Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3527/23.2T8GMR-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PROVA PERICIAL
VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP202406173527/23.2T8GMT-E.P1
Data do Acordão: 06/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão da execução a que se refere a al. b) do nº 1 do artigo 733.º do CPCivil não é obrigatória; não se impõe ao julgador-de forma automática-, sem mais, desde que exista o aludido “princípio de prova”. O juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor.
II- Importa, assim, fazer um uso equilibrado desta faculdade de suspensão da instância executiva respeitador do princípio, subjacente ao processo executivo, do “favor creditoris”.
III- A realização da audiência prévia é tendencialmente obrigatória, porquanto, por um lado, só em casos contados a lei permite que ela não se realize (artigo 592.ºdo CPCCivil) e, por outro, só nas hipóteses contempladas no artigo 593.º do mesmo diploma fica ao critério do juiz dispensar a sua realização.
IV- O juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando se proponha julgar de mérito no despacho saneador [artigo 591.º, nº 1 al. b) do CPCivil].
V- O despacho que determina a realização de prova pericial tem que ser precedido de audição da parte requerida, sob pena de violação do princípio do contraditório.
VI- A nulidade por violação do princípio do contraditório, concretizada numa decisão constante de despacho judicial, deve ser invocada e feita valer por meio de recurso, e não através de arguição perante o tribunal que a consumou.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3527/23.2T8GMR-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J5
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha
2º Adjunto Des. Drª Maria Fernanda de Almeida
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move o Banco 1... veio o executado AA, deduzir oposição por meio de embargos onde, além do mais, veio requerer a suspensão da execução invocando a falsidade da sua assinatura apostas no título executivo dado à execução.
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Notificado o embargado para o efeito, opôs-se.
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Conclusos os autos foi proferido o seguinte despacho:
O embargante requereu que fosse declarada suspensa a execução, em virtude do recebimento dos embargos, atenta a invocação da falsidade das suas assinaturas apostas no título executivo.
Notificado o embargado para o efeito, opôs-se.
Dispõe o artigo 733.º/1 alínea b-) do Código de Processo Civil que "o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução."
No caso dos autos, analisados os documentos juntos aos autos e considerando que a assinatura em causa foi aposta na presença de advogado que a certificou e que não ressaltam diferenças significativas com as que se encontram apostas noutros documentos e que são imputadas ao executado, indefiro o efeito suspensivo dos embargos de executado sobre a execução sem necessidade de prestação de caução.
Notifique e dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução.
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Ao abrigo do artigo 6.º do Código de Processo Civil adequo o processo nos seguintes termos:
- Todas as questões suscitadas nos embargos podem ser conhecidas de mérito no saneador.
- Todas, menos uma (por ora), que é justamente a de saber se a assinatura aposta na livrança foi falsificada.
Nos termos do artigo 374.º do Código Civil esse ónus incumbe ao exequente que, por via disso e muito bem, requereu a perícia à assinatura.
Assim, determino que a prova pericial se realize antes da elaboração do despacho saneador uma vez que é condição prévia ao conhecimento das outras questões suscitadas nos embargos.
A perícia será feita pelo “Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade ...”.
DN, nomeadamente, enviando-se os documentos necessários e articulando com essa instituição a feitura de outras diligências necessárias à elaboração da perícia”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o executado/embargante interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
A) O Tribunal determinou o indeferimento do pedido de suspensão da Execução considerando que não ressaltam diferenças significativas com as que se encontram apostas noutros documentos e que as assinaturas apostas na presença de advogado que as certificou, violando o sentido legislativo subjacente à alínea b) do n.º 1 do Artigo 733.º do Código de Processo Civil.
B) Mais determinou que o processo devesse prosseguir com perícia à letra, não agendando audiência prévia nem notificando as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de dispensa da audiência prévia, violando os Artigos 3.º, n.º 3, 449.º, n.º 2 e Artigo 591.º, n.º 1, alínea e) todos do C.P.C.
C) O Tribunal, no despacho proferido e do qual se recorre, não só não fixou o objeto da perícia, como não deu oportunidade ao Embargante de se pronunciar e de indicar ele próprio–ou aderir–ao objeto indicado pelo banco exequente, violando assim os n.ºs 1 e 2 do Artigo 476.º do C.P.C.
D) Entende o Recorrente que o despacho proferido está irremediavelmente ferido de nulidade, o que desde já se invoca, requerendo a anulação do mesmo, nos termos do preceituado no Artigo 195.º do C.P.C.
E) Por confronto dos 8 documentos juntos aquando da petição de embargos de Executado se verifica que as assinaturas são manifestamente desconformes com as constantes na livrança e no contrato…
F) Dispõe a alínea b) do n.º 1 do Artigo 733.º do C.P.C.: “Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentado documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.”
G) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. N.º 5882/10.5TBMTS-F.P1 de 06/03/2012: “II - A impugnação de assinatura constante de documento particular que consubstancie o título executivo, acompanhada de documento que constitua princípio de prova, é suscetível de provocar a suspensão da execução se o juiz o entender justificado. III – Não se exige mais que uma prova sumária, como sugere a expressão «princípio de prova» utilizada na lei. IV - Essa prova sumária será efetuada por confronto visual entre a assinatura aposta no título com a assinatura constante do documento apresentado como princípio de prova. V - «Documento que constitua princípio de prova» será o bilhete de identidade, cartão de cidadão, passaporte carta de condução ou outro autêntico subscrito pelo executado, não bastando a procuração junta aos autos”. (negrito e sublinhado nossos).
H) A prova sumária deve ser efetuada, assim, por confronto visual da assinatura aposta no título com a assinatura constante do documento apresentado como princípio de prova.
I) Dos diversos documentos juntos aos autos pelo Embargante, na sua petição de embargos e cujo teor se reproduziu supra, resulta inequívoca e indiciariamente provado que as assinaturas são muito distintas das constantes no título executivo.
J) E, no que tange à consideração, no despacho proferido que “a assinatura em causa foi aposta na presença de advogado que a certificou”, tal predito reconhecimento pode igualmente ser ilidido, sendo que o profissional em causa será chamado a juízo para esclarecer se o reconhecimento (1) é verdadeiro, bem como, se (2) foi feito por si e, ainda (3) presencialmente.
K) Este profissional, a ser inquirido como testemunha, pode ser indicado na audiência previa ou até 20 dias antes da audiência de julgamento, nos termos do Artigo 598.º do C.P.C., motivo pelo qual, sendo ilidível tal “reconhecimento”, não poderia o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, considerá-lo–liminarmente e sem mais–como assente e pretensamente isento de contradição…!
L) Mais, em momento algum o Tribunal determinou, neste despacho que proferiu após receção dos articulados, a notificação do Embargante para indicar/fixar o objeto da perícia, violando o preceituado no n.º 1 do Artigo 476.º do C.P.C. o que acarreta a nulidade do despacho, nos termos do Artigo 195.º do C.P.C.
M) Bem como, neste despacho que proferiu após receção dos articulados, não determinou o respetivo objeto, violando o preceituado no n.º 2 do Artigo 476.º do C.P.C., o que acarreta a nulidade do despacho, nos termos do Artigo 195.º do C.P.C.
N) Há, inequivocamente, violação clara de imperativos legais e do contraditório devido à parte, previsto no supra citado artigo, a par da violação do n.º 3 do Artigo 3.º do C.P.C.
O) Dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. N.º 2246/18.6T8FNC-A.L1-2: “No caso de pretender conhecer integralmente do mérito da causa, o juiz apenas poderá dispensar a realização da audiência prévia, depois de auscultadas as partes e usando dos  mecanismos de gestão processual e de adequação formal, em  conformidade com o disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC.” (sublinhado nosso).
P) Ora, tal contraditório não foi cumprido, decidindo o Tribunal remeter o processo, sem mais, para perícia à letra, enquadrando na adequação formal e deixando antever que, após perícia, proferirá despacho saneador, certamente no sentido de extinguir a execução no caso da perícia resultar que a caligrafia é distinta ou a fazer prosseguir, caso venha a resultar resultado diverso…
Q) Salvo o devido respeito, entende-se que, com tal despacho, nos termos nos quais foi emanado, suprimiu-se arbitrariamente uma série de passos legais imperativos, que só podem ser arredados após notificação e pronúncia das partes.
R) Esta decisão ilegal e mesmo precipitada pode ter repercussões graves e severas na vida do Embargante/Recorrente.
S) O Embargante vive sozinho com o filho de 17 anos, sendo que a decisão de prosseguimento da instância e as subsequentes penhoras poderão por em causa a subsistência de ambos.
T) O menor não tem contacto com a mãe, a qual raramente paga a parca pensão de alimentos de € 100 mensais, apesar de economicamente abastada, decorrendo processo-crime no DIAP, com o n.º 1033/22.1KRPRT, no qual ambos detêm estatuto de vítima.
U) O Recorrente sabe que qualquer quantia penhorada nos autos lhe seria sempre restituída, no futuro, após perícia à assinatura, todavia, até lá, vai fazer face às suas necessidades básicas de alimentação e casa, como?!
V) A privação de parte do seu rendimento mensal, caso venha a ser penhorado nestes autos, irá forçosamente acarretar a sua imediata insolvência, caso contrário, não teria forma de sustentar o filho e o pagamento de um lugar para viverem…
W) O Recorrente apenas conta com um irmão, que apesar de não ser abastado, ofereceu-se para o ajudar a resolver este processo – quantia que depois de paga seria encetada no processo crime no qual se investigará a falsidade das assinaturas – contudo, o Banco exequente não aceitou o acordo proposto, que passava pelo pagamento de cerca de metade da quantia exequenda, acrescido das custas judicias.
X) Tendo em consideração a documentação junta pelo Embargante, entende-se que a instância executiva não poderá deixar de ser suspensa, sendo que o despacho proferido, no qual foi indeferido tal pedido peca grosseiramente por falta de fundamentação, de análise e confronto dos documentos, limitando-se a emanar uma decisão precipitada e absolutamente desconforme com várias normais legais.
Y) O Embargante, sem prejuízo de nada ter assinado ainda estava disposto a prestar caução, caso tivesse o valor da execução, mas neste momento, o máximo que tem para prestar são cerca de €5.000,00 (cinco mil euros)…
Z) O Embargante juntou prova indiciária bastante, nos termos do 733.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C. e do 342.º do Código Civil, dela resultando a olho nu a ausência de similitude da assinatura apostas na livrança e contrato, devendo a decisão proferida ter passado pela suspensão da instância executiva, sendo subjacente ao pensamento legislativo aquando da  criação da norma o de não prejudicar os Embargantes que não se vincularam e, portanto, não são responsáveis por uma dívida, sem prejuízo da perícia a realizar.
AA) Ocorreu, também, a violação de norma imperativa constante no Artigo 476.º, n.º 1 e 2 do C.P.C., na medida em que o Embargante não foi notificado do para se pronunciar quanto ao objeto da perícia proposto pelo Embargado, designadamente para indicar e/ou ampliar o objeto ou, quanto muito, para esclarecer se aderia aos propostos pelo Embargado, devendo o despacho ser anulado e o Embargante notificado para fixar o objeto ou aderir ao proposto pelo Embargado.
BB) Mais ocorreu violação do n.º 2 do Artigo 476.º do C.P.C. em virtude de, no despacho proferido, o Tribunal não ter fixado o objeto da perícia, devendo o despacho ser anulado e o Tribunal, após notificação e resposta do Embargante, fixar o objeto da perícia e determinar, posteriormente, a sua realização.
CC) Por fim, há, ainda, a violação, preceituado dos Artigo 3.º, n.º 3, 449.º, n.º 2 e Artigo 591.º, n.º 1, alínea e) todos do C.P.C., entendendo o Recorrente que, neste caso concreto, não poderia ter sido dispensada a realização de audiência prévia sem notificação das partes para se pronunciarem, não podendo o Tribunal não realizar a diligência e procurar aplicar a adequação formal sem previa pronúncia das partes, em virtude dos interesses em causa e das alegações, de facto e de Direito, plasmadas nos articulados, devendo o despacho ser anulado e as partes serem notificadas para se pronunciarem em conformidade.
DD) O despacho proferido, nos termos em que o foi, está irremediavelmente ferido de nulidade, sendo ilegal e, portanto, nulo.
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Devidamente notificado contra-alegou o banco exequente conclui do pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se a execução devia ter sido suspensa com base no preceituado na al. b) do nº 1 do artigo 733.º do CPCivil;
b)- saber se ocorre nulidade por não ter sido convocada a audiência prévia;
c) saber se foi cometida nulidade pela não observância do principio do contraditório relativamente à prova pericial requerida.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a considerar é a que se descreveu no relatório acima elaborado com apoio nos documentos juntos aos autos que se têm aqui inteiramente reproduzidos.
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III. O DIREITO
Isto dito e como supra se referiu a primeira questão que vem posta no recurso prende-se com:
a)- saber se a execução devia ter sido suspensa com base no preceituado na al. b) do nº 1 do artigo 733.º do CPCivil.
Como se evidencia da oposição de deduzida o executado embargante solicitou a suspensão da execução impugnando a genuinidade da assinatura aposta na livrança dada à execução, juntando para o efeito 8 documentos como princípio de prova.
O tribunal recorrido indeferiu esta pretensão estribado na circunstância de que assinatura em causa foi aposta na presença de advogado que a certificou, além de que não ressaltam diferenças significativas com as que se encontram apostas noutros documentos e que são imputadas ao executado.
Quid iuris?
Nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea b) do CPC, “O recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se, tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
Da leitura atenta da citada norma ressaltam duas conclusões:
Primeira, que a suspensão da execução não é obrigatória; não se impõe ao julgador-de forma automática-, sem mais, desde que exista o aludido “princípio de prova”.
É o que resulta claro da letra da lei, ao dizer “pode o juiz suspender a execução (...)”.
Este é, também, o entendimento de Lebre de Freitas[1], “Neste caso, a suspensão não é automática: o juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor”.
Segunda é preciso que o juiz se convença, seriamente, de que a assinatura muito provavelmente não será do embargante, isto é, que com a simples análise do documento pelo juiz, este aceite como bastante provável que, na situação concreta em apreciação, o embargante tem razão quando alega ser falsa a assinatura existente no título executivo e que lhe é imputada, refutando ser a mesma feita pelo seu punho.
Portanto, não basta a simples junção de documento, para que o juiz suspenda, desde logo e sem mais a execução, antes lhe é imposto o dever de averiguar se pela análise do documento-embora sumária, pois outras diligências probatórias, como é o caso de exames periciais, extravasam esta fase-é verosímil a invocada falsidade da assinatura, ou, pelo menos, se dessa análise sumária resulta para si uma dúvida séria sobre a autenticidade da mesma, já que só assim se pode dizer que o dito documento constitui o citado “princípio de prova”.
O juiz deve, pois, comparar a assinatura imputada ao embargante e constante do documento que serve de base à execução, com aquela que, sendo do mesmo embargante, consta do documento ou documentos que juntou com vista a obter a suspensão da execução.
Se dessa comparação resultar a referida dúvida sobre a genuinidade da assinatura que consta do título executivo, então a suspensão da execução deve ter lugar[2], sendo que,  não basta qualquer dúvida para que a suspensão ocorra, pois, se assim fosse, bastava juntar qualquer papel para se criar essa dúvida, mínima que fosse, sobre a autenticidade da assinatura constante do título.
Importa, assim, fazer um uso equilibrado desta faculdade de suspensão da instância executiva respeitador do princípio, subjacente ao processo executivo, do “favor creditoris”.
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Estabelecido que a prova exigível é uma prova sumária, consistente num exame macroscópico, importa determinar se os elementos constantes dos autos justificam a suspensão da execução.
No caso dos autos o que foi dado à execução foi um título de crédito-livrança.
Ora, no referido título consta uma assinatura por extenso enquanto nos documentos juntos pelo apelante, como princípio de prova, o que deles consta é uma verdadeira rubrica.
Dúvidas não existem de que a assinatura e rubrica são recursos semelhantes, pois têm como objetivo identificar o signatário de alguma maneira.
Acontece que, elas apresentam diferenças quanto ao visual.
A rubrica é apenas uma abreviação, enquanto a assinatura costuma incluir o nome completo da pessoa por extenso ou apenas alguns nomes.
É claro que comparando as duas formas, à primeira vista, em nada se assemelham.
Repare-se, todavia, que o contrato de mútuo que esteve subjacente à emissão da livrança foi assinado em 20 de julho de 2017, tendo também nessa data sido entregue à entidade mutuante a livrança dada à execução devidamente avalizada pelo apelante e por BB.
Ora, nessa altura as referidas assinaturas foram reconhecidas presencialmente por Advogado, cuja identidade foi verificada pela exibição dos respetivos cartões de cidadão válidos, respetivamente, até 10/03 e 17/03 de 2019.
Acontece que, os documentos juntos pelo apelante como “princípio de prova” são todos posteriores a essa data (20/07/2017), pelo que, para se aferir da genuinidade da assinatura aposta na livrança dada à execução, o que apelante devia ter junto eram documentos genuínos assinados por si, mas reportados a essa data, para depois se fazer a respetiva comparação entre as assinaturas.
Acresce que, mesmo comparando a assinatura que, como dito, do que se trata é de uma verdadeira rubrica, consta desses documentos com aquela que consta da livrança exequenda, existe uma verdadeira semelhança na letra “R” (AA) aposta nesses documentos e aquela que consta da livrança com o nome AA escrito por extenso.
Aliás, diga-se, que nem o próprio apelante assina (rubrica) sempre da mesma forma como se pode constar pela simples análise visual dos documentos em causa.
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Como assim, dado que estamos em face de uma mera faculdade do julgador, nada se nos afigura censurar ao decidido.
É que, havendo “uma probabilidade séria”, face ao reconhecimento presencial da assinatura aposta na livrança dada à execução ter sido feita pelo punho do embargante/executado, falta o pressuposto para a suspensão da execução, qual seja, o do convencimento pelo juiz da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor, (cfr. José Lebre de Freitas, ob. e loc. cits), ou seja, o de ter o juiz sérias dúvidas quanto à autenticidade da assinatura do embargante/devedor constante do título exequendo, sem prejuízo da prova mais profunda que, seguramente, se fará, designadamente a nível pericial.
Aliás, mesmo a verificar-se essa dissemelhança entre as assinaturas, caberia ainda ao juiz decidir-se ou não pelo uso da faculdade suspensiva aí prevista, pois que, como acima se referiu, a suspensão da execução não é obrigatória; nunca se impõe ao julgador, de forma automática.[3]
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A segunda questão colocada no recurso prende-se com:
b)- saber se ocorre nulidade por não ter sido convocada a audiência prévia.
Permite o nº 2 do artigo 590.º do CPCivil que, findos os articulados, o juiz profira despacho pré-saneador com uma das finalidades previstas nas alíneas a) a c).
Não havendo lugar a tal despacho ou concluídas as diligências do mesmo resultantes, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 591.º do mesmo diploma legal, nomeadamente, facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa [alínea b)], ou proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do artigo 595.º [al. d)].
O artigo 592.º do CPCivil determina em que casos não há lugar a audiência prévia:
a)-nas ações não contestadas que tenham de prosseguir em obediência ao disposto nas als. b) a d) do artigo 568.º;
b)-ou quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
Prevê o artigo 593.º do mesmo diploma que nas ações que hajam de prosseguir, o juiz possa dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do nº 1 do artigo 591.º-ou seja, quando se destine, apenas, a proferir despacho saneador, a determinar adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova-, caso em que, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, profere despacho nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, podendo as partes requerer a realização da audiência prévia se pretenderem reclamar do despacho na parte em que determinou adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, em conformidade com o n.º 3 do citado dispositivo.
Define o artigo 595.º, nº 1 do CPCivil a que fins se destina o despacho saneador: a) conhecer das exceções dilatórias ou nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou, que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII pode extrair-se: “A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
No que respeita aos seus fins, a audiência prévia tem como objeto: (i) a tentativa de conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”.
Do que fica dito, colhe-se, sem margem para dúvidas, que a realização da audiência prévia é tendencialmente obrigatória, porquanto, por um lado, só em casos contados a lei permite que ela não se realize (artigo 592.º) e, por outro, só nas hipóteses contempladas no artigo 593.º fica ao critério do juiz dispensar a sua realização.
Como refere Paulo Pimenta[4] a audiência prévia assume-se como um dos momentos mais marcantes da ação declarativa, visando assegurar, com efetividade, a aproximação entre as partes, e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo. Tal diálogo só será proveitoso se todos forem preparados para o mesmo e acrescenta: “Ora, essa preparação supõe que as partes e seus mandatários saibam o que vai acontecer, o que vai discutir-se, o que vai tratar-se na audiência prévia. Disso devem ser informados pelo despacho que marca a audiência. O mesmo é dizer que o juiz deve ter o cuidado e o rigor de indicar, expressamente, o objeto da audiência prévia, tanto mais que, podendo, em abstrato, a audiência prévia cumprir diversas finalidades, há que definir quais as finalidades a considerar em cada concreto processo”.
Refere ainda aquele autor que, “quando o juiz, findo o período dos articulados e considerando o estado do processo, entender que dispõe de condições para decidir já o mérito da causa, decisão que, a ter lugar, será incluída no despacho saneador, a proferir, em princípio, nessa audiência [arts. 591º1.d), 595º 1.b) e 595º 2], a audiência prévia será então destinada a facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projeta decidir”.[5] Mais refere que “deve ser proporcionada às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados”.
Tal solução impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º, nº 3, do Código de Processo Civil). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito.[6]
Também Lebre de Freitas segue, quanto a este aspeto, entendimento semelhante quando refere que, propondo-se o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzidos, deve convocar a audiência prévia para esse fim; não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes.[7]
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Postos estes breves considerandos, resulta do despacho recorrido que o tribunal a quo não dispensou, ao contrário do que refere o apelante, a audiência prévia.
Na verdade, no citado despacho o tribunal recorrido não tomou qualquer posição quanto à realização da audiência prévia, limitando-se a referir que, uma vez realizada a perícia (tendo agilizado o processo em conformidade), poderia estar em condições de conhecer de mérito em sede saneatória.
Ora, se assim for, isto é, se tiver elementos para decidir de mérito no despacho saneador, terá obrigatoriamente, como supra se referiu, de convocar tal audiência.
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Portanto, não foi cometida qualquer nulidade estribada neste fundamento alinhado pelo apelante, isto é, por falta de convocação da audiência prévia.
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A terceira questão colocada no recurso consiste em:
c) saber se foi cometida nulidade pela não observância do principio do contraditório relativamente à prova pericial requerida.
Como emerge da contestação à oposição deduzida o banco exequente/embargado requereu a prova pericial à letra e assinatura do Embargante, bem como à expressão “Bom por aval ao subscritor”, constante da livrança dada à execução.
A Sra. Juiz, no despacho ora objeto de recurso, admitiu a requerida prova pericial determinando a sua realização.
Alega o apelante que, em momento algum, o tribunal determinou, neste despacho que proferiu após receção dos articulados, a sua notificação para indicar/fixar o objeto da perícia, violando o preceituado no n.º 1 do Artigo 476.º do CPCivil, bem como não determinou o respetivo objeto, violando o preceituado no n.º 2 do mesmo inciso.
E salvo o devido respeito, assiste razão ao apelante.
Analisando.
Preceitua o artigo 476.º do CPCivil sob a epígrafe “Fixação do objeto da perícia” que:
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
Perante o citado preceito poderia pensar-se que não se apresentando a perícia requerida como impertinente ou dilatória, devia desde logo admitir-se a mesma e ouvir-se a parte contrária, para que se pronunciasse “sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.
Não é, todavia, tal entendimento o mais acertado.
Efetivamente, ele significaria que tendo uma das partes requerido a perícia a outra parte seria ouvida “sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, mas não seria ouvida sobre a própria decisão de realizar ou não esse meio de prova, o que é inadmissível face ao carácter imperioso da exigência de contraditório.
Se a parte requerida deve ser ouvida sobre o objeto da perícia, podendo aderir ao proposto pela parte requerente ou propor a sua ampliação ou restrição, por maioria de razão tem que ser ouvida antes de admitido o meio de prova requerido, de forma a pronunciar-se sobre a sua própria admissibilidade.
Com efeito, assim impõe os artigos 3.º, n.º 3 e 476.º, nº 2 do CPCivil.
Na verdade, o despacho que ordena a diligência surge depois de cumprido o disposto no n.º 1, e não antes. Por isso o juiz “no despacho em que ordene a realização da diligência” toma posição sobre o respetivo objeto, pronuncia-se sobre “as questões suscitadas pelas partes”, o que só é possível depois de as ouvir, em cumprimento do contraditório.
Temos assim como certo que o regime legal em análise estabelece um momento inicial em que o juiz pode indeferir liminarmente a perícia requerida, se esta se lhe apresentar como impertinente ou dilatória, mas, não descortinando essas causas de rejeição, não pode decidir logo pela admissão, simplesmente determina o prosseguimento da tramitação prevista na lei. O que significa ouvir a parte requerida, permitindo a esta pronunciar-se, de modo a ficar habilitado a decidir, como prevê o n.º 2 do artigo 476.º, sobre a realização da diligência (o que implica necessariamente a possibilidade da sua rejeição) e nesse caso qual o seu objeto.
Não ocorria, assim, antes da reforma da lei processual em 1995/96, em que estava consagrado um sistema que na verdade apresentava uma admissão tácita, quando o juiz, não tendo indeferido por impertinente ou dilatório o requerimento, mandava notificar a parte requerida para apresentar os seus quesitos, como dispunha o n.º 2 do art. 572.º de então, após o que se designava dia e hora para a nomeação dos peritos.
Mas, na realidade, a preocupação com as exigências ditadas pelo princípio do contraditório conduziu à alteração do sistema. Não é agora possível decidir a realização da perícia sem ouvir previamente a parte requerida. E o despacho impugnado decidiu, expressamente, determinando a realização da perícia requerida sem ouvir o apelante.[8]
Diante do exposto, dúvidas não restam de que houve violação do princípio do contraditório, tendo sido decidido realizar a prova pericial sem prévia audição do apelante o que configura uma nulidade processual secundária.
Na verdade, fora das situações enunciadas nos artigos 186.º e 194.º do CPCivil, que integram as nulidades principais, rege o n.º 1 do artigo 195.º do mesmo diploma, estatuindo que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas).
Portanto, as nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependentes de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 196.º CPCivil.
Ora, um dos fundamentos do presente recurso que temos vindo a analisar consiste precisamente na invocação de um desvio ao formalismo processual legalmente imposto para a preparação da decisão que determinou a realização da prova pericial requerida.
É de regra que as nulidades processuais devem ser suscitadas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas e só depois, caso o requerente se não conforme com a decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade, desta caberá recurso, nos termos gerais.
Nessa ordem de ideias, a apreciação em recurso de uma alegada nulidade processual integrável no artigo 195.º pressupõe que a mesma foi previamente arguida perante o tribunal a quo e por este decidida. E pressupõe, também, que o foi no prazo de 10 dias consignado no artigo 145.º, n.º 3 do CPCivil.
Todavia, já assim não será quando a nulidade esteja coberta por um despacho judicial, caso em que o meio adequado de recção é o recurso deste despacho. Na verdade, a nulidade processual cometida está então coberta pelo despacho proferido, inquinando a sua validade.
Nesse caso, o modo adequado de reagir contra a nulidade é o recurso a interpor do despacho que a acolheu.
A preterição do contraditório é precisamente uma situação em que a impugnação da nulidade processual deve ser feita através do recurso da decisão que lhe dá cobertura, já que o incumprimento das regras processuais é cometido com a prolação da própria decisão não precedida de contraditório.
Aliás, é essa, afinal, a solução que mais se coaduna com a doutrina tradicional.
Como referia Manuel de Andrade[9], “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.[10]
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Diante do exposto, conclui-se, assim, que existiu a nulidade invocada, e que o apelante reagiu da forma apropriada, restando constatar que a decisão recorrida deve ser anulada na parte em que ordenou a realização da prova pericial devendo, portanto, ser dado cumprimento ao estatuído no artigo 476.º, nº 1 do CPCivil nos moldes que supra se deixaram expostos.
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Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que ordenou a realização da prova pericial devendo, portanto, ser dado cumprimento ao estatuído no artigo 476.º, nº 1 do CPCivil nos moldes que supra se deixaram decididos.
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Custas por apelante e apelado na proporção do respetivo decaimento (cfr.  527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 17/6/2024
Manuel Domingos Fernandes
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] In A Acão Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 167, por referência ao artigo 818.º, nº 1 do CPCivil na redação dada pelo D. Lei 38/2003de 08/03 quase idêntica à atual al. do nº 1 do artigo 733.º supratranscrita
[2] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, pág. 189.
[3] Cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 10/05/2000, in Col. Jur., Ano XXV, T. III, pág. 79.
[4] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 225 e 226.
[5] Idem, pág. 230.
[6] Idem, pág. 231.
[7] In A Ação Declarativa Comum, Coimbra, 3ª edição, pág. 172.
[8] Neste sentido cfr. Ac. do STJ de 05/03/2002 consultável em www.dgsi.pt onde se refere: “O art. 577º, nº 1 manda que a parte que requeira a realização de perícia indique logo o respetivo objeto, enunciando as questões de facto a esclarecer por esse meio. E, ao mesmo tempo, deve, de acordo com o art. 569.º, nº 1, al. b) e nº 3, indicar o seu perito.
O art. 578.º, nº 1 dá, então, ocasião para que o juiz avalie se a diligência é impertinente ou dilatória.
Se entender que o não é, o juiz ouvirá a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
E o subsequente nº 2 tem a seguinte redação: "Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade."
A análise do sistema anterior à reforma de 1995/96 mostra-nos que, então, o requerimento da perícia era feito por uma das partes com simultânea apresentação dos quesitos para resposta dos peritos, sob pena de indeferimento - art. 572º, nº 1-, seguindo-se a avaliação pelo juiz da natureza impertinente ou dilatória da diligência e, não sendo formulados estes juízos, a ordem de notificação da parte contrária para apresentar os seus quesitos-art. 572.º, nº 2 -, seguindo-se então o despacho destinado à designação de dia e hora para a nomeação dos peritos, sendo nesse despacho que o juiz poderia dar como não escritos os quesitos incidentes sobre factos insuscetíveis de prova-art. 575.º.
O juízo sobre a natureza impertinente ou dilatória a que se referia o art. 572.º, nº 1 poderia ocorrer se, respetivamente, o juiz verificasse que os quesitos do requerente respeitavam a factos não compreendidos no questionário ou que a diligência não era possível por os quesitos respeitarem a factos insuscetíveis de serem captados pela perícia-cfr. José Alberto dos Reis, Anotado, Vol. IV, pg. 195.
À não rejeição da diligência nesta fase contrapunha-se a sua admissão, por despacho do qual se disse já ser proferido normalmente de modo indireto, através da referida ordem de notificação da parte contrária-cfr. Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pg. 386.
Mas o sistema mudou.
Continua, como se viu, a dever o pedido de uma das partes no sentido da realização da diligência ser acompanhado da indicação do seu objeto.
Continua a haver lugar a uma apreciação imediata da sua natureza impertinente ou dilatória, que pode conduzir a uma imediata rejeição da diligência-cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, pg. 504.
Mas, se tal não tiver lugar, deve entender-se que esta não fica logo admitida, ao contrário da opinião acima referida e formulada a propósito do regime anterior.
A ordem de notificação da parte contrária corresponde ao estabelecimento do contraditório, dando ocasião a que ela se pronuncie sobre o objeto proposto para a diligência, o que não pode deixar de abranger, para além das hipóteses, previstas no art. 578.º, nº 1, de adesão ou de proposta de ampliação ou restrição, a possibilidade de oposição integral à mesma.
E o nº 2 do mesmo artigo alude à prolação-obviamente após a audição da parte contrária ao requerente, como se vê, não só do contexto da disposição, mas também do facto de aí se falar da apreciação das questões suscitadas "pelas partes"-de um despacho em que se ordene a realização da diligência, o que não pode deixar de significar que nesse despacho pode suceder exatamente o contrário, ou seja, que se indefira a sua realização.
Esta sequência de trâmites legais mostra, de forma clara, que a ordem de notificação da parte contrária nos termos do art. 578.º, nº 1 não pode mais ser entendida como um deferimento tácito da diligência, a qual, a ser de realizar, há de ser ordenada mais tarde, já com o juiz numa posição que lhe dá uma compreensão mais abrangente da situação, ponderadas que estejam as posições contraditoriamente manifestadas por todas as partes.
Aliás, sempre haverá que admitir que, podendo o juiz indeferir nesse momento as questões de facto suscitadas pelas partes que tiver como inadmissíveis ou irrelevantes, venha ele a entender que esse juízo deverá formular-se em relação a todas elas, assim se esvaziando por completo todo o objeto requerido”
[9] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, p. 182.
[10] No mesmo sentido, Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, II, 507) e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, pág. 393.