Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2809/21.2T8LOU.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: EMPREITADA DE CONSUMO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RP202411072809/21.2T8LOU.P1
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O resultado do recurso da matéria de facto não pode dar como não provada uma factualidade admitida pelo próprio apelante, de forma expressa, na sua contestação.
II - Deve ser qualificada como empreitada para consumo, o acordo celebrado entre um consumidor e um profissional tendo em vista a realização de obras numa fracção para habitação do primeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2809/21.2T8LOU.P1

Sumário:

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1. Relatório

AA e mulher BB residentes em Rue ..., ... ..., Suíça, intentaram a presente ação declarativa de condenação contra CC, NIF ..., residente na Rua ..., ... Lousada, peticionando o decretamento da resolução do contrato de compra e venda que identificam, celebrado com o réu, e em consequência a sua condenação à restituição do preço de 25.500,00€ (vinte e cinco mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, peticionaram o decretamento da redução do preço contratual para um valor a determinar com base em juízos de equidade e em prova pericial, que estimam em 7.000,00€ (sete mil euros).

Cumulativamente, peticionaram a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de 5.365,83€ (cinco mil trezentos e sessenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos) correspondente aos danos patrimoniais causados pelo atraso na entrega da mercadoria comprada e paga ao réu; a pagar-lhes a quantia de 2.980.91€ (dois mil novecentos e oitenta euros e noventa e um cêntimos), referente aos custos de montagem de móveis fornecidos que o réu se teria recusado a executar, apesar de a tal estar contratualmente obrigado, e ainda a suportar o pagamento de uma indemnização no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Invocaram para o efeito, em suma, ter celebrado com o réu um contrato para aquisição de móveis e eletrodomésticos que este teria incumprido, desrespeitando o prazo de entrega, apresentando os materiais fornecidos defeitos, negando-se ainda ilicitamente o réu a proceder à sua montagem, causando prejuízos morais e patrimoniais que descrevem e que sustentariam a sua pretensão.

O réu contesta negando a versão trazida a juízo pelos autores, admitindo a relação contratual, mas negando as imputações de atraso na entrega dou defeito nos bens ou recusa na montagem, referindo as dificuldades trazidas pela pandemia COVID-9 e impugnando os alegados danos causados, concluindo pugnando pela improcedência da ação.

Responderam ainda os autores reiterando a sua posição.

Foi saneado e instruído o processo e realizada audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que condenou o Réu nos seguintes termos:

Julga-se a presente ação parcialmente procedente: i. Decretando-se e redução do preço contratual, dos 25.500,00€ (vinte e cinco mil e quinhentos euros) para um valor a determinar após avaliação, nos termos do art.º 884.º do Código Civil, ex vi art.º 1222.º do mesmo diploma, pelo fornecimento dos bens aos autores nos termos apurados nos autos e descritos em 7; ii. Condenando-se o réu a pagar aos autores a quantia de 5.365,83€ (cinco mil trezentos e sessenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos) correspondente aos danos patrimoniais causados pelo atraso na entrega da mercadoria comprada e paga; iii. Condenando-se o réu a pagar a cada um dos autores a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;

Inconformado veio este interpor recurso o qual foi admitido como de apelação, o qual subirá imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo – v. art.os 644.º, n.º 1, al. a), 645.º e 647.º, n.º 1 e n.º 3 a contrario sensu, todos do CPC.


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2.1. O apelante apresentou alegações concluindo, nos seguintes termos:

a) Foi fundamento da decisão sub recurso o alegado atraso na entrega da mercadoria pelo réu aos autores.

b) Para tal, o tribunal a quo deu como provado o facto n.º 4 da matéria dos factos provados, o qual refere que ficou convencionado que a entrega dos móveis seria entre os dias 9 e 13 de Março de 2020.

c) Foi declarado o incumprimento contratual do réu, accionado o mecanismo da responsabilidade civil contratual com a consequente condenação na obrigação de indemnizar.

d) Não foi convencionado entre as partes que a entrega dos móveis seria entre os dias 9 e 13 de Março de 2020

e) Cabia aos recorridos fazer a prova da existência de um acordo entre as partes quanto à data em que seria entregue a mercadoria, o que estes não lograram.

f) Em resumo, todos os elementos essenciais do contrato foram reduzidos a escrito.

g) Por à luz da forma escrita como foi feita a comunicação entre as partes durante toda a relação contratual ser incoerente, ilógico e não expectável que um elemento tão importante como a data da entrega da mercadoria não fosse comunicada por escrito.

h) Do depoimento da testemunha DD consegue retirar-se que não houve o famigerado acordo para a entrega da encomenda entre 9 e 13 de Março, e ouve vários e sucessivos adiamentos na entrega da mercadoria, contudo, todos ocorreram por iniciativa e vontade dos autores.

i) Do exposto, resulta que não houve atraso na entrega da encomenda e, por conseguinte, não se verificou incumprimento contratual por banda do réu e, muito menos, que o constitua na obrigação de indemnizar os autores.

j) Dispõe o artigo 662.º, n.º1 do CP Civil que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

k) É nosso entendimento que, face à prova produzida, o tribunal a quo não devia qualificar como provado o facto incluso como n.º 4 da matéria dos factos provados.

l) Houve, assim, violação da norma prevista no artigo 662.º, n.º1 do CP Civil.

m) O facto n.º 4 da relação de factos provados e deve ser considerado como não provado.

n) Reconhecido que não houve atraso na entrega da mercadoria por parte do réu nem houve incumprimento contratual da sua parte.

o) absolvição do réu da obrigação de absolvido da condenação de pagamento da indemnização descrita nos pontos ii. e iii. do segmento da decisão da sentença.

3. questões a decidir

1. Do recurso sobre a matéria de facto

2. Apreciar depois, face ao mesmo, se a decisão proferida deve ou não ser alterada.

4. Do recurso sobre a matéria de facto

Pretende a apelante que a factualidade do ponto nº4 dos factos provados seja considerada não provada.

Nesta matéria o tribunal a quo fundamentou que: “Ora, para além do crédito que receberam, em geral, as declarações dos autores, corroboradas em diferentes aspetos e momentos pela restante prova por si trazida à lide, mostrou-se particularmente relevante a declaração de adjudicação, subscrita pelo réu e datada de 25 de março de 2019, onde se refere o preço a pagar, por referência ao orçamento de 21 de março de 2019, bem como o modo de pagamento inicial de 50% do montante de 25.500,00€. Este orçamento ostentou assim uma outra importância para além da mera “formalidade” a que o réu e seu pai fizeram menção, ali se prevendo igualmente o modo de pagamento da quantia conforme argumentação dos autores, referida em 3. É também admitido que foi este o montante total pago, pelo que a invocação trazida pelos autores mereceu aqui pleno crédito. De igual modo, creu o tribunal nas declarações dos autores quanto ao tempo de entrega firmado pelas partes, explicando que dentro da calendarização dos trabalhos na sua nova casa, era esse o período que estaria reservado para a colocação dos móveis e eletrodomésticos encomendados ao ré, o que vem secundado pelo teor da mensagem de correio eletrónico datada de 6 de fevereiro de 2020 (de EE < ..........@.....)), de onde se retira isso mesmo, que na ordem sucessiva de trabalhos a realizar para conclusão da moradia, era aquele o tempo definido para a execução da cozinha, móveis e portas interiores. Mostrou-se ainda premente para os autores ser dado cumprimento a tal calendarização, pois erguia-se o risco de ressarcir terceiro por qualquer atraso, o que veio reforçar ainda mais a convicção de que aquele era o momento acordado para a entrega. E a testemunha FF, pai da autora, teria procedido em fevereiro à colocação de tijoleira (“carrelage”), atendendo à mesma calendarização. Foi assim consolidada esta convicção, não colhendo relevo, perante esta prova, a mensagem junta pelos réus, datada de 25 de janeiro de 2020”.

Nesta matéria teremos de notar que o Sr. GG (carpinteiro que montou os moveis na casa dos AA incluindo a cozinha disse quanto à qualidade do material: “honestamente nem dado (…) o material não tem categoria para de quinta categoria”. Pergunta se a falta de qualidade era visível a olho nu, a resposta foi: “a quilómetros”.

Ou seja, temos aqui um expressivo depoimento testemunhal de alguém aparentemente independente sobre a questão principal da causa.

O Sr. DD, pai do empreiteiro, foi inquirido durante mais de 30 minutos, sendo que confirmou essencialmente a alteração dos orçamentos e da marca dos eletrodomésticos, sendo que acaba por admitir que “não sei como é que eu sei só vendo os documentos”. Ou seja, esse depoimento além de interessado (a determinada altura foi-lhe dito o Sr. está aqui a representar o seu filho), é inócuo quanto a esta matéria que não lhe foi directamente perguntada, sendo que este admite (min 26 e segs) que ia entregar a obra na data. E que “foi fixada data para a conclusão da obra (dezembro)”, mas que quando lá chegou a obra “estava muito atrasada”. Ao minuto 46 admite que exista um prazo para entrega e montagem que era inicialmente Dezembro e depois foi adiado para Janeiro porque “a obra não estava pronta”.

Depois, do orçamento junto com a pi resulta que o prazo de pagamento era fraccionado no tempo incluindo “a conclusão da obra”.

Da carta enviada pelos AA, na qual efectuou uma reclamação (doc junto com pi) consta já que:

Consta da própria contestação (art. 3 e 4º) que afinal existia uma data acordada para a entrega e montagem dos móveis a qual não foi cumprida. Ou seja, estranho seria que não existisse um prazo de conclusão quando este foi alegado pelo réu na contestação.

Logo é inequívoco com a prova produzida e simples leitura da contestação que a factualidade constante do ponto 4 deve ser considerada provada por se basear em elementos documentais e valoração racional da prova produzida.

Improcede, pois, o recurso sobre a matéria de facto.


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5. Motivação de facto
1. Porquanto no início de 2020 os autores pretenderam mudar de habitação para a moradia que adquiriram, sita em Rue ..., ... ..., Suíça, encomendaram ao réu, no âmbito da atividade deste de fabrico e venda de mobiliário/carpintaria e comércio de eletrodomésticos, sob a marca/firma “A...”, o seguinte mobiliário e eletrodomésticos:

Cozinha

- Móveis de cozinha em melanina cor branca de 19mm.

- Portas para os móveis em MDF hidrófugo de 19mm, com lacagem a cor –branca RAL 9003, acabamento mate.

- Gavetas com sistema de amortecedor e extração total.

- Dobradiças das portas com amortecedor e click de extração.

- Canto do móvel com acessório de extração, para arrumação.

- Iluminação led para os móveis.

Eletrodomésticos

- Forno elétrico pirolítico.

- Placa elétrica de indução.

- Exaustor de gaveta em inox com 90 cm.

- Pio para lavar a louça inox.

- Torneira misturadora em inox.

- Frigorífico combinado de encastrar.

- Máquina de lavar louça de encastre.

- Micro-ondas de encastre.

Granito

para os móveis de 3cm de espessura refª Negro Angola.

Portas interiores

-Portas interiores em favo lisas, com folheado a carvalho natural.

- Aro das portas em madeira 100% maciça de carvalho.

- Puxadores em inox liso.

- Borracha de batente.

Roupeiros de encastrar com portas de correr, com um espelho

Dimensões:

1 – 1.20 x 2.40 x 0,60 – Carvalho.

1 – 2.42 x2.40 x 0.60 – Branco.

1 – 2.50 x 2.40 x 0.60 – Branco.

1 – 1.74 x 2.40 x 0.60 – Branco.

- Com divisórias com varão, 1 bloco de gavetas e prateleiras.

- Ferragens deslizantes em alumínio, com rodas de 80 mm com rolamentos metálicos.

- Corrediças de gavetas com extração total sem amortecedor.

- Uma porta por roupeiro com espelho colado na frente.

Portas interiores com foleado de carvalho, com aro para portas em 100% madeira maciça de Carvalho.

Com acabamento natural com verniz incolor.

Camas

três camas.

três colchões.

mesas de cabeceira.

Degraus.

em madeira maciça de Carvalho Natural com verniz incolor.

Portas Interior

Com folheado de carvalho, com aro para portas em 100% madeira maciça carvalho.

Com acabamento natural com verniz incolor.
2. Os autores acordaram com o réu o fabrico, fornecimento, entrega e instalação de todos aqueles bens (móveis, eletrodomésticos, granitos, carpintaria), para aplicação na sua nova casa, mediante o pagamento do preço de 25.500,00€ (vinte e cinco mil e quinhentos euros).
3. Acordaram ainda liquidar 50% do valor na adjudicação, 30% quando o material se encontrasse finalizado em fábrica e 20% aquando da entrega de todos os bens
4. Convencionando ainda que a entrega dos móveis seria entre os dias 9 e 13 de março de 2020.


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5. A entrega ocorreu no dia 16 de junho de 2020.
6. Tendo os autores pago com a adjudicação 50% do montante acordado e anteriormente à entrega a a parte sobrante posteriormente.
7. Nos móveis recebidos pelos autores revelou-se:

- Lascas nos cortes dos móveis em melanina, encontrando-se as fitas de cobertura dos topos quase todas descoladas;

- Deficiências nos móveis em MDF hidrófugo;

- Desacordos nas medidas e desenhos dos 5 armários perante a escolha inicial, (com desenho de modelo);

- Medidas erradas em 3 camas, colchões e estrados;

- Que os leds das mesinhas cabeceiras, não correspondiam ao pedido;

- Que os armários não estavam preparados para receber os leds;

- Que os eletrodomésticos não eram da marca encomendada (...);

- Que o modelo da cozinha não correspondia ao que foi pedido;

- Que os colchoes não eram da marca pedida;

- Que as escadas padeciam de deficiências, sendo feitas de peças coladas, com distintas cores;

- Que as portas estavam lascadas;

- Que a pedra mármore da cozinha não vinha com as esquinas cortadas;

- E que o escorredor da loiça não correspondia ao encomendado.
8. O réu recusou-se ainda a fazer a montagem dos móveis, reduzindo em 530,00€ o preço pedido aos autores, em contrapartida.


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9. Com a ocorrência a que se alude em 8, os autores chamaram dois trabalhadores para o fazer, no que gastaram 2.900 francos - 2.619,59€ (dois mil seiscentos e dezanove euros e cinquenta e nove cêntimos).
10. Para procederem à montagem, os autores tiveram ainda de adquirir ferragens e peças, com o que despenderam 400 francos - 361,32€ (trezentos e sessenta e um euros e trinta e dois cêntimos).
11. A decorrer do tempo entre as datas referidas em 4 e 5, sem a entrega dos móveis, impediu os autores de mudar para a casa na data prevista (meados de março de 2020) e forçou-os ao prolongamento do contrato de arrendamento do apartamento onde habitavam, com o consequente pagamento das rendas até 31 de julho de 2020, com o que despenderam 5.200 francos - 4.751,76€ (quatro mil setecentos e cinquenta e um euros e setenta e seis cêntimos).
12. E implicou ainda que os tivessem de arrendar uma garagem para guardar/armazenar material (nomeadamente das casas de banho) que haviam comprado para a moradia, e que só para lá podiam ser transportados depois da montagem dos móveis, com o que gastaram 672 francos - 614,07€ (seiscentos e catorze euros e sete cêntimos).

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13. Os autores, confrontados com o estado dos bens que receberam, tentaram contactar o réu para que os substituísse, sendo que este não os atendeu.
14. Posteriormente, e através do seu mandatário, os autores interpelaram o réu por missiva enviada em 23 de junho de 2020, elencando os defeitos da encomenda recebida, concedendo até ao dia 15 de julho de 2020 para a sua substituição.
15. O réu nada fez posteriormente.

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16. Com o ocorrido, os autores sentiram incómodos, desconforto e ansiedade, sentindo-se prejudicados pelas condições da casa que que habitam, vendo o seu projeto e qualidade de vida perturbados, com pela falta de conforto e bem-estar na sua própria casa.

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17. A fronteira para permitir a entrada de cidadãos estrangeiros no estado suíço esteve encerrada no período de 13 de março de 2020 até pelo menos 14 de junho de 2020.

5. Motivação Jurídica

O contrato de empreitada é, nos termos do art.º 1207.º do C.Civil, o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço.

Esta figura contratual deve ser qualificada como típica, nominada, sinalagmática e onerosa, e consiste na modalidade do contrato de prestação de serviço (art.º 1154.º do C. Civil). A sua regulamentação aplica-se o regime plasmado dos arts 1207.º a 1228.º do C.Civil.

Acresce que, no caso dos autos esta empreitada foi ajustada no quadro de uma relação de consumo pelo que lhe é aplicável o regime da empreitada de consumo nos termos do DL 67/2003, de 08.4 (art.º 1.º-A, n.º 2) e, subsidiariamente, as disposições do CC.[1]

Este diploma consagra um regime especial, mais favorável, só devendo ser atendidas as disposições previstas no C. Civil nas situações não reguladas.

A noção de consumidor, prevista no art.º 1.º-B, al.a) do DL 67/2003 de 08.4, alterado pelo DL 84/2008 de 21.MAI, resulta da conjugação de quatro elementos:

1. subjectivo (todo aquele no sentido de que abrange todas as pessoas físicas ou jurídicas),

2. objectivo (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos quaisquer direitos”); 3. teleológico (“destinados a uso não profissional”)

4. e relacional (“a contraparte é uma “pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”).

Estes elementos estão verificados, pelo que o contrato dos autos deve ser qualificado como empreitada de consumo o contrato celebrado por quem destina a obra encomendada a um uso não profissional e alguém que exerce, com carácter profissional, uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração.

Na execução da obra o empreiteiro deve executá-la em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato –art.º 1208.º do C. Civil.

O empreiteiro está, por isso obrigado a realizar uma obra, a obter certo resultado em conformidade com o convencionado e sem vícios.

E, ocorrerá, uma situação de cumprimento defeituoso sempre que o empreiteiro entregue uma obra que não tenha sido realizada nos termos devidos, isto é, quando o cumprimento efectuado não corresponda à conduta devida.

In casu é evidente que a obra foi realizada com vícios em desconformidade com o acordado, conforme resulta dos factos provados nºs 7 e 8.

Acresce que a regra básica, em matéria de incumprimento, é que as partes devem cumprir pontualmente as obrigações decorrentes dos contratos que celebram, em relação ao que se presume a culpa do devedor –artºs 406.º, n.º 1 e 799.º, n.º 1, ambos do C. Civil.

E que o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza pontualmente a prestação a que está vinculado - art.º 762.º, n.º 1 do C. Civil.

Nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do C. Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua sendo que incumbe ao dono da obra demonstrar o defeito e sua natureza (art.º 342.º, n.º 1 do C.Civil) e depois, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro.

Conforme escreve o Sr. Cons. Cura Mariano[2]O estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal da ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas de verificação do incumprimento.”.

Ora, in casu é evidente, não apenas, o não cumprimento pontual da prestação, como o cumprimento defeituoso da mesma o qual causou os danos objecto da condenação na decisão recorrida.

Logo, inexiste fundamento para alterar a conclusão jurídica.


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7. Deliberação

Pelo exposto, este tribunal colectivo julga a presente apelação não provida e, por via disso, confira integralmente a decisão recorrida.


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Custas a cargo do apelante porque decaiu inteiramente.

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Porto, 7.11.2024
Paulo Duarte Teixeira
Ernesto Nascimento
Carlos Portela
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[1] apesar da publicação do DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro, que revogou o referido DL 67/2003, os factos aqui em discussão ocorreram antes do início de vigência da lei actualmente em vigor.
[2] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2013, pág. 119.