Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3041/23.6T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: AÇÃO DE DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CÔNJUGES
NACIONALIDADE
Nº do Documento: RP202407103041/23.6T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência internacional de um tribunal português para a apreciação de uma acção de divórcio entre cônjuges residentes na Suíça afere-se em função do art. 3º do Regulamento nº 1111/2019, de 25/6, bastando, para o efeito, a circunstância de ambos terem nacionalidade portuguesa.
II - A competência internacional assim definida não sofre excepção no caso de o casal ter um filho menor, também residente na Suíça, relativamente ao qual será necessário vir a regular o exercício de responsabilidades parentais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 3041/23.6T8VFR.P1Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira - Juiz 2



REL. N.º 886
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Fernando Vilares Ferreira




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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:



1 - RELATÓRIO

AA, casada, residente na Rua... - Edifício ..., freguesia ..., concelho ..., intentou ACÇÃO DE DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE contra,
BB, casado, residente na ... ... Suíça,
alegando terem contraído matrimónio, em 2000, tendo da sua união nascido duas filhas, CC, nascida a ../../2007 e DD, nascida a ../../2000.
Mais alegou que desde meados de 2023 o réu incorreu em comportamentos, que descreveu, por acção e por omissão, tornaram “clara e definitiva a rutura da vida em comum do casal.”
Pediu, a final, que seja decretado o divórcio entre ambos.
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Perante a constatação de que autora e réu, bem como as filhas do casal, residem habitualmente na Suíça, foi a requerente notificada para se pronunciar perante a hipótese de o tribunal concluir pela sua incompetência internacional.
A autora pronunciou-se então pela competência do tribunal português, com fundamento na al. b) do art.3º do Regulamento (CE) nº 2201/2003.
De seguida, foi proferida decisão em que o tribunal concluiu pela sua incompetência internacional.
É desta decisão que vem interposto recurso, que a autora terminou formulando as seguintes conclusões:
“1º - O presente recurso tem como objeto a Sentença proferida por este Tribunal a 23-10-2023 com a ref.ª 129616017 e na qual se decidiu o Tribunal a quo é territorialmente incompetente para conhecer dos presentes autos de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
2.º Não se conforma a Recorrente com tal entendimento, por considerar que o mesmo efetua uma interpretação errónea das normas legais, quer nacionais, quer europeias aplicáveis aos presentes autos.
3.º O Tribunal a quo entende que por força da existência de uma filha menor fruto do casamento entre Requerente e Requerido, e que se encontra a residir junto da Autora, na Suíça, país de emigração desta última, o Tribunal competente para conhecer dos presentes autos seria o tribunal de residência da menor, na Suíça.
4.º Dispõe o n.1 do art. 1º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de Novembro aplicável a decisões em matéria matrimonial e responsabilidade parental que “independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:
a) ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;
b) à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação, ou à cessação da responsabilidade parental.
5.º Segundo este art. 3.º são sete os critérios gerais que definem a competência internacional de um Estado-Membro em questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, entre eles a nacionalidade de ambos os cônjuges (art. 3º, n.º1, al. b) do Reg.).
6.º Tratam-se de critérios alternativos, no sentido de que inexiste entre eles uma hierarquização e de que são de aplicação concorrente, tendo, por isso, o cônjuge ou os cônjuges requerentes do pedido de divórcio, de separação ou anulação do casamento, o direito de optar por qualquer um deles.
7.º E porque assim é, fácil é concluir, no caso dos presentes autos, que, a circunstância da filha menor do casal residir com os pais na Suíça, na medida em que a mesma não se integra nenhum dos critérios atributivos da competência internacional estabelecidos no art. 3º, nº1 de Regulamento nº 2201/2003, não tem relevância, por isso, para determinar o tribunal competente para decidir sobre o pedido de divórcio.
8.º A este propósito o TJUE, no Despacho de 03-10-2019 (processo nº C-759/18), já se pronunciou , declarando “O artigo 3.º, n.º 1, e o artigo 17.º do Regulamento n.º 2201/2003 devem ser interpretados no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a circunstância de o casal de cujo casamento é pedida a dissolução ter um filho menor não é pertinente para determinar o tribunal competente para decidir sobre o pedido de divórcio. Uma vez que o tribunal do Estado-Membro da nacionalidade comum dos cônjuges, chamado a pronunciar-se pelo requerente, é competente para se pronunciar sobre este pedido por força do artigo 3., n.º 1, alínea b), deste regulamento, esse tribunal não pode, mesmo na falta de acordo das partes nesta matéria, invocar uma exceção de incompetência internacional.”
9.º Também o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esta mesma questão, decidindo “apesar dos cônjuges terem a sua residência habitual na Suíça, tendo o autor e ré nacionalidade portuguesa e tendo o autor instaurado ação de divórcio em Portugal, o tribunal deste Estado Membro da União Europeia, tem, à luz do disposto do art. 3.º, n.º 1, al. b), do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27-11, competência internacional para julgar esta ação, sendo irrelevante para efeitos de determinação desta competência, quer a circunstância do autor poder ter também nacionalidade suíça, quer a circunstância do casal ter uma filha menor, residente na Suíça.”
10.º Por tudo isto, porque este Regulamento, segundo a interpretação conforme da jurisprudência do TJUE, estabeleceu o princípio de tratamento paritário de todos estes critérios atributivos de competência internacional e concedeu ao cônjuge requerente do pedido de divórcio o direito de optar por qualquer um deles e porque a autora instaurou a presente ação de divórcio num tribunal de um Estado Membro da União Europeia – Portugal - , tendo autora e réu nacionalidade portuguesa, dúvidas não restam quanto à verificação do critério da nacionalidade de ambos os cônjuges a que alude a al. b), do nº1, do artigo 3.º, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro.
11.º Assim, ao declarar-se incompetente territorialmente não conhecendo do objeto da presente acção o Tribunal a quo errou na valoração, interpretação e aplicação das normas de direito subsumíveis aos presentes autos, devendo por isso, ser revogada tal decisão pelos fundamentos supra expostos.
12.º Acresce que, e mesmo que se entendesse, que os critérios Secção 2 – Responsabilidade Parental fossem aplicáveis aos presentes autos, o que apenas por mera hipótese académica se aceita, pois a Recorrente entende que tais normas não contendem com os presentes autos.
13.º Sempre esbararia o entendimento do Tribunal a quo, com o art. 12º, n.º1 do Regulamento - extensão de competência, e apenas poderia ser decretada a incompetência territorial caso houvesse oposição expressa por parte do Requerido, que nem sequer foi citado dos presentes autos.
14.º E por último, se o Tribunal a quo entendesse, como entendeu, que o Tribunal que se encontra melhor colocado para solucionar as questões relativas à responsabilidade parental será o tribunal da residência habitual da menor, entendimento que mais uma vez não se concorda, deveria ter lançado mão dos mecanismos do art. 15º do citado regulamento, que não fez.
15.º Por outro lado, não crê a Recorrente que o facto de residência habitual da menor ser na Suíça, por essa única razão este Tribunal esteja em melhores condições para julgar a ação, pois não nos parece, que o Tribunal a quo, português, nacionalidade de ambos os cônjuges, cuja idioma falado e escrito, é o português, esteja em desvantagem e não consiga acautelar de forma igualmente válida e segura o superior interesse da criança
16.º Pelo que, também por estes fundamentos, não colhe a tese despendida pelo Tribunal a quo segundo a qual, entendendo-se que, seriam aplicáveis também as normas de competência relativas às responsabilidades parentais nestes autos de divórcio, o Tribunal competente seria o Tribunal Suíço.
Pelo que, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo efetuou uma interpretação e aplicação errada dos normativos legais aplicáveis aos presentes autos, e violou entre outros, os artigos 62º e 63º do CPC, art.º 8 da CRP, art.º 1, n.º1, 2º, 3º, n.º1, al. b), 8º, n.º1 e 2, 9º, 10º, 12º, 15º, 17º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de Novembro.
Termos em que, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas, procedentes por provadas, revogando a decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que declare o tribunal a quo competente para conhecer da presente ação, pelos termos e fundamentos supra expostos.”
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O MºPº juntou resposta, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.
O réu, citado para o processo e para os efeitos do recurso, nada veio responder.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e feito devolutivo.
Cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cabe decidir se o tribunal recorrido deve ser tido como competente internacionalmente para a apreciação da pretensão de divórcio da autora, na consideração de que ambos os cônjuges residem na Suíça, com eles residindo as duas filhas, uma das quais menor e relativamente à qual será necessário regular o exercício das responsabilidades parentais.
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A decisão recorrida assenta nas seguintes premissas:
- Autora e réu, na presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, têm nacionalidade portuguesa.
- Ambos os cônjuges têm residência na Suíça.
- Com eles, na Suíça, vivem as duas filhas do casal, uma das quais é menor (nascida em Janeiro de 2007).
- O decretamento do divórcio impõe a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor.
- Sendo aplicável, ao caso, o Regulamento n.º 2201/2003, apesar de a Suíça não ser estado membro da UE, o superior interesse da menor impõe a competência do tribunal da Suíça para regular o exercício das responsabilidades parentais a ela respeitantes, por ser aquele que está em melhores condições para apreciar as respectivas necessidades e obrigações dos pais, já que ali residem todos.
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Antes de mais, importa atentar em que o Regulamento 2201/2003 foi revogado e, nas acções intentadas após 1/8/2022, como é o caso da presente, o instrumento regulador pertinente é o Regulamento que veio substituir aquele, com o nº 1111/2019, de 25 de Junho.
Em qualquer caso, a definição da competência internacional constante deste regulamento, designadamente do art. 3º, al. b) é idêntica à do regulamento anterior, consagrando um critério de nacionalidade: “São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) (…)
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges.
Aceitando aqui uma fórmula que se vai repetindo na jurisprudência (ex. Ac. do TRL de 23-02-2023, proc. nº 398/21.9T8LSB.L1-8, em dgsi.pt) , também se admite a premissa invocada na sentença recorrida (e que não é controvertida sequer em face do recurso) nos termos da qual a regra citada tem um âmbito de aplicação espacial universal, pois não se limita a regular situações conexas com Estados-Membros, mas qualquer situação, tenha ou não alguma ligação relevante com a União Europeia. Por isso, é irrelevante a circunstância de os cônjuges residirem na Suíça e este estado não ser membro da EU, pois que ambos têm nacionalidade portuguesa, o que permite a actuação do critério constante da citada al. b) do art. 3º do Regulamento 1111/2019, de 25 de Junho.
Neste sentido se pronunciou o STJ, em ac. de 7/10/2020 (proc. nº 4435/19.7T8BRG.G1.S1), cuja decisão, apesar de baseada no anterior Regulamento 2201/2003, é transponível para a idêntica regulação inscrita no Regulamento 1111/2019: “As normas do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27-11-2003, relativas à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, aplicáveis aos litígios emergentes de situações transnacionais, são o direito comum da competência internacional dos Estados-Membros dentro do âmbito de matérias por ele abrangidas, isto é, regras de competência internacional direta, que devem ser respeitadas pelos tribunais dos Estados Membros da União Europeia e que os levam a declinar a sua competência quando não se considerem competentes de harmonia com as tais regras, não sendo, porém, de exigir que a internacionalidade da relação ocorra apenas entre Estados Membros da União Europeia, podendo também ocorrer entre um Estado-Membro e um Estado terceiro, desde que, pelo menos, um dos elementos de estraneidade previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, apresente uma conexão significativa com um dos Estados-Membros.”
Aliás, ainda com interesse para a decisão da causa, prosseguiu esse acórdão: “Tratam-se de critérios alternativos [os do art. 3º do Regulamento 2201/2003, idênticos aos do art. 3º do Regulamento actualmente vigente, nº 1111/2019, de 25 de Junho], no sentido de que inexiste entre eles uma hierarquização e de que são de aplicação concorrente, tendo, por isso, o cônjuge ou os cônjuges requerentes do pedido de divórcio, de separação ou anulação do casamento, o direito de optar por qualquer um deles. Assim, apesar dos cônjuges terem a sua residência habitual na Suíça, tendo o autor e ré nacionalidade portuguesa e tendo o autor instaurado ação de divórcio em Portugal, o tribunal deste Estado Membro da União Europeia, tem, à luz do disposto do art. 3.º, n.º 1, al. b), do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27-11, competência internacional para julgar esta ação, sendo irrelevante para efeitos de determinação desta competência, quer a circunstância do autor poder ter também nacionalidade suíça, quer a circunstância do casal ter uma filha menor, residente na Suíça.”
Sobre essa irrelevância, escreve-se nesse mesmo Acórdão:
“E o mesmo [irrelevância da questão] vale dizer quanto à circunstância da filha menor do casal residir com os pais na Suíça, na medida em que a mesma não se integra nenhum dos critérios atributivos da competência internacional estabelecidos no art. 3º, nº1 de Regulamento nº 2201/2003, não relevando, por isso, para determinar o tribunal competente para decidir sobre o pedido de divórcio.
É que, também a este propósito o TJUE, no Despacho de 03-10-2019 (processo nº C-759/18), declarou que :
«1) O artigo 3.º n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, tratando-se de um pedido de divórcio, quando o requerente apresenta o pedido num tribunal do Estado-Membro da nacionalidade comum dos cônjuges, ao passo que a residência habitual destes se situa noutro Estado-Membro, esse tribunal dispõe de competência para decidir sobre esse pedido, nos termos da alínea b) desta disposição. Uma vez que não se exige o acordo do requerido, não é necessário examinar a questão de saber se a não dedução, pelo requerido, de uma exceção de incompetência constitui um acordo tácito sobre a competência do tribunal onde foi apresentado o pedido.
2) O artigo 3.º, n.º 1, e o artigo 17.º do Regulamento n.º 2201/2003 devem ser interpretados no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a circunstância de o casal de cujo casamento é pedida a dissolução ter um filho menor não é pertinente para determinar o tribunal competente para decidir sobre o pedido de divórcio. Uma vez que o tribunal do Estado-Membro da nacionalidade comum dos cônjuges, chamado a pronunciar-se pelo requerente, é competente para se pronunciar sobre este pedido por força do artigo 3., n.º 1, alínea b), deste regulamento, esse tribunal não pode, mesmo na falta de acordo das partes nesta matéria, invocar uma exceção de incompetência internacional.”
Sem prejuízo da utilidade da jurisprudência referida, cumpre atentar em que o Regulamento 2201/2003, entretanto revogado, continha, no seu art. 12º, a seguinte disposição: “1. Os tribunais do Estado-Membro que, por força do artigo 3.º, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando: a) Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; e b) A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.”
Constata-se, todavia, que o Regulamento 1111/2019 não contém uma norma idêntica.
Sobre a matéria, no respectivo preâmbulo, é descrita a intenção legislativa subjacente às regras ali definidas, nos seguintes termos:
(7)A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento deverá abranger todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção das crianças, independentemente da eventual conexão com uma ação de natureza matrimonial ou qualquer outro processo.
(8) No entanto, uma vez que a aplicação das regras em matéria de responsabilidade parental se impõe frequentemente em sede de ações de natureza matrimonial, convém dispor de um único ato em matéria de divórcio e em matéria de responsabilidade parental.
(19) As regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e devem ser aplicadas em função desse interesse. Todas as referências ao superior interesse da criança deverão ser interpretadas à luz do artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989 («Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança»), aplicadas ao abrigo do direito e dos procedimentos nacionais.
(20) Para salvaguardar o superior interesse da criança, a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. Consequentemente, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, exceto em determinadas situações previstas no presente regulamento, por exemplo, nos casos em que ocorra uma mudança da residência habitual da criança ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.
23) Em condições específicas estabelecidas pelo presente regulamento, a competência em matéria de responsabilidade parental poderá ser igualmente determinada num Estado-Membro em que estiver pendente um processo de divórcio, de separação ou de anulação do casamento entre os pais, ou num outro Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação estreita e que tenha sido objeto de acordo prévio entre as partes, o mais tardar, no momento da instauração do processo em tribunal, ou aceite explicitamente no decurso do processo, mesmo se a criança não for habitualmente residente nesse Estado-Membro, desde que o exercício de tal competência seja do superior interesse da criança (…)”.
É em execução desta vontade que o Regulamento impõe, no seu art. 7º, nº 1, o critério da residência habitual, sem prejuízo de hipóteses de alargamento da competência agora previstas no art. 10º, onde se incluem, entre outros, o critério de nacionalidade da criança, o do acordo das partes em determinadas condições, e o do superior interesse da criança.
Em qualquer caso, o que sobressai da exposição de motivos do Regulamento é a autonomia entre a solução de competência internacional prevista para o divórcio e a prevista para as situações de regulação de responsabilidades parentais. De forma alguma (tal como já acontecia com o Regulamento 2201/2003) a necessidade de uma tal regulação relativamente a filhos menores constitui ou integra qualquer critério para a definição da competência internacional para a acção de divórcio.
Foi precisamente essa solução que foi levada às regras do Regulamento, onde, por exemplo, definindo-se a competência de um tribunal de um Estado-membro da EU, para uma acção de divórcio, em razão da nacionalidade de ambas as partes, nenhuma excepção se mostra prevista para a hipótese de esse processo dever ser associado a um outro de regulação de responsabilidades parentais.
É certo que o legislador europeu assumiu, mas como mera conveniência, a utilidade de se reconduzir a um único acto a resolução das situações em matéria de divórcio e em matéria de responsabilidade parental (§ 8º da exposição de motivos, citado supra). E, para esse efeito, deixou abertas possibilidades de associação de tais competências, mesmo em sacrifício da primeira regra de atribuição de competência quanto a responsabilidades parentais, que é a da proximidade ou da residência habitual (art. 7º).
Porém, não quis salvaguardar essa reconhecida conveniência através de uma solução de definição da competência para a acção de divórcio por via da cedência das regras correspondentes perante outras respeitantes a regulação de responsabilidades parentais que o caso também exija.
Temos, pois, que mesmo perante este novo Regulamento não há razões para se abandonar a jurisprudência do TJUE citada supra, nos termos da qual “…a circunstância de o casal de cujo casamento é pedida a dissolução ter um filho menor não é pertinente para determinar o tribunal competente para decidir sobre o pedido de divórcio. Uma vez que o tribunal do Estado-Membro da nacionalidade comum dos cônjuges, chamado a pronunciar-se pelo requerente, é competente para se pronunciar sobre este pedido por força do artigo 3., n.º 1, alínea b), deste regulamento, esse tribunal não pode, mesmo na falta de acordo das partes nesta matéria, invocar uma exceção de incompetência internacional.”
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Resta, em conclusão, conceder provimento ao presente recurso, com revogação da decisão recorrida nos termos da qual o tribunal recorrido afirmou a sua incompetência internacional para a tramitação e julgamento da presente acção.
Contrariamente, admitindo-se essa competência, haverá a acção de prosseguir os seus termos.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso, com o que, revogando a decisão recorrida, a substituem por outro que julga o tribunal recorrido internacionalmente competente para a presente acção de divórcio.


Registe e notifique.

Custas pela apelante, que da decisão tira proveito, face à circunstância de não haver parte vencida – art. 527º, nº 1 do CPC).


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Porto, 10 de Julho de 2024
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Fernando Vilares Ferreira