Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA LEONOR ESTEVES | ||
Descritores: | CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO NOTIFICAÇÃO PESSOAL | ||
Nº do Documento: | RP2011022318/08.5phmts-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/23/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O despacho que, ao abrigo do art. 49º, nº 1, do Código Penal, converte a pena de multa em prisão subsidiária deve ser notificado tanto ao defensor como ao próprio condenado, sendo a notificação deste por contacto pessoal. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso Penal nº 18/08.5PHMTS-B.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório No processo sumaríssimo nº 18/08.5PHMTS, que corre termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos e em que é arguido B…, devidamente identificado nos autos, foi proferido despacho que converteu a pena de multa, que lhe havia sido aplicada e que não foi paga, em prisão subsidiária, determinando o seu cumprimento pelo condenado e, bem assim, que tal decisão lhe fosse pessoalmente notificada. Inconformado com essa decisão, na parte em que ordenou a notificação pessoal da mesma ao arguido, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo que seja revogada e substituída por outra que, caso a notificação do despacho recorrido ainda não tenha sido efectuada, ordene que ela seja feita ao arguido por via postal simples com prova de depósito, para o que formulou as seguintes conclusões: 1 – Recorre-se do despacho que converte a pena de multa originalmente aplicada ao arguido em dias de prisão subsidiária, na parte em que se ordena a notificação de tal despacho mediante contacto pessoal. 2.ª – A decisão recorrida é contrária à interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2010, publicado no DR de 21 de Maio de 2010, na parte da decisão em que se consagra que «III – A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).» 3.ª - Existe analogia entre decisão de que se recorre e a situação apreciada no AUJ citado, mostrando-se perfeitamente aplicáveis ao caso sub judice, as razões subjacentes à Jurisprudência obrigatória. 4º – A forma de notificação por via postal simples com prova de depósito, ainda que menos garantística, não representa qualquer compressão da liberdade do arguido, pelo que inexiste razão para que nessa parte, o efeito automático previsto no art. 214º do CPP, afecte igualmente a forma de notificação prevista no art. 113º, nº3 do CPP; 5º - O contraponto de um amplo cumprimento do princípio de contraditório em benefício do arguido, em vários momentos do processo até ao julgamento não deve ser, depois da sua condenação, a consagração da total ausência de deveres processuais; 6º - As informações prestadas ao arguido no que concerne à forma da notificação dos actos devem permanecer válidas até ao termo do processo, sendo certo que nenhuma expectativa legítima terá um arguido condenado de que depois da sua condenação, beneficiará de regime distinto, mais favorável; 7º - A possibilidade de comunicar alterações de residência, pelo arguido, não tem a natureza de medida de coacção mas, outrossim, consiste em faculdade cujo exercício se traduz num resultado positivo ou favorável para o respectivo estatuto jurídico-processual; 8º - A opção pela notificação pessoal como regime-regra de notificação, após o transito da sentença condenatória é contrária a razões de certeza e regularidade na tramitação do processado, beneficiando-se assim os arguidos condenados relativamente aqueles que, ainda não tendo sido julgados, presumem-se inocentes; 9.ª – Com o devido respeito, a Mm.ª Juíza a quo, fez incorrecta aplicação da Lei e violou, nessa medida o disposto nos arts. 49º, nº1 do Código Penal e 113º, n.s 1 e 9, 196º, nº2 e 3, 214º, nº1, al. e) e 333º, nº5 e 6, todos do CPP; 10.ª – Nestes termos, deve a douta decisão judicial em causa ser revogada e substituída por outra que, caso a notificação do despacho de fls. ainda não se tenha verificado, ordene a notificação do arguido por via postal simples com prova de depósito. Não foi apresentada resposta. O recurso foi admitido. Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre decidir. 2. Fundamentação A instruir os autos e com interesse para a decisão do recurso constam apenas: - uma promoção do MºPº no sentido de, perante o não pagamento voluntário da multa e a impossibilidade da sua cobrança coerciva, ser declarada exequível a correspondente prisão subsidiária e notificado o arguido desse despacho e do teor dos nºs 2 e 3 do art. 49º do C. Penal “por via postal simples com prova de depósito, nos termos do disposto no art. 113º, nº1 e 3 do CPP e em consonância com a interpretação subjacente ao Ac. de uniformização de jurisprudência do STJ nº6/2010”, bem como a posterior extracção e entrega de mandados de detenção para cumprimento daquela pena no caso de tal despacho transitar em julgado; - o despacho recorrido, que é do seguinte teor: B… foi condenado/a, por sentença proferida nestes autos e já transitada em julgado, na pena de 190 dias de multa (resultantes da conversão de 35 dias de prisão e da doma desta com a multa de 155 dias nos termos do art. 6.º, n.º 1, do Dec. Lei 48/95, de 15.03) dias de multa, à razão diária de € 5,99. O/A condenado/a não procedeu ao pagamento da referida multa no prazo legal. Não se mostra possível cobrar coercivamente a referida quantia (cfr. fls. 93 e execução apensa) e o/a condenado/a não requereu a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que, em conformidade com o preceituado no art. 49.º, n.º 1, do Código Penal, implica o cumprimento da prisão subsidiária correspondente a dois terços do tempo da pena de multa. Pelo exposto, determino o cumprimento, pelo/a referido/a condenado/a, de prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa não paga reduzido a dois terços, ou seja, 126 dias de prisão. A presente decisão deverá ser notificada ao arguido pessoalmente por entendermos que as razões que fundamentaram a uniformização de jurisprudência (Ac. de uniformização de jurisprudência do STJ 6/2010) não têm aplicação em casos como os dos autos em que há decisão a aplicar uma única pena. Notifique. 3. O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso. No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas pelo recorrente reconduzem-se à modalidade de notificação aplicável ao despacho que converte em prisão subsidiária a pena de multa aplicada ao arguido/condenado. O recorrente insurge-se contra o tipo de notificação ordenada no despacho recorrido, considerando que contraria a interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2010 (pub. no DR, I s., de 21/5/10) relativamente às normas atinentes à notificação de actos em processo penal e defendendo que também devia ser seguida no caso dos autos em virtude de se tratar de uma situação análoga à ali apreciada e, por isso, lhe serem aplicáveis as razões subjacentes à jurisprudência obrigatória. Em abono da aplicabilidade, ao caso, da notificação por via postal simples com prova de depósito, sustenta ainda que, depois da condenação, o arguido deve continuar sujeito a alguns deveres processuais, nomeadamente as obrigações inerentes ao TIR que não representem uma restrição de direitos e liberdades e que entende não deverem ser afectadas pelo efeito automático previsto no art. 214º do C.P.P. (diploma ao qual pertencerão os preceitos adiante citados sem menção especial), subsistindo, assim, a forma de notificação prevista no nº 3 do art. 113º, que não representa qualquer compressão da liberdade do arguido, até porque este não tem nenhuma expectativa legítima de que, após a condenação, o regime anteriormente vigente para a notificação dos actos e assente nas informações por ele prestadas irá ser alterado. Considera, enfim, que a opção pela notificação pessoal como regime-regra de notificação após o trânsito da sentença condenatória contraria razões de certeza e regularidade processual, para além de se traduzir num tratamento mais favorável dos arguidos condenados em comparação com o que recebem aqueles que ainda não foram julgados. Embora a questão não tenha sido expressamente colocada no presente recurso, visto que tanto a Srª Juiz como o recorrente convergem no sentido da necessidade de notificar despacho da natureza do que é objecto de recurso não só ao defensor ou advogado do arguido/condenado, mas também ao próprio arguido/condenado, cumpre referir que também nós estamos com o entendimento, que pensamos ser maioritário[2], que defende a aplicação ao caso da ressalva estabelecida no nº 9 do art. 113º. Os alicerces em que este entendimento assenta, à falta de previsão expressa na lei, encontram-se no facto de estarmos perante uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença, que tem como efeito directo a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade do que algumas das incluídas no elenco das ressalvadas naquela norma, justificando-se que a notificação não se faça apenas ao defensor mas a ambos, porque dessa forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido (ponderando-se aqui particularmente a cessação ou rarefacção de contactos que entre este e o seu defensor habitualmente ocorre depois do trânsito da decisão condenatória e que é susceptível de dificultar, se não mesmo de inviabilizar, o cumprimento por parte do último do dever deontológico e funcional de transmitir o teor da notificação e, assim, pôr em causa a sua cognoscibilidade por parte do arguido/condenado). Assim se adopta e considera extensiva a este caso a argumentação expendida em relação ao despacho que revoga a suspensão da execução da pena pelo Tribunal Constitucional a partir do Ac. nº 422/05 (e que, neste particular, também foi seguida no AUJ nº 6/2010) aresto do qual, porque para aqui de interesse, se transcrevem os seguintes excertos: “(…) representando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação e tendo por efeito directo a privação de liberdade do condenado, surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor. Isto é: justifica-se, no caso, a aplicação, não da regra da parte inicial do n.º 9 do artigo 113.º do CPP (“As notificações do arguido ... podem ser feitas ao respectivo defensor ...”), mas das ressalvas do segundo período desse n.º 9, que contemplam diversos actos (acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, dedução do pedido de indemnização civil – alguns, aliás, de menor gravidade pessoal para o arguido do que o presente), em que, a par da notificação do defensor, se exige a notificação do arguido, contando-se o prazo para a prática do acto processual subsequente a partir da data da notificação efectuada em último lugar. (…) a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração torna intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando.” Isto posto, começaremos por relembrar os termos em que o AUJ nº 6/2010 fixou jurisprudência e que são os seguintes: «I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II — O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’). III — A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16 [Esta alternativa depara-se no entanto com um (aparente) óbice: o n.º 1, alínea b), do artigo 113.º do CPP (que, no entanto, não se auto-restringe aos «aos casos expressamente previstos») poderá entender-se aplicável, tão-somente, às notificações ao advogado ou ao defensor nomeado: «10 — As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia».]) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).» Não obstante seja indesmentível a existência de algum paralelismo entre a situação que convocou a apreciação ali efectuada e aquela que subjaz ao presente recurso, entendemos que a pretensão do recorrente, ao arrimar-se a esta jurisprudência, não pode ser acolhida por variadas razões que iremos de seguida indicar. Em primeiro lugar, porque a jurisprudência fixada – que, no caso, apenas se debruçou expressamente sobre a questão de saber se o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão tem de ser pessoalmente notificado ao condenado ou se basta a notificação ao seu defensor - não abrange necessariamente sob o seu manto todas as situações, ainda que análogas, que não hajam sido expressamente apreciadas e alvo de decisão. E a da forma de notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária não o foi, seguramente. Em segundo lugar, porque temos sérias dúvidas de que a solução ali encontrada[3] – que, com a devida vénia, consideramos de notável “engenharia” jurídica[4], mas que, tanto quanto sabemos, ainda não passou pelo crivo do Tribunal Constitucional[5] - seja, pelo menos, transponível para o presente caso, em que não vemos como se possa configurar a cisão da sentença “em parte transitada” e “parte não transitada” nos moldes que ali foram explanados. Em terceiro lugar, e ainda que a analogia pudesse justificar a aplicação de idêntica solução, porque, ainda assim, a referida jurisprudência não afasta a aplicação da notificação por contacto pessoal ao caso objecto de apreciação; se bem interpretamos a última das proposições acima transcritas, e mais uma vez de forma engenhosa, parece deixar-se ao prudente critério do juiz a opção pela modalidade de notificação, de entre as três indicadas, que considere mais adequada ao caso concreto[6] … Donde se teria de concluir que, tendo o juiz optado por uma delas, não pode o MºPº vir contestar o acerto dessa opção com base na sua inadmissibilidade/ilegalidade e, para mais, quando ainda nem sequer está demonstrada a sua incapacidade para alcançar o efeito almejado. Last but not least, e não obstante existir jurisprudência[7] a exigir que, em todo o caso, seja previamente respeitado o contraditório, o certo é que, para a conversão da multa em prisão subsidiária, não prevê a nossa lei processual penal um procedimento instrutório no qual se inclui uma audição prévia, pessoal, nos moldes estabelecidos no nº 2 do art. 495º do C.P.P., que permita considerar satisfatoriamente salvaguardados os direitos de defesa e atenuada a necessidade de que a notificação da decisão se faça por contacto pessoal, na medida em que constitui um alerta para a iminência da sua prolação que um arguido minimamente diligente não deve ignorar. E, se é certo que, em termos de gravidade, as consequências do despacho de revogação da suspensão da execução da pena são mais graves do que as daquele que converte a multa em prisão subsidiária, pela característica que a faculdade prevista no nº 2 do art.49º do C. Penal a esta confere de verdadeira pena “de constrangimento”[8], não podemos minimizar as consequências nefastas que normalmente decorrem da mera execução de um mandado de detenção, não obstante a possibilidade de o cumprimento da pena vir a ser posteriormente evitado - em circunstâncias certamente mais adversas do que aquelas com que se depararia se o pudesse ter feito em liberdade - pelo arguido/condenado. Tudo aconselhando, pois, que lhe seja dado atempado e efectivo conhecimento, senão da promoção do MºPº que naturalmente o antecede, pelo menos do despacho que determina a conversão, de modo a que tenha oportunidade de contra ele reagir pela forma que considerar mais conveniente. Demarcando-nos, pois, da órbita da jurisprudência fixada, resta determinar, em face do regime legal instituído nesta matéria, qual é, em nosso entender, a forma de notificação que, no caso, deve ser a seguida. A resposta já resulta implícita das considerações que acima expendemos: parece-nos que, de jure condito, a notificação não pode deixar de ser pessoal. Extinguindo-se as medidas de coacção, em regra[9], imediatamente com o trânsito em julgado da sentença condenatória (cfr. al. e) do nº 1 do art. 214º), sendo o T.I.R. inequivocamente uma medida desta natureza (como decorre, além do mais, da sua inserção sistemática), que implica a sujeição do arguido às obrigações plasmadas nas als. a) e b) do nº3 do art. 196º, nomeadamente a de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, com as implicações e consequências indicadas nas demais alíneas desta norma, é forçoso concluir que a chegada do momento processual expressamente estabelecido implica que o T.I.R., seguindo o destino traçado na lei, se extinga de forma imediata e automática. Extinto o T.I.R. e, com ele, a obrigação de o arguido manter actualizada a informação sobre o local da sua residência, deixa de ser aplicável o disposto na al. c) do nº 3 do art. 196º (que pressupunha a vigência daquela obrigação), tornando-se a aplicar as regras gerais relativas à notificação dos actos. Reservando a lei a forma de notificação por via postal simples aos casos expressamente previstos e inexistindo qualquer outra norma que a preveja para o caso de que nos ocupamos, afastada fica a sua aplicação. E, de entre as restantes duas modalidades previstas que se apresentam como admissíveis, só a notificação por contacto pessoal, face aos contornos do caso e até ao paralelismo com a hipótese prevista e regulada no art. 333º do C.P.P.[10], oferece garantias de assegurar o desiderato legal, em concreto o de assegurar a cognoscibilidade da decisão por parte do respectivo destinatário[11]. Entendemos, pois, que nenhuma censura merece a decisão recorrida ao considerar que a notificação ao arguido/condenado do despacho que converteu a multa em prisão subsidiária deve ser feita por contacto pessoal[12]. A latere, temos de reconhecer que esta solução não é a mais congruente com o princípio da celeridade e que, em alguns casos, pode até redundar num arrastamento indefinido do processo e pôr em causa o alcance da justiça. Mas, também temos para nós que o remédio não está em interpretações enviesadas das normas jurídicas vigentes, que no mínimo esticam até limites de duvidosa aceitação o disposto no nº 2 do art. 9º do C. Civil, e que são fruto do proverbial esforço que a jurisprudência vem fazendo para conter os efeitos mais perversos de desajustamentos legislativos com que a cada passo e com preocupante frequência nos vamos deparando. É ao legislador que cabe a tarefa de prever mecanismos eficazes que permitam e assegurem o normal fluir do processo, bem como de corrigir as distorções que a prática revele padecerem os já instituídos. Tarefa essa que, em nosso entender, no caso concreto, terá de passar por uma alteração legislativa que torne extensiva até ao momento da extinção da pena a obrigação de o arguido, não já de manter a sua residência, mas de continuar a manter actualizada a informação sobre o respectivo local por forma a que a que se possa considerar notificado nos precisos termos em que assim sucede quando ainda se encontra sujeito a T.I.R., sendo obviamente de tudo prévia e expressamente informado. Na prática, a subsistência parcial de uma das obrigações do T.I.R. que, nesses moldes, não daria o flanco a críticas de inconstitucionalidade. 4. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam o recurso improcedente e mantêm o despacho recorrido. Sem tributação. Porto, 23 de Fevereiro de 2010 Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas __________________ [1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Para além de outros que abordam questões que pressupõem e dão como assente a necessidade de a notificação ser feita também ao arguido, veja-se o Ac. RP 20/4/09, proc. nº 732/06.0PBVLG-A.P1; em sentido contrário, o Ac. RL 17/6/08, proc. nº 4129/2008-5. [3] Aliás, assente em linhas de argumentação reconhecidamente “algo artificiosas”: “tanto a que acabou por obter vencimento («que obriga ao artificio de ter de se considerar a sentença, quanto à questão essencial que é a da aplicação da pena, em parte transitada e em parte não transitada») como a outra («que, partindo de que, por força do trânsito em julgado da decisão condenatória, fica extinta a medida de coacção de termo de identidade e residência, prolonga, todavia, com algum artifício, até ao final do processo, uma das obrigações que constam daquela medida de coacção: a de informar o tribunal, no caso de alteração da residência ou do lugar onde deva ser notificado»)”. O mesmo sucedendo, em nosso entender com aquela que considerou que, com o trânsito em julgado da condenação, apenas desaparecem as restrições à liberdade de que o T.I.R. é fonte, subsistindo a forma de notificação dele decorrente com o argumento de que “a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado, acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo (…), ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto”. Tendo aqui plena pertinência a seguinte objecção expressa pelo primitivo relator na sua declaração de voto: “E se a lei classifica o termo de identidade e residência como medida de coacção, o que é por todos aceite, e se, por isso mesmo, pelo menos aparentemente, afirma a sua extinção com o trânsito em julgado da sentença que condena em pena de prisão suspensa, como é que se pode exigir ao condenado que, depois desse trânsito, se considere ainda vinculado à obrigação da alínea b) do n.º 3 do artigo 196.º e alertado para o facto de que as notificações de decisões proferidas na fase de execução da pena lhe serão feitas pela via prevista na alínea c)? Certamente não se dirá que o presente acórdão de fixação de jurisprudência é alerta bastante, uma vez que, para além de não cobrir situações anteriores, fora deste processo, os seus destinatários são os tribunais judiciais e não os cidadãos em geral.” [4] Parecem-nos bem evidentes as dificuldades que o relator sentiu em desenvolver uma argumentação consistente e adequada a corresponder ao entendimento da maioria dos restantes conselheiros (que considerava bastante que a notificação do arguido se fizesse por via postal simples, por meio de carta ou aviso) com a necessária transposição do obstáculo consistente no disposto no nº1 do art. 214º do C.P.P [5] E note-se que, como também foi apontado pelo primitivo relator, “o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 422/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005, julgou inconstitucional a norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, interpretada «no sentido de que o prazo de interposição de recurso pelo condenado de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta a partir da data em que se considera efectuada a sua notificação dessa decisão por via postal simples», na consideração de que o termo de identidade e residência se extinguiu com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, alínea e)”. [6] Como também certeiramente vem apontado na declaração de voto do primitivo relator: “No acórdão, admitem-se como formas de notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão o contacto pessoal, a via postal registada e a via postal simples. Há nisso alguma incongruência. De facto, se se considera legítima a notificação por via postal simples, por se manter actuante o termo de identidade e residência, não há espaço para a notificação mediante contacto pessoal ou por via postal registada, visto que, de acordo com disposto no artigo 196.º, n.º 3, alínea c), «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples». Nos casos cobertos por essa norma, a notificação por via postal simples não é apenas uma das modalidades de notificação possíveis; é a escolhida pela lei.” [7] Entre outros os Acs. RP 24/10/07, proc. nº 0743465 e 9/4/08, proc. nº 0840367. [8] Como a designou Fig. Dias, Direito Penal Português, pág. 147. [9] Que comporta excepções, expressamente previstas na lei, mas que não contemplam o T.I.R. nem lhe são extensivas. [10] Que também foi aludido no já citado Ac. TC nº 422/05. [11] Sendo que o arguido/condenado a quem os autos respeitam, a julgar apenas pela proximidade entre as datas apostas na promoção do MºPº e no despacho recorrido - únicos elementos de que dispomos -, até nem foi ouvido para se pronunciar acerca da primeira. [12] Neste mesmo sentido o recente Ac. RP 19/1/11, proc. nº 662/05.2GNPRT-A.P1. |