Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/20.7T8AVR-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
VIOLAÇÃO GRAVE DE DEVERES PELO CREDOR DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RP202407041167/20.7T8AVR-E.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
II - Não é qualquer situação de violação (pelo credor de alimentos relativamente ao obrigado a alimentos) de valores como o do respeito, a estima, a consideração e a solidariedade familiar, que justificam ou determinam que se conclua pela desobrigação de prestação de alimentos.
III - A circunstância de o filho deixar de falar ao pai, sem que se apure que a causa desse corte de relações é inteiramente imputável ao filho, não constitui fundamento bastante para fazer operar a cessação da obrigação de prestação de alimento pelo pai, segundo o disposto no art.º 2013º nº 1, al. c) do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1167/20.7T8AVR-E.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de Aveiro
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Judite Pires

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA veio requerer a cessação da prestação de alimentos devidos à sua filha maior, BB, sendo também requerida CC, mãe da referida BB.
Alegou, em síntese que no âmbito do exercício das responsabilidades parentais em relação à requerida e sua filha BB, está obrigado ao pagamento da prestação de alimentos no valor de €152,50, sendo que a relação entre o requerente e filha foi-se deteriorando paulatinamente, até que cessou definitivamente em 4 de Fevereiro de 2021, motivado, exclusivamente, pelo afastamento incompreensível da filha.
Concluiu pedindo que fosse declarada cessada a referida obrigação de pagamento da pensão de alimentos, por ser a mês de considerar irrazoável, cessação com efeitos retroagir à data em que a mesma atingiu a maioridade ou, pelo menos, e de qualquer forma, desde a data do presente pedido,
A Requerida opôs-se alegando que não é aplicável a citada norma do artigo 2013º do Código Civil e invocada pelo Requerente, sendo que, mesmo que assim não fosse, as relações entre o requerente e a BB se deterioraram por culpa exclusiva do Requerente, mantendo-se os pressupostos da sua obrigação de pagamento da pensão à sua filha maior.
Na impossibilidade de acordo os autos prosseguiram os seus termos, realizando-se a audiência de discussão e julgamento, na qual e entre a restante provas produzida, foi ouvida a filha do Requerente e da Requerida.
No culminar da mesma foi proferida decisão onde se julgou a acção improcedente com a absolvição das Requeridas do pedido.
O Requerente veio interpor recurso desta decisão, apresentando nos termos legalmente previstos as suas alegações.
As Requeridas contra alegaram.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso como sendo o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo requerente/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o conteúdo das mesmas conclusões:
I
Errou o tribunal a quo ao julgar como provados os seguintes factos, os quais, atenta a prova produzida, deveriam ter sido dados como não provados, como se refere adiante, com a indicação dos respectivos meios de prova (Prova gravada):
“V) Após essa conversa, que ocorreu no dia 6 de Abril de 2019, o requerente passou a recusar-se a levar a BB à escola sendo que naquela altura DD frequentava a Escola ... e a BB a Secundária ..., ambas em Aveiro e confrontada com a recusa do progenitor, a irmã da BB (a DD) passou a recusar-se entrar no carro para ir para a escola se a irmã não fosse levada também pelo que em face deste comportamento, o requerente levava ambas as filhas até à Escola ... e, depois da DD entrar na escola, obrigava a BB a sair do carro, ficando a, naquela altura, menor, a pé, carregada de livros e material escolar, sendo obrigada a percorrer a pé, nessas circunstâncias, a distância entre ambas as escolas, fizesse chuva ou fizesse sol….
R.da - (audiência de 08/09/2023) – 2ª Gravação: minuto 00:02:30 a minuto 00:05:00 R.te - (audiência de 10/07/2023) 1ª Gravação: minuto 00:12:30 a minuto 00:14:30
W) Por vezes o requerente desligava a internet de casa e a luz no quadro geral e tirava o telemóvel à BB.
R.te - (audiência de 10/07/2023) 1ª Gravação: minuto 00:16:00 a minuto 00:18:00
X) Nas muitas discussões que o requerente teve com a requerida CC, não se coibiu de, à frente da BB chamar àquela (e mãe desta) puta, putéfia, vaca, cabra, doente mental dizendo-lhe que tinha quatro amantes, entre outros impropérios.
R.da - (audiência de 17/04/2023) – Gravação: minuto 00:27:30 a minuto 00:29:30
Y) Quando saiu de casa, em 20 de Abril de 2020, não se despediu da BB e esteve sem lhe dar noticias durante oito meses.
R.te - (audiência de 10/07/2023) 1ª Gravação: minuto 00:15:00 a minuto 00:16:00 R.da - (audiência de 17/04/2023) – Gravação: minuto 00:29:30 a minuto 00:30:30
Z) A partir dessa data o progenitor deixou de celebrar o aniversário da BB e o Natal, não lhe dando qualquer presente.
R.da - (audiência de 08/09/2023) – 2ª Gravação: minuto 00:41:30 a minuto 00:42:45
AA) Nunca mais perguntou pelo seu estado de saúde
R.da - (audiência de 08/09/2023) – 2ª Gravação: minuto 00:42:45 a minuto 00:43:30
CC) No primeiro almoço, a 16de Janeiro de 2021, a BB procurou conversar com o aqui requerente sobre o fim da relação entre os seus pais o que o requerente recusou.
R.da - (audiência de 17/04/2023) – Gravação: minuto 00:02:30 a minuto 00:10:30 R.da - (audiência de 08/09/2023) – 2ª Gravação: minuto 00:43:30 a minuto 00:46:30
DD) A BB usava um cartão de telemóvel associado ao contrato de fornecimento de serviços da operadora A... em que o titular do contrato era o requerente. Sem qualquer aviso, o requerente alterou o cartão da BB para pré-pago. Tal facto apenas foi descoberto pela BB após o dia 15 de Setembro de 2021, quando se viu impedida de fazer chamadas…
R.da - (audiência de 17/04/2023) – Gravação: minuto 00:29:30 a minuto 00:30:30 R.te - (audiência de 10/07/2023) 1ª Gravação: minuto 00:18:00 a minuto 00:19:30
EE) Nos pretéritos dias 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de Setembro de 2022, o requerente enviou para a aqui requerida CC sete emails (a BB recebeu-os por ele a ter colocado em BCC) em que:
- se dirige às destinatárias como “pandilha”; - acusa a mãe da BB de lhe roubar dinheiro;
- chamas-lhes “bandalhos” e “FDGP”; - faz alusão ao processo de violência doméstica (no qual sabe que a BB é testemunha) quando escreve “vai "tiro-liro" junta mais este”, pois a aqui requerida CC tem recebido sucessivos emails com que tem junto aos autos de violência doméstica.
R.te - (audiência de 10/07/2023) 2ª Gravação: minuto 00:17:35 a minuto 00:18:30
GG) Sabendo disso, usa a dita plataforma para fazer publicações e comentários sabendo que os amigos da sua filha BB, assim como ela própria, lêem tais comentários, como “vai comer a sopa filho da puta…a mama já chamou o EE…baza boi” e para trocar comentários com outros indivíduos em que insinua que tem sexo com a mãe dessas pessoas.
R.te - (audiência de 10/07/2023) 2ª Gravação: minuto 00:17:35 a minuto 00:18:30
II) O requerido usa a rede social Facebook para se referir à família da requerida CC, bem como ambas as aqui requeridas usando linguagem figurada e referindo-se aos “Patacos”, em sabendo que era essa a alcunha do avô materno da filha, afirmando que precisam de ajuda por “notórias dificuldades de interpretação” afirmando que PATACO é sinónimo de “Homem/mulher estúpido”
R.te - (audiência de 10/07/2023) 2ª Gravação: minuto 00:18:3 a minuto 00:20:30
JJ) Usou a rede social referida para, por diversas vezes, fazer alusão ao processo-crime que corre no DIAP de Aveiro, 3.ª Secção, sob o n.º 339/20.9 PBAVR (violência doméstica).
Não há qualquer referência do Requerente a essa circunstância.”
II
DA MOTIVAÇÃO
Da respectiva motivação quanto aos factos provados consta que: …
1.2 Relativamente às tentativas de contactos e recusas da BB em estar e em comunicar com o pai assim como relativamente aos episódios descritos: declarações da própria BB e do R.te, nessa parte (dada como provada) coincidentes; - (o sublinhado é nosso)

No entanto, atenta a motivação do tribunal a quo, quanto aos factos provados, nos termos da qual o tribunal apenas considerou a matéria em que as declarações de ambos, Requerente e Requerida BB, foram coincidentes, não ocorre essa circunstância em relação aos pontos da matéria de facto impugnados.
III
Resulta evidente que há erro na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto ao darem-se como provados aqueles factos.
Pelo que,
Alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, como se requer, nos termos do nº 1 do art. 662º do C.P.C- e considerando todos os meios de prova constantes do processo e a prova gravada, nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art.º 640, ainda do C.P.C., deve, essa matéria de facto, ser julgada não provada.
IV
Da alteração dessa matéria de facto e considerando as condutas assumidas pela Requerida BB, resulta que toda a conduta desta integra uma situação de desrespeito grave dos valores devidas ao progenitor e que as mesmas foram fruto de uma vontade intencional e gratuita, não tendo ocorrido factos precedentes correspondentes a condutas do Requerente que razoavelmente as justificassem.
Isso mesmo resulta dos factos dados como provados e integrantes da conduta da Requerida, encontrando-se preenchidos os pressupostos para a cessação da obrigação de prestar alimentos após a maioridade nos termos do art.º 1874º do Código Civil.
Da alteração daquela matéria de facto, como se alega, resulta que deve revogar-se a decisão de absolvição das Requeridas, julgando-se ocorrer fundamento legal para ser decretada a cessação da obrigação de prestar alimentos, por parte do Requerente.
V
Ao decidir, como decidiu, violou a douta sentença recorrida as disposições legais dos arts. 516º, nº 1 e 607º, nomeadamente o seu nº 4, todos do Cód. Proc. Civil.
*
Por seu turno as requeridas/apeladas, concluem do seguinte modo as suas contra alegações:
A.
Não se conformando com a referida Decisão, veio o Recorrente interpor recurso de apelação para este Douto Tribunal da Relação do Porto, com fundamento na alegada existência de um erro na apreciação da prova produzida em julgamento, o que não se concede, pois que, desde já se dirá que o Recorrente confunde a valoração e sua percepção da prova com o erro de apreciação da prova produzida em julgamento.
B.
Entendem as Requeridas, ora Recorridas que não assiste razão ao Recorrente, pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não merece a Sentença a quo censura ou reparo de qualquer natureza, quer quanto à matéria de facto, quer quanto ao enquadramento da solução de Direito julgada, devendo improceder totalmente, porque desprovido de fundamento de facto e de direito, o exposto pelo Recorrente, pois, inexiste qualquer erro na apreciação da prova quanto aos factos provados nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ).
C.
Em primeiro lugar, nas alegações de recurso que o Recorrente apresenta, salvo devido respeito, limita-se a impugnar genericamente, tecendo conclusões, considerações ou ilações dos comportamentos da Recorrida filha (diga-se, comportamentos esses em reacção às atitudes (in)dignas do pai para com a filha a fim de a castigar) indicando as passagens da prova gravada produzida em audiência de julgamento para justificar que os factos acima indicados sejam dados como não provados.
D.
A imposição ao Recorrente de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que “a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” -, neste sentido, cfr. ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., pág. 169. – atitude de inconformismo que o Recorrente foi demonstrando em todo o decurso da produção de prova no âmbito dos presentes autos querendo justificar o seu afastamento do cumprimento dos deveres enquanto pai nos comportamentos de recusa “persistente e consistente” da filha e aqui Recorrida BB em conviver com o pai.
E.
Assim que, incumprindo o Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, está o Tribunal da Relação impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, n° 1, também, do CPC.
F.
Sempre se dirá que nenhuma alteração se poderá introduzir nos factos considerados provados e não provados, por inexistirem nos autos outros elementos probatórios que consistentemente ponham em crise a Decisão a quo sobre a matéria de facto impugnada, devendo este Tribunal da Relação rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
G.
Em segundo lugar, sempre se dirá que o Recorrente confunde a (in)existência de erro na apreciação da prova, com a própria percepção da prova produzida e da sua discordância com o resultado obtido em 1.ª Instância – a continuação da obrigação de pagamento dos alimentos fixados ao Recorrente a favor da sua filha, aqui Recorrida, devendo a Sentença a quo manter-se nos seus precisos termos.
H.
O Recorrente alega que o Tribunal a quo motivou os factos dados como provados nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ) foram as declarações coincidentes entre o Recorrente e a Recorrida e filha BB e que não poderia o Tribunal a quo motivar como motivou, pois que, ou “o requerente não prestou declarações coincidentes com as da filha ou em que não fez, sequer, quaisquer declarações, porque não foi questionado”.
I.
A impugnação especificada da matéria de facto não só exige a menção dos pontos de facto concretos em relação aos quais a Recorrente entende haver erro de julgamento, como a indicação das provas concretas que na sua perspectiva impõem uma decisão em sentido diverso da tomada pelo Tribunal a quo, o que no caso não foi cumprido, limitando-se aquele a analisar toda a prova e valorá-la de forma diferente, apontando ao Tribunal de Recurso o sentido extraído da valoração assim feita para que este decida de acordo com a sua versão.
J.
Em rigor, a alteração da matéria de facto só pode acontecer dentro do restrito papel do Tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal a quo sobre matéria de facto. O que não sucedeu, nos presentes autos, em que o Recorrente tem uma perspectiva diferente da prova produzida que em nada afeta os factos dados como provados nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ), não merecendo a Sentença a quo qualquer alteração de facto ou de Direito.
K.
O Recorrente não se conforma que foram (e continuam a ser) as suas atitudes que levaram ao afastamento e recusa “persistente e consistente” da filha, ora Recorrida, aos convívios com o seu pai, e não o inverso, tal como decorre da apreciação que o mesmo fez da prova produzida, designadamente quanto aos factos dados como provados nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ).
L.
Inexiste qualquer erro na apreciação da prova produzida em julgamento, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º e 662.º do CPC, salvo devido respeito, confunde o Recorrente, a (in)existência de erro na apreciação da prova, com a própria percepção da prova produzida e da sua discordância com o resultado obtido em 1.ª Instância – a continuação da obrigação de pagamento dos alimentos fixados ao Recorrente a favor da sua filha, aqui Recorrida, devendo a Sentença a quo manter-se nos seus precisos termos.
M.
Caso o Tribunal ad quem venha a entender que a matéria de facto dada como provada nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ) deverá ser julgada como não provada, o que apenas por mera hipótese académica se concede, sempre se dirá que a subsunção dos factos dados como provados à decisão de Direito aplicada pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, pois que, é razoável a exigência da continuação da prestação de alimentos à filha Recorrida, inexistindo qualquer violação (nem tão-pouco grave) dos deveres da Recorrida, filha BB, dos seus deveres para como Recorrente, nos termos do artigo 2013, n.º 1, al. c) do CC.
N.
Em observância com os princípios que subjazem à natureza de jurisdição voluntária – antes assinalados – do processo em apreço e sem olvidar os regras que determinam a observância de um processo justo e equitativo, o Tribunal a quo, não deixou de considerar os factos apurados, com inteira contraditoriedade e escrutínio da prova produzida pelas partes e sobre eles ponderou, decidindo em conformidade.
O.
O Tribunal a quo decidiu através dos critérios de decisão mais conformes à prossecução dos interesses da filha, Recorrida, subsumindo os factos dados como provados nos pontos nos pontos V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ), - ou mesmo que venham se ser dados como não provados em sede da Decisão de facto a proferir pelo Tribunal da Relação -, à aplicação do Direito, designadamente mantendo a obrigação de pagamento dos alimentos fixados ao Recorrente a favor da sua filha, aqui Recorrida, decisão essa que se deverá manter.
*
Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no recurso dos autos:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A revogação da decisão proferida e a procedência do pedido formulado.
*
É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto que agora é objecto de impugnação:
“Factos relevantes provados
A) BB nasceu no dia ../../2003 e é filha do R.te e da R.da.
B) Regime de Responsabilidades Parentais em vigor:
- No dia 03/11/2020, na tentativa de conciliação, foi obtido acordo entre os progenitores, que foi homologado, prevendo-se quanto às responsabilidades parentais os seguintes termos:
1. As jovens BB e DD ficam a residir habitualmente com a mãe na Rua ..., ..., ..., ... Aveiro, competindo o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância da vida das jovens, em conjunto, a ambos os progenitores e, quanto aos actos da vida corrente, tal exercício competirá ao progenitor que, em cada momento, tiver as filhas consigo.
2. O pai estará com a filha BB sempre que esta quiser, atenta a sua idade, em moldes e termos a combinar entre ambos e estará com a filha DD e tê-la-á consigo, ao fim-de-semana, de quinze em quinze dias, indo para o efeito buscá-la na sexta-feira a casa da mãe, às 19:00 horas e ali a entregará em casa da mãe, no domingo até às 20:00 horas.
3. O pai estará com a filha DD e tê-la-á consigo, dois períodos de uma semana, interpolados, nas férias de verão, a combinar entre ambos os progenitores até ao dia 31 de maio de cada ano.
4. A jovem DD passará, anual e alternadamente, os dias 24 e 25 de Dezembro com um dos progenitores e os dias 31 de Dezembro e 1 de Janeiro com o outro, iniciando-se o ciclo este ano com a mães, com quem passará os dias 24 e 25 de Dezembro, em moldes e termos a combinar entre si.
5. A jovem jantará com o respectivo progenitor o dia de aniversário deste, o mesmo sucedendo com o dia do pai quando este couber em dia de semana, sendo que se couber em dia de fim de semana, passa o dia do pai com o pai e no dia da mãe passa sempre o dia com a mãe.
6. A jovem, no dia do seu aniversário, almoçará e jantará, anual e alternadamente, com cada um dos progenitores, em moldes e termos a combinar entre si.
7. O pai pagará a título de pensão de alimentos devida cada filha, a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), até ao dia oito de cada mês, por depósito ou transferência bancária para a conta NIB que a mãe indicará aos autos, no prazo de 2 dias, com início no corrente mês de Novembro.
8. A pensão de alimentos será automaticamente actualizada, anualmente, no montante de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos), em Janeiro, com início em Janeiro de 2022;
9. As despesas de saúde e escolares curriculares não comparticipadas das jovens, bem como, de actividades extracurriculares e respectivos equipamentos/materiais indispensáveis para a sua executabilidade, ficam a cargo de ambos os pais, na proporção de metade para cada um, mediante a apresentação dos respectivos comprovativos e recibos no prazo de 90 dias e o pai pagará com a pensão de alimentos do mês seguinte mas em parcela diferente.
10. As despesas extraordinárias de educação e saúde de valor superior a € 200,00, terão que ser acordadas por ambos ou por decisão judicial.
- Em diligência realizada nos autos a 13 de Janeiro de 2021, após audição das referidas BB e DD foi homologado acordo de alteração no que concerne aos convívios das jovens com o pai da seguinte forma:
1. «Numa primeira fase e até à Páscoa as jovens almoçam todos os sábados desde as 12:00 horas e até às 15:00 horas, salvo se a mãe precisar de se ausentar com as filhas em algum fim-de-semana avisando o pai com 48 horas de antecedência, com início já neste fim de semana.
2. Após a Páscoa retomam os convívios já estipulados na ata de tentativa de conciliação de 03-11-2020.»
C) No aniversário do requerente em Fevereiro de 2021 a requerida filha não o contactou por nenhuma via;
D) Em Setembro de 2021, aquando do aniversário da filha, o requerente tentou ligar lhe por diversas vezes, sendo que a mesma nunca atendeu as suas chamadas. Por esse motivo e na impossibilidade do contacto telefónico com a filha, o requerente. enviou por “SMS” mensagem a desejar um bom aniversário à sua filha, ora requerida.
E) Em meados de Setembro de 2021, o requerente quando soube da colocação da sua filha na universidade ..., de imediato tentou ligar lhe para a felicitar, porém sem sucesso. Ainda assim,
F) (…) Continuou a tentar o contacto com a filha, ligando-lhe frequentes vezes e, simultaneamente, enviando-lhe mensagens convidando-a para estarem juntos, almoçarem, jantarem, ou aquilo que ela quisesse fazer em conjunto com o requerente, sempre na expectativa que a mesma lhe respondesse, o que nunca aconteceu.
G) No dia 9 de Outubro de 2021, aquando da marcação de dia e hora para a elaboração da relação de bens do recheio da casa de morada de família, para juntar ao processo de inventário, a requerida e sua ex-mulher chegou ao local acompanhada da filha BB, tendo esta ignorado a presença do pai e não o tendo cumprimentado e, no final dessa “diligência” quando já se dirigia para o carro da requerida mãe, na presença daquela e na do seu avô paterno, dirigindo-se ao requerente, a BB disse em voz alta “És sempre o mesmo palhaço, grande palhaço”.
H) O requerente não desistindo de poder voltar a estar com a sua filha, nos inícios de Novembro de 2021, através dos canais sociais que os jovens tanto usam “Instagram” e “Facebook” pediu lhe “amizade” sem qualquer resposta até ao presente.
I) Ainda no dia 22 de Novembro de 2021, quando o requerente se encontrava no pavilhão desportivo em ... a assistir ao treino da sua filha menor DD (irmã da BB), a requerida filha chegou acompanhada pela requerida mãe, passando pelo pai, virou lhe a cara, não o cumprimentando.
J) Durante o período de Natal 2021 e Ano Novo, o requerente convidou a requerida filha para passar com ele alguns dias, nesse período, não tendo obtido qualquer resposta.
K) Em Fevereiro de 2022, na semana anterior ao aniversário do requerente, este sempre na esperança de uma mudança de atitude da filha BB, convidou-a para lanchar e mais uma vez a resposta foi o silêncio.
L) Em meados desse mesmo mês, a requerida filha contactou através de um número privado de telemóvel com a avó paterna, que lhe pediu o novo número de telefone para a poder contactar, pedido que a mesma negou justificando que a avó iria dar conhecimento do meso ao pai. Ou seja, o número de contacto que o requerente tinha para falar, ou tentar falar com a filha foi desligado/bloqueado, deixando deste modo o pai de ter qualquer possibilidade de telefonar para a filha, quer para convívio quer para poder acompanhar o seu percurso pessoal e académico.
M) No dia 22 de Julho de 2022, quando o requerente se encontrava no centro comercial “...”, acompanhado de uma amiga, a filha BB passou por ele, fotografou-o e filmou-o de costas, sem que o mesmo, no momento, disso se tivesse apercebido, tendo, a requerida filha, enviado posteriormente esses mesmos ficheiros de imagem, através do “Messenger” para o avô paterno e para tia paterna, com o comentário: ”olha que dois!”. Ainda nessa ocasião, o requerente tentou cumprimentar e falar com a filha, sem sucesso, porque ela não retribuiu.
N) Já no dia 25 de agosto do corrente ano, o requerente avistou as suas filhas dentro da “...”, na fila para compra de bilhetes do concerto dos “...” e foi ter com elas para as cumprimentar, perguntou se estavam bem, não tendo obtido qualquer reacção.
O) Ainda no dia 21 de Setembro de 2022, a Requerida CC deslocou-se à residência do Requerente para levantar correspondência postal dela e da filhas, fazendo-se acompanhar por estas.
P) Quando o Requerente chegou a casa, aquela Requerida estava já junto ao portão, com a porta do automóvel, do lado condutor aberta. Quando o Requerente passou pelo carro, reparou que as filhas estavam no seu interior, não tendo, nenhuma delas saído do carro, nem cumprimentado o Requerente. Este cumprimentou-as e perguntou se estavam bem, não tendo obtido qualquer resposta. Nessa ocasião a Requerida BB estava a filmar com o seu telemóvel. E quando a Requerida CC voltou para o carro, o Requerente despediu-se delas sem ter obtido, mais uma vez, qualquer resposta.
Q) Apesar de tudo, resulta que o requerente enviou à filha BB diversos pedidos de contacto por e-mail, SMS, WhatsApp ou Messenger, que a requerida nunca deu resposta.
R) A referida BB afasta a possibilidade de qualquer tipo de convivência futura com o seu pai R.te.
S) A BB estuda na universidade ..., no curso de Licenciatura em Educação Básica, 16.
T) A BB não tem quaisquer fontes de rendimento, com excepção da pensão de alimentos paga pelo requerente e da comparticipação da progenitora nos seus gastos e sustento.
U) A BB formou a convicção de que descobriu que o pai era infiel à mãe, tendo-o confrontado com tal facto.
V) Após essa conversa, que ocorreu no dia 6 de Abril de 2019, o requerente passou a recusar-se a levar a BB à escola sendo que naquela altura a DD frequentava a Escola ... e a BB a Secundária ..., ambas em Aveiro e confrontada com a recusa do progenitor, a irmã da BB (a DD) passou a recusar-se entrar no carro para ir para a escola se a irmã não fosse levada também pelo que em face deste comportamento, o requerente levava ambas as filhas até à Escola ... e, depois da DD entrar na escola, obrigava a BB a sair do carro, ficando a, naquela altura, menor, a pé, carregada de livros e material escolar, sendo obrigada a percorrer a pé, nessas circunstâncias, a distância entre ambas as escolas, fizesse chuva ou fizesse sol….
W) Por vezes o requerente desligava a internet de casa e a luz no quadro geral e tirava o telemóvel à BB.
X) Nas muitas discussões que o requerente teve com a requerida CC, não se coibiu de, à frente da BB chamar àquela (e mãe desta) puta, putéfia, vaca, cabra, doente mental dizendo-lhe que tinha quatro amantes, entre outros impropérios.
Y) Quando saiu de casa, em 20 de Abril de 2020, não se despediu da BB e esteve sem lhe dar noticias durante oito meses.
Z) A partir dessa data o progenitor deixou de celebrar o aniversário da BB e o Natal, não lhe dando qualquer presente.
AA) Nunca mais perguntou pelo seu estado de saúde
BB) Apesar disso, e no âmbito do processo de Divórcio (autos principais), a BB acedeu a almoçar uma vez por semana com o progenitor até para ajudar a sua irmã mais nova que se recusava rotundamente a conviver com ele.
CC) No primeiro almoço, a 16 de Janeiro de 2021, a BB procurou conversar com o aqui requerente sobre o fim da relação entre os seus pais o que o requerente recusou.
DD) A BB usava um cartão de telemóvel associado ao contrato de fornecimento de serviços da operadora A... em que o titular do contrato era o requerente. Sem qualquer aviso, o requerente alterou o cartão da BB para pré-pago. Tal facto apenas foi descoberto pela BB após o dia 15 de Setembro de 2021, quando se viu impedida de fazer chamadas…
EE) Nos pretéritos dias 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de Setembro de 2022, o requerente enviou para a aqui requerida CC SETE emails (a BB recebeu-os por ele a ter colocado em BCC) em que:
- se dirige às destinatárias como “pandilha”;
- acusa a mãe da BB de lhe roubar dinheiro;
- chamas-lhes “bandalhos” e “FDGP”;
- faz alusão ao processo de violência doméstica (no qual sabe que a BB é testemunha) quando escreve “vai "tiro-liro" junta mais este”, pois a aqui requerida CC tem recebido sucessivos emails com que tem junto aos autos de violência doméstica.
FF) O requerente usou a rede social Twitter que é pública e acessível a todo e qualquer um que lhe aceda.
GG) Sabendo disso, usa a dita plataforma para fazer publicações e comentários sabendo que os amigos da sua filha BB, assim como ela própria, lêem tais comentários, como “vai comer a sopa filho da puta…a mama já chamou o EE…baza boi” e para trocar comentários com outros indivíduos em que insinua que tem sexo com a mãe dessas pessoas.
HH) A BB sente vergonha por estes comportamentos do requerido.
II) O requerido usa a rede social Facebook para se referir à família da requerida CC, bem como ambas as aqui requeridas usando linguagem figurada e referindo-se aos “Patacos”, em sabendo que era essa a alcunha do avô materno da filha, afirmando que precisam de ajuda por “notórias dificuldades de interpretação” afirmando que PATACO é sinónimo de “Homem/mulher estúpido”
JJ) Usou a rede social referida para, por diversas vezes, fazer alusão ao processo-crime que corre no DIAP de Aveiro, 3.ª Secção, sob o n.º 339/20.9 PBAVR (violência doméstica).
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Factos não provados:
Todos os restantes e nomeadamente:
- que o requerente nada sabe actualmente, por falta de comunicação das Requeridas, sobre o percurso universitário da filha ora requerida, ou seja, se concluiu ou não o 1.º ano, e se houve ou não aproveitamento escolar;
- que o R,te ao desligar a electricidade e a internet da casa o fizesse por puro divertimento e no sentido de impedir a BB (e a irmã) de estudar, fazer trabalhos de casa, ver televisão, ou, caso fosse de noite, fazer o que quer que fosse ou para as assustar.
- a alegada descoberta pela BB de uma relação extraconjugal do R.te e os juízos de valor e intenções afirmadas como sendo as do R.te ao realizar as publicações dadas como provadas.
Motivação:
O tribunal deu como provados os aludidos factos pelas razões seguintes:
1. Quanto aos factos provados:
1.1 Relativamente ao regime e decisões proferidas quanto a convívios no âmbito da RRP: os elementos constantes dos autos;
1.2 Relativamente às tentativas de contactos e recusas da BB em estar e em comunicar com o pai assim como relativamente aos episódios descritos: declarações da própria BB e do R.te, nessa parte (dada como provada) coincidentes;
1.3 Relativamente aos demais factos: prova documental junta nomeadamente quanto às publicações e mails referidos.
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2. Quanto a factos não provados:
Quanto à alegada e não provada falta de informação ao R.te - email enviado pela progenitora para aquele a 26 de Setembro de 2022 – cfr. documento n.º 1 e 1.1 que consubstanciam o corpo do email e a factura recibo comprovativo da liquidação das propinas pagas pela progenitora, certidão remetida a 29 de Setembro de 2022 emitida pela universidade ... a fim de comprovar a referida inscrição - – cfr. documento n.º 2 e 2.1 que consubstanciam o corpo do email e a certidão anexa ao mesmo; email enviado pela progenitora a 27 de Setembro de 2021, da sua entrada e matricula no primeiro ano do referido curso, tendo ainda remetido em anexo o comprovativo do pagamento das propinas – – cfr. documento n.º 3 e 3.1 que consubstanciam o corpo do email e o comprovativo de pagamento das propinas.
Quanto aos restantes factos referidos como não provados: por falta de prova idónea sobre os mesmos.”
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Como antes já vimos, neste seu recurso o requerente/apelante, AA, requer a alteração da decisão proferida no que toca aos seguintes pontos de facto:
Alíneas V), W), X), Y), Z), AA), CC), DD), EE), GG), II) e JJ) dos factos provados.
E fundamenta esta sua pretensão, na discrepância dos depoimentos prestados em julgamento por si próprio e pelas requeridas, CC e BB.
Para tanto limita-se a transcrever segmentos de tais depoimentos, indicando as respectivas passagens da gravação.
Prosseguindo:
A propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» os «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, indicar os concretos meios probatórios em que se estriba, precisando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; e deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Estas exigências vêm «na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.129).
A leitura mais atenta das alegações de recurso do requerente/apelante AA, leva-nos a concluir pelo incumprimento “deficiente” de tais ónus, o que se mais levaria à rejeição, nesta parte, do seu recurso.
De todo o modo e mesmo que se entenda que, no caso, não há lugar á rejeição do recurso, nunca a sua argumentação justificaria a alteração proposta das respostas dadas aos factos em questão.
E isto porque o que verdadeiramente resulta da mesma é uma visão diferente da prova produzida, nomeadamente das declarações antes melhor referidas.
Assim, não soube trazer ao processo razões que nos levem a concluir que a sua versão dos factos é mais consistente do que aquela que resultou quer dos depoimentos prestados pelas requeridas CC e BB, quer da restante prova produzida, nomeadamente a documental.
Nestes termos, nenhum fundamento existe para, no que toca a tais pontos de facto, questionar a convicção do Tribunal “a quo”.
Por isso e não estando verificados, como não estão, os pressupostos previstos no art.º 662º do CPC, nega-se provimento, nesta parte, ao recurso interposto e confirma-se a decisão de facto proferida.
Vejamos, pois, se a manutenção da decisão de facto, pode ainda assim justificar a procedência do recurso dos autos.
Sabemos todos que na tese do requerente/apelante, a conduta da requerida BB integra violação grave dos seus deveres para com o requerente AA, seu pai, constituindo causa para a cessão da obrigação alimentar anteriormente fixada, nos termos do art.º 2013º, nº1, alínea c) do Código Civil.
No que respeita às causas de cessação da obrigação prestar alimentos, determina o art.º 2013º nº 1 do CC que a obrigação de prestar alimentos cessa:
- Com a morte do obrigado (al. a));
- Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles (al. b));
- Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
Tendo em conta esta última hipótese cabe apurar que deveres são esses.
Assim e nos termos do disposto no art.º 1874º, nº1 do CC, é consabido que pais e filhos estão mutuamente obrigados aos deveres de respeito, auxílio e assistência.
Do dever de auxílio decorrem obrigações de ajuda e protecção relativos, quer à pessoa quer ao património dos pais e filhos.
O dever de assistência tem um cariz essencialmente patrimonial, impondo prestações susceptíveis de avaliação pecuniária, nele cabendo a obrigação de prestar alimentos.
A obrigação de alimentos é absorvida pelo dever de contribuir para os encargos da vida familiar durante a vida em comum e só adquire autonomia no caso de não haver comunhão de habitação entre pais e filhos. (cf. Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, pág.269).
Segundo o mesmo autor, “O dever de respeito obriga cada sujeito da relação de filiação a não violar os direitos individuais do outro. Esses direitos individuais compreendem quer direitos de personalidade quer direitos patrimoniais”. (cf. obra e autor citados, pág. 268).
Mais, “A lei usa uma fórmula aberta que tem de ser densificada casuisticamente, atendendo aos contornos específicos da relação jurídica entre devedor e credor da obrigação de alimentos. Caberão aqui, desde logo, os comportamentos que traduzam a violação grave dos deveres gerais que recaem sobre todos os sujeitos de respeitar as posições jurídicas oponíveis erga omnes tutelados delitualmente e que correspondem, de forma sintética à titularidade dos direitos absolutos (nomeadamente direitos reais e direitos de personalidade (…) Só uma inobservância qualificada – que revista gravidade objectiva – desses deveres poderá constituir causa de cessação da obrigação de alimentos.” (cf. Rute Teixeira Pedro, CC anotado, AAVV, coordenação, Ana Prata, Vol. II, pág.921 e seguintes.).
Na jurisprudência tem vindo a ser maioritariamente entendido, que a circunstância de o filho deixar de falar ao pai, sem que se apure que a causa desse corte de relações é inteiramente imputável ao filho, não constitui fundamento bastante para fazer operar a cessação da obrigação de prestação de alimento pelo pai, ou seja, não preenche a supra identificada previsão normativa do art.º 2013º nº 1, al. c) do CC. (neste sentido e entre outros os acórdãos da Relação de Coimbra de 21.05.2019, no processo 279/07.7TBCLB-J.C1, relatado pelo Desembargador Luís Cravo e da Relação de Lisboa de 13.04.2023, no processo 3755/18.2T8BRR-B.L1-6, relatado pelo Desembargador Adeodato Brotas, ambos em www.dgsi.pt.).
Temos também nós como bom o entendimento que decorre da doutrina e da jurisprudência acabada de citar.
Assim, a posição que deve ser subscrita é a de que o art.º 2013º nº 1, al. c) do CC o que exige é que o credor de alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado, não bastando, por isso, para fazer operar a cessação da obrigação de alimentos, uma mera violação dos deveres paterno-filiais, impondo-se, antes, uma violação qualificável como grave dos deveres de assistência, de auxílio e de respeito.
Aplicando tal ideia ao caso concreto, para que o requerido ora apelante AA pudesse ficar desonerado do seu dever de prestar alimentos à sua filha BB, teria de verificar-se uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, obrigado a alimentos.
Nos autos, afiguram-se relevantes para a decisão a proferir os seguintes factos dados como provados:
“C) No aniversário do requerente em Fevereiro de 2021 a requerida filha não o contactou por nenhuma via;
D) Em Setembro de 2021, aquando do aniversário da filha, o requerente tentou ligar lhe por diversas vezes, sendo que a mesma nunca atendeu as suas chamadas. Por esse motivo e na impossibilidade do contacto telefónico com a filha, o requerente. enviou por “SMS” mensagem a desejar um bom aniversário à sua filha, ora requerida.
E) Em meados de Setembro de 2021, o requerente quando soube da colocação da sua filha na universidade ..., de imediato tentou ligar lhe para a felicitar, porém sem sucesso. Ainda assim,
F) (…) Continuou a tentar o contacto com a filha, ligando-lhe frequentes vezes e, simultaneamente, enviando-lhe mensagens convidando-a para estarem juntos, almoçarem, jantarem, ou aquilo que ela quisesse fazer em conjunto com o requerente, sempre na expectativa que a mesma lhe respondesse, o que nunca aconteceu.
G) No dia 9 de Outubro de 2021, aquando da marcação de dia e hora para a elaboração da relação de bens do recheio da casa de morada de família, para juntar ao processo de inventário, a requerida e sua ex-mulher chegou ao local acompanhada da filha BB, tendo esta ignorado a presença do pai e não o tendo cumprimentado e, no final dessa “diligência” quando já se dirigia para o carro da requerida mãe, na presença daquela e na do seu avô paterno, dirigindo-se ao requerente, a BB disse em voz alta “És sempre o mesmo palhaço, grande palhaço”.
H) O requerente não desistindo de poder voltar a estar com a sua filha, nos inícios de Novembro de 2021, através dos canais sociais que os jovens tanto usam “Instagram” e “Facebook” pediu lhe “amizade” sem qualquer resposta até ao presente.
I) Ainda no dia 22 de Novembro de 2021, quando o requerente se encontrava no pavilhão desportivo em ... a assistir ao treino da sua filha menor DD (irmã da BB), a requerida filha chegou acompanhada pela requerida mãe, passando pelo pai, virou lhe a cara, não o cumprimentando.
J) Durante o período de Natal 2021 e Ano Novo, o requerente convidou a requerida filha para passar com ele alguns dias, nesse período, não tendo obtido qualquer resposta.
K) Em Fevereiro de 2022, na semana anterior ao aniversário do requerente, este sempre na esperança de uma mudança de atitude da filha BB, convidou-a para lanchar e mais uma vez a resposta foi o silêncio.
L) Em meados desse mesmo mês, a requerida filha contactou através de um número privado de telemóvel com a avó paterna, que lhe pediu o novo número de telefone para a poder contactar, pedido que a mesma negou justificando que a avó iria dar conhecimento do meso ao pai. Ou seja, o número de contacto que o requerente tinha para falar, ou tentar falar com a filha foi desligado/bloqueado, deixando deste modo o pai de ter qualquer possibilidade de telefonar para a filha, quer para convívio quer para poder acompanhar o seu percurso pessoal e académico.
M) No dia 22 de Julho de 2022, quando o requerente se encontrava no centro comercial “...”, acompanhado de uma amiga, a filha BB passou por ele, fotografou-o e filmou-o de costas, sem que o mesmo, no momento, disso se tivesse apercebido, tendo, a requerida filha, enviado posteriormente esses mesmos ficheiros de imagem, através do “Messenger” para o avô paterno e para tia paterna, com o comentário: ”olha que dois!”. Ainda nessa ocasião, o requerente tentou cumprimentar e falar com a filha, sem sucesso, porque ela não retribuiu.
N) Já no dia 25 de agosto do corrente ano, o requerente avistou as suas filhas dentro da “...”, na fila para compra de bilhetes do concerto dos “...” e foi ter com elas para as cumprimentar, perguntou se estavam bem, não tendo obtido qualquer reacção.
O) Ainda no dia 21 de Setembro de 2022, a Requerida CC deslocou-se à residência do Requerente para levantar correspondência postal dela e da filhas, fazendo-se acompanhar por estas.
P) Quando o Requerente chegou a casa, aquela Requerida estava já junto ao portão, com a porta do automóvel, do lado condutor aberta. Quando o Requerente passou pelo carro, reparou que as filhas estavam no seu interior, não tendo, nenhuma delas saído do carro, nem cumprimentado o Requerente. Este cumprimentou-as e perguntou se estavam bem, não tendo obtido qualquer resposta. Nessa ocasião a Requerida BB estava a filmar com o seu telemóvel. E quando a Requerida CC voltou para o carro, o Requerente despediu-se delas sem ter obtido, mais uma vez, qualquer resposta.
Q) Apesar de tudo, resulta que o requerente enviou à filha BB diversos pedidos de contacto por e-mail, SMS, WhatsApp ou Messenger, que a requerida nunca deu resposta.
R) A referida BB afasta a possibilidade de qualquer tipo de convivência futura com o seu pai R.te.”
Perante este conjunto de factos, não podemos deixar de salientar ser no mínimo censurável o comportamento que a requerida BB tem vindo a adoptar perante o pai, o aqui requerente AA.
E tudo isto, independentemente os comportamentos deste último que possam estar na base de tal atitude, nomeadamente as que estão relatadas nas alíneas V) e JJ), também eles muito lamentáveis.
De todo o modo, consideramos que tais atitudes e comportamentos da requerida BB não constituem uma grave violação do dever de respeito para com o seu pai, o aqui requerente AA.
E a ser assim, impõe-se concluir não existir fundamento para considerar cessada a obrigação de alimentos em discussão nos autos.
Nestes termos, não pode ser provido o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso de apelação e sem mais, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo do requerente/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 4 de Julho de 2024
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Judite Pires