Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO VENADE | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MANDATO JUDICIAL RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
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Nº do Documento: | RP202406062883/20.9T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Tendo sido estabelecido no âmbito de contrato de prestação de serviços, onde se inclui a prestação de atos próprios de contrato de mandato judicial, que: . o mandatário/Réu poderia levantar quantias de uma conta de fundo de maneio para pagar as despesas necessárias ao exercício do mandato; . era obrigação do mandatário, em determinado prazo, demonstrar documentalmente as despesas ou repor esse mesmo fundo, incumpre esse acordo o mandatário que, findo esse prazo, nem junta documentos nem repõe o saldo. II - Provado esse incumprimento, competia ao mandatário/Réu afastar a presunção de culpa que impendia sobre si, nos termos ao artigo 799.º, do C. C., demonstrando, por exemplo e face ao alegado: . ser-lhe impossível juntar a documentação; . dispor de outra documentação diversa da exigida que também comprovava a licitude da despesa; . usou a quantia disponibilizada pelo fundo de maneio para pagar despesa tal como acordado mas não consegue demonstrar, por facto que não lhe é imputável, que assim sucedeu. III - Não afastada a presunção, deve o Réu ser condenado a repor o saldo negativo que a mesma conta apresenta. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2883/20.9T8PRT.P1.
João Venade. António Carneiro da Silva. Aristides Rodrigues de Almeida. * 1). Relatório. Banco 1..., S. A., Sociedade Aberta, com sede na Praça ..., Porto, propôs contra AA, advogado, com domicílio profissional na Rua ..., ..., Porto Ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação do mesmo no pagamento da quantia de 82.399,08 EUR, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até integral e efetivo pagamento. O sustento do pedido consiste na celebração com o Réu de um contrato através do qual lhe eram adiantadas quantias utilizadas pelo Autor, no exercício da sua profissão de advogado, que depois tinham de ser comprovadas mediante documentação, o que não sucedeu. * Citado o Réu, o mesmo contestou, negando a dívida e, em sede reconvencional, pede a condenação do reconvindo na quantia de 32.500 EUR, acrescida dos juros de mora a contar da data da notificação do Autor da reconvenção, tendo por base a contabilização de horas de serviços jurídicos. * Na réplica, o Autor contesta a obrigação de pagamento que o Réu lhe imputa, mencionando ainda que os serviços prestados há mais de dois anos, por referência à data em que foi notificado da reconvenção (19/03/2020), estão prescritos. * Elaborou-se despacho saneador onde se fixou como objeto do litígio o teor dos pedidos de Autor e reconvinte e como . temas de prova: . «apurar o saldo da responsabilidade de Réu que a conta de fundo de maneio identificada p.i. apresentava em 1 de Abril 2015; . «apurar e quantificar os serviços prestados pelo Réu ao Autor após o final do contrato de prestação de serviços.». * Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença nos seguintes termos: . «julga-se a presente ação procedente por provada e condena-se o réu no pedido. Mais se julga procedente a reconvenção, condenando o reconvindo a pagar a quantia, a fixar em execução de sentença, nos termos referidos.» * Inconformado, recorre o Réu, formulando as seguintes conclusões: «A). Se porventura a conta de fundo de maneio apresentasse um saldo negativo quando o aqui recorrente deixou de prestar serviços (como advogado) ao Banco recorrido, não resulta dos autos que ele tenha que pagar tal saldo devedor B). Se a conta apresentava um saldo negativo tal deveu-se ao facto de o aqui recorrente não ter obtido os documentos “contabilística e fiscalmente aceites” referentes aos movimentos a débito C). Aqueles documentos não eram emitidos pelo recorrente mas sim pelas entidades (nomeadamente Agentes de Execução) a quem o recorrente (no exercício das suas funções de advogado) pagava despesas (honorários, etc) D). O recorrido na sua p.i. apenas sustenta que o aqui recorrente lhe deve mais de Euros 80.000,00 por não lhe ter enviado os documentos “contabilística e fiscalmente aceites” E). A falta de um recibo honorários de (por exemplo) Euros 1.000,00 que devia ser emitido por um Agente de Execução não origina um crédito de igual montante. F). Porventura a não entrega dos documentos poderiam eventualmente causar algum prejuízo (que nem sequer foi alegado) mas não a criação ipso facto de um direito G). Mas ainda assim, se porventura houvesse prejuízo e que o mesmo tivesse sido alegado (que não foi) mesmo naquela hipótese (que é meramente académica) a não entrega do documento “contabilística e fiscalmente aceites” não é imputável ao recorrente. Repete-se que tal documento não era emitido pelo ora recorrente H). Não é possível condenar o recorrente no pedido (fundado unicamente na falta de entrega de documentos “contabilística e fiscalmente aceites”) quando ficou provado: O A. (ora recorrido) alienou milhares de créditos, a maior parte deles accionados judicialmente. Com a cessão de créditos o qui R. (ora recorrente) teve que entregar os respectivos dossiers aos Advogados das Entidades adquirentes dos créditos, com substabelecimentos sem reserva sendo que numa fase seguinte tais Advogados habilitaram, nos processos, os adquirentes dos créditos como cessionários O R. (ora recorrido) viu-se obrigado a “abrir mão” de muitos dossiers sem que estivessem emitidos “documentos contabilística e fiscalmente aceites. Em 2014 três Agentes de Execução deixaram de poder continuar a exercer as suas funções – foram expulsos pela Entidade Competente da respectiva Camara – que tinham processos em que o Banco 1... era exequente e o aqui Advogado (recorrente) daquela I.F. I). Andou mal o tribunal a quo ao não dar como provado que “a conta de fundo de maneio foi criada no interesse exclusivo do A. e sem que este assumisse /suportasse qualquer custo”. Na verdade pelas razões supra vertidas nos pontos 14 e 15 (que se reiteram / reproduzem) aquele facto deve ser aditado aos factos assentes / provados. J). Também andou mal o tribunal a quo ao não dar como provado que “O ritmo de utilização da conta de fundo de maneio foi sempre superior ao ritmo do Banco a creditar tal conta”. Na verdade pelas razões supra vertidas nos pontos 18 e 19 (que se reiteram / reproduzem) aquele facto deve ser aditado aos factos assentes / provados. L). Ainda andou mal o tribunal a quo ao não dar como provado que “Nos dossiers entregues aos Advogados das cessionárias – constam despesas judiciais – pagas através da conta de fundo de maneio – em montante superior a Euros 45.000,00 ainda a aguardar os “documentos contabilística e fiscalmente” aceites pelo A.” Na verdade pelas razões supra vertidas nos pontos 22,23 e 24 (que se reiteram / reproduzem) aquele facto deve ser aditado aos factos assentes/provados M). Também andou mal o tribunal a quo ao não dar como provado que “Muitas despesas – porventura mais de Euros 20.000,00 – pagas através da conta de fundo de maneio não puderam merecer a emissão de documento “contabilística e fiscalmente aceites” por falta de Agente de Execução para os emitir”. Na verdade pelas razões supra vertidas nos pontos 27,28 e 29 (que se reiteram/reproduzem) aquele facto deve ser aditado aos factos assentes/provados. N). Também andou mal o tribunal a quo ao não dar como provado que “a conta apresenta um saldo zero.” Na verdade pelas razões supra vertidas no ponto 32 (que se reiteram/reproduzem) aquele facto deve ser aditado aos factos assentes. O). Em momento algum o ora recorrente assumiu a obrigação de pagar ao ora recorrente os montantes que tinha utilizado via conta de fundo de maneio relativamente aos quais não logrou obter os documentos “contabilística e fiscalmente aceites assim considerados pelo Banco P). Não está minimamente indiciado e nem o Banco o alegou que a conta tenha sido utilizada incorreta ou abusivamente (por exemplo, para pagar de despesas de um processo em que o Banco 1... não fosse parte) Q). Mas se porventura se se entender que por força dos contratos que assinou o aqui recorrente se obrigou (o que não se aceita) a pagar do próprio bolso o saldo da conta de fundo de maneio então – nesta hipótese que se afigura académica – o acordo/convenção de que resultaria tal obrigação seria nulo e de nenhum efeito (vide entre outros o art. 280º do Código Civil) que se invoca. Na verdade, A conta de fundo de maneio foi criada no interesse exclusivo do A. e sem que este assumisse /suportasse qualquer custo. Era o banco que decidia se determinado documento era “contabilística e fiscalmente aceite” Nunca foi o aqui recorrente a emitir tais documentos – quem podia e devia emitir o documento contabilístico e fiscalmente aceite era a entidade que recebeu do advogado, in casu do recorrente, a quantia que tinha solicitado a título de despesas e/ou honorários O A. (ora recorrido) alienou milhares de créditos, a maior parte deles accionados judicialmente. Com a cessão de créditos o qui R. (ora recorrente) teve que entregar os respectivos dossiers aos Advogados das Entidades adquirentes dos créditos, com substabelecimentos sem reserva sendo que numa fase seguinte tais Advogados habilitaram, nos processos, os adquirentes dos créditos como cessionários O R. (ora recorrido) viu-se obrigado a “abrir mão” de muitos dossiers sem que estivessem emitidos “documentos contabilística e fiscalmente aceites. Nos dossiers entregues aos Advogados das cessionárias – constam despesas judiciais – pagas através da conta de fundo de maneio – em montante superior a Euros 45.000,00 ainda a aguardar os “documentos contabilística e fiscalmente” aceites pelo A. Em 2014 três Agentes de Execução deixaram de poder continuar a exercer as suas funções – foram expulsos pela Entidade Competente da respectiva Camara – que tinham processos em que o Banco 1... era exequente e o aqui Advogado (recorrente) daquela I.F. Muitas despesas – porventura mais de Euros 20.000,00 – pagas através da conta de fundo de maneio não puderam merecer a emissão de documento “contabilística e fiscalmente aceites” por falta de Agente de Execução para os emitir. R). Também andou mal o tribunal a quo ao não dar como provados os seguintes factos alegados na Contestação nos arts.91º, 92º e 933: - O Banco em finais de 2018 pagou uma divida do aqui R (recorrente) mais propriamente ao Condomínio ... – Porto, sendo que não tinha qualquer obrigação legal/jurídica de o fazer - Na verdade o A. tinha sido executado para pagar Euros 9.981,41 ao aludido Condomínio tendo deduzido oposição que foi julgada favorável ao Banco em 1ª instância, sendo que o Tribunal da Relação do Porto confirmou aquela decisão, seja que o Banco 1... nada devia ao citado Condomínio ... – Porto - Mas o A. – apesar do referido – entendeu pagar ao dito Condomínio em finais de 2018 a quantia de Euros 20.000,00 da responsabilidade do R. (ora recorrente) tendo aquele Condomínio desistido da execução que entretanto tinha movido contra o R. (ora recorrente) face ao aludido pagamento por parte do Banco). Na verdade pelas razões supra vertidas no ponto 39 (que se reiteram / reproduzem) aqueles factos devem ser aditado aos factos assentes/provados. T). Tal matéria factual permite concluir que o ora recorrido pagou em finais de 2018 uma dívida do aqui recorrente perante terceiros de Euros 20.000,00, U). Mais, o Banco depois de ter sido absolvido, paga em finais de 2018 uma dívida do recorrente a terceiros de Euros 20.000,00 para em 2020 com a presente acção vir peticionar uma quantia superior a Euros 80.000,00 que já existiria (na sua ótica de 2020) desde 2015. V). O Banco em 01/02/2017 e 14/12/2018 contactou o aqui recorrente a propósito da conta de fundo de maneio mas não pediu dinheiro – tão só documentos comprovativos das despesas efetuadas contabilística e fiscalmente aceites X). Nunca antes de 2019 o Banco pediu qualquer quantia ao ora recorrente e em finais de 2018 pagou uma dívida de Euros 20.000,00 a um credor do aqui recorrente Z), A presente acção é um verdadeiro “venire contra factum próprium”, que se invoca (mostra-se violado o art. 334 do Código Civil) AA). O tribunal a quo não mencionou qualquer disposição legal para condenar o aqui recorrente no pedido, pelo que a sentença carece de fundamento legal AB) Se porventura a sentença se louvou na cláusula 12º do contrato de prestação de serviços e na cláusula sétima do Protocolo Operativo anexo a contrato tais cláusulas foram violadas pois das mesmas não decorre a obrigação de pagar o quer que seja ao Banco aqui recorrido. AC. Impõe-se a revogação do segmento da sentença recorrida que condena o recorrente no pedido por outra que o absolva com todas as consequências legais.». Termina pedindo a revogação da sentença, sendo substituída por decisão que o absolva do pedido. * O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido. * As questões a decidir são: . apreciação da matéria de facto, quanto à factualidade não apurada, se se entender que é relevante; . nulidade da sentença por falta de fundamentação jurídica; . determinação do tipo de contrato celebrado entre as partes e consequência do incumprimento da eventual falta de documentação de despesas efetuadas pelo Réu e/ou reposição do saldo de conta de fundo de maneio. * 2). Fundamentação. 2.1). De facto. Resultaram provados os seguintes factos: «1 O Autor é uma sociedade comercial que se dedica, sobre o mais, à actividade bancária e de intermediação financeira desde data anterior ao início deste século, estando a tanto devidamente autorizado. 2 O Réu é advogado de profissão, estando inscrito na Ordem dos Advogados desde data anterior ao início deste século e sendo titular da cédula profissional com o número …. 3. Desde data anterior ao ano de 2001 que o Réu prestou ao Autor serviços de advocacia, patrocinando-o em assuntos vários em múltiplos processos judiciais, essencialmente relacionados com a recuperação de crédito concedido pelo Autor aos seus clientes, patrocinando-o especialmente em acções executivas e em processos de natureza falimentar. 4. Em 2001 o Autor e o Réu acordaram que este procederia à abertura de uma conta bancária em seu nome aos balcões do Autor a débito da qual o Réu procederia ao pagamento de despesas associadas aos processos judiciais que lhe fossem sendo confiados, procedendo o Autor ao respectivo crédito logo que lhe fosse remetida a respectiva documentação de suporte – a conta de fundo de maneio. 5. Isto mesmo foi acordado entre as partes no contrato de prestação de serviços que veio a ser celebrado em Fevereiro de 2001. 6. A conta bancária que, desde pelo menos 2004, ficou associada ao fundo de maneio foi a que o Réu abriu em seu nome aos balcões do Autor e a que foi atribuído o número ....... 7. Em 2004, 2008, 2009, 2010 e 2012 o Autor e o Réu vieram a outorgar os contratos e alterações a contratos, mantendo-se a conta de fundo de meio como mecanismo de reembolso pelo Autor ao Réu das despesas por este incorridas no acompanhamento dos processos judiciais ou assuntos que lhe estivessem confiados. 8. No dia 2 de Abril de 2014 Autor e Réu celebraram o contrato denominado de Contrato de Prestação de Serviços que, a partir de então, ficou a reger em exclusivo a relação contratual entre ambos estabelecida e que integra, como anexos, o Protocolo Operativo e o Contrato Específico. 9. No Contrato de Prestação de Serviços as partes acordaram, sobre o mais, o seguinte: Cláusula 12ª (Despesas, Conta para Pagamento e Forma de Reembolso) 1. Correm por conta do Banco todas as despesas judiciais (excluindo multas), designadamente as correntes de taxas de justiça, custas processuais, anúncios, desde que devidamente documentadas (…) 6. Para pagamento das despesas supramencionadas e em consonância com o número de dívidas em carteira, será atribuído ao Segundo Outorgante, pelo Banco, um valor de fundo de maneio. 7. O fundo de maneio, da responsabilidade do Segundo Outorgante, deverá encontrar-se regularizado ou saldado, anualmente até trinta dias após o termo do prazo em curso do presente Contrato e através da entrega atempada de documentos contabilística e fiscalmente aceites ou por depósito de cheques ou numerário. 8. Na sequência da entrega da documentação e após conferência, o Banco assegura a reposição do saldo da conta com a importância justificada pelos documentos apresentados e aceites. 10. Na cláusula sétima do Protocolo Operativo anexo ao Contrato de Prestação de Serviços as partes regularam mais em detalhe as regras de funcionamento da conta de fundo de maneio, estabelecendo os termos em que seria ela creditada pelo Banco em reembolso das despesas incorridas pelo Réu no acompanhamento dos processos que lhe estivessem confiados. 11. Por carta do dia 12 de Fevereiro de 2015 o Autor denunciou para o termo do prazo então em curso a relação contratual estabelecida com o Réu por efeito da outorga do Contrato de Prestação de Serviços, o que fez mediante a entrega a este da carta. 12. O Réu recebeu a carta referida no artigo anterior naquele mesmo dia 12 de Fevereiro de 2015. 13. A denúncia assim operada produziu efeitos no dia 1 de Abril de 2015. 14. Na data em que o Contrato de Prestação de Serviços cessou – 1 de Abril de 2015 – a conta de fundo de maneio apresentava um saldo negativo pelo montante de € 86.355,54. 15. Foram realizados pagamentos pelo Réu a débito da conta de fundo de maneio sem que tenham sido apresentados ao Autor os respectivos documentos comprovativos ou em que tivessem sido apresentados documentos comprovativos que, nos termos da relação contratual, não tivessem de ser reembolsados pelo Autor. 16. Fruto de créditos que foram lançados pelo Autor na sequência de documentos que lhe foram posteriormente enviados pelo, a partir de Janeiro de 2016 o saldo negativo da conta de fundo de maneio estabilizou-se em € 82.399,08. 17. Por carta de 14 de Janeiro de 2019 e através de mandatário judicial o Autor solicitou ao Réu o pagamento da aludida quantia. 18. A 15 de Abril de 2015 o Autor enviou ao Réu, por correio registado com aviso de recepção, uma carta tendo como assunto Contrato de Prestação de Serviços – Regularização do fundo de maneio para pagamento de despesas – conta ....... 19. A 1 de Fevereiro de 2017 o Autor enviou nova carta ao Réu, igualmente por correio registado com aviso de recepção, tendo por assunto responsabilidades em incumprimento. 20. Através dessa carta o Autor comunicou ao Réu o seguinte: Deixo para sua análise e consideração a possibilidade de acrescentarmos ao clausulado do acordo que propomos a seguinte cláusula. “1. Com exceção do disposto no ponto seguinte da presente cláusula, ambos os Contraentes declaram que com a celebração do presente acordo nada mais têm a receber ou pagar do outro Contraente seja a que título for. 2. O saldo atual de 82.399,08 Euros da conta de fundo de maneio prevista na cláusula 12º do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre os Contraentes em 2 de abril de 2014, entretanto denunciado, deverá ser regularizado pelo Segundo Contraente no prazo de … meses a contar da presente data, preferencialmente, com a apresentação dos documentos comprovativos das despesas efectuadas e contabilística e fiscalmente aceites” 21. No dia 14 de Dezembro de 2018 foi comunicado ao Autor, por mensagem de correio electrónico, o seguinte: Por último, o Banco confirma a obrigatoriedade de apresentação de recibos ou de documentos com o mesmo valor contabilístico e fiscal, em todos os pagamentos que efetua, exigência essa que consta, como é do conhecimento de V. Ex.a, dos contratos de prestação de serviços em que intervém. 22. O Banco revogou a procuração forense passada a favor do autor em 31/3/2015. 23. A partir de 1/04/2015 todas as notificações que o R. recebeu foram enviadas via correio electrónico para o A. com vista a que ele constituísse novo mandatário e desse seguimento /cumprimento/resposta às ditas notificações. 24. O “plafond” da conta foi subindo ao longo dos anos até atingir os Euros 88.000,00. 25. O A. alienou milhares de créditos, a maior parte deles accionados judicialmente. 26. Com a cessão de créditos o aqui R. teve que entregar os respectivos dossiers aos Advogados das Entidades adquirentes dos créditos, com substabelecimentos sem reserva sendo que numa fase seguinte tais Advogados habilitaram, nos processos, os adquirentes dos créditos como cessionários 27. O R. viu-se obrigado a “abrir mão” de muitos dossiers sem que estivessem emitidos “documentos contabilística e fiscalmente aceites. 28. Em 2014 três Agentes de Execução deixaram de poder continuar a exercer as suas funções – foram expulsos pela Entidade Competente da respectiva Camara – que tinham processos em que o Banco 1... era exequente e o aqui Advogado daquela I.F.». * E resultaram não provados: 1 A conta de fundo de maneio foi criada no interesse exclusivo do A. e sem que este assumisse/suportasse qualquer custo. 2. O ritmo de utilização da conta de fundo de maneio foi sempre superior ao ritmo do Banco a creditar tal conta. 3. Nos dossiers entregues aos Advogados das cessionárias – constam despesas judiciais – pagas através da conta de fundo de maneio – em montante superior a Euros 45.000,00 ainda a aguardar os “documentos contabilística e fiscalmente” aceites pelo A. 4. Muitas despesas – porventura mais de Euros 20.000,00 – pagas através da conta de fundo de maneio não puderam merecer a emissão de documento “contabilística e fiscalmente aceites” por falta de Agente de Execução para os emitir. 5. A conta apresenta um saldo zero.». * 2.2). Do recurso. A). Impugnação da matéria de facto. O recorrente suscita a alteração do julgamento da matéria de facto, de modo que se nos afigura minimamente correto, nomeadamente em relação ao único ponto que o recorrido suscita: indicação do período da gravação em causa do depoimento do próprio Réu/recorrente. Na verdade, este menciona que deve atender-se ao seu depoimento, colocando a expressão salvo erro e depois menciona os períodos em causa (entre as 09h58 e as 10h03, 10h07 e as 10h09m, 10h12 e as 10h14 ou 10h24 e as 10h26, em relação a cada um dos factos em causa (ou seu conjunto). Está assim preenchido o requisito previsto no artigo 640.º, n.º 2, a), do C. P. C.[1], com a exatidão suficiente para se poder localizar a parte do depoimento em questão. Vejamos então da concreta impugnação da matéria de facto. Facto não provado 1. A conta de fundo de maneio foi criada no interesse exclusivo do A. e sem que este assumisse/suportasse qualquer custo. O recorrente pretende que o facto resulte provado. No seu depoimento de parte (único meio de prova que foi produzido em audiência de julgamento), o recorrente adota o raciocínio que o verdadeiro interessado na celebração do contrato em questão era o Banco/recorrido pois era do interesse deste que o dinheiro estivesse disponível mais rapidamente para se pagar no decurso de despesas existentes por causa do exercício da atividade de advogado pelo Réu/recorrente. Não seria do interesse do recorrente que tal pagamento ocorresse mais célere. O contrato em causa, nas várias versões mas também na última (documento n.º 6, junto em 10/02/2020), datada de 02/04/2014, é um contrato denominado de prestação de serviço no qual o Réu se compromete a prestar serviços de advogado ao Autor em que, para o que aqui releva, se fixa um modo de remuneração (fixa e variável – cláusula 9.ª) e de pagamento de despesas (cláusula 12.ª) onde se menciona: . n.º 1) – correm por conta do banco todas as despesas judiciais, registrais, …; . n.º 2) – algumas deslocações…; . n.º 6 – para pagamento das despesas, é atribuído ao Réu um valor de fundo de maneio; . n.º 7 – o fundo de maneio é da responsabilidade do Réu, tendo de ser regularizado através da entrega de documentos contabilística e fiscalmente aceites ou através de depósito de cheques ou numerários; . n.º 8 – na sequência da entrega da documentação e após conferência pelo Autor/Banco, este reembolsa o Réu/advogado com a importância demonstrada pelos documentos. Ora, pensamos que desta muito linear análise de cláusulas contratuais se pode retirar que o contrato não foi celebrado unicamente no interesse do Autor/recorrido pois o que está em causa é desde logo (e também) a remuneração do recorrente pelos serviços de advogado que presta e, mesmo na parte da verificação de despesas, se se percebe que para o Banco/recorrido é algo facilitador da sua atividade colocar desde logo dinheiro à disposição do advogado para exercer a sua atividade (não tendo a pressão de, caso a caso, aferir quanto pode entregar ao advogado e eventualmente com dependência de prazos judiciais a cumprir), também o Réu beneficia dessa disponibilidade, facilitando a sua tarefa de obter resultados mais rápidos (por exemplo, se for necessário pagar uma taxa de justiça pela apresentação de uma peça processual no último dia do prazo, a diferença entre ter o dinheiro disponível na conta de fundo de maneio ou não é, para nós, percetível). Assim, neste contrato bilateral, não vemos que se possa concluir que a conta de fundo de maneio foi criada exclusivamente no interesse do Autor. Quanto aos custos da referida conta, não existe qualquer prova nesse sentido – o Réu/recorrente não trouxe o mínimo de elementos, no seu depoimento, que o demonstrassem -, sendo de supor que pode haver sempre algum tipo de custo com a manutenção da conta – por exemplo, o funcionário que a analisa pode despender algum tempo com essa atuação, o que acaba por redundar num tipo de custo -. Assim, não há qualquer elemento de prova que possa permitir dar como provado este facto, pelo que improcede esta argumentação. Facto não provado 2. O ritmo de utilização da conta de fundo de maneio foi sempre superior ao ritmo do Banco a creditar tal conta. Pretende o recorrente que o facto resulte provado. Vejamos a argumentação do recorrente: «Basta também conjugar as regras de experiência (“a normalidade”) com o depoimento do aqui recorrente na sessão de 08/11/2023 entre as … . O pagamento por exemplo de uma provisão a um Agente de Execução era efetuado no próprio dia (de imediato, para não atrasar a tramitação do processo). Depois era necessário que o Agente de Execução emitisse, mais tarde, o respectivo recibo (o documento “contabilística e fiscalmente aceite”) e o enviasse ao advogado (ora recorrente), que depois o remetia ao Banco, Este depois procedia (internamente) à conferência do documento (conjuntamente com muitos outros (quer enviados pelo recorrente quer enviados por outros advogados) e efectuava o crédito na conta. Tudo decorria (normalmente) durante vários dias (às vezes, semanas). 19. Só que entretanto o aqui recorrente pagava mais despesas… (assim como os outros advogados) – não é por isso estranho o facto de o limite do plafond da conta tenha atingido as muitas dezenas de milhares de Euros (mais de 85.000,00). Ou seja, além de o facto ter uma redação genérica que não aborda o caso concreto do saldo que o Autor invoca a seu favor (ou seja, não será pelo facto que se pode concluir que afinal o crédito pode não existir), também a sustentação do recorrente é meramente genérica e quase abstrata pois coloca situações que não indica que estejam retratadas nos autos – que despesas em concreto foram essas que fizeram com que o plafond atingisse o valor em causa -. Se não se sabe, pela petição inicial, que despesas estão em causa (e esta será matéria que será analisada em sede de fundamentação jurídica) e se o Réu não as concretiza no seu depoimento e no recurso não indica outros meios de prova onde esteja retratada a impossibilidade de o Banco acompanhar o ritmo de despesas do Réu, naturalmente que o facto não pode resultar provado. Improcede assim esta argumentação. Facto não provado 3. Nos dossiers entregues aos Advogados das cessionárias – constam despesas judiciais – pagas através da conta de fundo de maneio – em montante superior a Euros 45.000,00 ainda a aguardar os “documentos contabilística e fiscalmente” aceites pelo A. Mais uma vez, pretende o recorrente a prova deste facto. Sabemos, por estar provado, que: O Autor alienou milhares de créditos, a maior parte deles acionados judicialmente (25). Com a cessão de créditos o Réu teve que entregar os respetivos dossiers aos Advogados das Entidades adquirentes dos créditos, com substabelecimentos sem reserva sendo que numa fase seguinte tais Advogados habilitaram, nos processos, os adquirentes dos créditos como cessionários (26). O Réu viu-se obrigado a abrir mão de muitos dossiers sem que estivessem emitidos documentos contabilística e fiscalmente aceites (27). Ora, não existe qualquer prova minimamente segura e isenta que permita concluir quais eram as despesas judiciais que constavam daqueles dossiers pois obviamente não é a simples alegação do Réu, seja nos articulados seja no depoimento, que o pode fazer concluir pois estão em causa factos objetivos, contabilizáveis que necessitam da segurança documental para serem provados. Por outro lado, o recorrente menciona um mail de 20/08/2013 onde tal seria referido mas, como pensamos que é claro, no máximo tal comunicação demonstra que o Réu o afirmou, não que esteja provado que o que afirma corresponde à realidade. Assim, improcede esta argumentação. Facto não provado 4. Muitas despesas – porventura mais de Euros 20.000,00 – pagas através da conta de fundo de maneio não puderam merecer a emissão de documento “contabilística e fiscalmente aceites” por falta de Agente de Execução para os emitir. O recorrente pretende a prova desta factualidade. Até pelo teor do facto se poderia desde logo ter dúvidas sobre poder resultar provado na íntegra: porventura mais de 20.000 EUR é uma afirmação hipotética que não poderia resultar demonstrada. Mas, mais em concreto, não tivemos nos autos o depoimento de agentes de execução ou a junção de documentos de onde pudesse ressaltar aquela impossibilidade de emissão de documentos (por exemplo, encerramento de atividade do agente de execução que já não podia emitir o recibo, como afirmou o recorrente em julgamento) que pudesse levar a concluir que alguma situação se demonstrava em que o Réu não tinha podido obter/aceder aos documentos. Tudo o demais argumentado (em igual sentido ao facto anterior) obtém a mesma resposta que produzimos quanto ao facto não provado 3. Improcede esta argumentação. Facto não provado 5. A conta apresenta um saldo zero. Na verdade, analisando o documento 4, junto em 10/02/2020, página 94, temos que em 22/12/2017 foi creditado o valor de 82.339,08 EUR, anulando o débito do mesmo valor. Uma vez que o Réu admite que não entregou documentação suficiente para que se considerasse anulado o seu débito na totalidade, há que ponderar que pode estar em causa uma operação contabilística como alegado no artigo 45.º, da réplica. Mas, independentemente da motivação desse saldo, o certo é que a conta em causa apresenta, em 22/11/2017, um saldo zero, o que se irá então dar como provado. Deste modo, elimina-se o facto não provado 5 e adita-se o seguinte facto provado: 24.1). Em 22/12/2017, essa conta de fundo de maneio tinha um saldo de zero. * O recorrente pretende ainda que se aditem os seguintes factos, tal como alegado nos artigos 91.º a 93.º, da contestação, a saber: . O Banco, em finais de 2018, pagou uma divida do recorrente ao Condomínio ... – Porto, sendo que não tinha qualquer obrigação legal/jurídica de o fazer. . o Autor tinha sido alvo de ação executiva para pagar 9.981,41 EUR ao aludido Condomínio, tendo deduzido oposição que foi julgada favorável ao Banco em 1ª instância, sendo que o Tribunal da Relação do Porto confirmou aquela decisão. . Mas o Autor, apesar do referido, entendeu pagar ao dito Condomínio em finais de 2018 a quantia de 20.000 EUR da responsabilidade do recorrente tendo aquele Condomínio desistido da execução que entretanto tinha movido contra o recorrente. Estes factos não têm lugar na factualidade essencial que deve ser aquela, por regra, que deve ser elencada – artigos 5.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do C. P. C. -. Os factos principais serão aqueles que, no caso, se reportam à falta de comprovação de despesas e, atendendo ao alegado pelo recorrente, à motivação/justificação porque tal possa ter sucedido. A menção a que o Banco recorrido pagou uma despesa que era da responsabilidade do recorrente não assume esse caráter principal. Se percebemos a lógica da argumentação do recorrente, este pretende referir que não faz sentido estar o Banco aqui a pedir o pagamento de cerca de 80 000 EUR quando antes lhe pagava dívidas que não estava obrigado a fazer. Ora, não tendo interesse para o aditamento dos factos, também não vemos que possa ter interesse instrumental pois, além de serem possíveis situações totalmente diversas (no referido pagamento estaria em causa uma relação entre o Banco enquanto locador de frações e um condomínio e a tentativa de solucionar um diferendo enquanto nos autos estaria a gestão de um fundo de maneio, totalmente alheio a essa relação locador-locatário – veja-se ata de condomínio que é o documento n.º 3 junto em 18/03/2020 -), também não têm a potencialidade para demonstrar que a quantia que se pede nos autos, por algum motivo, não é exigível. Como realidades diversas (como se mencionou na sentença recorrida), pode o Banco ter optado de um modo e em relação a outra dívida atuar de modo diverso, não se podendo vislumbrar existir uma mudança de atitude – antes não querendo cobrar a dívida mas agora já a cobrando -. Assim, improcede esta argumentação. * 2.2). Do mérito do recurso. A). Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito. Na sentença, mencionam-se as cláusulas do contrato celebrado entre as partes, nomeadamente a 12.ª onde está vertida a obrigação de entrega de documentos das despesas, e em seguida conclui-se que o Réu incumpriu essa mesma obrigação, referindo-se o seguinte: . …o réu, ao não ter justificado os débitos da conta de fundo de maneio pelo montante peticionado, permitindo que atingisse ela o saldo negativo a que ascendeu o pedido deduzido, o Réu violou o disposto na Cláusula 12º, número 7, do Contrato Umbrella, constituindo-se assim na obrigação de pagar o respectivo saldo, correspondente ao peticionado. Na verdade, foi que o Réu não enviou ao Autor os documentos que contratualmente lhe cabia ter enviado para que o Autor creditasse a conta de fundo de maneio pelas despesas que aquele tivesse suportado com o patrocínio dos processos que lhe estavam confiados. E sem o envio de tais documentos não estava o Autor contratualmente obrigado a proceder a tais créditos, o que resultou no saldo que a conta de fundo de maneio veio a atingir e que, no termo da relação contratual e ponderados os documentos até ao momento recebidos, ascendeu aos peticionados € 82.399,08. Ou seja, apesar de não se indicar uma disposição legal que sustente esta conclusão, percebe-se que se entendeu que o Réu incumpriu um contrato e que terá de ressarcir o Autor de uma quantia que o Autor não estava contratualmente obrigado a creditar. Porventura estando num limiar da validade/nulidade de sentença, há uma argumentação jurídica no sentido de ocorrer um incumprimento contratual com consequências, pelo que há uma fundamentação jurídica, não sendo totalmente omissa. Improcede assim esta argumentação. * B). Da análise jurídica. Autor e Réu celebraram entre si um contrato em 02/04/2014 (iremos atender ao último que foi celebrado entre as partes pois é esse que sustenta o pedido) que denominaram de prestação de serviços e através do qual, desde logo, e no que releva para os autos atento o alegado pelo Autor, o Réu/recorrente se comprometeu a prestar ao Autor/recorrido todos os serviços próprios da profissão de advogado, conforme cláusulas 3.ª e 4.ª, do mesmo contrato[2]. Ou seja, o Autor/Banco contratou com o Réu no sentido de que este fosse o seu advogado, o que constitui a celebração de um contrato de mandato, no caso, forense[3], nos termos do artigo 1157.º, do C. C. - mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra -. Nas cláusulas seguintes, no capítulo terceiro (onde se definem as condições de prestação de serviços, referindo-se os deveres existentes entre as partes) e no capítulo quarto (onde se estabelecem regras sobre a remuneração e despesas), encontra-se a já acima mencionada cláusula 12.ª. Aqui determina-se que é aberta uma conta de fundo de maneio a usar pelo aqui recorrente enquanto advogado da recorrida, tendo essa movimentação, usada para pagar despesas, de ser confirmada por documentos. Aquela cláusula 12.ª, em especial o seu n.º 7, exige a regularização da conta, através da entrega da documentação, para se comprovar anualmente a realização da despesas ou através do acerto do próprio saldo, através de depósito de cheques ou numerários, no prazo de 30 dias após o fim do prazo do contrato (assim se saldando o fundo de maneio). Esta é a cláusula que sustenta a ação já que se alegou que o Réu nem disponibilizou a documentação necessária para comprovar a necessidade da realização de despesa nem terá regularizado o saldo negativo que ora se peticiona (através de cheque ou numerário). No n.º 8, da mesma cláusula 12.ª, estabelece-se que, na sequência da entrega da documentação e após conferência pelo Autor/Banco este assegura a reposição do saldo com a importância que resulte dos documentos. Tem de existir a comprovação da despesa em tal prazo pelo que: . ou o mandatário, em tempo, comprova documentalmente a despesa e o mandante acerta a conta, repondo o saldo; . ou não junta documentação naquele prazo e tem o mandatário de regularizar a conta – depositando, por cheque ou numerário -, o valor em causa. Caso depois de o fazer junte a documentação, apesar de esta última redação da cláusula 12.ª não conter, no seu n.º 8, a menção ao reembolso da quantia ao mandatário como tinha em versões anteriores[4], tal obrigação certamente tem de impender sobre o mandante, sob pena de este obter uma diminuição de despesa à custa do mandatário (por exemplo, o advogado não junta, naquele prazo, o comprovativo de pagamento de taxa de justiça de 816 EUR e, por isso, tem de depositar esse valor na conta; se depois juntar tal documentação de onde se verifica que a despesa se insere no acordado, o mandante tem de reembolsar o mandatário, sob pena de ter sido este a suportar definitivamente tal despesa); . ou então o mandatário nem junta documentos nem regulariza a conta, incumprindo assim as duas obrigações. Foi neste último sentido a alegação do Autor/mandante, a de que foi disponibilizando quantias ao mandatário e este não regularizou a conta, nem nos termos e prazo previsto no contrato, nem depois do fim do contrato (em 12/02/2015 – factos 11 e 12 -), o que se mantém atualmente, ou seja, não juntou comprovativos de despesas nem regularizou (depositando cheque ou numerário) a conta. Alega assim o Autor o incumprimento contratual, que provou pois está demonstrado que na data em que o Contrato de Prestação de Serviços cessou – 1 de Abril de 2015 – a conta de fundo de maneio apresentava um saldo negativo pelo montante de € 86.355,54 (facto 14). É irrelevante que, mais tarde, em 22/12/2017 (facto 24.1), o saldo da conta fosse zero pois o Réu não alega que tenha efetuado qualquer depósito depois da celebração do contrato nem que tenha junto documentação que justificasse uma despesa pelo que essa saldo não deriva de qualquer pagamento ou atuação do Réu conforme o contrato que pudesse diminuir ou afastar a sua responsabilidade. Estando assim demonstrado que o Réu incumpriu o contrato em causa, cumpria-lhe afastar a presunção de culpa que sobre si impedia em relação a tal incumprimento (artigo 799.º, n.º 1, do C. C.). Porém, como se menciona na 1.ª instância, o Réu não conseguiu afastar essa presunção pois não provou que ou não pudesse juntar documentos que o Banco/mandante exigia, não alegando sequer casos concretos onde tal ocorresse ou ainda que, por exemplo, tinha feito uso da verba para a finalidade adstrita pelo contrato, tendo diligenciado pela obtenção dos documentos do terceiro e que só por motivos que não lhe respeitam não pôs entregar tais documentos ao Autor. Daí que não é possível aferir se o Réu estava impossibilitado de cumprir, total ou parcialmente ou temporária ou definitivamente, inviabilizando a aplicação do regime de impossibilidade de cumprimento, previsto no artigo 790.º e seguintes, do C. C.. Também a alegação de que haveria abuso de direito quando o Autor peticiona a quantia em causa nos autos mas antes tinha pagar outros valores de que o Réu era devedor, não tem qualquer potencialidade para preencher os requisitos do artigo 334.º, do C. C. pois não se demonstra, de qualquer modo, que tivesse sido feito crer ao Réu que não iria ser cobrada esta quantia aqui exigida ou que havia um perdão de dívida e que depois, contraditoriamente, intentava a presente ação. São questões diversas, como já explanamos na apreciação da matéria de facto e que não permitem retirar ilações de uma situação (pagamento de uma dívida de condomínio em que estariam em causa outros contratos, de locação financeira, celebrados não só com o recorrente mas com outras pessoas/locatários) para outra (não cobrança do saldo negativo). Assim, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida, confirmando-se a mesma e improcedendo o recurso. * 3). Decisão. Pelo exposto, julga-se o presente recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pelo Réu/recorrente. Registe e notifique. |