Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
397/24.7T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: DIREITO À PROVA
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20240704397/24.7T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I -Enquanto componente do processo justo e equitativo (corolário do direito de acesso ao direito e aos tribunais), surge também o princípio da relevância da prova, isto é, o dever do juiz recusar as provas impertinentes e/ou dilatórias.
II - A propósito, vejam-se os artigos 411.º (relativo a para as provas em geral), 443.º (relativo a documentos impertinentes), 476.º CPC (relativo a perícias).
III - Assim, enquanto particularização do dever de gestão processual que lhe atribui no art.º 6.º n.º 1 do CPC, estabelece o nosso ordenamento o dever do juiz recusar provas impertinentes, dilatórias ou desnecessárias (art.º 411.º para as provas em geral, art.º443.º, n.º 1 para a prova documental e art.º 476.º, n.º 1 para a prova pericial), revelando que o direito à prova não é um direito absoluto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 397/24.7T8PRT- A.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo de Família e Menores do Porto - juiz 3

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I.RELATÓRIO.

1.AA, maior, residente na Rua ..., n.º ..., 3º Dt. B, ... porto  instaurou ação declarativa constitutiva de impugnação de perfilhação com  pedido de produção antecipada de prova contra BB, pedindo que seja  declarado que o réu não é filho biológico de CC, nascido a ../../1932, em ..., Paredes,  com      todas     as consequências     legais, designadamente, ordenando o averbamento da decisão a proferir em ambos os assentos de nascimento do réu, ou seja, no assento n.º ..., de 01.04.1970, da 3.ª C. R. Civil do Porto, atualmente arquivado no Instituto dos Registos e do Notariado, sito na rua ..., ..., ... Porto, bem como no assento de nascimento …, do ano de 2013, da 3.ª C. R. Civil do Porto.

Considerando que o corpo do CC foi cremado após a sua morte, autora requereu produção antecipada de prova visando:

(i) Encontrar e preservar o material biológico pertencente ao CC;

(ii) Entregar o material biológico pertencente ao CC a um laboratório pericial com o objetivo de;

(iii) Proceder ao exame de paternidade de ADN destinado a determinar se o Réu possui, ou não, algum vínculo biológico com o CC, mais concretamente, definir qual o grau de probabilidade do CC ser o pai biológico do Réu – cfr., o disposto no art. 420.º, n.º 1 do CPC.

Alega que segundo informações recolhidas pela Autora o CC foi objeto de várias intervenções médicas e cirúrgicas no Hospital ..., no Porto, nos anos de 2002, 2003, 2008, 2010 e 2011, no âmbito das quais foram recolhidas amostras de material biológico que foram remetidas para o Laboratório ..., sito na Rua ..., ... Porto, onde foram sujeitas a exames de anatomia patológica.

Desconhece a Autora, sem ter obrigação de conhecer, por se tratar de questões de saúde que são do domínio da intimidade privada, se o seu tio-avô foi objecto de outras intervenções médico-cirúrgicas com recolha de material biológico para análise laboratorial de anatomia patológica.

Refere que o prazo de conservação das amostras de material biológico recolhidas para análise laboratorial de anatomia patológica é de dez anos, nos termos da legislação aplicável.

Por isso, corre-se o risco de que as amostras de material biológico do CC que foram recolhidas para anatomia patológica sejam destruídas pela mera passagem do tempo, pelo que é imperiosa a produção antecipada de prova para obviar ao periculum in mora.

No final da petição, requereu a produção antecipada da seguinte prova:

(…b) Que seja ordenada a notificação da administração de cada um dos seguintes 13 (treze) hospitais, ou grupos detentores de unidades de saúde e hospitais:

(1) Hospital ..., Rua ..., ... Porto; (…)

Para vir juntar aos presentes autos os registos clínicos das intervenções médicas e cirúrgicas a que foi submetido o CC, nascido a ../../1932, NIF ......, portador do BI ..., com última residência na Rua ..., ... Porto, naquele hospital ou grupo de saúde e ainda, especialmente, para juntar aos autos quaisquer documentos de onde resulte a recolha de material biológico pertencente ao CC e o envio de material para análise laboratorial, designadamente para análise de anatomia patológica, com identificação completa do(s) laboratório(s) e da(s) data(s) respetiva(s);

b)Que seja ordenada a notificação da administração de cada um dos doze  laboratórios de anatomia patológica que indica:

2.O Réu foi citado para a ação e para, querendo, se pronunciar sobre o requerimento de produção antecipada de prova.

3. Relativamente ao requerimento de produção antecipada de prova, o tribunal a quo, proferiu despacho cujo conteúdo, no essencial, se reproduz:

“(…) *

Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 419º do C.P.C. que Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação.

No caso concreto, existe o risco de o material biológico recolhido aquando dos internamentos de CC no Hospital ... ser destruído (podendo acontecer que tal até já tenha ocorrido), pelo que se justifica a notificação imediata do Laboratório ..., para onde terá sido remetido o material recolhido, nos termos equeridos.

No mais, a autora não invocou qualquer facto que legitime a notificação de 13 outros hospitais, onde nem sequer se sabe se o referido CC alguma vez esteve, e de 11 outros laboratórios, que também se desconhece se alguma vez analisaram material biológico pertencente ao mesmo; limitou-se a enumerar os hospitais e laboratórios mais conhecidos do Grande Porto, sem que tenha alegado qualquer facto que permita concluir pela pertinência da diligência requerida.

Ora, não cabe ao Tribunal substituir-se à parte no tocante ao fundamento das diligências probatórias que a mesma pretenda requerer, pelo que, desconhecendo a autora se existe ou não o material biológico que poderia legitimar a realização da perícia, a mesma não poderá ser realizada.

Face ao exposto, defiro parcialmente o requerido e determino que, por ora, se notifique o Laboratório ... para, em 10 dias, informar se detém na sua posse material biológico pertencente a CC que permita a realização de teste de ADN e, na afirmativa, para preservar o mesmo.”

4.Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos seguintes:

1)Na presente ação constitutiva de impugnação de perfilhação a A. pede, em síntese, que “seja declarado que o réu não é filho biológico de CC,” seu tio-avô;

2)Fê-lo com fundamento no artigo 1859.º do Cód. Civil, impugnando que o R seja, efetivamente, filho biológico do CC (cfr. art. 8.º da p.i.).

3)Para prova de que o R. não é filho biológico do CC a A. requereu que fossem feitos testes genéticos de ADN ao material biológico do CC e do R. de modo que, no seu confronto, se possa determinar que o R. não é filho biológico de CC.

4)A tarefa de proceder à análise de material biológico do perfilhante CC antecipa-se ser de grande dificuldade pelo facto de o corpo do CC ter sido cremado, facto que deve ser dado como assente atenta a posição do Réu nos artigos 55.º e 56.º da contestação.

5)Por ter sido cremado o corpo do perfilhante não é possível obter material biológico a partir da exumação do seu cadáver.

6)Por ter sido cremado o corpo do perfilhante o requerimento de produção antecipada de prova deduzido pela A. visa: (i) Encontrar e preservar o material biológico pertencente ao CC; (ii) Entregar o material biológico pertencente ao CC a um laboratório pericial com o objetivo de; (iii) Proceder ao exame de paternidade de ADN destinado a determinar se o Réu possui, ou não, algum vínculo biológico com o CC, mais concretamente, definir qual o grau de probabilidade do CC ser o pai biológico do Réu – cfr., o disposto no art. 420.º, n.º 1 do CPC.

7)Alegou ainda a A. no seu requerimento antecipado de prova que:

-“É assim fundamental, para que a presente ação possa produzir qualquer resultado material, encontrar e preservar o material biológico pertencente ao CC e impedir o seu descaminho ou destruição, ainda que pela mera passagem do tempo.”

-“Segundo informações recolhidas pela A. o CC foi objeto de várias intervenções médicas e cirúrgicas no Hospital ..., no Porto, nos anos de 2002, 2003, 2008, 2010 e 2011, no âmbito das quais foram recolhidas amostras de material biológico que foram remetidas para o Laboratório ..., sito na Rua ..., ... Porto, onde foram sujeitas a exames de anatomia patológica.” (cfr. artigo 69.º da p.i.):

-“Desconhece a Autora, sem ter obrigação de conhecer, por se tratar de questões de saúde que são do domínio da intimidade privada, se o seu tio-avô foi objecto de outras intervenções médico-cirúrgicas com recolha de material biológico para análise laboratorial de anatomia patológica” e que, “o prazo de conservação das amostras de material biológico recolhidas para análise laboratorial de anatomia patológica é de dez anos, nos termos da legislação aplicável.” (cfr. artigos 70.º e 71.º da p.i.):

-“Corre-se o risco de que as amostras de material biológico do CC que foram recolhidas para anatomia patológica sejam destruídas pela mera passagem do tempo, pelo que é imperiosa a produção antecipada de prova para obviar ao periculum in mora.” (cfr. artigo 72.º da p.i.)

-Que o perfilhante CC viveu ininterruptamente no Porto entre 1958 e a data do óbito em 2021 (cfr. art. 51.º e 52.º da p.i., facto que foi parcialmente aceita pelo Réu nos artigos 10.º e 11.º da contestação);

8)Tendo em conta a factualidade por si alegada e o pedido deduzido na ação a A. requereu a notificação de 14 hospitais que ficam nos concelhos do Porto, Matosinhos e Vila Nova de Gaia, num raio inferior a 25 km. da residência do perfilhante CC, no Porto, para vir juntar aos presentes autos os registos clínicos das intervenções médicas e cirúrgicas a que foi submetido o CC e ainda que seja ordenada a notificação da administração de 13 laboratórios de anatomia patológica, situados nos concelhos do Porto, Maia e Póvoa do Varzim, num raio inferior a 40 km. da residência do perfilhante, no Porto, para:

(i)Vir informar os autos se tem na sua posse esse material biológico;

(ii)Preservar, em conformidade com as melhores práticas laboratoriais, o referido material biológico;

 (iii)Proceder à entrega desse material biológico, mediante um protocolo que assegure a preservação do material e a identidade da pessoa a quem pertence, ao LABORATÓRIO DE PARENTESCOS E IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA DO INSTITUTO DE PATOLOGIA E IMUNOLOGIA MOLECULAR DA UNIVERSIDADE ... (…);

9)Ou seja, a A. requereu uma produção de prova de modo razoável, alegando desconhecer, por ser matéria da intimidade e privacidade do seu tio-avô, os locais onde o mesmo possa ter sido submetido a intervenções cirúrgicas, para além do Hospital ....

10)A Autora não requereu a notificação de todos os hospitais e laboratórios de anatomia patológica do país, ou fora do território nacional, no sentido de localizar e obter material biológico do seu tio-avô.

11)A Autora requereu a produção de prova mediante a notificação dos hospitais e laboratórios de anatomia patológica situados num raio máximo de 30 km da residência do seu tio-avô, no Porto, num número máximo de 14 hospitais e 13 laboratórios, tudo no sentido de localizar e obter material biológico do seu tio-avô.

12)O Réu na sua contestação não se opôs ao requerimento antecipado de prova deduzida pela A.. Pelo contrário, no artigo 68.º da sua contestação “o Réu declara, desde já, que está disponível para efetuar os exames de recolha do seu material biológico, conforme requerido pela Autora, no seu requerimento probatório. “Dito isto.

13)As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. art. 341.º do Cód. Civil)

14)À Autora cumpre fazer a prova do a prova dos factos constitutivos do direito alegado (cf. art. 342.º - 1 do Cód. Civil).

15)O princípio do contraditório preserva “a possibilidade de, em plena igualdade, as partes influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

16)Mais do que o direito de contraditar a versão da contraparte, o Tribunal Constitucional vem densificando o princípio do contraditório como uma “garantia de participação efectiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

17)Entre as principais dimensões do princípio do contraditório encontra-se a proibição de indefesa, traduzida não só no direito a impugnar uma decisão, como também na possibilidade de ser apresentada argumentação antes de uma decisão judicial ser tomada.

18)“O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido de oposição ou resistência à oposição alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”

19)O princípio do contraditório, “enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de deduzir as suas razões (de facto e de direito), de oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultado de umas e outras”.

20)O direito à prova é um corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 20.º da CRP. Sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito seriam meramente formais.

21)Sendo o direito à prova um direito instrumental do direito substantivo ao conhecimento das pretensões das partes, “uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva”.

22)Pode definir-se o direito à prova como o “direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova, o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova e o direito de participação na produção da prova”.

23)Segue-se do antedito que uma consequência lógica do reconhecimento do direito à prova é, naturalmente, o direito das partes à aquisição das provas admitidas, e consequente dever do juiz de as admitir, como se infere do art. 413.º CPC.

24)O direito de apresentar provas seria, de facto, inútil e ilusório se a ele não se ligasse o direito à aquisição das mesmas. Sem a possibilidade de provar os factos constitutivos de um direito, a previsão deste não passa de uma ilusão. O direito à tutela jurisdicional efectiva implica o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la, contraditá-la e produzi-la.

25)Nesse sentido, o direito de acesso à justiça compreende o direito à cooperação na obtenção da prova.

26)Mercê do referido imperativo constitucional, a própria interpretação das normas legais infraconstitucionais deve ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efectiva actividade probatória.

27)Se a defesa da inadmissibilidade da prova ilícita tem de apoiar-se em alguma norma ou princípio jurídico, já a defesa da respectiva admissibilidade não carece de qualquer fundamentação suplementar.

28)Os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das exceções deduzidas.

29)Nos termos do disposto nos artigos 410.º e 411.º do CPC a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, incumbindo ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

30)Além do dever de realizar a diligência de prova documental e pericial requerida, nos termos em que foi requerida pela A na sua oposição, o Tribunal tinha ainda o dever a determiná-la oficiosamente, segundo os novos cânones do novel processo civil.

31)Por tudo, o que vai exposto, deveria ter sido o Tribunal a determinar a realização da prova requerida pela A. ao abrigo do princípio do inquisitório, pelo que o despacho em crise, além de ilegal, é nulo.

32)Ultrapassado o paradigma do princípio dispositivo o Tribunal passou a ter o poder, mas também o dever (pois trata-se de um poder funcional) de “todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.

33)Pelo que a decisão ora em crise além de ter violado o direito da A. à produção da prova, que decorre do disposto nos artigos 341.º-2 do Código Civil e do disposto nos artigos 410.º e 411.º do CPC.

34)Violou ainda o Tribunal o princípio do contraditório plasmado, entre outros no artigo 3.º- 3 do CPC, (cf. o artigo 32.º n.º 5, in fine, da Constituição da República Portuguesa).

35)Ao rejeitar o requerimento de prova da ora recorrente o Tribunal impediu a concretização, a efetiva realização, do princípio do contraditório violando de uma penada o disposto no artigo 3.º-3 do CPC, bem como o disposto no artigo 32.º5, in fine, da Constituição da República Portuguesa, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo.

36)O art. 411 CPC, consagrador do princípio do inquisitório determina incumbir ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

37)O juiz, ao não ordenar a diligência, viola o exercício de um autónomo poder- dever de indagação oficiosa, pelo exposto tem de ser arguida a nulidade de tal omissão.

38)Nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais».

39)Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

 40)O princípio da tutela jurisdicional efetiva pressupõe (ainda) que as partes no processo possuam um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, poderes em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo, este porém, em qualquer caso, de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, in fine).

41)Ora, impedir a A de produzir prova no sentido de comprovar os factos constitutivos do direito da A., constitui a violação do princípio contraditório e do princípio do inquisitório.

42)Ao não determina a realização de um acto que a lei prescreve e que poderia ser determinante para o julgamento da causa o tribunal comete uma nulidade. A forma do recorrente atacar esse nulidade é através do recurso.

43)Desde já, cautelarmente, se suscita a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas de processo civil, designadamente do princípio do contraditório (plasmado, entre outros no artigo 3.º-3 do CPC) e do princípio do inquisitório (vertido no artigo 411.º do CPC e 11.º do CIRE) segundo as quais seria válida e legal a restrição ao direito à produção da prova requerida, nos termos ocorridos nos presentes autos, porquanto tal interpretação e aplicação do direito é inconstitucional, o que se requer seja declarado desde já, por violação (1) do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva que é um direito fundamental previsto no artigo 35.º, n.º 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível. A que acresce que o entendimento segundo o qual o princípio da tutela jurisdicional efetiva pressupõe ainda que as partes no processo possuam um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, poderes em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo, este porém, em qualquer caso, de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, igualmente violado (2), e no respeito pelo princípio do contraditório artigo 32.º, n.º 5, in fine, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo, que também é expressamente violado.

44)A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 341.º e 342.º do Código Civil, o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 410.º, 411.º, 412.º, 413.º e 419.º, n.º 1, todos do CPC e o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 5 e 35.º, n.º 2 in fine e da Constituição da República Portuguesa, que são igualmente as normas jurídicas violadas pelo tribunal a quo.

Síntese conclusiva:

I– O direito à prova é um corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 20.º da CRP. Sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito seriam meramente formais.

II- Sendo o direito à prova um direito instrumental do direito substantivo ao conhecimento das pretensões das partes, “uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva”.

III- Uma consequência lógica do reconhecimento do direito à prova é, naturalmente, o direito das partes à aquisição das provas admitidas, e consequente dever do juiz de as admitir.

IV- O direito à tutela jurisdicional efectiva implica o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la, contraditá-la e produzi-la.

V- Os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das exceções deduzidas.

VI- Numa ação de impugnação de perfilhação instaurada com fundamento no artigo 1859.º do Cód. Civil na qual a A. pede que seja declarado que o perfilhado R. não é filho biológico de perfilhante já falecido, cujo corpo foi cremado, deverá ser admitida a produção de prova destinada a obter material biológico do perfilhante junto das unidades de saúde (Hospitais e laboratórios de anatomia patológica, etc.)situadas num raio inferior a 50 km daquela que foi a sua residência até ao seu óbito, com vista a permitir a realização dos exames de paternidade de ADN destinados a determinar se o R. possui, ou não, algum vínculo biológico com o perfilhante e, por essa via, determinar qual o grau de probabilidade do perfilhante ser o pai biológico do R.

Termos em que, e nos demais e direito, deve ser concedido provimento à presente apelação, declarando nula a decisão recorrida, ou, subsidiariamente, revogando a mesma, por errada aplicação da lei, devendo a mesma ser substituída por outra que determine a realização de toda a prova requerida pela recorrente, com todas as consequências legais.

5.Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. A questão que importa apreciar e decidir traduz-se em apreciar e decidir se o despacho recorrido impede a Autora de produzir prova no sentido de comprovar os factos constitutivos do direito da A., constituindo a violação do princípio contraditório e do princípio do inquisitório.

III. FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. As incidências jurídico processuais descritas no relatório introdutório são as que relevam para a decisão a proferir.

3.2.1.Da alegada nulidade  traduzida na não realização das diligências requeridas.

Relativamente a esta argumentação cabe referir que o tribunal apreciou da relevância e utilidade das diligências requeridas, concluindo que a autora não justificou a pertinência das mesmas.

Não incorreu, por isso, na omissão de qualquer acto devido, antes entendeu que o mesmo não tinha de ser realizado.

Não se tratará, pois, de qualquer nulidade procedimental (pudesse ou não a mesma ser invocada em recurso – as nulidades de procedimento, previstas no art. 195º do CC, tem regime de arguição diverso das nulidades da decisão, devendo, ao contrário destas, ser invocadas, em regra, perante o tribunal onde foram cometidas), mas sim, eventualmente, de uma decisão ilegal .

Assim, porque existe uma decisão que incide sobre praticar ou não praticar determinado acto não pode falar-se de nulidade (processual), antes de decisão ilegal.[1]

Eventual erro de julgamento (ou eventual decisão ilegal) que não constitui causa de nulidade da sentença – apesar de não traçar o conceito de nulidade da sentença, a lei enumera (taxativamente, nas alíneas do nº 1 do art. 615º do CC) as várias hipóteses de desconformidade de tal peça com a ordem jurídica e que, uma vez constatadas, arrastam à sua nulidade[2], não constando o erro de julgamento (de facto e/ou de direito) entre elas.

A nulidade da sentença (ou despacho – art. 613º, nº 3 do CPC) não se confunde, pois, com o erro de julgamento (error in judicando)

A revelar que o entendimento manifestado no despacho recorrido não se traduz em qualquer nulidade da sentença.

Evidente, pois, a improcedência da arguida nulidade.

2.Do Mérito do Despacho

2.1.Da produção antecipada de prova.

Enquadrado no Título V “Da instrução do Processo” do Livro II “Do Processo em Geral” do CPC, capítulo I (Disposições Gerais), preceitua o artigo 419º do CPC:

“Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação.”

Através deste normativo o legislador visou salvaguardar a possibilidade de produzir prova antes da fase normal da instrução quando a espera pelo momento processual próprio para o efeito coloque em risco a demonstração dos factos que da mesma serão objeto.

Seja por que então tal prova será impossível de produzir, seja por que se tornará muito difícil.

Em causa estará portanto e sempre o periculum in mora para a produção da prova.

Ao contrário do que acontece nos procedimentos cautelares não pressupõe o deferimento deste procedimento a alegação e demonstração da probabilidade séria da existência do direito (que para aqueles é exigida – vide artigo 368º do CPC), mas tão só do periculum in mora aferido pela prova que se pretende produzir[3]

2.2 Da alegada violação do princípio do contraditório - artigo 3.º-3 do CPC- bem como do disposto no artigo 32.º5, in fine, da Constituição da República Portuguesa.

No essencial, as extensas conclusões da recorrente, resumem-se nestes dois argumentos:

. o despacho recorrido impede a A de produzir prova no sentido de comprovar os factos constitutivos do direito da A.,

. por isso, constitui a violação do princípio contraditório e do princípio do inquisitório.

À luz do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva,  vertido no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, podemos estabelecer como ponto de partida que o direito de acesso à justiça constitucionalmente consagrado comporta o direito das partes à produção de prova sobre os factos carecidos de demonstração, atendendo ainda, no âmbito do direito civil, ao facto de a referida garantia constitucional de acesso aos tribunais, se encontrar desde logo plasmada no artigo 2.º, n.º 2, do CPC, de acordo com o qual a todo o direito corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.

O princípio do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP)  visa garantir às  partes efectiva participação no desenvolvimento de todo o litígio e  reconhece -lhes a faculdade (direito) de influenciar a decisão, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão’, ou, de outro modo, no ‘sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Novo Código, 4ª edição, p. 125-127; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 415-416; acórdão do Tribunal Constitucional nº 30/2020, de 16/01/2020, processo nº 176/19 (Pedro Machete), no sítio www.tribunalconstitucional.pt.[4]

E como manifestação do princípio do contraditório, na vertente do direito à prova, as partes têm direito à admissão de todas as provas relevantes para o objecto da causa (art. 410º do CPC).[5]

No plano probatório o princípio do contraditório exige (além do mais) que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa – como manifestação do princípio do contraditório, na vertente do direito à prova, as partes têm direito à admissão de todas as provas relevantes para o objecto da causa (art. 410º do CPC), não podendo o juiz rejeitar meio de prova com fundamento na sua irrelevância, baseado em considerações derivadas duma valoração da prova (ainda não produzida) feita a priori: tal poderá redundar em ofensa ao processo equitativo[14]. Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 131, em nota e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 2º, pp. 213/214.

Diz-se proposição o requerimento de produção dos meios de prova constituendos (a produzir no processo, como o testemunho, o depoimento de parte ou a prova pericial) ou de apresentação de meios de prova reconstituídos (já produzidos extraprocessualmente, como o documento). Fala-se, a este propósito, de direito à proposição da prova’ - Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 130, em nota.

Todavia, o direito à prova não é um  direito absoluto, mormente quando e se, coberto pela capa de uma determinação do juiz quer no uso dos deveres instrutórios que a lei lhe impõe quer quando defira um determinado meio de prova a requerimento da parte que beneficia da respectiva produção, actuando a coberto do dever de cooperação para a descoberta da verdade, vertido no artigo 417.º do CPC.

Bastando para tanto atentar na expressa ressalva que o n.º 3, alínea b) deste preceito efectua relativamente aos casos em que a recusa de colaboração com o tribunal é legítima, sendo-o designadamente quando a obediência importar a intromissão na correspondência.

Por isso que, enquanto componente do processo justo e equitativo (corolário do direito de acesso ao direito e aos tribunais), surge também, o princípio da relevância da prova, isto é, o dever do juiz recusar as provas impertinentes e/ou dilatórias.

A propósito, vejam-se os artigos 411º (relativo a para as provas em geral), 443º (relativo a documentos impertinentes), 476º CPC (relativo a perícias).

Assim, enquanto particularização do dever de gestão processual que lhe atribui no art. 6º, nº 1 do CPC[6], estabelece o nosso ordenamento o dever do juiz recusar provas impertinentes, dilatórias ou desnecessárias (art. 411º para as provas em geral, art. 443º, nº 1 para a prova documental e art. 476º, nº 1 para a prova pericial).

Desse normativo resulta que exige-se que o juiz, cumprindo o papel para o mesmo consagrado no edifício processual, dirija activamente o processo, empenhando-se na justa e pronta resolução do litígio e que por isso, no que à instrução da causa respeita, direcione os esforços probatórios para a matéria que releva à decisão e a que tal matéria limite as provas que, tão impetuosa quanto prodigamente e tantas vezes sem atentarem ao que interessa à decisão, as partes entendem oferecer – reclamando o concreto litígio que lhe é submetido uma pronta e justa resposta (decisão), não pode o tribunal remeter-se a posição passiva ou indiferente, antes devendo empenhar-se activamente na resolução do pleito[7], recusando o material probatório impertinente e desnecessário[8]

De resto, o facto de serem as partes quem está em posição de saber (ou melhor saber) as provas que existem a propósito da questão, também permite que estas sejam tomadas pelo subjectivismo que perturba a análise racional sobre o interesse e relevância de determinado facto para a apreciação e decisão do litígio, não podendo descurar-se que qualquer delas possa actuar com instintos dilatórios.

.Feitas estas considerações reportando -nos ao caso em apreço diremos o seguinte:

Antes de mais, a apreciação do requerimento da autora-recorrente, porque é relativo à produção de meios de prova, está subordinada às disposições gerais sobre a instrução do processo a que se referem os artigos 410.º e ss. da mesma codificação.

Assim, só podem ser requeridos meios de prova  quanto a factos necessitados de prova, ou seja, importa que os mesmos tenham potencial relevância para prova de factos objecto do litígio e, por consequência, da instrução da causa, sendo nesse caso irrelevante que tenham ou não emanado da parte que devia produzir tais meios de prova, por via do princípio da aquisição processual consagrado no artigo 413.º do CPC.

O artigo 411.º do CPCivil, com epígrafe “Princípio do inquisitório” diz: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

Como é sabido, o princípio do inquisitório ou da oficiosidade constitui o contraponto do princípio do dispositivo.

Assim sendo, poderá afirmar-se sinteticamente que devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelas partes que se apresentem como podendo ter relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio que, no caso vertente tem como objecto, para o que ora importa,  definir qual o grau de probabilidade do CC ser o pai biológico do Réu.

Assim, no essencial a autora pretende encontrar e preservar o material biológico pertencente ao CC, entregar o material biológico pertencente ao CC a um laboratório pericial com o objetivo de proceder ao exame de paternidade de ADN destinado a determinar se o Réu possui, ou não, algum vínculo biológico com o CC, mais concretamente, definir qual o grau de probabilidade do CC ser o pai biológico do Réu .

E por isso os meios de prova que relevam para a fixação da matéria de facto serão então aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa.

Porém, o invocado «direito à prova» tem que ser conjugado com outros preceitos legais: desde logo, a lei processual civil rege-se pelo princípio da limitação dos actos vertido no artigo 130.º do CPC, de acordo com o qual não é lícito realizar no processo actos inúteis. Por isso que, ao juiz incumba indeferir diligências que sejam impertinentes ou dilatórias, ao abrigo do dever de gestão processual, ínsito no artigo 6.º, n.º 1, do CPC.

Ora, no caso em apreço, na parte relativa aos Hospitais, apenas relativamente ao Hospital ... é que a autora-recorrente, justificou o seu pedido, alegando que CC esteve internado nesse Hospital ... nos anos que indica.

Assim, apenas relativamente a este Hospital é que foi justificado o pedido de produção antecipada de prova, atendendo a que os internamentos de CC nesse hospital, segundo informações recolhidas pela A., ocorreram nos  anos de 2002, 2003, 2008, 2010 e 2011, no âmbito das quais foram recolhidas amostras de material biológico que foram remetidas para o Laboratório ..., sito na Rua ..., ... Porto, onde foram sujeitas a exames de anatomia patológica.” (cfr. artigo 69.º da p.i.).

E relativamente aos 13 outros hospitais que indica a autora afirma desconhecer, se o seu tio-avô foi objecto de outras intervenções médico-cirúrgicas com recolha de material biológico para análise laboratorial de anatomia patológica (cfr. artigos 70.º e 71.º da p.i.).

E como bem refere o despacho recorrido “a autora não invocou qualquer facto que legitime a notificação de 13 outros hospitais, onde nem sequer se sabe se o referido CC alguma vez esteve, e de 11 outros laboratórios, que também se desconhece se alguma vez analisaram material biológico pertencente ao mesmo.”

Assim, nesta parte, a autora limitou-se a enumerar os hospitais e laboratórios mais conhecidos do Grande Porto, sem que tenha alegado qualquer facto que permita concluir pela pertinência da diligência requerida, o que, lhe competia.

Ora, o princípio do inquisitório tem necessariamente de ser conjugado com outros ditames, designadamente com o da autorresponsabilidade das partes.

Se a parte pretende a realização de determinadas diligências de prova mas não indica o fundamento que justifica a produção das mesmas, concretamente, que o falecido CC, esteve internado naqueles hospitais e em que períodos e se foi sujeito a cirurgias ou recolha de material biológico, sibi imputet.

Como bem refere o tribunal a quo, «não cabe ao Tribunal substituir-se à parte no tocante ao fundamento das diligências probatórias que a mesma pretenda requerer, pelo que, desconhecendo a autora se existe ou não o material biológico que poderia legitimar a realização da perícia, a mesma não poderá ser realizada.»

Concluindo:

A requerida notificação dos restantes treze hospitais indicados pela autora-recorrente, relativamente aos quais, a autora desconhece se o falecido CC aí esteve internado e em que períodos e se foi sujeito a cirurgias ou recolha de material biológico, não se mostra pertinente para descoberta da verdade material.

Nesta parte, o que se passou, in casu, foi que a recorrente, alheando-se por completo, quer do princípio da autorresponsabilidade das partes, quer do princípio dispositivo pelo qual continua a nortear-se o processo civil português, não alegou factos que justifiquem a referida diligência probatória.

Consequentemente, o despacho recorrido não viola o princípio contraditório plasmado, entre outros no artigo 3.º-3 do CPC, nem e do princípio do inquisitório vertido no artigo 411.º do CPC.

E não se verificando a alegada violação desses princípios não vislumbramos em que medida o despacho recorrido  enferma de inconstitucionalidade por alegada violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 20º e 32º nº2 da Constituição da República Portuguesa. (este normativo respeita ao processo criminal e no essencial estabelece que a  audiência de julgamento e os actos instrutórios estão subordinados ao princípio do contraditório.)

Do exposto se conclui mostrar-se plenamente justificada a decisão de recusar as diligências instrutórias requeridas pela autora autora-recorrente, tendo essa decisão subjacente interpretação das normas processuais (artigos 6º, nº 1, 411º, CPC) conforme ao princípio constitucional do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP), corolário do acesso ao direito ao direito e aos tribunais, do qual emana o princípio do contraditório e da tutela jurisdicional efectiva.

Nestes termos, improcede o recurso de apelação interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Sumário.

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IV.DELIBERAÇÃO.

Nestes termos, acordam os juízes Deste tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.


Porto, 4.07.2024
Francisca Mota Vieira
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
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[1] Cfr. Miguel Teixeira da Sousa, in comentário de 30/01/2023 denominado ‘Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se’, no Blog do IPPC (blogippc.blogspot.com), acedido em Novembro de 2023.
[2] Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, p. 53.
[3] Cfr. neste sentido CPC Anotado José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 2º volume, em anotação ao artigo 419º do CPC.
[4] Ac Relação do Porto de proferido no processo nº 3410/21.6T8VNG-R.P1 no dia 5.12.2023.
[5] Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 131, em nota e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 2º, pp. 213/214.
[6] Referindo que o art. 443º do CPC constitui expressão de princípio genericamente afirmado no art. 6º, nº 1 do CPC, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 2º, p. 263 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 511.
[7] Cfr., a propósito, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, 1997, p. 61.
[8] J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, 1981, reimpressão, p. 58 afirmava compreender-se perfeitamente que ao juiz seja dado exercer a fiscalização estabelecida no artigo que determinava o poder de recusa de documentos impertinentes ou desnecessários, pois o ‘processo não deve ser uma espécie de barril de lixo, em que as partes possam despejar todas as excrescências e resíduos que lhes apraza acumular’.