Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041101 | ||
Relator: | FRANCISCO MARCOLINO | ||
Descritores: | JOGO DE FORTUNA E AZAR | ||
Nº do Documento: | RP200802270716981 | ||
Data do Acordão: | 02/27/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 517 - FLS 224. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O que distingue os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins é, por um lado, o facto de nestas as operações serem oferecidas ao público e, por outro, o facto de o resultado naqueles depender exclusiva ou fundamentalmente da sorte. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo comum singular n.º …/05.8P6PRT, do .º Juízo Criminal de Gondomar, o Digno Magistrado do M.º P.º acusou: 1. B………., viúva, nascida a 04-03-1945, natural de ………. (Ponte de Lima), filha de C………. e de D………., residente na ………., n. ° …., em ……….; 2. E………., casada, nascida a 28-10-1956, natural de ………. (Porto), filha de F………. e de G………., residente no ………., Rua ., casa ., no Porto; e 3. H………., solteiro, nascido a 22-06-1977, natural de ………. (Porto), filho de I………. e de J………., residente na Rua ………., n. ° …., em ………., Gondomar. Da prática dos seguintes factos: a) No dia 28 de Novembro de 2005, pelas 14H30, no decurso de uma acção de fiscalização desenvolvida pela Divisão de Investigação Criminal da PSP no estabelecimento de café denominado “K……….”, sito na ………., n. ° …., em ………., nesta Comarca, explorado pela arguida B………., foram apreendidas duas máquinas de jogo que ali se encontravam. b) Uma das máquinas tinha a designação “Distribuidor de Berlindes Decorativos” e encontrava-se à entrada do estabelecimento, em cima de um balcão do lado esquerdo, ligada à corrente eléctrica e pronta a ser utilizada pelo público. c) Aberta tal máquina, constatou-se que a mesma tinha no seu interior uma moeda de € 1,00 e três moedas de € 0,50, provenientes da sua utilização. d) Ao lado desta máquina, encontrava-se um cartaz expositor com chocolates, assinalando cores e uma máquina de ovos com a inscrição “Máquina Distribuidora de Caramelos e Chocolates” exposta para ser utilizada pelo público. e) No interior desta máquina encontravam-se noventa e nove moedas de € 0,50, perfazendo o total de € 49,50, provenientes da sua utilização. f) Esta máquina continha na parte lateral um autocolante com a inscrição “H………. 91-…..68 91-…..96 Rua ………., …. …. ………. Gondomar”. g) No momento em que se os agentes da Divisão de Investigação Criminal da PSP entraram no estabelecimento, detectaram a arguida –E………. a jogar na máquina com a designação “Distribuidor de Berlindes Decorativos”, tendo introduzido uma moeda de € 0,50, sendo contemplada com o prémio de € 20,00, número que apareceu no visor da mesma. h) A máquina com designação “DISTRIBUIDORA DE BERLINDES DECORATIVOS”, não tinha qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou série. i) É constituída por um móvel de pequenas dimensões, de cores, predominantes, cinza e azul e estrutura em material derivado da madeira. j) A parte frontal é composta por um painel contendo: . Na parte superior esquerda, a designação da máquina “Distribuidora de Berlindes Decorativos” e no canto superior direito, o dispositivo de introdução de moedas (moedeiro). . Na parte frontal inferior fica um aparador de objectos, provenientes de um depósito existente no interior da máquina. . No centro do painel frontal, situa-se um mostrador circular cuja delimitação é composta por diversos pontos de luz, equidistantes, sendo que, destes, oito encontram-se devidamente destacados. k) Associados com os oito pontos destacados e, observados no sentido dos ponteiros do relógio, é possível identificar os seguintes números: 1; 50; 2; 100; 5; 20; 200; 10. l) Ao meio do mostrador circular encontramos um mostrador rectangular, onde ficam registados e acumulados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas. m) Encostado ao mostrador circular, do seu lado direito, entre os números 10 e 1, existe um outro pequeno mostrador rectangular, onde são acumulados os créditos introduzidos pelo jogador na máquina. n) Junto do mostrador circular, entre os números 100 e 2, existe um pequeno botão vermelho. o) Na parte lateral esquerda, encontra-se um interruptor para ligar e desligar a máquina e uma tomada para ligar a máquina à corrente eléctrica, ao seu lado encontram-se dois pontos metais ligeiramente separados. p) No lado direito da máquina encontra-se uma porta de acesso ao cofre de moedas. q) Na parte superior da máquina, encontra-se uma porta que dá acesso ao depósito de objectos. r) O sistema de funcionamento da máquina bem como o desenvolvimento do jogo, conforme experiências efectuadas na realização do exame pericial, processam-se da seguinte forma: . funciona directamente ligada à corrente eléctrica; . após a introdução de, no mínimo, € 0,50, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre, no sentido dos ponteiros do relógio, os vários pontos de luz existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem; . em função das moedas introduzidas e de cada jogada, aparecem e desaparecem automaticamente, no pequeno mostrador rectangular existente junto do mostrador circular, os créditos correspondentes, tendo-se concluído pela seguinte relação: € 0,50 - 50 créditos - 1 jogada; € 1,00 - 100 créditos -2 jogadas; € 2,00 - 200 créditos - 4 jogadas; . o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de algumas voltas, fixando-se aleatoriamente num dos diversos pontos de luz já referidos; . após fixado num dos diversos pontos de luz, duas situações podem acontecer: (1) o ponto de luz em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 (equivalente a € 1,00) e 200 (equivalente a € 200,00); (2) o ponto de luz em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos restantes pontos sem qualquer referência e, neste caso, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo mais moedas; . os pontos que o jogador vai ganhando são acumulados no mostrador rectangular central, os quais podem ser jogados novamente, utilizando para o efeito o botão vermelho, ou, caso o jogador pretenda, pagos, sendo os mesmos limpos através da junção dos dois pontos metais já mencionados, esta junção pode ser efectuada através de uma moeda ou qualquer outro material condutor; . quando o jogador opta por jogar os créditos e após a utilização do botão vermelho, temos a seguinte situação: 1 PONTO/BERLINDE - 2 JOGADAS = 1 EURO; . de referir que normalmente, por cada jogada efectuada, e de forma automática o jogador recebe um pequeno brinde, que, neste tipo de máquinas, normalmente é um berlinde, os quais se encontram armazenados no depósito de objectos anteriormente mencionado. No entanto, a quando da realização da perícia, esta máquina não dava qualquer berlinde. s) O objectivo do jogo, tal como nos restantes jogos de fortuna ou azar, é o de conseguir números premiados, ou seja, que o ponto luminoso se imobilize num dos oito pontos de luz com direito a prémio, com base, exclusivamente, na sorte, de nada valendo, para a obtenção do resultado final, a perícia e destreza do jogador. t) A máquina com a designação de “Máquina Distribuidora de Caramelos e Chocolates” é composta por um expositor de pequena dimensão, de formato rectangular e de cor laranja e azul. u) Na parte frontal inferior do expositor, situa-se um mecanismo para introdução de moedas (€ 0,50) e extracção de cápsulas ovais e um receptor de cápsulas extraídas. v) No interior da parte superior, de constituição em acrílico transparente, são visíveis diversas cápsulas ovais em plástico em número indeterminado. w) No interior de cada cápsula existe um pequeno caramelo e uma senha que, para além de fazer referência a um concurso, a qual é comum a todas, apresenta o nome de uma cor. x) Na parte superior do expositor encontra-se uma fechadura que permite o acesso ao cofre onde ficam guardadas as moedas introduzidas. y) A extracção de senhas efectua-se da seguinte forma: . Introduzir uma moeda no mecanismo de introdução de moedas; . Dar uma volta completa com o manipulo rotativo, situado no mesmo mecanismo; . Pegar na cápsula extraída, que se encontra no receptor, abrir ao meio e desdobrar a senha que se encontram no seu interior. . Depois de introduzida a moeda, extraída a cápsula com uma senha no seu interior e desdobrada essa mesma senha, apenas temos um resultado possível. Ou seja, a designação da cor constante na senha corresponde a uma das cores associadas aos diferentes tipos de chocolates, e o jogador tem direito ao respectivo chocolate. . No lado esquerdo da máquina extractora, dentro da parte superior, existe uma pequena janela. Teoricamente esta janela tem como função permitir ao “jogador” a visualização da cápsula (informação constante no interior da cápsula) que vai sair na próxima vez. Extraídas diversas cápsulas, concluísse que não é possível, através da referida janela ou por outro meio qualquer, visualizar a informação constante no interior da cápsula que vai ser extraída. z) Juntamente com a máquina é divulgado um concurso designado “CONCURSO BOMBOM SURPRESA”, o qual se encontra aprovado pelo Governo Civil do Porto. De facto depois de consultado o mencionado governo civil, confirma-se que o referido concurso se encontra autorizado. aa) No entanto, o que está aqui em causa não é o concurso, mas sim, a forma como as pessoas se podem habilitar ao concurso. De facto, a operação que permite a habilitação ao concurso resulta da prática de um jogo cujo resultado depende exclusivamente da sorte e não da promoção ou divulgação de um qualquer produto. bb) O objectivo do jogo, tal como nos jogos de fortuna ou azar, é o de conseguir cores (combinações/números) premiadas com base, exclusivamente na sorte, de nada valendo, para a obtenção do resultado final, a perícia e destreza do jogador. cc) De facto, embora o jogador saiba que ao jogar vai ter direito a um dos chocolates apresentados no cartaz, a atribuição do respectivo tipo de chocolate é efectuada com base num jogo cujo resultado depende exclusivamente da sorte. dd) Acresce o facto de os diferentes chocolates apresentarem um valor económico bastante díspares, ou seja existem chocolates com valores bastante inferiores, aos € 0,50, e chocolates com valores bastante superiores ao mesmo valor. ee) De destacar o facto de todo o material apresentado estar associado ao desenvolvimento do jogo. ff) Face à descrição que antecede, está-se em presença de máquinas que desenvolvem jogos que assentam exclusivamente na sorte, sem depender minimamente da perícia do jogador. gg) A máquina com a designação “Máquina Distribuidora de Caramelos e Chocolates” tinha ali sido colocada pelo arguido H………. . hh) A arguida B………. exercia a gerência daquele estabelecimento de café, recebendo também os lucros que as máquinas geravam. Sendo que 80% dos lucros da máquina com a designação “Máquina Distribuidora de Caramelos e Chocolates” eram para o arguido H………. e os restantes 20 % revertiam para aquela arguida. ii) As aludidas máquinas estavam em funcionamento para serem utilizadas pelo público, sem que houvesse sido concedida aos arguidos qualquer autorização para o efeito, sendo que o estabelecimento de café em causa, não é um estabelecimento de casino e Gondomar não está abrangido por qualquer zona de jogo. jj) Os arguidos não comprovaram a aquisição das máquinas, não identificaram o vendedor, nem declarou à administração fiscal o exercício da actividade de exploração de máquinas de jogos. kk) A arguida E………. previu e quis jogar o jogo que a máquina com a designação “Distribuidor de Berlindes Decorativos” desenvolvia, no local acima mencionado, bem sabendo que tal jogo levava a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza dos jogadores, mas tão-só na sorte e no acaso e que aquele local não estava autorizado a desenvolver tal actividade. ll) Os arguidos B………. e H………. previram e quiseram explorar os descritos jogos no local acima referenciado com o intuito de obterem os lucros que tal exploração lhes proporcionasse, bem sabendo que os jogos levavam a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza do jogador, mas tão-só na sorte e no acaso e que não estava autorizados a desenvolver tal actividade. mm) De igual forma, tais arguidos previram e quiseram não apresentar os documentos comprovativos da aquisição legal das máquinas, não identificar o vendedor delas e não declarar à administração fiscal o exercício da actividade de exploração de máquinas de jogos. nn) Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas e ainda assim quiseram realizá-las. Na sequência, imputa-lhes: I - Aos arguidos B……….. e H………., em autoria material, a prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo art.° 108°, n.° 1, com referência aos art.°s 1°, 3° e 4° do DL n. ° 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo DL n. ° 10/95, de 19 de Janeiro e na prática das contra-ordenações p. e p. pelos art.°s 117° e 123° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n. ° 15/2001, de 5 de Junho e art.° 65°, n. ° 1, do DL n. ° 28/84, de 20-01. II – À arguida E………., em autoria material, a prática de um crime de prática ilícita de jogo p. e p. pelo art.º 110°, com referência aos art.°s 1º, 3º e 4º do DL n. ° 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo DL n. ° 10/95, de 19 de Janeiro. Todos os arguidos requereram a abertura de instrução. Efectuado o debate instrutório, o Sr. Juiz lavrou o seguinte despacho: “Na sequência do despacho de acusação de fls. 95 e seguintes deduzido pelo Ministério Público contra os arguidos B………., H………. e E………., imputando aos dois primeiros arguidos a prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos arts. 1º, 3º, 4º e 108º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, e de duas contra-ordenações previstas e punidas pelos arts. 117º e 123º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e art. 65º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e à terceira arguida a prática, em autoria material, do crime previsto e punido pelo art. 110º, com referência aos arts. 1º, 3º e 4º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, vieram todos requerer a abertura da instrução, no sentido do arquivamento dos autos. Assim, a arguida B………. alegou, em síntese e para tanto, que a sua constituição como arguida ocorreu depois de ter prestado declarações sobre os factos em apreço, tendo por isso sido violado o disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 58º do Código de Processo Penal. Alega ainda que a omissão da identificação e valor dos chocolates a que os consumidores se poderiam habilitar jogando na máquina apreendida (distribuidora de caramelos e chocolates) representa uma omissão de um elemento necessário para o preenchimento da factualidade típica do crime imputado. Refere por fim, tal como o arguido H………., que a aludia máquina não desenvolve um qualquer jogo de fortuna e azar, tanto mais que se encontrava licenciada pelo Governo Civil de Braga. A arguida E………. alegou, em síntese, que desconhecia a proibição de jogar na máquina em questão, bem como que esta se enquadrasse no conceito de jogo ilícito. Entendem, por tudo isto, os arguidos requerentes que não praticaram os crimes de que vêm acusados. Não tendo o Tribunal vislumbrado qualquer necessidade em praticar algum acto instrutório, efectuou-se o debate instrutório, o qual decorreu na presença dos arguidos e com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo em conformidade com o disposto nos arts. 298º, 301º e 302º, todos do Código de Processo Penal. Já em sede de debate foi o Ministério Público e as arguidas questionadas quanto a um eventual arquivamento ou suspensão provisória dos autos, esta nos termos referidos a fls. 228 e seguintes, tendo todos manifestado a sua concordância. Cumpre agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória. A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal, «a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento». Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa – cfr. N.º 2 do mesmo dispositivo – destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida. Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal. Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade, conforme dispõe do art. 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia». Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual. Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação. Depois, no n.º 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n.º 2 do art. 283º, nos termos do qual «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança». Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final. Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento. Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado. Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal. Os indícios são, pois, suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Neste sentido, veja-se Castanheira Neves, in «Sumários de Processo Criminal», págs. 38 e 39, onde aquele professor perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida «a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final», apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados «os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação». Fixadas as directrizes que de acordo com a lei nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento os requerimentos de abertura da instrução merecem provimento e/ou se do ponto de vista da imputação jurídico-criminal efectuada há ou não algo a dizer. Quanto às nulidades invocadas pela arguida B………. . (...) Quanto à acusação deduzida pelo Ministério Público. Os arguidos B………., H………. e E………. mostram-se acusados, os dois primeiros, da prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos arts. 1º, 3º, 4º e 108º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, e de duas contra-ordenações previstas e punidas pelos arts. 117º e 123º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e art. 65º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e a terceira da prática, em autoria material, do crime previsto e punido pelo art. 110º, com referência aos arts. 1º, 3º e 4º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro. A análise da questão que importa apreciar e decidir impõe, em primeiro lugar, uma breve resenha da evolução histórica da disciplina jurídica do jogo em Portugal. Assim, verifica-se que o Código Penal de 1886 começou por regular a matéria em questão, sob a epígrafe de «jogos e lotarias», nos seus arts. 264 a 272, sancionando a prática dessas actividades, fora dos condicionalismos legais, com penas que variavam entre 1 mês e 6 meses de prisão e, em caso de reincidência, com prisão de 2 meses até 1 ano. Por sua vez, o Decreto n.º 14.643, de 3 de Dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo. Subsequentemente, em 1/04/1969, entrou em vigor a disciplina jurídica do jogo constante do Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de Março de 1969, que reuniu num só diploma disposições dispersas por diversos decretos avulsos que entretanto, haviam sido publicados. Este diploma, no seu art.º 1º, definia como de fortuna ou azar «os jogos cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte». Além disso, o art. 2° prescrevia que a prática de tais jogos só era permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo e nas épocas estabelecidas para o seu funcionamento. O art.º 4º elencava os tipos de jogos de fortuna ou azar cuja exploração era autorizada nos casinos das zonas de jogo, apenas compreendendo jogos bancados e jogos não bancados e, a nível de máquinas, apenas o constante do n.º 3 – máquinas automáticas (pagando directamente fichas ou moedas). O art.º 56, por seu turno, estatuía que aqueles que infringissem o disposto no sobredito art.º 2º, quer explorando jogos de fortuna ou azar, incluindo máquinas automáticas de fichas ou moedas, quer exercendo a sua actividade na respectiva exploração, eram punidos com prisão de 6 meses a 2 anos e demissão dos seus cargos se fossem funcionários do Estado ou dos corpos administrativos. Constatava-se ainda que o Decreto-Lei n.º 48.912 continha já a regulamentação do que chamava, fazendo uso de uma terminologia que se sedimentaria na legislação posterior, de «modalidades afins do jogo de fortuna ou azar», considerando como tais «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte» (veja-se o art.º 43º, corpo, iniciando o capítulo VI do citado diploma, sob a epígrafe «Das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar, incluindo a aposta mútua»), que ficaram dependentes de autorização casuística do Ministro do Interior (delegável nos governadores civis – veja-se o despacho n.º 17/90, do Ministro da Administração Interna, publicado no D. R. n.º 45, 2ª série, de 22/02/1990). De harmonia com o §1º da referida disposição legal, eram especialmente abrangidas pelo citado art.º 43º «as rifas, tômbolas, sorteios, assim como quaisquer máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa da utilização, nem origine a atribuição de fichas e para cujos resultados não influa a perícia e, ainda, os concursos de publicidade, ou outros, em que se verifique a atribuição de prémios». A promoção de qualquer dessas modalidades, em conformidade com a lei, consistia na prática de uma transgressão, sujeita à aplicação de multa (art.º 59º, corpo). Saliente-se que o art.º 44º prescrevia que não se consideravam abrangidos na disposição anterior a instalação e exploração de aparelhos automáticos ou quaisquer dispositivos destinados unicamente à venda de artigos ou produtos, quando a importância despendida não excedesse o valor comercial dos mesmos. Ulteriormente, o Decreto-Lei n.º 293/81, de 16 de Outubro, estabeleceu o regime de registo e exploração de máquinas eléctricas de diversão. Em 16 de Fevereiro de 1985, entraram em vigor os Decretos-Lei n.º 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro desse ano. O primeiro definia o regime de exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas de diversão, tendo sido, posteriormente, revogado pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro. O segundo, por seu turno, introduziu alterações ao Decreto-Lei n.º 48.912. Qualquer destes diplomas legais mais não visou do que corresponder à evolução dos tempos, tendo em conta a evolução tecnológica que as máquinas sofreram. Como se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22/85, «são muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. A solução legal até agora adoptada, consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão e na sua sujeição ao regime instituído para as máquinas de tipo flipper, tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática de jogo ilícito. Acrescentando, ainda: «justifica-se, assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo autorizadas». Na prossecução deste propósito, o art.º 1º do predito Decreto-Lei n.º 22/85 veio aditar o n.º 4 ao art.º 4º do Decreto-Lei n.º 48.912 (que passou a constituir um novo tipo de jogos de fortuna ou azar, apenas autorizado nos casinos das zonas de jogo), do seguinte teor: «4) Máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas que, não pagando directamente prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte». O mesmo Decreto-Lei n.º 22/85, no seu art.º 2º, alterou a redacção do § 1º do art.º 43 º do Decreto-Lei n.º 48.912, retirando do elenco das modalidades afins aí referidas os jogos desenvolvidos por quaisquer máquinas automáticas. Por outro lado, o art. 56º do referido Decreto-Lei n.º 48.912, com a redacção introduzida pelo art.º 3º daquele Decreto-Lei n.º 22/85, passou a punir a exploração das máquinas automáticas referidas no n.º 4 do art. 4º, em desconformidade com as exigências legais, com prisão de 6 meses a 2 anos. Fora deste regime, por não favorecerem as apostas ilícitas, embora sujeitas a uma regulamentação própria, ficaram as máquinas de mera diversão, definidas no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 21/85 como aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico desenvolvessem jogos cujos resultados dependessem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador (não importando que a este fosse concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida). Trata-se, no essencial, de uma noção reproduzida pelo art.º 16º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, estando a exploração destas máquinas dependente do respectivo registo e da concessão da correspondente licença de exploração emitida pelo governador civil do distrito (arts. 17º e 20º). Deste modo, pode-se, indubitavelmente, concluir que os jogos em máquinas, com pontuação exclusiva ou fundamentalmente dependente da sorte, passaram a constituir, materialmente, jogos de fortuna ou azar. Em 1/01/1990 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que no seu art.º 1º definiu, precisamente, os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». Trata-se de uma noção formalmente semelhante à contida no art.º 1º do supra mencionado Decreto-Lei n.º 48.912, com uma única diferença – dantes falava-se em jogos que dependiam «exclusivamente da sorte», muito embora a lei já considerasse enquadrados (e continua a considerar) nos jogos de fortuna ou azar jogos nos quais intervém uma certa dose de perícia do jogador (por exemplo: o black-jack/21; o bacará chemin de fer). Por conseguinte, não estão excluídos, à partida, jogos que dependam, em certa medida, da perícia ou habilidade do jogador. Tudo está em que o resultado (o ganhar ou perder) de tais jogos seja decidido, ou dependa em última instância, de algo que apenas a sorte pode ditar e que a perícia, a inteligência ou a habilidade do jogador não pode controlar. Além da noção geral do art.º 1º, o Decreto-Lei n.º 422/89 consagra, no n.º 1 do art.º 4.º, um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g) desse normativo). Na alínea f) da mesma disposição legal, são também considerados jogos de fortuna ou azar os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas». Prescrevendo-se, ainda, como regra geral que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (arts. 3º, 6º, 8º, e 9º). Assim, a nível de incriminação, dispõe o art.º 108º, n.º 1 que quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias. Contudo, este diploma não foi o último passo da evolução legislativa na disciplina jurídica do jogo, dado que o Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro (que reportou os seus efeitos a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 1995), introduziu alterações em algumas das disposições do Decreto-Lei n.º 422/89, em especial sobre as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, cuja regulamentação pelo antigo Decreto-Lei n.º 48.912 havia sido deixada incólume pelo diploma de 1989 (veja-se o art.º 160º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 422/89, na sua versão originária). Deste modo, perante o que passou a prescrever o art.º 159º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, reformulado pelo citado Decreto-Lei n.º 10/95, «modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico», acrescentando o n.º 2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, «rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos». A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (art.º 160º), sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (art.º 163º), estando vedada, em princípio, a entidades com fins lucrativos (art.º 161º, n.º 1). Não pode deixar de se salientar que, de acordo com o que passou a estabelecer o art.º 161º, n.º 3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto. Portanto, pode de imediato deixar-se expressamente consagrado que até 16/02/1985, data em que entraram em vigor os Decretos-Lei n.º 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro, as máquinas automáticas que desenvolvessem jogos para cujos resultados não influísse a perícia, mas apenas a sorte, pagando directamente fichas ou moedas, integravam os jogos de fortuna ou azar; as máquinas automáticas cujo funcionamento não dependesse da utilização, nem originasse a atribuição de fichas e para cujos resultados não influísse a perícia, integravam as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar; e, por último, eram de diversão as máquinas que, não pagando prémios em fichas, dinheiro ou coisas com valor económico, não assentassem os seus resultados exclusivamente na sorte, mas também no cálculo ou perícia do jogador. Com o Decreto-Lei n.º 22/85 passaram para o âmbito dos jogos de fortuna ou azar os jogos de máquinas que sendo até aí «modalidades afins», se vinham revelando «meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar», já que favoreciam a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduziam os resultados, dependentes, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte. Dito de outro modo, com o Decreto-Lei n.º 22/85 e com o Decreto-Lei n.º 422/89, no que toca aos jogos desenvolvidos em máquinas, passaram a ser considerados de fortuna ou azar os que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. Assim, não é elemento do tipo legal de crime de exploração de jogo de fortuna ou azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 24/05/1995). Daí que os jogos proporcionados por máquinas com essas características - com resultados dependentes, exclusiva ou fundamentalmente, do acaso - sejam considerados de fortuna ou azar, quer paguem, quer não paguem, directamente prémios em dinheiro ou em fichas, sendo o seu uso confinado às salas de jogo autorizadas. O tratamento dualista dos jogos como sendo de fortuna ou azar, por um lado, ou suas «modalidades afins», por outro, continua a suscitar algumas dificuldades, quando se trata de definir com rigor o respectivo elemento diferenciador (vejam-se a este propósito, e com o devido respeito, os mais recentes Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto). Sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos. O critério de «prémios previamente fixados» nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e «prémios não previamente fixados» nos jogos de fortuna ou azar, apesar de tendencialmente correcto, admite-se não ser exacto (há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo, assim, falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados – cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 5/02/1997 e de 9/07/1997, respectivamente, in C. J., Ano XXII - 1997, Tomo I, págs. 249 e segs. e C. J., Ano XXII - 1997, Tomo IV, págs. 234 e segs.). A este critério poderá e deverá acrescentar-se um outro elemento diferenciador, que radica nas «operações oferecidas ao público», existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito. Isto é, nas modalidades afins (em cuja definição o legislador seguiu técnica análoga à dos exemplos-padrão, combinando uma cláusula geral abrangente com uma enumeração exemplificativa de modalidades que concretizam o conceito-base), «pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público, pelas respectivas promotoras, e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática». Definido nestes termos o quadro legal, passemos, agora, a analisar o caso sub judice e a acusação deduzida. Lida a acusação deduzida pelo Ministério Público concluiremos, seguindo o que se acabou de deixar dito, que das duas máquinas ali referidas apenas a primeira («distribuidora de berlindes») caíra na categoria de máquinas de jogo de fortuna ou azar. Com efeito, e conforme se refere na acusação em apreço, na máquina distribuidora de caramelos e chocolates a pessoa que aí jogar sabe à partida que vai ter direito a um dos chocolates apresentados no cartaz, só não sabe é a qual. Ao contrário, na primeira das máquinas referidas, o jogador, para além de não ter a certeza quanto ao prémio, este a existir é sempre pago em dinheiro. Como se referiu em cima, o tratamento dualista dos jogos como sendo de fortuna ou azar, por um lado, ou suas «modalidades afins», por outro, continua a suscitar algumas dificuldades, quando se trata de definir com rigor o respectivo elemento diferenciador, sendo a situação em apreço um claro exemplo disso. Na verdade, sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos. Como também já se disse, o critério de «prémios previamente fixados» nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e «prémios não previamente fixados» nos jogos de fortuna ou azar, apesar de não ser completamente exacto, é um critério tendencialmente correcto. A este critério poderá e deverá acrescentar-se um outro elemento diferenciador, que radica nas «operações oferecidas ao público», existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito. Ora, tendo-se consagrado na acusação pública deduzida que a máquina distribuidora de caramelos e chocolates desenvolvia um tipo de jogo que consistia, genericamente, na compra pelo jogador de uma das cápsulas ovais que se encontravam dentro de um extractor e que no seu interior continham uma senha com uma indicação referente ao objecto ganho, que para além de se encontrar predeterminado (a inscrição constante da senha correspondia obrigatoriamente a um objecto predeterminado, identificado no expositor), saía sempre, parece ser de concluir, no seguimento da exposição teórica vertida na presente decisão, que tal máquina não desenvolvia (ou desenvolve) jogo de fortuna ou azar, tal como os mesmos se encontram definidos nos arts. 1º e 4º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Importa ainda ter em consideração que a máquina em questão se encontrava num estabelecimento comercial de café, no local onde era «oferecida» pelos arguidos e «procurada» pelo público juntamente com outros produtos e/ou serviços, e não num estabelecimento destinado única e exclusivamente ao jogo e onde o público se dirigia apenas para a sua prática. Em conclusão, podemos afirmar que a máquina em questão desenvolvia um jogo que dependia no seu resultado final exclusivamente da sorte, mas que atribuía prémios com valor económico (e não pecuniário), predeterminados, sendo que em cada «jogada» ou «aposta» o jogador ganhava «obrigatoriamente» um prémio. Por outro lado, a máquina em questão era oferecida ao público em local não destinado exclusivamente ao jogo e aquele deslocava-se a tal local não com o objectivo principal de jogar, mas sim de procurar outros objectos ou serviços. Conclusão contrária vale para a primeira das máquinas citadas. Resulta, assim, do exposto que a matéria de facto descrita na acusação apenas é susceptível de consubstanciar a prática pelas arguidas do crime que lhes vem imputado, porquanto apenas a primeira das máquinas desenvolve um jogo de fortuna ou azar. O que se disse é, por conseguinte e ressalvado sempre o devido respeito por diferente opinião, suficiente para o provimento do requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido H………, pois aplicando os princípios e conceitos supra enunciados ao caso sub judicie afastada está nos autos qualquer probabilidade de lhe vir a ser aplicada uma pena em sede de julgamento”. Quanto à conduta da arguida B……….. . (...) Tendo em consideração que os factos descritos na acusação e não englobados na parte referente à suspensão provisória do processo são susceptíveis de configurarem a prática de um ilícito contra-ordenacional, após trânsito extraia certidão de todo o processado útil e remeta-a à entidade participante, à ordem da qual se manterão, naquela parte, as apreensões efectuadas, tudo para os fins tidos por convenientes”. Inconformado, o Digno Magistrado do M.º P.º interpôs recurso, que limitou à “parte que decidiu não pronunciar os arguidos B………. e H………., pelos factos constantes da acusação pública e que se referem à exploração da máquina designada por «distribuidora de caramelos e chocolates»”. Extraiu da sua motivação as seguintes conclusões: 1. O M.º Juiz de Instrução considerou na sua douta decisão de 01-10-2007 que a máquina apreendida com a designação «distribuidora de caramelos e chocolates» que se encontrava no estabelecimento comercial explorado pela arguida B………. e que ali tinha sido colocada pelo arguido H………. não integra a previsão de crime ilícito de jogo, sendo antes contraordenação, pelo que se decidiu pela não pronúncia; 2. O Ministério Público discorda de tal decisão pugnando pela pronúncia dos arguidos nos termos já constantes da acusação pública, por entender que a conduta dos arguidos integra a prática do crime; 3. Na verdade, da leitura do art.º 1.°, do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, constata-se que o legislador optou por uma definição ampla de jogo de fortuna ou azar, baseando-se numa perspectiva material, elegendo como critério de distinção do jogo de fortuna ou azar perante todos os outros, um desenvolvimento tal que só se possa obter resultados fundados exclusiva ou fundamentalmente na sorte; 4. Isto independentemente da presença ou não de prémios e da qualidade dos mesmos (em dinheiro ou em espécie, de valor económico variável); 5. Na realidade, o legislador quis que as máquinas cujos jogos tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso restrito às zonas de jogos autorizadas e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar quer paguem quer não paguem directamente prémios em dinheiro ou em fichas; 6. E, na verdade, temos para nós que o elemento diferenciador entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins e o facto do resultado daqueles depender exclusiva ou fundamentalmente na sorte; 7. E, em nossa opinião, é precisamente este o critério que deve distinguir os jogos de fortuna ou azar, conforme vem legalmente previsto, sendo irrelevante que o jogador possa obter vantagem económica, maxime, um prémio em dinheiro; 8. Na verdade, no caso concreto dos autos, o jogo em questão não se enquadra dentro das operações de oferta ao público e o seu desenvolvimento assenta exclusivamente na sorte, não tenho o jogador qualquer intervenção baseada na sua perícia, pois que o jogador apostava dinheiro, na esperança aleatória de ganhar um prémio maior, sendo o resultado contingente e dependente única e exclusivamente da sorte; 9. E isto independentemente de haver sempre lugar a um prémio, em espécie, de valor económico variável, tendo, naturalmente, os jogadores a expectativa de serem premiados com os melhores prémios, neste caso os melhores chocolates; 10. E corriam, sim, o risco de perder, caso a sorte lhes ditasse a atribuição de um dos prémios menores, um dos chocolates menos valiosos. 11. Em face do exposto, temos que considerar que a máquina em apreço desenvolve um jogo de fortuna ou azar, devendo os arguidos ser pronunciados. 12. Assim, o Meritíssimo Juiz «a quo» fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 1º, 3. ° e 4. °, n.° 1, alínea g), 108.°, n.° 1 e n.° 2, e 115.°, do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, tendo a decisão instrutória violado as mesmas. Respondeu a arguida B………. com as seguintes conclusões: 1. Contra o que defende o Ministério Público na sua douta motivação, a razão está o lado do M.º Juiz de Instrução Criminal, cuja argumentação abona suficiente e proficientemente em favor da conclusão de que a máquina dos autos não é de fortuna e azar e a sua exploração não se consubstancia na prática de um crime de exploração de jogo ilegal. 2. Caso se venha a entender, contra o que concluiu o Tribunal a quo, que afinal a exploração da máquina de chocolates poderia traduzir-se, em abstracto, na prática de um crime de exploração ilícita de jogo, 3. Não poderá, todavia, deixar de avaliar-se o relevo da autorização dada pelo Governo Civil de Braga para a sua exploração, no sentido de que tal autorização, mesmo que indevida, determinou o afastamento da ilicitude da factualidade típica eventualmente imputada à arguida (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, Coimbra Editora, 2004, 18.° Cap., § 17). Nesta Relação, o Ex.mo PGA limitou-se a apor o seu Visto. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. A única questão do presente recurso é de saber se a máquina distribuidora de caramelos e chocolates, que estava a ser operada, deve ser considerada como enquadrável nos jogos de fortuna e azar ou apenas na modalidade afim de jogos de fortuna e azar. O Sr. Juiz, depois de, com muito mérito, e aprofundadamente, nos dar conta da evolução legislativa (e até das razões que lhe subjazem), conclui que se trata de máquina cujo uso é subsumível ao disposto no art.º 159º do DL 422/89, de 2 de Dezembro já que se trata de «modalidade afim» dos jogos de fortuna e azar. E isto porque a distinção não pode fazer-se com base apenas no critério da aleatoriedade do resultado, nem no critério de «prémios previamente fixados». A estes “poderá e deverá acrescentar-se um outro elemento diferenciador, que radica nas «operações oferecidas ao público», existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito”. Contrapõe o M.º P.º que o legislador optou por uma definição ampla de jogo de fortuna ou azar, baseando-se numa perspectiva material, elegendo como critério de distinção do jogo de fortuna ou azar perante todos os outros, um desenvolvimento tal que só se possa obter resultados fundados exclusiva ou fundamentalmente na sorte. Isto independentemente da presença ou não de prémios e da qualidade dos mesmos (em dinheiro ou em espécie, de valor económico variável). Na realidade, o legislador quis que as máquinas cujos jogos tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso restrito às zonas de jogos autorizadas e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar quer paguem quer não paguem directamente. Quid juris? Foi recentemente publicado por esta Relação, em 26/9/2007, acórdão que, em nossa opinião, fornece o correcto critério diferenciador (vide www.dgsi.pt.pt). Depois de também fazer uma resenha histórica dos diplomas que foram regulando o jogo em Portugal, interpretando o vigente de forma lógica, com especial realce para os elementos sistemático, histórico e teleológico, aí se escreveu: “No âmbito do Decreto-Lei 48912 de 18.3.1969, a distinção entre jogo de fortuna e azar e modalidade afim, resultava claramente definida. Aquele era definido por «os resultados serem contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte». Por contraposição, esta era definida como «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte». A distinção entre os dois conceitos, resultava então, clara e inequívoca: os resultados dos jogos de fortuna ou azar dependiam exclusivamente da sorte ao passo que os das operações oferecidas ao público, consideradas modalidades afins, dependiam essencialmente da sorte. Com a publicação do Decreto-Lei 422/89, o legislador introduziu alguns elementos perturbadores, na qualificação entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim de jogo de fortuna ou azar. Assim, no artigo 1º, definiu-se jogos de fortuna ou azar como «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». A situação ainda mais confusa ficou, com a redacção actual, conferida pelo Decreto-Lei 10/95, ao artigo 159º, que definiu modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar como “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte e que atribuem como prémio coisas com valor económico”, n.º 1, “sendo aqui abrangidos, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”, nº. 2. (...) O artigo 68º, dispõe que «o fabrico, a exportação, a importação, a venda e o transporte de material e utensílios caracterizadamente destinados à prática de jogos de fortuna ou azar carecem de autorização da Inspecção-Geral de Jogos». Por sua vez, o artigo 4º, contém uma enumeração exemplificativa do que são jogos e fortuna ou azar, dispondo que “nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: (…) alínea g) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte». Por seu turno, o artigo 161º/3 estipula que «as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159º, não podem desenvolver temas característicos do jogos de fortuna ou azar, nomeadamente póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir dinheiro ou fichas, os prémios atribuídos», constituindo contra-ordenação a violação do disposto nesta norma, artigo 163º/1. Em face deste ordenamento jurídico, multiplicaram-se as decisões dos tribunais, acerca dos critérios de distinção entre jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins: 1. Enquanto, uns, situam a linha de fronteira, na natureza dos prémios atribuídos: quando fossem em dinheiro, estar-se-ia perante jogos de fortuna ou azar, ao passo, que a atribuição de prémios de outra natureza, caracterizariam a modalidade afim. 2. Para outros, o que distingue os jogos de fortuna ou azar, das modalidades afins, é o facto de no primeiro, o jogador poder auferir uma vantagem de valor determinado, em função da aposta, que pode multiplicar, de uma única vez, por forma a que entra num certo risco, auferindo uma vantagem em proporção não controlável por si, enquanto que no jogo afim, o jogador praticamente nada arrisca, a sua entrada não se reveste da característica da aposta, mas apenas do preço da jogada, que é simples, sem possibilidade de ela mesmo se multiplicar e o prémio que pode obter é fixo e pré-determinado. 3. Ainda, segundo outros, não existe distinção material entre os conceitos de jogos de fortuna ou azar e modalidades afins, defendendo que a distinção tem de ser forma. Assim, seriam considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração nos termos do artigo 4º/1 e 3, seja autorizada em casinos, donde o campo de aplicação do ilícito criminal se restringe à exploração e outras actividades ilícitas que tenham por objecto esses jogos de fortuna ou azar. As modalidades afins supõem sempre a procura e oferta ao público, por parte dos respectivos promotores e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos, onde o público se dirige para a sua prática. 4. Também este Tribunal, já decidiu que «é ilícita a exploração de jogos cujo resultado dependa exclusivamente do acaso, mesmo que desse resultado não advenha qualquer vantagem ou desvantagem económica para o jogador». 5. Mais recentemente, o tribunal da Relação de Évora, entendeu que os elementos de distinção que a lei utiliza no que concerne aos jogos afins são por um lado, o tema do jogo que não pode coincidir com tema de jogo de fortuna ou azar e a natureza do prémio que não pode consistir em dinheiro. Donde conclui que, qualquer jogo cujo resultado dependa exclusiva ou parcialmente da sorte e cujo prémio seja em dinheiro, desenvolva ou não tema de jogo de fortuna ou azar, integra o conceito de jogo de fortuna ou azar. Do confronto da definição de jogos de fortuna ou azar, contida no artigo 1º - aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte - com a norma contida no artigo 159º, donde resulta serem elementos essenciais do conceito de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, o facto de serem operações de oferta ao público; o facto de ter de existir esperança de ganho; o facto de os resultados terem que depender conjuntamente da sorte e perícia do jogador ou só da sorte e, o facto de os prémios terem de consistir em coisas com valor económico e, com a proibição, contida no artigo 161º/3, no tocante à utilização pela modalidades afins de temas característicos dos jogos de fortuna ou azar e de substituição dos prémios, por dinheiro ou fichas, cremos resultar inequívoco, fazendo apelo a todos e a cada um dos critérios supra enunciados, numa tese, digamos, eclética, que no caso o material apreendido, constitui jogo de fortuna ou azar. Na interpretação das normas jurídicas, deve-se ter presente o estatuído no artigo 9º C Civil, que no seu nº.1, dispõe que «a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada»; no seu nº. 2, dispõe que «não pode, ser considerado, porém, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» e, no seu nº. 3, que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Senão, vejamos: O legislador quis que o material reportado a jogos que tenham resultados dependentes essencialmente do acaso tenham o seu uso restrito às zonas de jogos autorizadas e que os jogos proporcionados pelas mesmas sejam considerados de fortuna ou azar quer paguem quer não paguem directamente prémios em dinheiro ou em fichas. O legislador optou por uma definição ampla de jogo de fortuna ou azar, podendo-se surpreender como elementos diferenciadores, entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins, por um lado, num aspecto digamos, que formal, o facto de nas modalidades afins do jogo de fortuna ou azar, as operações serem oferecidas ao público e, por outro, numa perspectiva, agora material, o facto de o resultado nos jogos de fortuna ou azar, se fundar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, isto, independentemente da presença ou não de prémios e da sua qualidade, em dinheiro ou em espécie, prémios, que nas modalidades afins, não podem ser dinheiro, nem trocados por dinheiro ou fichas. A linha de fronteira entre os jogos de fortuna e azar das modalidades afins não pode ser traçada, como defende o recorrente, na existência ou não de prémios previamente fixados, nem na participação, à partida, de um número indeterminado de pessoas, nem o factor potenciação de viciação. A intenção do legislador, passa pelo entendimento de se considerar que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador, são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respectivo jogo”. Crê-se ser este o critério correcto para se fazer a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins destes. Que, na prática, coincide com o do Sr. Juiz. Todavia, utilizando o aludido critério, o resultado final tem de ser oposto daquele a que chegou o Sr. Juiz, como demonstraremos Com efeito, como bem explana o Sr. Juiz a quo, tratava-se de “máquina distribuidora de caramelos e chocolates (que) desenvolvia um tipo de jogo que consistia, genericamente, na compra pelo jogador de uma das cápsulas ovais que se encontravam dentro de um extractor e que no seu interior continham uma senha com uma indicação referente ao objecto ganho, que para além de se encontrar predeterminado (a inscrição constante da senha correspondia obrigatoriamente a um objecto predeterminado, identificado no expositor), saía sempre”. Com benefício ou prejuízo, acrescentamos nós. Com possibilidade de se tratar de prémio codificado, com todos os riscos daí inerentes. Ora, assim sendo, temos que: 1. A máquina em questão dava prémios exclusivamente dependentes do acaso; 2. O legislador quis que, em princípio, tais máquinas tenham o seu uso restrito às zonas de jogos; 3. Por isso, qualificou como jogos de fortuna e azar quer paguem quer não paguem directamente prémios em dinheiro ou em fichas. 4. In casu, não se tratava de operação oferecida ao público, entendida a expressão em termos técnico-jurídicos. Antes não havia qualquer oferta, trata-se de situação estática (a máquina “esperava”, no local onde fora colocada, que o público a procurasse). Deve, pois, o jogo ser considerado como de fortuna ou azar. DECISÃO: Termos em que, no provimento do recurso, se revoga o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que parta do pressuposto de que, ao usar-se tal máquina, se está a praticar jogo de fortuna ou azar. Sem tributação porque a arguida se limita a defender o julgado. Porto, 27.02.2008 Francisco Marcolino de Jesus Ângelo Augusto Brandão Morais |