da Ré no pagamento do valor correspondente à “meação” do Autor – concluindo, a nosso ver bem, pela sua improcedência.
Improcede, pois, a arguida nulidade da decisão recorrida.
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Defende ainda o apelante que não se verifica a excepção dilatória da falta de interesse processual quanto ao pedido de declaração de dissolução da união de facto.
Vejamos:
O interesse processual, ou interesse em agir, não está expressamente consagrado na nossa lei processual civil, ao contrário do que sucede, por exemplo, nas legislações italiana e germânica.
Não obstante, tanto a jurisprudência (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 10-12-85, BMJ n.º 352, p. 291 e de 8-3-01, in www.dgsi.pt/stj) como a doutrina nacionais têm entendido que se trata de um pressuposto ou duma condição da acção, que se traduz “na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” (Antunes varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit. p. 179). “Consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legitima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece” (Cfr. Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 79 e 80).
Tem andado associado, por vezes confundido, com o pressuposto da legitimidade processual. Mas são conceitos diferentes. Pelo interesse em agir, determinam-se as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, ao passo que pela legitimidade se define qual o sujeito que pode ser parte activa ou passiva numa acção.
Não havendo necessidade de demandar, não estando a parte carecida de intervenção do tribunal, pode ter legitimidade processual para discutir a questão, mas falta-lhe o interesse processual e, sendo este um pressuposto processual inominado, estará vedado ao juiz o conhecimento do mérito (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, vol. II, pág. 253/254).
Aderimos à orientação doutrinária que autonomiza o interesse em agir como pressuposto processual inominado conduzindo a sua falta à absolvição da instância.
No caso dos autos, ao contrário do que defende o apelante, este não tem necessidade da intervenção do tribunal quanto à pretendida declaração de dissolução da união de facto.
Como decorre do disposto no artigo no artigo 8º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 7/2001, a união de facto dissolve-se por vontade de um dos seus membros que, em regra, não tem de ser declarada judicialmente.
A dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros “...apenas terá de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma dependentes, a proferir na acção onde os direitos reclamados são exercidos, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado”.
Os únicos direitos que a lei faz depender da declaração judicial de dissolução da união de facto é o da constituição de um direito ao arrendamento (art.º 1793º) ou de transmissão do direito de arrendamento para o não arrendatário (artigo 84º n.º 2, do RAU) – cfr. artigo 4º, n.º 4, da Lei n.º 7/2001.
Não havendo, como é o caso dos autos, direitos dependentes da declaração judicial da dissolução da união de facto, esta ocorre por simples vontade de um dos seus membros.
Aliás, apesar de manifestar a sua discordância quanto ao entendimento perfilhado na decisão recorrida, o apelante não aponta, em concreto, qualquer direito dependente da declaração judicial de dissolução da união de facto que pretenda fazer valer através da presente acção.
Sendo certo que, como adiante de verá, a ter algum direito relativamente aos bens que identifica na petição inicial, o mesmo não depende da declaração judicial da dissolução da união de facto, podendo apenas basear-se no instituto do enriquecimento sem causa ou na existência de uma situação de compropriedade.
Falta, pois, o interesse processual do apelante, quanto ao pedido de declaração de dissolução da união de facto.
E nada obstava ao conhecimento daquela questão processual porquanto se trata de uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artºs 493.º n.º 2, 495º, 660º, 664º e 713º n.º 2, todos do CPC).
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A pretensão deduzida na petição inicial, traduz-se no pedido de reconhecimento da existência de uma “comunhão patrimonial” emergente de uma união de facto, pretendendo o Autor, em face da alegada impossibilidade de obter a partilha dos “bens do casal” por terem sido vendidos pela Ré, obter a condenação desta no pagamento do valor correspondente à sua “meação”, ou na entrega dos bens que ainda for possível entregar ao Autor de modo a preencher a sua meação.
Defende o Autor que devem ser consideradas aplicáveis à união de facto, por interpretação extensiva ou por analogia, as disposições sobre os efeitos patrimoniais do casamento, nomeadamente as normas que regem quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges no regime de comunhão de bens adquiridos. Daí conclui que deve ser considerada a existência de “um património comum” emergente de uma união de facto, a dividir segundo as regras aplicáveis aos cônjuges casados segundo o regime da comunhão de adquiridos.
Mas também sem razão.
O artigo 36º n.º 1 da CRP apenas reconheceu aos cidadãos o direito de constituírem família independentemente do casamento, atribuindo à união de facto alguns efeitos jurídicos, sem contudo a equiparar à figura jurídica do casamento.
Por sua vez o legislador tem vindo a estender à “união de facto” alguns efeitos jurídicos. Mas estes situam-se somente no âmbito da assistência social, direito a alimentos e garantia de habitação (art.ºs 3º e 4º e 6º, da Lei n.º 7/2001).
O casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem o compromisso de vida em comum; enquanto os membros da união de facto não assumem, não querem ou não podem assumir esse compromisso.
Se as pessoas vivem em união de facto porque não querem casar, embora pudessem fazê-lo, não podem considerar-se aplicáveis os mesmos efeitos do casamento, o que equivaleria a impor-lhes o estatuto matrimonial, que eles deliberadamente rejeitaram.
No que se refere aos efeitos patrimoniais as relações entre cônjuges estão sujeitas a um estatuto particular, a que se chama “regime de bens do casamento”. Não acontece assim na união de facto. Não há aqui um “regime de bens”; Nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens (artigos 1678º- 1697º, do C. Civil), nomeadamente, a administração dos bens dos cônjuges, dívidas dos cônjuges e bens que respondem por eles, bem como a partilha dos bens do casal. “Os membros da união de facto em principio são estranhos um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais” (Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 3ª ed., vol. I, . 120).
A união de facto extingue-se, quer pela ruptura da relação, ruptura por mútuo consentimento ou por iniciativa de um dos seus membros, quer em consequência da morte de algum deles.
Extinta relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do “casal”, que pode suscitar dificuldades, sobretudo, quando a vida em comum durou muito tempo: haverá então, frequentemente, bens adquiridos pelos membros da união de facto, dividas contraídas por um ou por ambos, contas bancárias em nome dos dois, confusão dos bens móveis de um e outro, etc.. Não valendo aqui os artigos 1688º e 1689º do C. Civil, que só ao casamento respeitam, as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no “contrato de coabitação”, eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais (Pereira Coelho, ob. cit., vol. I, p. 128).
Na união de facto não há “bens comuns” sujeitos a partilha finda a união.
A situação de uma pessoa haver adquirido bens com a colaboração de outra no âmbito de uma relação de união de facto só é, eventualmente, susceptível de relevar para o efeito de se reconhecer a existência de uma situação de compropriedade ou no quadro do instituto do enriquecimento sem causa.
Como se refere do Ac. do STJ de 5-7-01 ( Proc. 962/01, in www.dgsi.pt/jstj), “Contrariamente à sociedade conjugal o legislador, embora tenha tomado partido quanto à regulamentação de alguns aspectos das relações derivadas da união de facto, não tomou posição sobre a regulamentação dos patrimónios.
No que toca ao regime de bens entre os unidos de facto, dependerá da vontade deles regular o uso e fruição desses bens. Na falta de regulamentação voluntária, temos sempre que, sobre os patrimónios de cada um, o outro nada tem é, estranho”.
Assim, a alegada contribuição pecuniária do Autor para a aquisição dos veículos e do imóvel que a Ré veio a inscrever em seu nome no registo automóvel e predial, poderá fundamentar eventual pedido com base no enriquecimento sem causa ou numa situação de compropriedade.
Não podem, porém, como pretende o Autor, considerar-se aplicáveis as regras que regem as relações patrimoniais entre os cônjuges e, com base nelas, serem considerados comuns e proceder-se á partilha dos bens adquiridos por um ou ambos durante a vigência da união de facto.
Por outro lado, ao contrário do defende o apelante estava vedado ao tribunal " a quo” mandar alterar ou corrigir a causa de pedir e o pedido.
As partes é que – através do pedido e da defesa – circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem que saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa de pedir (v. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 374).
O tribunal não pode alterar a causa de pedir em que o autor baseia a sua pretensão, nem o pedido por este formulado.
É certo que o erro na forma de processo é suprível, mas no caso dos autos não se verifica uma situação de erro na forma de processo. Há sim manifesta falta de interesse processual quanto a um dos pedidos formulados e manifesta improcedência quanto aos restantes
Improcedem, pois, todas as conclusões do apelante, não merecendo censura a decisão recorrida.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Porto, 19 de Fevereiro de 2004
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves