Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALVES DUARTE | ||
Descritores: | DEPOIMENTO INDIRECTO USO DE DOCUMENTO FALSO EXAME PERICIAL | ||
Nº do Documento: | RP2011110911263/08.3TDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/09/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Não constitui depoimento indirecto o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu a arguida dizer, ainda que esta, em audiência, opte por não prestar declarações. II – A condenação da arguida pela prática de um crime de uso de documento falsificado, da alínea e) do n.º 1 do art. 256.º do CP, pressupõe que a declaração tenha sido elaborada e assinada por outra pessoa que não ela. III - A prova do abuso [falsificação] da assinatura não obriga a que realiza um exame pericial. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 11263/08.3TDPRT.P1 do 1.º Juízo Criminal do Porto Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório. 1. B….. foi julgada no processo comum com intervenção do tribunal singular em epígrafe, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea e) e de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível pelos art.os 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, 22.º, 202.º, alínea a), todos do Código Penal. 2. Concluída a audiência de julgamento, foi a acusação pública julgada procedente, por provada e, em consequência: a) ao abrigo do disposto no art.º 206.º, n.º 1, aplicável ex vi do art.º 218.º, n.º 4, extinta a responsabilidade criminal nestes autos imputada à Arguida relativamente ao imputado crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível pelos art.os 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, 22.º, 202.º, alínea a), todos do CP, declarado, nesta parte, extinto o respectivo procedimento criminal; b) condenada a Arguida, como autora de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, alíneas c) e e) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante de € 780,00 (setecentos e oitenta euros). 3. Inconformada com a sentença que o condenou, dela recorreu a Arguida, visando tanto o reexame da matéria de facto, tendo por base a gravação das provas produzidas na audiência, como também o da matéria de direito, pedindo que a mesma seja revogada e a mesma absolvida, rematando a motivação com as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso versa sobre a reapreciação da prova gravada relativamente à motivação da prática do crime bem como sobre matéria de direito, no tocante ao não preenchimento dos requisitos objectivos e subjectivos para a punição da arguida B…… como autora de um crime de falsificação de documento p. e p, pelo artigo 256.º, n.º 1, aI. c) e e) do Código Penal. 2.ª Com o presente recurso não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções das quais se mostram investidos os ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea a) do n.º 1 do art. 61.º do CPP e no n.º 1 da CRP. 3.ª Foram dados como provados na douta sentença os factos constantes das alíneas C); J); L); M); N) e O) quando não o deveriam ter sido, pelo que vão expressamente impugnados, salvo o devido respeito por melhor opinião, consideramos que os factos supra referidos, vertidos nos pontos C); J); L); M); N) e O) da matéria dada como provada na decisão ora impugnada, foram incorrectamente julgados provados e, consequentemente, atenta a ausência de sustentação probatória, deveriam ter sido julgados não provados. 4.ª Relativamente à alínea C) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo consideramos que em audiência de julgamento não se produziu qualquer prova sobre essa matéria pelo que deverá constar dos factos não provados. 5.ª A condenação da ora recorrente baseia-se num depoimento indirecto da testemunha C….. (registos magnetofónicos n.º 20101130101751_58607_65003 30-11-2010 9:31) sobre a alegada "confissão" que terá ouvido dizer à arguida, que em audiência de discussão de julgamento se remeteu ao silêncio, que constitui um meio proibido de prova e como tal deverá ser tido como inexistente e não poderá ser valorado pelo Tribunal. 6.ª O depoimento da testemunha C…. ofendido nos autos, que se referiu à alegada confissão por si recebida da arguida, não podia ser valorada pelo tribunal, pois o art.º 128.º, n.º 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova" e por sua vez o art.º 129.º, n.º 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas". 7.ª O que se pretende através da proibição do depoimento indirecto é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouvir dizer a outra pessoa para que seja valorado, exige-se a confirmação, com a consequente audição das pessoas de quem se ouviu dizer. Como referem Simas Santos e Leal Henriques no Código de Processo Penal Anotado, VoI. I, pág. 713, “Esta confirmação tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, pois o mérito de uma qualquer testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha Por isso, o depoimento “por ouvir dizer" só após confirmação será eficaz como meio de prova". Compreende-se que assim seja, até porque se não houver a confirmação da alegada conversa, nada nos diz que a mesma tenha de facto ocorrido. 8.ª A motivação do Tribunal a quo assentou "nas declarações da arguida que sobre os factos imputados optou pelo silêncio." Ora, o arguido tem o direito ao silêncio consagrado quer no art.º 61.º, n.º 1 c) CPP, quer concretamente em audiência de julgamento no art.º 343.º, n.º 1 CPP, " sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo." 9.ª Extrair conclusões do silêncio do arguido, significa negar-lhe o direito a esse mesmo silêncio, que lhe é reconhecido pois do silêncio do arguido apenas é possível concluir que nada disse, ou se se quiser não pode atribuir-se o significado de sim, não ou talvez. 10.ª Como escreve Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, II, pág. 169, "Se o arguido se negar a prestar declarações ou a responder a algumas perguntas, seja qual for a fase do processo, o seu silêncio não poderá ser valorado como meio de prova pois está legitimado como exercício de um direito de defesa que em nada o poderá desfavorecer." 11.ª O conteúdo essencial do direito de defesa, no qual se inclui o direito de ser ouvido, assenta em que o arguido deve ser considerado como "sujeito" do processo e não como objecto, do que resulta o direito ao silêncio que lhe assiste, directamente relacionado com o principio da presunção de inocência, sendo que só as afirmações por ele produzidas no integral respeito de decisões de sua vontade podem ser utilizadas como meio de prova. 12.ª Acresce ainda que se tivermos em conta a unidade e a coerência do sistema, concluímos que valorar-se prova produzida com base num depoimento indirecto sobre o que se ouviu dizer à arguida que em audiência de discussão de julgamento se remeteu ao silêncio era violar os restantes princípios nessa matéria. Se se admitisse que toda e qualquer pessoa pudesse vir a julgamento transmitir uma alegada" confissão" por si recebida do arguido no circunstancialismo já referido, em total desrespeito pela regras que regem a recolha da prova, violaria manifesta e claramente as garantias de defesa do arguido consagradas no art.º 32.º CRP. 13.ª Proibindo a lei a inquirição como testemunhas quer dos órgãos de polícia criminal que receberem declarações cuja leitura não seja permitida, quer de quaisquer pessoas que a qualquer título, participarem da sua recolha (art.º 356, n.º 7 CPP), nunca se aceitaria a possibilidade de valoração do depoimento de pessoa que viesse relatar uma alegada "confissão" recebida da arguida, ao arrepio de todas as regras de recolha de prova. 14.ª Como escreve Damião da Cunha O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento (art.os 356.º e 357.º do CPP), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fase. 3°, Julho - Setembro de 1997, pág. 420, "Pressuposto fundamental para a admissibilidade de uma qualquer leitura de declarações do arguido é a de que o arguido tenha exercido o seu direito a prestar declarações em audiência de julgamento ou então que a leitura corresponda ao exercício desse mesmo direito. O exercício, por parte do arguido, de um direito ao silêncío na audiência de julgamento preclude, obrigatoriamente, qualquer possibílidade de leitura de anteriores declarações (só assim, de resto, o art. 343.º - 1 tem aplicação efectiva). Um segundo pressuposto genérico de admissibífidade de leitura das declarações do arguido é ainda que as declarações, que hipoteticamente possam ser lidas, tenham sido prestadas por um «arguido», isto é, por uma pessoa após a efectiva constituição como arguido (após a constituição formal e com os formalismos inerentes a tal constituição). Declarações prestadas por uma pessoa, sem que se tenha verificado a constituição formal ou em omissão de formalidades inerentes a essa constituição (cf. os art.os 58.º e 59.º do C PP) s não podem ser utilizadas em processo penal." 15.ª A razão para tal sanção deve-se ainda ao princípio do nem o tenetur se ipsum accusare. Como refere Damião da Cunha Obra citada, pág. 430, retiraria "qualquer conteúdo útil ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare e conduzindo à solução, muito próxima de uma visão inquisitória, de o arguido testemunhar (indirectamente) contra si próprio". Salvo o devido respeito, seria deixar entrar pela janela o que não se quis deixar entrar pela porta. 16.ª O depoimento indirecto da testemunha C….. que se referiu à alegada confissão da arguida não poderá ser valorado pelo tribunal por consubstanciar um meio proibido de prova, há uma proibição de valoração, é como se não existisse nos termos do artigo 126.° do Código de Processo Penal. 17.ª Se a prova é proibida, o juiz deve ignorá-Ia. Ressalvado o caso previsto no n.04 do art.º 126.º do CPP, a prova proibida não pode ser aproveitada ou utilizada para qualquer outro fim processual: é como se não existisse. 18.ª O arguido dispõe de um direito ao silêncio relativamente aos factos objecto da sua imputação (artigo 61.º, n.º 1, alínea c), havendo proibição de valoração desfavorável do silêncio total (artigo 343.º, n.º 1) ou parcial (artigo 345.º, n.º 1). 19.ª Normas jurídicas violadas 61.º, n.º 1 c), 126.º, 343.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa. 20.ª A convicção do Tribunal assentou igualmente no depoimento da testemunha D….. (registos magnetofónicos 20101130104114_58607_65003 30-11-2010 9:52) que depôs de forma comprometida, hesitante, pouco coerente e que unicamente trouxe ao Tribunal um conhecimento de eventual (previsão de possibilidade) de uso de documento falsificado. 21.ª Na nossa opinião quer o depoimento da testemunha C….., quer da testemunha D…… nos quais o Tribunal a quo ancorou a sua convicção para a condenação da arguida pelo crime de falsificação, são insuficientes para suportar uma condenação e com o devido respeito foram indevidamente valorados pelo tribunal pelo que a matéria que consta das alíneas J); L); M); N) e O) dos factos provados terão que se considerar como não provados. 22.ª Os depoimentos das testemunhas C…… e D….. não são suficientes para suportar a condenação da arguida pelo crime de falsificação pois a partir destes depoimentos, quer dos documentos juntos aos autos, não é possível inferir que a arguida actuou com o dolo específico que o crime de falsificação exige, concretamente que sabia que estava a utilizar documentos falsificados. Nenhuma prova válida foi feita em audiência de julgamento a esse propósito. 23.ª Não se provou que a arguida tivesse um conhecimento efectivo do uso de documento falsificado pelo que não poderia ser dado como provado que a mesmo "agiu livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei", tal como vertido no ponto Q) da matéria de facto provada. 24.ª A alínea c) do n.º 1 do art. 256.º o CP exige o uso de "documento fabricado ou falsificado por outra pessoa", pelo que, não se tendo provado a autoria nem o facto de não ter sido o arguido a fabricá-lo ou falsificá-lo não se pode ter por adquirido que tal documento foi fabricado ou falsificado por outra pessoa, tendo o arguido de ser absolvido. 25.ª Nos termos do artigo 256.º, n.º 1 e) e c) o uso de documento falsificado apenas será punido, no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que terá procedido à falsificação. Nos presentes autos não se mostra provada ou afastada a fabricação de tal documento pela arguida, ou seja não se mostra provado ou não provado a autoria da falsificação da assinatura pela recorrente, pois nunca foi requerido nem realizado uma perícia à letra da arguida, não podendo a arguida ser condenada por uso de documento falsificado por outra pessoa. 26.ª É inconstitucional. por violação do art.º 32.º CRP n.os 2 e 5, ab initio, a interpretação segundo a qual, nos termos e para os efeitos da alínea e) e c) do n.º 1 do art.º 256.º CP, poderá haver condenação sem que resulte provado o facto do documento não ter sido falsificado (em termos latos) pelo arguido. 27.ª Mostra-se a condenação ao abrigo da alínea c) eivada do vício resultante da ausência de prova e não preenchimento do requisito elencado na sua parte final, não podendo justificar-se em nome de uma interpretação analógica, teleológica, pensante ou cum grano salis, uma vez que tal sempre colidiria com a proibição da analogia e com o princípio da legalidade, vertidos nos n.os 1 e 3 do art.º 1.º CP. 28.º Nas palavras de Helena Moniz in Comentário Conimbricense do Código Penal -Tomo II, 1999, Coimbra Editora: "Aquando da prática do crime de falsificação (onde se integra, por força deste tipo legal. o uso de documento falso por terceiro) o agente deverá ter conhecimento que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Ou seja, para que o agente actue dolosa mente tem que ter conhecimento e vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo (...)." 29.ª Da prova produzida em audiência não resultou provado que a arguida soubesse que esses documentos seriam alegadamente falsificados. Com o devido respeito entendemos que não se provou que a arguida actuou com o dolo específico que o crime p. e p. no artigo 256.º, n.º 1 e) exige. 30.º Certo é que a prova produzida em Tribunal não nos permite concluir, acima de toda a dúvida, pela identidade da pessoa que elaborou e assinou o documento em causa nos autos. 31.º Perante os testemunhos das testemunhas C….. e D….. e dos documentos dos autos e na ausência de qualquer outro elemento probatório, não poderia, com o devido respeito, o Tribunal concluir ter sido a arguida a solicitar a outrem para assinar o documento em causa: o Tribunal deverá fazer intervir o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência e que se traduz, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. 32.ª Na realidade a prova testemunhal produzida em audiência e os documentos constantes dos autos são manifestamente exíguos para a condenação da arguida pelo crime p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, e) do Código Penal, pela modalidade de conduta da alínea c) ,por o uso de documento falso nos termos das alíneas do n.º 1 do artigo 256.º, apenas ser punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou. 33.ª A ausência de prova sobre um facto, no caso, a falsificação da declaração pelo arguida, não afasta a possibilidade de esse dado da realidade se ter verificado. Apenas e tão só o facto não se provou. Ora, como já antes ficou dito, o crime previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 256.º do CP só é punido quando o falso documento é usado por pessoa diversa da que procedeu à falsificação. 34.ª No entanto, como se vê do extracto da matéria de facto citado supra, não está irremediavelmente afastada a possibilidade de ter sido a própria arguida a autora da falsificação. 35.ª Para a incriminação da arguida, como autora de um crime de uso de documento fabricado ou falsificado por outra pessoa, haveria de constar da matéria de facto que a declaração fora elaborada e assinada por pessoa de identidade desconhecida mas não pela arguida. Esta omissão, fundamental na definição do crime de uso de documento falso pelo qual a arguida foi condenada, comportaria insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, já que o tribunal de 1.ª instância não procedeu a todas as diligências probatórias possíveis, desde logo a perícia à letra da arguida. 36.ª No que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação dos arguidos, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira Curso de Processo Penal, vol. 1, 1981, pág. 292., quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta (presunções naturais não jurídicas), a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados. 37.ª Assim, partindo da objecção contraposta ao facto objectivo supra analisado, insusceptível, diga-se desde já, de configurar o crime de uso de documento falsificado por terceiro, impõe-se que se dêem como não provados os factos dos pontos J), L), M), N) e O) do acervo factológico provado, alusivos ao tipo subjectivo de ilícito (dolo específico), à culpa e à consciência da ilicitude da conduta. 38.ª Deste modo, a matéria de facto é insuficiente para o preenchimento do tipo de crime pelo qual a arguida foi condenada em 1.a instância (p. e p. pela alínea e) e c) do n.? 1 do artigo 256.º do CP), porquanto não é definitivamente elucidativa sobre quem falsificou o documento a que nos vimos reportando: se pessoa distinta de quem o usou, se a própria arguida. 39.ª O uso de documento falso apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou, circunstancialismo que carece de absoluta demonstração. 40.ª Entendemos, desde logo, por falta dos elementos típicos objectivos e subjectivos não cometeu a arguida/recorrente o crime de uso de documento falso pelo qual foi condenada pelo tribunal a quo. 41.ª Com o devido respeito entendemos que o Tribunal face à ausência de prova válida produzida a esse respeito deveria ter absolvida a arguida do crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1 als. c) e e) do Código Penal. 42.ª Na modalidade prevista na al. c) do n.º 1, «pune-se aquele que usa o resultado de falsificação praticada por terceiro», isto é pune-se o uso de documento fabricado ou falsificado por terceiro, nos moldes tipificados pelo legislador nas alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 256.º do C. Penal, desde que se verifique, como é evidente, o elemento subjectivo do tipo, ou seja, conhecimento pelo agente de que usa um documento falso. 43.ª Pergunta-se: Será que a arguida possuía esse conhecimento de que o documento era falso? Saberia que o documento foi falsificado por terceiro? Terá julgado que o documento foi efectivamente assinado por quem o deveria assinar, isto é, pelo efectivo titular da assinatura aposta no contrato de financiamento? A resposta só poderá ser uma: Não sabemos. 44.ª Entende ainda a recorrente que a Alínea C) dos factos provados foi provada sem fundamentação, sem suporte testemunhal ou documental. 45.ª Não se aceitam os termos que resultam provados das alíneas C); J); L);M); N) e O) da matéria de facto provada impondo-se que o respectivo conteúdo seja substituído por outro em que esses factos sejam dados como não provados por falta de prova validamente produzida em audiência de julgamento. 46.ª O tribunal a quo errou ao considerar bastante a prova produzida para sustentar a condenação da arguida, já que entendemos que há uma incerteza quanto ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo. Foi violado o princípio in dubio pro reo e a presunção de inocência, foram violados os art.os 127.º do Código de Processo Penal e 32.º, n.os 1 e 2 e da Constituição. 47.ª O sobredito depoimento das testemunhas C….. e D…… órfãos de qualquer meio de prova auxiliar (maxime perícia à letra da arguida) é insuficiente para formar, em quem julga, a convicção, para além de qualquer dúvida razoável, de que a recorrente praticou os factos de que vinha acusada. 48.ª E o depoimento indirecto da testemunha C….., não pode servir como meio de prova, em virtude de a arguida ter exercido o seu direito de não prestar declarações em audiência. A convicção do Tribunal fundou-se em prova proibida. 49.ª Ad caulelam, da medida da pena: Na hipótese de vir a ser considerado improcedente o recurso relativo à condenação, não deixa o recorrente de recorrer da medida concreta da pena de multa aplicada, em dois vectores distintos: o número de dias e o quantitativo diário. 50.ª Mostra-se a recorrente condenada em pena de multa fixada em 120 dias, entendendo-se tal medida como excessiva e violadora do princípio da culpa e da proporcionalidade, consagrados nos n.os 2 e 3 do art.º 40.º CP bem como as exigências de prevenção e reintegração do agente na sociedade plasmadas no n.º 1 de tal disposição legal. 51.ª Na douta sentença é afirmado que milita a favor da arguida o facto de não ter antecedentes criminais, bem como as suas condições pessoais, de onde resulta a sua integração profissional, familiar e social. 52.ª Entendemos que a ausência de consequências ou gravidade da prática do facto, a idade da arguida, 50 anos, ponderada conjuntamente com a ausência de antecedentes criminais, revela que até à presente data a arguida sempre pautou a sua vida pelo respeito dos valores da justiça e do direito, além de que houve actos demonstrativos de arrependimento sincero da arguida com a reparação dos danos causados, tendo reparado integralmente o ofendido e por último, o facto de ser possível efectuar um juízo de prognose favorável, no sentido da recorrente prosseguir a sua vida sem cometimento futuro de crimes, são circunstâncias que diminuem de forma acentuada a ilicitude e a culpa, justificando uma atenuação especial nos termos dos artigos 72.º, n.os 1 e 2 alínea c) e 73.º do Código Penal. 53.ª Têm-se por violadas as alíneas a) a d) e f) do n.º 2 e o n.º 1 do art.º 71.º tal como do art.º 72.º, n.os 1 e 2 alínea c), ambos CP, impondo-se a atenuação especial da pena nos termos do artigo 73.º do Código penal, julgando-se adequada a condenação nunca superior a 80 dias de multa. 54.ª Quanto ao quantitativo diário in casu foi fixado o quantitativo diário de € 6,50, que entendemos excessivo pois conforme resultou provado na alínea Q) dos factos provados, a arguida aufere o vencimento mensal estimado de € 1.000,00 e tem a cargo um filho de 18 anos estudante, pelo que considerando que para cada membro do agregado familiar fica disponível o valor sensivelmente igual ao valor do salário mínimo nacional (apenas ultrapassado em 15 euros para cada membro do agregado) e ponderando todas as despesas necessárias para a satisfação das necessidades básicas da vida comum do dia-a-dia, entende-se por adequado e justo a fixação do quantitativo diário no seu mínimo, em € 5,00. 4. Ao recurso respondeu o Ministério Público junto do Tribunal a quo, pugnando pela sua improcedência. 5. Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto também se pronunciou pela improcedência do recurso. 6. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do Arguido. 7. Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir o mérito do recurso. *** II - Fundamentação.1. Da decisão recorrida. 1.1. Factos julgados provados: A) Em data não concretamente apurada do ano de 2002, o ofendido C….. celebrou com a instituição financeira E…… um contrato de financiamento tendo em vista a obtenção de um crédito no valor aproximado de € 7.500,00 destinado à arguida B……, de quem era amigo; B) Para a outorga do aludido contrato, o ofendido entregou naquela ocasião à arguida fotocópias dos seus documentos de identificação, designadamente, do seu bilhete de identidade e do seu cartão de contribuinte, para que a mesma diligenciasse pela obtenção do aludido financiamento; C) Para amortização do crédito que o ofendido havia contraído e destinado à arguida, em data não concretamente apurada aquele entregou à arguida fotocópia de um extracto bancário da conta de que era titular no Millennium BCP para que a arguida procedesse ao depósito na conta bancária do ofendido do montante do crédito que aquele havia contraído e entregue à arguida; D) No dia 19.Dezembro.2007, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido e contrariamente à vontade daquele, a arguida dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "F……", sito na Rua de …., n.º …, nesta cidade e, mostrando interesse em adquirir diversas mobílias, efectuou a encomenda de: uma mobília de quarto de casal, uma mobília de sala de jantar com seis cadeiras, um temo de sofás e uma mobília de quarto de solteiro, tudo no valor de € 5.700,00, alegando, para o efeito, que as mesmas se destinavam ao ofendido, pessoa sua conhecida, e que aquele estaria interessado em adquiri-las mediante contrato de financiamento; E) Para elaboração do aludido contrato de financiamento, a arguida entregou naquele estabelecimento as fotocópias do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte do ofendido que este lhe havia entregue no ano 2002, sem o seu conhecimento ou autorização; F) De igual modo, procedeu a arguida à entrega de uma fotocópia do extracto bancário da conta de que o ofendido era titular no Millennium BCP, a qual havia sido alterada, em circunstâncias não concretamente apuradas, na parte relativa à morada do titular daquela conta bancária, já que em vez de figurar a morada do escritório do ofendido na Rua …., n.º …, …", no Porto, nela figurava como morada do ofendido a Praceta ….., n.º …, ….", em Vila Nova de Gaia, onde o ofendido nunca residiu, correspondendo tal morada à morada da arguida na altura; G) Procedeu ainda a arguida à entrega de uma declaração de rendimentos do ano de 2006, emitida em nome do ofendido, obtida pela arguida em circunstâncias não concretamente apuradas, e que não tinha qualquer correspondência quanto aos montantes nela declarados com os rendimentos constantes da declaração de rendimentos efectivamente apresentada pelo ofendido e arquivada no Serviço de Finanças da Maia; H) Com base nas fotocópias dos documentos acima indicados emitidos em nome do ofendido e nessa data entregues pela arguida, a funcionária do aludido estabelecimento preencheu a correspondente proposta de financiamento, que remeteu à instituição financeira BPN Crédito para aprovação; I) Em face dos documentos entregues pela arguida foi aprovado pelo BPN Crédito o contrato de financiamento n.º 291245, outorgado em nome do ofendido, autorizando o financiamento da quantia de € 5.700,00, a pagar em 60 prestações mensais no valor de € 160,60, o qual foi preenchido pela mencionada instituição financeira e entregue em branco à arguida para que aquela o entregasse ao ofendido com vista à assinatura do aludido contrato por aquele e ulterior entrega na instituição financeira; J) Na posse do aludido contrato, a arguida, por forma não concretamente apurada, logrou que outrem assinasse o mencionado contrato, apondo no mesmo a assinatura imitada do ofendido como se o aludido contrato tivesse sido por aquele assinado e, na posse da aludida assinatura aposta no original daquele contrato, logrou proceder à sua entrega no estabelecimento comercial acima indicado, vinculando desse modo o ofendido ao cumprimento de um contrato de financiamento que sabia não ter sido por aquele requerido nem assinado; L) Na sequência da aprovação do aludido financiamento, logrou a arguida obter do mencionado estabelecimento comercial a entrega das mobílias acima indicadas e, desse modo, obter para si um beneficio ilegítimo, no valor de € 5.700,00, ao mesmo tempo que sabia estar a causar ao ofendido um prejuízo patrimonial de igual valor, resultado que só não logrou alcançar por o ofendido ter conseguido impedir a sua responsabilização pelo cumprimento do mencionado contrato; M) A arguida, ao usar as fotocópias dos documentos de identificação do ofendido e, bem assim, fotocópias adulteradas do extracto bancário do ofendido e da declaração de rendimentos daquele, para celebrar em nome deste um contrato de financiamento e ao proceder à entrega do original daquele contrato na mencionada instituição financeira com uma assinatura imitada daquele ofendido, bem sabia que usava documentos falsificados, agindo com o propósito de fazer crer que havia sido com o conhecimento e consentimento daquele ofendido que havia sido outorgado o aludido contrato e que o montante do financiamento nele solicitado se destinava àquele ofendido, o que bem sabia não corresponder à realidade, logrando com tal conduta obter para si um beneficio ilegítimo, agindo com o conhecimento que, com a sua actuação, punha em causa a confiança e a segurança que os documentos merecem à generalidade das pessoas; N) Mais sabia a arguida que, ao entregar os documentos de identificação do ofendido e um contrato de financiamento contendo a assinatura imitada daquele, que induzia em erro o responsável pelo estabelecimento comercial e a instituição financeira quanto à proveniência daqueles documentos e autorização para o aludido crédito e, mesmo assim, adoptou a conduta descrita, agindo com o propósito de convencer aquelas entidades a aceitar um financiamento responsabilizando o ofendido, logrando, desse modo, obter para si um beneficio ilegítimo, ao mesmo tempo que sabia que poderia causar ao ofendido um correspondente prejuízo patrimonial, resultado que só não se veio a verificar por o ofendido ter conseguido impedir a cobrança das prestações mencionadas no aludido contrato; O) A arguida agiu livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei; P) A arguida não tem antecedentes criminais; Q) A arguida aufere o vencimento mensal de € 1.000,00; vive com o filho, de 18 anos de idade e estudante, em casa de familiares; possui licenciatura em Psicologia Social. 1.2. Factos julgados não provados: Foi omitido o seu julgamento. 1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto: A convicção do Tribunal apoia-se no conjunto da prova produzida em julgamento: - nas declarações da arguida que, sobre os factos imputados, optou pelo silêncio: - no depoimento da testemunha C….. que, de forma coerente e segura, afirmou ter celebrado com a E….. um contrato de financiamento no valor de €7.500,OO destinado à arguida, de quem era amigo e que na altura atravessava dificuldades financeiras, tendo, para tanto, lhe entregue fotocópias do seu BI e do seu n.º de contribuinte; afirmou ter sido contactado em Abril/08 por um funcionário do BPN Crédito, tendo então tomado conhecimento da existência de um contrato de financiamento outorgado em seu nome junto desta instituição no valor de €5.700,00 para aquisição de mobílias, afirmando que tal contrato não foi por si outorgado nem assinado, sendo completamente alheio à sua celebração; afirmou que, tendo acesso à documentação, constatou que em tal contrato, que contém uma assinatura imitativa da sua, figura como morada a morada da arguida, bem como a folha do rosto do extracto bancário apresentado foi alterada no que se refere à morada, constando a morada pertencente à arguida; afirmou, ainda, que a declaração de rendimentos apresentada para outorga do referido contrato de financiamento não corresponde à sua declaração de rendimentos do ano de 2006; referiu que, actualmente, a arguida já procedeu ao pagamento do crédito, pelo que se encontra integralmente ressarcido, manifestando a sua intenção de "desistir da queixa" apresentada contra a arguida; - no depoimento da testemunha D….., funcionária do referido estabelecimento comercial Móveis e Decoração, que afirmou que a arguida adquiriu as referidas mobílias através de financiamento junto do BPN Crédito, tendo, para o efeito, entregue fotocópias do BI e do n" de contribuinte do ofendido, pessoa que identificou como sendo seu namorado ou ex-namorado, tendo a testemunha procedido ao preenchimento da proposta de crédito de fls. 63, a qual, instruída com os referidos documentos, obteve aprovação por parte do BPN Crédito; afirmou que, após tal aprovação, a arguida levou consigo o respectivo contrato a fim de recolher a assinatura do outorgante, tendo-lhe entregue o contrato já assinado; - no depoimento da testemunha G….., na altura funcionária do ofendido, tendo afirmado ter este recebido um telefonema do BPN Crédito relacionado com um contrato de financiamento; - no depoimento da testemunha H….., funcionária da Repartição de Finanças da Maia, que afirmou ter emitido a certidão de fls. 70, esclarecendo que a mesma é obtida informaticamente de acordo com os dados fornecidos, referindo que o requerimento de passagem de certidão é instruído com cópia do BI e do n.º de contribuinte, desconhecendo como tal certidão, em nome do ofendido, não corresponde à sua declaração de rendimentos do ano de 2006; - no doc. de fls. 23 (cópia do rosto do extracto bancário da conta do ofendido no Millennium BCP, onde consta como morada Rua ….., n" …,…", Porto); - no doe. de fls. 24 a 26 (cópia da declaração de rendimentos do ofendido do ano de 2006); - nos doc. de fls. 27 e 28 (plano de pagamentos das mensalidades referentes ao contrato celebrado entre o ofendido e a E….. e assunção de dívida da arguida perante o ofendido referente a tal contrato, sendo que as datas que deles constam são 4112/02 e 16112/02, respectivamente); - no doc. de fls. 62 (contrato de financiamento celebrado com o BPN Crédito, no qual se encontra aposta a assinatura imitativa do ofendido e a morada pertencente à arguida); - no doc. de fls. 63 (proposta de crédito); - no doc. de fls. 64 (cópia da venda-a-dinheiro respeitante às mobílias adquiridas pela arguida); - nos doc. de fls. 65 a 70 (cópias dos documentos entregues pela arguida aquando da celebração do contrato de financiamento, sendo o de fls. 65 o BI do ofendido, o de fls. 66 o n.º de contribuinte do ofendido, o de fls. 67 o rosto do extracto bancário do ofendido, constando do mesmo alteração da morada, e sendo o de fls. 68 a 70 a certidão emitida pelo Serviço de Finanças Maia-I); - da conjugação do depoimento das testemunhas C….. e D….. e dos doc. supra referidos com as regras da experiência logrou o Tribunal formar a convicção que a arguida, na posse das fotocópias do BI e do n.º de contribuinte do ofendido, do extracto da sua conta bancária alterado no que diz respeito à morada e da certidão, alterada, emitida pelas Finanças, pretendendo adquirir através de financiamento as referidas mobílias junto do aludido estabelecimento comercial, apresentou aí tais documentos e solicitou proposta de financiamento nesse sentido, a qual foi aprovada pela instituição de crédito BPN Crédito, tendo logrado que outrem assinasse o respectivo contrato de financiamento, apondo no mesmo a assinatura imitada do ofendido como se o aludido contrato tivesse sido por aquele assinado e, na posse da aludida assinatura aposta no original daquele contrato, logrou proceder à sua entrega no estabelecimento comercial acima indicado, vinculando desse modo o ofendido ao cumprimento de um contrato de financiamento que sabia não ter sido por aquele requerido nem assinado, logrando obter do mencionado estabelecimento comercial a entrega das mobílias acima indicadas e, desse modo, obter para si um beneficio ilegítimo, no valor de € 5.700,00; igualmente formou o Tribunal a convicção que a arguida, ao usar as fotocópias dos documentos de identificação do ofendido e, bem assim, fotocópias adulteradas do extracto bancário do ofendido e da declaração de rendimentos daquele, para celebrar em nome deste um contrato de financiamento e ao proceder à entrega do original daquele contrato na mencionada instituição financeira com uma assinatura imitada daquele ofendido, bem sabia que usava documentos falsificados, agindo com o propósito de fazer crer que havia sido com o conhecimento e consentimento daquele ofendido que havia sido outorgado o aludido contrato e que o montante do financiamento nele solicitado se destinava àquele ofendido, o que bem sabia não corresponder à realidade, logrando com tal conduta obter para si um beneficio ilegítimo, agindo com o conhecimento que, com a sua actuação, punha em causa a confiança e a segurança que os documentos merecem à generalidade das pessoas; igualmente logrou o Tribunal formar a convicção que a arguida sabia que, ao entregar os documentos de identificação do ofendido e um contrato de financiamento contendo a assinatura imitada daquele, que induzia em erro o responsável pelo estabelecimento comercial e a instituição financeira quanto à proveniência daqueles documentos e autorização para o aludido crédito e, mesmo assim, adoptou a conduta descrita, agindo com o propósito de convencer aquelas entidades a aceitar um financiamento responsabilizando o ofendido, logrando, desse modo, obter para si um beneficio ilegítimo, ao mesmo tempo que sabia que poderia causar ao ofendido um correspondente prejuízo patrimonial, resultado que só não se veio a verificar por o ofendido ter conseguido impedir a cobrança das prestações mencionadas no aludido contrato; - no doc. de fls. 201 (CRC da arguida). *** 2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença ou do acórdão e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[3] e [4] Daí que as questões a suscitadas pela Arguida e a apreciar neste recurso sejam as seguintes: 1.ª Pode conhecer-se amplamente da decisão da matéria de facto? 2.ª Podendo, as provas impõem decidir-se que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos enumerados em c), j), l), m), n) e o)? 3.ª O Tribunal a quo valorou prova proibida (testemunho indirecto do que se ouviu dizer à Arguida que se remeteu ao silêncio)? 3.ª Para a incriminação da Arguida como autora de um crime de uso de documento falsificado, previsto e punível pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea e) do Código Penal, haveria de constar da matéria de facto, sob pena de inconstitucionalidade, que a declaração fora elaborada e assinada por outra pessoa, que não a Arguida? 4.ª Não estando a comissão por ela de um crime de falsificação, previsto e punível pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, suportada por qualquer facto provado? 5.ª Esta omissão comporta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, já que o tribunal de 1.ª instância não procedeu a todas as diligências probatórias possíveis, desde logo a perícia à letra da arguida? 6.ª Ao apreciar a prova violou o princípio do in dubio pro reo? 7.ª Assim não sendo, justificava-se a atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 72.º, n.os 1 e 2 alínea c) e 73.º do Código Penal? 8.ª Sendo então adequada a condenação nunca superior a 80 dias de multa e € 5 o do quantitativo diário? *** 2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas, segundo a ordem ali estabelecida, começando por apurar, portanto, se podemos conhecer amplamente da decisão da matéria de facto tomada pelo Tribunal a quo, nisto considerando a forma como a Arguida a formulou a motivação e as conclusões do recurso.Pretendendo impugnar amplamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: [5] - Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; - As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; - As provas que devem ser renovadas. Importa levar em linha de conta, quanto à primeira daquelas especificações (isto é, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados), que só é cabalmente cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado.[6] No que concerne à segunda e à terceira daquelas especificações, quando as provas tenham sido gravadas fazem-se, por referência ao consignado na acta,[7] pela indicação pelo recorrente das concretas passagens em que funda a impugnação.[8] E nesse caso, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.[9] Note-se, pois, que o recorrente tem que indicar cada uma das passagens concretas que servem de fundamento à impugnação (a partir de cada declaração ou testemunho), referindo onde concretamente se encontra cada uma delas (isto é, a hora, minuto e segundo em que no suporte digital ou em que rotação da cassete analógica se inicia e termina cada uma dessas declaração ou desses testemunhos). E não o início e o fim de cada uma das declarações ou depoimentos prestados no tribunal a quo onde se encontrem essas passagens que pretende sejam ouvidas (e / ou vistas) pelo tribunal de recurso.[10] No caso, na parte do CD em que indica cada um dos depoimentos das testemunhas e a hora, minuto e segundo onde começa e onde acaba cada uma das passagens desses depoimentos. Sendo sempre irrelevante que transcreva as passagens ou até todos os depoimentos ou deixe de o fazer, pois que a partir da reforma operada no processo penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto em qualquer desses casos isso deixou de ser requisito para se conhecer do recurso.[11] Baixando ao caso sub iudicio, não restam dúvidas de que a Recorrente deu cumprimento ao primeiro dos ónus supra referidos, tanto na motivação como também nas conclusões do recurso, pois que indicou expressamente os factos que impugna por considerar erradamente julgados, a saber: os factos enumerados na douta sentença como provados em c), j), l), m), n) e o). Porém, já assim não procedeu quanto ao segundo dos referidos ónus, pois o que fez foi transcrever (o que se pensa ser) a totalidade dos depoimento de duas das testemunhas e não, como teria que fazer, especificar as passagens relevantes deles, com referência ao momento e lugar onde cada uma dessas concretas passagens se inicia e termina no suporte digital. Destarte, não se poderá conhecer do recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto em sede de impugnação ampla, tanto mais que, como é sabido, em casos, como o presente, em que falta a indicação das referidas menções, não só nas conclusões como também na própria motivação, não há que formular qualquer convite ao aperfeiçoamento do recurso pois que a própria motivação apresenta deficiências de fundo, por não satisfazer exigências legais imperativas.[12] É que, neste caso, o aperfeiçoamento equivaleria à concessão de novo prazo para recorrer.[13] E porque assim é, não pode esta Relação conhecer da decisão da matéria de facto tal qual foi proferida pelo Tribunal recorrido e, portanto, dizer se os depoimentos das testemunhas C….. e D….. produzidos na audiência de julgamento impunham decisão diversa relativamente aos factos enumerados em c), j), l), m), n) e o) da matéria de facto julgada provada na douta sentença recorrida. 2.3. Mas nada impede que se conheça das questões jurídicas sinalizadas nas questões seguintes. E é isso que faremos em seguida, a primeira das quais, recordamo-lo, consistia em saber se, como pretende a Arguida, o Tribunal a quo valorou prova proibida (testemunho indirecto do que se ouviu dizer à Arguida que se remeteu ao silêncio) e desatendeu ao princípio do in dubio pro reo. No que concerne à primeira questão, a Recorrente afirma que o Tribunal a quo «o depoimento da testemunha C….., ofendido nos autos, que se referiu à alegada confissão por si recebida da arguida, não podia ser valorada pelo tribunal» e elenca, em seguida, as razões legais,[14] doutrinais[15] e jurisprudenciais[16] em que estriba a sua opinião. Não se duvida que a lei impede a valoração do depoimento indirecto sem que a fonte (pessoa) a quem se ouviu dizer seja chamada a depor, atendendo à clareza da lei: «Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas»;[17] «Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.»[18] A questão colocar-se-á, no entanto, em dois níveis de razões. A primeira estará em saber se aquele segmento do depoimento da referida testemunha[19] foi valorado pelo Tribunal recorrido. É que, se o não foi, fica a mesma ipso facto resolvida. Ora, lendo com a necessária atenção a parte da douta sentença recorrida em que o Mm.º Juiz analisa criticamente o depoimento da testemunha C……, em lugar algum se vê que tenha valorado qualquer afirmação desta de que a Arguida lhe tenha confessado o que quer que fosse. Pelo que, como atrás referido, por si isso imporia que a tese em dissídio caísse pela base. Mas ainda que assim tivesse sido, sempre diremos, na linha da generalidade da jurisprudência conhecida dos nossos Tribunais superiores, que a norma em causa não impedia o Tribunal recorrido de valorar aquele depoimento, quer porque o mesmo não é propriamente um depoimento indirecto, já que teria sido percepcionado pelo próprio depoente,[20] quer porque, estaria a Arguida presente na audiência de julgamento aquando da sua prestação e, portanto, podendo ela contraditá-lo. E mesmo que optasse pelo silêncio, como foi o caso, tal não atingiria, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o seu direito de defesa.[21] E por isso, mesmo que o Tribunal tivesse valorado esse depoimento em não teria ofendido os direitos de defesa da Arguida, legal e constitucionalmente garantidos.[22] 2.4. É tempo agora de apreciarmos as quatro questões seguintes, as quais se interpenetram. A primeira consiste em apurar se para a incriminação da Arguida como autora de um crime de uso de documento falsificado, haveria de constar da matéria de facto que a declaração fora elaborada e assinada por outra pessoa, que não ela. Mas, nesse caso, não poderia simultaneamente ser condenada por ter ela mesmo falsificado o documento. Convém ter presente o que nos dizem as normas relevantes:[23] «1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…) c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; (…) e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.» Assim, na primeira hipótese a lei prevê, como já vimos escrito, «… formas de falsificação intelectual (desconformidade entre o documento e a declaração que se destina a exarar, ou entre o documento e a realidade) ….»; já na segunda, «pune-se aquele que usa o resultado de falsificação praticada por terceiro. (…) Na realidade, quem usar documento que ele próprio falsificou é punido pela falsificação como já se entendia outrora, ao defender-se a relação de consumpção entre o crime de perigo abstracto e o de perigo concreto.»[24] Baixando ao caso concreto, o que vemos é que na douta sentença recorrida se deu como provado, na parte aqui relevante, que alguém que se não logrou identificar procedeu à incorporação nos documentos de todas as declarações que, supostamente, teriam sido feitas mas não foram pelo Ofendido, nem tampouco se logrou saber o modo como tal feito. E que «(…) a arguida (…) logrou que outrem assinasse o mencionado contrato, apondo no mesmo a assinatura imitada do ofendido como se o aludido contrato tivesse sido por aquele assinado».[25] Deste modo, não há qualquer razão para a Arguida afirmar que, hipoteticamente, poderia ter sido ela quem apusera a assinatura daquele no documento. Não, ela não o poderia te feito precisamente porque quem o fez, de acordo com o julgado, fora outrem, ou seja, outra pessoa que não ela. Mas precisamente pelo que dissemos já não é sustentável que com a sua conduta a Arguida tenha abusado da assinatura do Ofendido, pois que foi outrem que não ela quem abusou da assinatura do Ofendido. Portanto, se não restam dúvidas do preenchimento do crime de uso de documento falso a que se refere a alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do Código Penal, o mesmo já se não pode dizer quanto à alínea c) deste. E com isto se afasta a hipótese levantada no recurso segundo a qual é inconstitucional, por violação do art.º 32.º Constituição da República Portuguesa n.os 2 e 5, ab initio, a interpretação segundo a qual, nos termos e para os efeitos da alínea e) e c) do n.º 1 do art.º 256.º do Código Penal, poderá haver condenação sem que resulte provado o facto do documento não ter sido falsificado (em termos latos) pelo arguido. É que, como dissemos e repetimos à saciedade, o que se provou foi que uma terceira pessoa abusou da assinatura do Ofendido naqueles documentos e não a Recorrente, que apenas o usou, sendo precisamente por isso que ela não responde nos termos da alínea c) mas somente da alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do Código Penal. Por outro lado, o tribunal a quo também deu por provado que «a arguida, ao usar as fotocópias dos documentos de identificação do ofendido e, bem assim, fotocópias adulteradas do extracto bancário do ofendido e da declaração de rendimentos daquele, para celebrar em nome deste um contrato de financiamento e ao proceder à entrega do original daquele contrato na mencionada instituição financeira com uma assinatura imitada daquele ofendido, bem sabia que usava documentos falsificados, agindo com o propósito de fazer crer que havia sido com o conhecimento e consentimento daquele ofendido que havia sido outorgado o aludido contrato e que o montante do financiamento nele solicitado se destinava àquele ofendido, o que bem sabia não corresponder à realidade, logrando com tal conduta obter para si um beneficio ilegítimo, agindo com o conhecimento que, com a sua actuação, punha em causa a confiança e a segurança que os documentos merecem à generalidade das pessoas».[26] Daí que careça de razão a Arguida ao pretender que se não apuraram os elementos subjectivos do tipo de crime, tanto ao nível do perfeito conhecimento da realidade factual relativa à fabricação do documento falso, como também da sua vontade em querer usá-lo. E que dizer da pretensão da Recorrente de que «(…) o tribunal de 1.ª instância não procedeu a todas as diligências probatórias possíveis, desde logo a perícia à letra da arguida? Admitindo que se impunha a realização de tal perícia para determinar a prova da falsificação dos documentos, o que se faz por mera necessidade de raciocínio, vejamos as consequências que daí resultariam. Como sabemos, há muito que a procura da verdade material e a investigação são princípios que enformam o nosso processo penal e ainda agora o faz quando a lei estabelece que «o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa» e «se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.»[27] Por isso mesmo, perante a omissão de produção de uma prova necessária para a boa decisão da causa, fica claro que se viola a lei mas isso não resolve tudo, pois que sempre importará saber que ilegalidade será essa e o respectivo regime. Por regra, «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.»[28] E isso porque «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.»[29] A lei qualifica como nulidade sanável[30] a omissão posterior[31] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.[32] e [33] E porque a omissão aqui hipoteticamente considerada apenas poderia ter sido cometida na audiência de julgamento, resulta que a interessada e ora Recorrente teria que a ela ter assistido, pois que esteve presente no acto e, por conseguinte, deveria de a ter arguido antes que o acto estivesse terminado, ou seja, antes que fosse encerrada a audiência de julgamento.[34] Não o tendo feito, como não fez, não poderia recorrer invocando agora aquela omissão, por manifestamente intempestiva a sua arguição, tendo-se o acto nulo consolidado no caso de eventualmente ter sido cometido. Mantendo ainda a admissão por necessidade de raciocínio, diremos que a questão da omissão de diligência também nada tem que ver com a insuficiência para a decisão da matéria de facto,[35] como vem aflorado pela Recorrente. Na verdade, neste caso, o que se importaria era que a matéria de facto julgada provada fosse insuficiente para sustentar a decisão de direito tomada pelo tribunal, o que em parte acontece aqui, é certo, mas apenas nos termos sobreditos: em lugar algum o Tribunal a quo decidiu que o abuso da assinatura nos documentos foi feita pela Arguida e, portanto, nunca poderia ter concluído ser ela autora do crime previsto e punível pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.[36] Mas quanto ao mais a questão é estoutra: provou-se que foi outrem a abusar da assinatura para falsificar o documento e ela quem o usou e isso chega para a condenar como autora de um crime previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea e) do Código Penal. Portanto, face aos factos julgados provados há apenas que ver se permitem concluir que consubstanciam todos os elementos do tipo de crime e isso aqui, com a ressalva feita, está para lá de qualquer espécie de dúvidas. Já a questão da omissão de diligências nada tem que ver com o referido vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto.[37] E isso percebesse desde logo se considerarmos que ali estamos no domínio da produção da prova e aqui na análise crítica da sentença.[38] Ou seja, ali ainda não há necessariamente sentença uma sentença proferida e aqui sim. Mas para melhor convencer a Recorrente, lembramos aqui o que escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, com referência ao vício da insuficiência da matéria de facto:[39] «Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.» Também o Prof. Pinto de Albuquerque afina por este diapasão:[40] «Não constituem insuficiência para a decisão da matéria de facto os seguintes casos: (…) 3. a insuficiência das provas para uma decisão condenatória ou a omissão de diligências probatórias … (…) O vício da insuficiência não coincide com a nulidade da omissão de diligências probatórias essenciais (artigo 120.º, n.º 2, alínea d). O vício da insuficiência não inclui a omissão de diligências probatórias essenciais para a descoberta da verdade, pois a consequente nulidade deve ser tempestivamente arguida pelo respectivo interessado. Por maioria o vício da insuficiência não inclui a omissão de diligências necessárias para a descoberta da verdade, que podiam ter sido ordenadas oficiosamente pelo tribunal ou requeridas pelo respectivo interessado.» E em anotação ao art.º 351.º, relativo à perícia, remata o A. cit., na página 881: «Pode acontecer que a questão da inimputabilidade do arguido não seja suscitada na audiência de julgamento, mas o devesse ter sido. A omissão da realização da perícia sobre o estado psíquico do arguido quando na fase de julgamento se devesse ter suscitado a questão da inimputabilidade do arguido constitui uma nulidade sanável (artigo 120.º, n.º 2, alínea a d), uma vez que se trata de uma diligência de prova indispensável.» O mesmo se dirá a propósito do invocado princípio do in dubio pro reo. Sendo uma emanação do erro notório na apreciação da prova,[41] teria que resultar da decisão recorrida que o tribunal o violou. Quer dizer, lendo a douta sentença recorrida teríamos que chegar à conclusão que, face a um estado de dúvida, o julgador[42] decidiu julgar como provado ou como não provado em desfavor da Arguida. Mas isso nem ela o diz, limitando a sustentar que isso ocorreu em face das provas produzidas na audiência de julgamento, quando, já o dissemos, o relevante é que fosse em contraste com o texto da douta sentença em dissídio. Não poderemos deixar passar sem resposta a errada conclusão da Recorrente de que sem a realização de perícia à letra e à assinatura não seria possível determinar quem fora o autor do abuso da assinatura. Com efeito, para se determinar a realidade ou não de um facto são admissíveis, por regra, todas as provas, sendo excepção, portanto, a prova tarifada.[43] No caso da prova do abuso de assinatura, nada obrigava a que se tivesse realizado um exame pericial. Veja-se que mesmo a morte de um ser humano, o facto jurídico da maior importância para o nosso sistema processual penal, pode ser provado por qualquer meio de prova. Pelo que nenhuma conclusão relevante se imporia do facto dessa perícia não ter sido feita. Aliás, haverá casos em que a abundância doutros meios de prova podem levar a optar conscientemente por não realizar exame pericial, como poderá ser o caso de diversas pessoas terem visto o agente assinar um documento como se fosse um terceiro. Mas, pese embora tudo isto, não olvidamos que em casos semelhantes dá algum conforto ao julgador ter um exame pericial nos autos. Acontece que o Arguido não invocou essa nulidade até ao fim da audiência de julgamento e por isso a mesma sanou-se e dela não pode esta Relação conhecer. 2.5. Pretende ainda a Recorrente, que o caso justificava que tivesse sido especialmente atenuada a pena, relembrando que se baseia no seguinte: a) a ausência de consequências ou gravidade da prática do facto; b) a idade da arguida, 50 anos; c) ponderada conjuntamente com a ausência de antecedentes criminais; d) actos demonstrativos de arrependimento sincero da arguida com a reparação dos danos causados, tendo reparado integralmente o Ofendido; e) por último, o facto de ser possível efectuar um juízo de prognose favorável, no sentido da recorrente prosseguir a sua vida sem cometimento futuro de crimes. Antes de mais visitemos as normas pertinentes:[44] «1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2. Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. 3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.» Atendendo à perspectiva da Recorrente e aos termos da lei, teria relevo para a atenuação especial da pena a circunstância de ter efectuado a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados, mas relativamente ao crime de burla de que também fora acusada e de que beneficiou da desistência da queixa. Mas isso, naturalmente, é muito pouco para quem pretende beneficiar de uma atenuação especial da pena, bastando pensar que, pese embora sendo uma mulher madura e na força da idade, nem sequer admitiu a prática dos factos, o que inequivocamente demonstra que não interiorizou adequadamente a gravidade da sua conduta. Em conclusão, o Tribunal a quo não ponderou sequer a possibilidade de proceder à atenuação especial da pena e bem andou em não o fazer. E com isto fica prejudicada a questão de saber se a condenação não deveria ser superior a 80 dias de multa e a € 5 de quantitativo diário, pois que foi colocada pela Recorrente no pressuposto de que a tese da atenuação especial da pena vingaria. Mas admitindo, sem conceder, que dos termos formulados no recurso se poderia conhecer do quantitativo diário da multa, conviria lembrar que o mínimo legal é de € 5,00 e o máximo de € 500,00,[45] pelo que aquele é reservado praticamente aos indigentes e aos paupérrimos e a Recorrente, que aufere o rendimento mensal de € 10000,00 e tem um filho de 18 anos a cargo, felizmente, não se insere em qualquer desses grupos socio-económicos, De resto, ao fixar a diária a rasar o mínimo legal, o Mm.º Juiz ponderou adequadamente as difíceis condições económicas da Recorrente. Na certeza de que «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e também, por essa via, assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve», sem «deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar".[46] De resto, vem sendo entendido praticamente de modo uniforme pelos nossos tribunais superiores que «respeitados os critérios legais de fixação concreta da pena, há uma margem de liberdade do juiz insindicável ou dificilmente sindicável em recurso para o STJ.»[47] *** III. Decisão.Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, por consequência, revogar a douta sentença recorrida apenas na parte em que julgou que o crime cometido pela Recorrente também foi o de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, alíneas c) do Código Penal e se confirma o remanescente da mesma. Sem custas (art.os 513.º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais). * Porto, 09-11-2011.(António José Alves Duarte) (Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo) _________________ [1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [2] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.» [3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049. [4] Foi o caso da omissão do julgamento dos factos não provados por parte do tribunal a quo. Mas essa nulidade, sanável ex vi dos art.os 379.º, n.º 1, alínea a) e 120, n.º 1 do Código de Processo Penal, não foi arguida por nenhum dos interessados e, por isso dela se não pode conhecer (neste sentido, Cons.º Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal, Anotado, 17.ª edição, página 873, Prof. Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, página 961 e seguintes e Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, página 962). [5] Art.º 412.º, n.º 3, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal. [6] Como refere o Prof. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, página 1121, «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação de todos os factos ocorridos entre duas datas ou de todos os factos ocorridos em determinado espaço fechado ou certo aglomerado urbano». [7] O citado n.º 2 do art.º 364.º do Código de Processo Penal. [8] Art.º 412.º, n.º 4 do Código de Processo Penal. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, 6.ª Edição, Porto Editora, página 241, passagem é um substantivo feminino que, entre outras coisas irrelevantes para esta temática, significa «frase ou trecho de um discurso.» [9] Art.º 412.º, n.º 6 do Código de Processo Penal. [10] Neste preciso sentido que há muito temos vindo a decidir. Expressamente seguindo esta solução também decidiram, inter alia, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 22-09-2010, no processo n.º 305/08.2TASEI.C1, da Relação do Porto, de 19-05-2010, no processo n.º 179/04.2IDAVR.P1 e da Relação de Guimarães, de 06-12-2010, no processo n.º 569/06.6GAEPS.G1, todos publicados em http://www.dgsi.pt. [11] O que seria inútil uma vez que, como já se disse, o tribunal superior não deve ler as transcrições mas antes ouvir as passagens gravadas. Não se quer dizer que o não possa fazer, fique claro, mas que a tal não é obrigado nem é suficiente. Pode transcrever, sim, mas apenas para melhor explanar ao tribunal de recurso as suas motivações. [12] Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-07-2004, da Relação de Lisboa, de 23-04-2008 e da Relação do Porto, de 12-11-2008, todos consultados http://www.dgsi.pt. [13] Cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 259/2002, de 18-06-2002, publicado no Diário da República, II série, de 13-12-2002 e 140/2004, de 10/3/2004, publicado no D. R. II Série, n.º 91 de 17/4/2004 e da Relação de Évora, de 24-09-2009, consultável em http://www.dgsi.pt. [14] Art.º 129.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [15] Cons.os Leal Henriques e Simas Santos, no Código de Processo Penal, Anotado, volume I, página 713. [16] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-10-1998 e do Tribunal Constitucional, de 08-07-1999. [17] Art.º 129.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [18] Art.º 129.º, n.º 3 do Código de Processo Penal. [19] Admitindo que a testemunha efectivamente afirmou isso, o que apenas faremos por necessidade de raciocínio, já que, como vimos, não poderemos sindicar a prova produzida na audiência de julgamento. [20] Foi assim que, inter alia, se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 09-02-2011, processo n.º 195/07.2GACNF.P1, disponível em www.dgsi.pt: «II - o critério operativo da distinção entre depoimento directo e depoimento indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade, o seu depoimento é directo; se não, é indirecto. III - Não constitui depoimento indirecto o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer»; ainda da mesma Relação do Porto, o Acórdão de 05-05-2010, processo n.º 219/08.6GAMDB.P1, consultado em www.dgsi.pt: «Não constitui depoimento indirecto o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio»; e, ainda, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 25-05-2009, processo n.º 0843468, visto em www.dgsi.pt: «I – Se uma testemunha conta que o arguido lhe disse que foi participante num furto e até lhe indica, com pormenores significativos (posteriormente confirmados) onde se encontram os objectos furtados, não está a depor indirectamente, mas a relatar factos concretos por si directamente ouvidos e vistos. II – O conhecimento que a testemunha transmite nesse depoimento é aquele que ela própria adquiriu através dos seus próprios sentidos. III – Ouvir de um arguido que ele praticou um acto criminoso e reproduzir isso em tribunal não é ilegal, cabendo ao tribunal avaliar essa prova como contributo para a procedência ou não da acusação.» [21] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, prolatados em 25-01-2006, no processo n.º 184/06 - 3.ª e em 12-09-2007, no processo n.º 07P259 e da Relação do Porto, em 24-09-2008, no processo n.º 0843468, todos consultados em www.dgsi.pt. [22] Nesse sentido julgou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 440/99, de 8 de Julho, tirado no processo n.º 268/99, Diário da República, II Série, de 09-11-1999. [23] Art.º 256.º, n.º 1, alíneas c) e e) do Código Penal. [24] Cons.os Leal Henriques e Simas Santos, no Código Penal, Anotado, 1.º volume, 2.ª edição, páginas 731 e 732, respectivamente. Trata-se de tese consolidada. Assim, na, Doutrina, refere o Prof. Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, página 673, que «a circulação do documento falso inclui o seu uso por pessoa que não o autor da fabricação ou falsificação (portanto, seja qual for a modalidade de falsificação ideológica ou material), bem como a detenção por pessoa que não o autor da fabricação ou falsificação e a cedência do documento a pessoa que não o autor da fabricação ou falsificação.»; o mesmo caminho segue a Prof. Helena Moniz, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, página 684, quando refere que «distinto de tudo isto é o uso de documento falso que apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou; o que vem aliás no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas.»; na Jurisprudência, pode ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-11-1984 e da Relação do Porto, de 28-11-1984, ambos publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 341, páginas 202 e 473, respectivamente. [25] Alínea j) dos factos provados. [26] Alínea m) dos factos provados. [27] Art.º 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [28] Art.º 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [29] Art.º 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. [30] 2. Porque dependente de arguição. [31] Ao inquérito ou à instrução, entenda-se. [32] Art.º 120.º do Código de Processo Penal. [33] Neste sentido, Prof. Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, página 856, ponto 25. [34] Art.º 120.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal. [35] Vício da sentença ou do Acórdão a que se reporta o art.º 410.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal. [36] O que até invalidaria, como vimos, a relevância jurídico-penal do seu uso por parte dela. [37] Citado art.º 410.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal. [38] É verdade, os vícios da sentença ou do Acórdão têm que resultar da sua letra, como se vê da seguinte passagem do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal: «… o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida …» [39] Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 335. [40] No Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, página 1051. [41] Art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal. [42] Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 17-06-2009, processo n.º 41/03.6IDPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt e constitui jurisprudência pacífica, «os vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal forme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do CPP.» [43] Art.º 125.º do Código de Processo Penal. [44] Art.º 72.º do Código Penal. [45] Art.º 47.º, n.º 2 do Código Penal. [46] Acórdão da Relação de Coimbra, de 17-04-2002, na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2002, tomo II, página 58, [47] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-04-2004, processo n.º 456/04-5.ª, citado pelo Cons.º Maia Gonçalves, no Código Penal, Anotado e Comentado, 18.ª edição, Almedina, página 276; no mesmo sentido, pode também ver-se Acórdão da Relação do Porto, de 02-06-2010, processo n.º 60/09.9GNPRT.P1, em www.dgsi.pt. |