Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA | ||
Descritores: | CRIME DE DIFAMAÇÃO BEM JURÍDICO PROTEGIDO ELEMENTO OBJECTIVO ELEMENTO SUBJECTIVO CONCEITO | ||
Nº do Documento: | RP20240626691/21.9GBVFR.P2 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ASSISTENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – No crime de difamação o bem protegido com a incriminação é o direito ao bom nome e reputação, que consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra e consideração social mediante imputação feita por outrem. II – O elemento objectivo do tipo integra duas modalidades de comportamento, a saber, a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem ou a reprodução daquela imputação ou juízo. III – Quanto ao elemento subjectivo, sendo um crime doloso, que comporta qualquer das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal, traduz-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias ou, pelo menos, são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei. IV – O preenchimento do elemento subjetivo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, não exigindo o dano, nem um dolo específico (um animus injuriandi vel diffamandi). V – Não existindo fórmulas sacramentais na forma de transmitir os elementos, quer objectivos, quer subjectivos dos crimes, agir de forma livre revela a vontade do agente em actuar “contra legem”, isto é, com a consciência da ilicitude, sem constrangimentos exteriores que pudessem implicar uma diminuição ou mesmo anulação da culpa, e agir de forma livre e conscientemente equivale a agir deliberada e voluntariamente, significando agir por querer ou agir segundo a própria vontade. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 691/21.9GBVFR.P2 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Singular, por sentença de 24.01.2024, foi decidido: * Inconformado, recorreu o assistente. Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]: Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o douto suprimento de V/Exas, Venerandos Desembargadores, deve-se conceder provimento ao presente recurso, sendo reconhecida razão ao assistente, ora recorrente, e, em consequência, deve sempre aqueles factos ser dados como provados, bem como considerar o elemento subjectivo da acusação particular plenamente preenchido e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que condene arguido pelo crime pelo qual foi acusado, bem como condenando-o ainda no respetivo pedido de indemnização civil. * O Ministério Público junto do Tribunal de Primeira Instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso. Sem formular conclusões, alega, em síntese, o seguinte: Pelo assistente BB foi deduzida acusação particular, contra o arguido AA, pela prática de um crime de difamação com publicidade e calúnia, previsto e punível pelo artigo 183º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 180º, n.º 1, do Código Penal. O Ministério Público acompanhou a acusação particular, a qual foi recebida em juízo e realizado o julgamento. Por sentença proferida em 29-03-2023, o Tribunal a quo decidiu absolver o arguido da prática do crime pelo qual vinha acusado, por entender que da factualidade dada como provada não resultava o preenchimento do elemento subjectivo na sua globalidade, concretamente o elemento volitivo do dolo, falta que remonta à acusação particular e que o Tribunal considerou não poder suprir. Na sequência de recurso interposto pelo assistente, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 08-11-2023, foi declarada a nulidade da referida sentença, determinando-se que a mesma fosse substituída por outra que se pronunciasse quanto à consideração como provada ou não provada da factualidade alegada no art.º 5.º da Acusação Particular, que remete para fls. 9, 10 e 11 dos autos. Nessa sequência, veio a ser proferida a decisão recorrida, em 24-01-2024, que acrescentou à decisão de facto a factualidade acima referida, dando, assim, cumprimento à decisão do Tribunal superior e, no mais, manteve intocada a restante decisão, nomeadamente no que respeita ao fundamento da absolvição, que se prende com o preenchimento do elemento subjectivo do crime. É contra esta segunda sentença que o recorrente se insurge, nos termos acima já referidos, isto é, pugnando pelo entendimento de que o elemento subjectivo da acusação particular deve considerar-se plenamente preenchido e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que condene arguido pelo crime pelo qual foi acusado. Em face da exposição antecedente, em primeiro lugar, importa realçar que a questão suscitada no recurso a que se responde foi já objecto de tomada de posição pelo Ministério Público em sede de resposta ao recurso interposto pelo assistente relativamente à primeira sentença proferida[1], dando-se aqui por integralmente reproduzidas as considerações então formuladas a esse respeito. Com efeito, ali se concluiu «(…) parece-nos que andou mal o Tribunal a quo ao absolver o arguido da prática deste crime em concreto, porquanto, atenta a matéria de facto dada por demonstrada, os escritos constantes dos autos, as declarações prestadas, tudo devidamente cotejado com as regras da experiência comum permitiram concluir que AA cometeu o aludido crime de difamação.». Mais se considerou que «(…) não só consta do libelo acusatório que o arguido sabia da ilicitude da sua conduta, como que agiu livre e conscientemente, ou seja, porque quis e como quis. E consta ainda que a sua conduta ofendeu a honra e consideração do assistente, facto a que aquele não podia ser alheio. Entendemos, por isso, que não estamos perante a situação a que alude o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015, publicado no Diário da República I Série, de 27 de Janeiro de 2015, antes descrevendo a acusação particular deduzida, minimamente, todos os elementos constitutivos do dolo.». No essencial, o recorrente defende, de forma sustentada, que a consagração do elemento subjectivo do tipo não pode circunscrever-se à utilização de fórmulas rígidas, devendo, antes, extrair-se de um conjunto de referências e elementos gramaticais constantes da acusação particular, alguns dos quais foram transpostos para a factualidade provada na sentença recorrida. Afirma que a acusação particular descreve claramente factos integradores do elemento subjectivo, mais concretamente os relativos ao elemento volitivo, nos seus artigos 14º, 20º, 22º e 25º, devendo, assim, concluir-se que tal elemento se encontra plenamente preenchido. Mais afirma que, provando-se, como se provou, que o arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, seria redundante a menção das palavras deliberado/voluntário na velha e estereotipada locução gramatical; e que a publicação de escritos difamatórios em meios que facilitam a sua difusão, implica, desde logo, um acto deliberado, já que envolve uma escolha de um meio, de palavras, pelo que a sua simples descrição na acusação particular conduz necessariamente à prova da voluntariedade e da consciência. Face à extensa fundamentação do recurso e às considerações já formuladas na resposta do Ministério Público ao recurso interposto da primeira sentença, pouco mais há a acrescentar com relevo para a discussão da questão em apreço. Na verdade, dir-se-á que a decisão recorrida traduz uma visão formalista e redutora, ao exigir a adopção de fórmulas escritas sacramentais de onde se retire inequivocamente o preenchimento do elemento subjectivo (volitivo) do tipo, quando a realidade em apreciação é muito mais rica e a respectiva apreensão não suscita quaisquer dúvidas ao intérprete e aplicador do direito, nem mesmo ao cidadão comum. Por outro lado, não pode deixar de se partilhar da perplexidade do recorrente quando afirma que o Tribunal a quo recebeu a acusação posta em crise, nos termos do artigo 311º, do Código de Processo Penal, aí apreciando (e necessariamente concluindo de forma negativa quanto à respectiva verificação) eventuais nulidades e outras questões prévias ou incidentais, para, a jusante, invocar esses vícios em sede de sentença, absolvendo o arguido. De facto, conforme resulta patente do próprio acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2015, citado na decisão recorrida, detectada a falta no articulado da acusação da descrição dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo, deverá a mesma ser rejeitada, não só por ser nula, por omissão da indicação prevista no artigo 283º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, mas também manifestamente infundada, nos termos do artigo 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, por não conter a narração dos factos. Retornando ao caso dos autos, não se compreende, pois, a dualidade de critério adoptado pelo mesmo Tribunal num e noutro momento processual, ousando intuir-se que, num primeiro momento, o Tribunal terá considerado bastante a descrição factual constante na acusação particular relativamente a todos os elementos que compõem o tipo de crime nela imputado ao arguido, tendo, posteriormente, vindo a alterar a sua apreciação, por razões que não conseguimos perscrutar. Concluindo, pelas razões expostas, deve ser concedido provimento ao recurso. * Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. Em síntese, convocando o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2015 do STJ, entende que a acusação particular padecia de nulidade porquanto, mesmo que viesse a ser dada como provada toda a factualidade nela descrita, sempre a mesma seria insuficiente para permitir uma condenação pelo tipo legal de crime imputado, pois este não se mostraria, ainda assim, totalmente preenchido no tocante ao elemento volitivo do dolo. Concretizando, alega que se é certo que na acusação particular se descreve a conduta do arguido e o facto de o mesmo ter agido deliberada, livre e conscientemente, ciente da proibição da sua conduta, em parte alguma da mesma se refere que o arguido sabia que a sua actuação era idónea a “atentar contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram, como efectivaram, a sua divulgação”, bem como em parte alguma se refere que o arguido agiu querendo atentar contra a honra e consideração do assistente, ou que lançou mão da divulgação pelas redes sociais, com o intuito de assim conseguir a divulgação por um maior número de pessoas. Na verdade, naquela peça processual refere-se tal factualidade apenas no plano objectivo, sem que se cuide depois a imputar ao arguido também no plano volitivo. Ora, dizer-se que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, não é o mesmo que dizer-se, como se impõe, qual haja sido o intuito do mesmo ao agir. Assim, e não sendo a factualidade omitida na acusação particular passível de ser integrada na fase de julgamento, apenas caberia ao tribunal emitir decisão absolutória. * Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada qualquer resposta. Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência. *** II. FUNDAMENTAÇÃO. Objeto do recurso Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que a recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. No caso concreto, considerando tais conclusões, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente e colocadas à apreciação deste tribunal: ** Factos alegados na acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público 1. O Assistente é membro de uma banda musical com o nome “ ...” actualmente designada por “ ...”. (...). 2. No dia 03/11/2021, o Assistente constatou que na página do “Facebook” do Arguido, mais concretamente na sua biografia, constava o seguinte: “ Em Novembro de 2018 integra a banda de covers ALARM, com DD na voz e guitarra, GG nas teclas, HH na bateria e voz, II na guitarra e voz e AA no baixo. Sai deste projecto musical a 18/09/19 em virtude de alguns “amigos músicos” (... rock band (CC, EE, DD e BB)) terem assaltado a minha sala de ensaio em abril de 2019)” (sublinhado nosso). Tudo conforme cópias dos prints, fls. 12 e 13 dos autos. Documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 3. Após ter tido conhecimento da queixa do Assistente, em 20/04/2022, o Arguido modificou conteúdo da biografia da sua página do “Facebook” onde, à data de 21/06/2022, constava o seguinte: “ Em Novembro de 2018 integra a banda de covers ALARM, com DD na voz e guitarra, GG nas teclas, HH na bateria e voz, II na guitarra e voz e AA no baixo. Sai deste projecto musical a 18/09/19 em virtude de alguns “amigos” terem assaltado a sala de ensaio.” Tudo conforme cópia do print à página da Biografia, no “Facebook”, do Arguido. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc.1). 4. Para além dos factos acima relatados, o Arguido fez publicações onde identificou, claramente, o Assistente com o seguinte comentário: “ CC…DD…BB e EE…decidam-se…assumam e devolvam os instrumentos.” Tudo conforme cópia do print, fl. 7 dos autos. Documento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5. Sem esquecer as publicações no grupo do “Facebook”, “...!”, grupo que à data tinha cerca de 1.9 mil membros, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fls. 9,10 e 11 dos autos. 6. No dia 02/12/2021, já depois da queixa do Assistente, portanto, o Arguido publicou, na sua página do Facebook, uma foto de um membro da banda, DD, com os seguintes dizeres: “Continuo a aguardar que os elementos desta banda envolvidos no assalto à minha sala de ensaio (em 2019) me devolvam os instrumentos musicais (valor: 8-10.000 eur). Alerto os colegas que tocam com eles para não irem em histórias da carochinha…pois a situação é grave e tem vários processos em tribunal. JJ, CC DD, BB, EE, KK, LL…podem ligar comigo a qualquer hora…...95.... porque inventam histórias perante as autoridades, porque fogem? ...) https:/fb.watch/9Ep04WslTm/).” Tudo conforme cópia do print à página do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc.2). 7. Ainda no mesmo dia, 02/12/2021, o Assistente deu conta, na página do Facebook dos “Grupos Musicais ...”, que o Arguido utilizou uma foto, publicada em 13 de novembro de 2021 pelo bar B..., onde figuravam os membros da banda, com o mesmo conteúdo descrito acima : “ Continuo a aguardar que os elementos desta banda envolvidos no assalto à minha sala de ensaio (em 2019) me devolvam os instrumentos musicais (valor: 8-10.000 eur). Alerto os colegas que tocam com eles para não irem em histórias da carochinha…pois a situação é grave e tem vários processos em tribunal. JJ, CC DD, BB, EE, KK, LL podem ligar comigo a qualquer hora ...95.... porque inventam histórias perante as autoridades, porque fogem? ...) https:/fb.watch/9Ep04WslTm/).” Tudo conforme cópia do print da página do Facebook dos “Grupos Musicais ...”. Documento que ora junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (...),(...- Bar-...14) e (Doc. 3). 8. A página do Facebook dos “Grupos Musicais ...” é administrada pelo Arguido. (...). 9. Já no dia 25 de abril de 2022, os elementos banda “...”, incluindo o Assistente, tocaram no bar de praia “ C...”. Tudo conforme cópia do print cartaz do evento. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (...) e (Doc. 4). 10. Nos dias seguintes, ou seja, já depois da actuação da banda “...”, foi dado a conhecer ao Assistente que o Arguido, desta vez por intermédio de mensagens, via Messenger do Facebook – incluindo para pessoas que nem sequer contavam da sua lista de amigos (como se pode constatar da informação do Messenger na linha final: “ Se responderes AA vai poder ligar-te e ver informações como quando estás online ou quando leste as mensagens”. “Bloquear” “Eliminar”) –, enviou mensagens com o seguinte conteúdo: “ Bom dia, venho informar que elementos da banda ... que tocaram no C... estão envolvidos em assalto de instrumentos musicais no valor de 10.000 euros, cujos processos decorrem no tribunal de santa maria da feira. seria avisado que esses senhores não deveriam participar em eventos musicais enquanto não devolverem os instrumentos. O senhor não sabe disto mas fica a saber por quem foi roubado. se quiser posso falar consigo e mostrar todos os documentos e provas. um bom dia! . Tudo conforme cópia da mensagem via Messenger do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 5). 11. No dia 18 de junho de 2022, o Arguido publicou uma foto, na sua página pessoal, retirada da página oficial da banda “... ”, onde deixou o seguinte comentário: “ O assalto dos meus instrumentos foi numa sala por baixo deste bar. É preciso ter muita cara de pau…sabendo o que se passou…” Tudo conforme cópias dos prints da página do Facebook. Documentos que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos. (Doc. 6 e Doc. 7). 12. A publicação do Arguido deu origem a um comunicado, na página do Facebook do bar identificado, “A...”, ..., em 21/06/2022, com o seguinte conteúdo: “O A... informa que não se revê neste tipo de comentários que de muitas formas levam a crer a existência de responsabilidades a algum assalto de uma sala de ensaios existente por baixo do nosso espaço…infelizmente e ao que parece tem sido recorrente estes tipos de comentários a locais onde a banda actua!!! Em nome do A... pede-se respeito pelo nome da casa.tudo o resto que seja resolvido entre os demais envolvidos na questão”. Tudo conforme cópias dos prints da página do Facebook. Documentos que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos. https://www.facebook.com/A... e (Doc. 8 e Doc. 9). 13. Que o Assistente trabalha em regime de prestação de serviços na área de controlo de pragas, para as mais variadas empresas, e utilizava a rede social “Linkedin”, para a procura e desenvolvimento de novos mercados e relações comercias. Porém, o Assistente foi obrigado a remover a sua página devido às publicações do Arguido, na sua página, onde este identificou e expôs outros membros da banda, designadamente DD e CC o que impediu o Assistente de explorar e estender os seus contactos e, consequentemente, aumentar o volume do seu negócio. Tudo conforme cópia do print da página do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 10). 14. O Arguido utilizou diversas páginas e grupos com um vasto alcance, nomeadamente a sua página, a página da banda “...”, o grupo público “...!”, a página do bar “A...” e do grupo “Grupos Musicais ...”, para difamar os elementos da banda e, em especial, o Assistente. 15. O Assistente desconhece de todo os factos que lhe são imputados! 16. O Assistente não conhece pessoalmente o Arguido nem nunca privou com este. 17. O Assistente também desconhece qualquer processo contra si por furto ou roubo, para além do processo que o Arguido deduziu contra este por alegada difamação com publicidade e calúnia. Processo que ainda corre termos neste tribunal sob o número 620/20.7GBVFR. 18. Os comentários e expressões utilizadas pelo Arguido, visualizados por centenas, senão milhares de pessoas, nas redes sociais, dirigidas ao Assistente, tiveram repercussões devastadoras para a vida pessoal do Arguido e para a sua banda. 19. Consequências que ainda se sentem visto que o Arguido não cessou a sua conduta. 20. Com o referido comportamento, o Arguido ofendeu e difamou o Assistente, imputando-lhe factos e comentários que atentaram contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram como efectivaram a sua divulgação. 21. O Assistente é um homem trabalhador e sempre foi uma pessoa respeitada no meio em que vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, pacatez e uma profunda honestidade. 22. Por outro lado, o Arguido sabia que com as suas publicações em diversas páginas da rede social “Facebook”, e também através de mensagens via “Messenger”, estava a imputar factos ao Assistente que não correspondiam nem correspondem à verdade. 23. Consequentemente, o Assistente viu o seu rendimento reduzido, tanto pelo cancelamento dos concertos da banda, bem como pela oportunidade de expandir o seu trabalho na área da sua residência. 24. O Arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 25. Pelo exposto, cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de Difamação com Publicidade e Calúnia, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 183º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo do 180º do Código Penal, em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, sabendo que os factos que imputava ao Assistente eram e são falsos. ** Factos provados e não provados na sentença recorrida Factos provados: “AA Esta tudo no processo. Obrigado Gosto • Partilhar • 1 ano(s) AA Não basta a banda ... rock band apagar a pagina do facebook. todos sabemos quem são os elementos implicados no assalto. o EE continua a pavonear-se em playback na tv. se querem ser músicos não devem roubar instrumentos dos colegas. O... Ver mais Gosto • Partilhar • 47 sem 2 MM AA, talvez agora com os nomes deles divulgados, tenham um pingo de vergonha, bom senso e respeito e entreguem o material a bem. Instru... Aderir ao grupo Continuo a aguardar que os melros me devolvam os instrumentos! Gosto • Partilhar • 42 sem AA Aguardo que os larápios devolvam os instrumentos musicais. gente sem vergonha na cara! Gosto • Partilhar • 40 sem FF Partilhei 1 Gosto • Partilhar • 40 sem AA FF obrigado DD! Abraço! Gosto • Partilhar • 40 sem AA https://www.facebook.com/CC.50 Gosto • Partilhar • 40 sem (...) AA A seu tempo vou expôr todas as mentiras que os envolvidos arranjaram para iludirem as autoridades, estando os envolvidos constantemente a obstruir a justiça e a descoberta da verdade. como não tenho dúvidas do envolvimento deles no assalto, tudo farei para reaver os meus instrumentos e deixar tudo esclarecido definitivamente. Gosto • 36 sem 1 AA ...... ......... Ver mais OLX.PT Coluna Orange Made in England dos anos 70 Gosto • 36 sem • Editado AA Que credibilidade pode ter o EE para dar aulas de bateria quando me roubou uma guitarra e um amplificador sem nunca me ter esclarecido porque o fez e ter mentido às autoridades? Enquanto não esclarecer e pedir desculpa continuarei a lutar pela descoberta da verdade e pela devolução do resto dos instrumentos. Renovo o meu apelo a que devolvam tudo e esclareçam as autoridades com verdade e peçam desculpa. Gosto • 36 sem AA Mais um episódio desta novela: os 4 elementos (CC DD, BB, EE) da banda ... rock band, ensaiavam em lourosa e tinham em poder deles, nessa sala de ensaio, alguns dos meus instrumentos roubados, cuja apreensão estava requerida na psp. mal souberam que iam ser apanhados, desapareceram dessa sala de ensaio e levaram tudo... Gosto • 36 sem AA Ontem, dia 25 de fevereiro de 2019, pelas 21h recebi um telefonema do Sr NN (amigo de peito do CC) e gerente do hostel da praça que me disse para eu apagar esta publicação do assalto. eu perguntei-lhe o que é que ele tinha a ver com o assunto. Sem me explicar passou a insultar-me a mim e à minha familia, aos berros, chamou-me de tudo... e desligou o telefone. Pergunto: (...) AA OO obrigado pelo apoio amigo! Também acredito que tudo vai ser esclarecido e os instrumentos entregues aos respetivos donos. Abraço! Gosto • 22 sem 1 AA Olha...a pagina ... rock band desapareceu do facebook..será que me vão entregar os instrumentos agora? espero que sim! Gosto • 22 sem 2
AA Se me entregarem tudo amanhã, eu perdoo-lhes tudo o que me fizeram. Gosto • 22 sem 3 AA Vão desperdiçar esta oportunidade de luxo??? Gosto • 22 sem PP É como eu digo o arrependimento ainda salva, entreguem o material ao Homem e passam a ser homenzinhos Gosto • 21 sem AA PP a quadrilha está silenciosa... Gosto • 21 sem AA Os 4 visados: CC...DD...EE e BB membros dos ... rock band apagaram a pagina do facebook na qual publicaram fotomontagens a denegrir o meu bom nome e imagem. Há um processo por difamação em curso contra eles por isso apagaram a pagina. Mais uma vez está demonstrado que se trata de uma quadrilha de assaltantes que em vez de me entregarem o que me roubaram preferem a fuga para a frente. O grau de instrução deles é muito baixo. Espero que quem os está a instruir a nível jurídico pense bem nas consequências para o futuro deles. Eles andam todos a gozar com quem foi o maior amigo deles e quem mais os ajudou na musica. Apenas quero que me entreguem o que me roubaram. Inclusivamente lhes dei a chance de desistir da queixa se me entregassem tudo. 2”.
– 8. O demandante sentiu-se ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 6.– 9. O arguido é licenciado em Direito, é empresário da construção civil, auferindo cerca de €5.000 líquidos por mês, vive com a esposa, advogada e um filho, já a exercer actividade profissional, o qual não contribui para as despesas domésticas, habitam em casa própria do arguido, adquirida com recurso a crédito bancário, pagando mensalmente cerca de €2.000,00.– 10. O arguido não tem antecedentes criminais.
Factos não provados: * Na sentença consta a seguinte motivação da decisão de facto: Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “ a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” - cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida. Na fixação da matéria de facto o Tribunal atendeu de forma crítica, conjunta e concatenada à prova produzida e CRC, apreciando-os à luz das regras da experiência (excepcionando a prova relacionada com matéria alegada e não elencada na decisão de facto pelas já sobreditas razões, seja quanto à acusação particular seja quanto ao pedido cível associado). Concretizando, No que se relaciona com a factualidade constante de 1. a 5. a convicção do Tribunal assentou nas declarações uníssonas do arguido e assistente, conjugadas com os documentos (“prints”) de fls. 12v a 13v e 7 e 9 a 11, dos autos, tanto mais que de tais documentos constam “gostos” e comentários de terceiros, figurando ainda da página pessoal do arguido vários “amigos”. No que se refere ao facto constante em 6. a convicção do Tribunal assentou no documento junto em audiência (fls. 116 e ss) e que consubstancia conversa trocada entre o arguido e o assistente (entre 3 de Janeiro de 2020 e 2 de Junho de 2020), tendo aquele expressamente dito ao assistente que o projecto musical que o assistente integra nasceu logo a seguir “ao assalto”, não suspeitando do assistente, mas referindo que o mesmo poderia ter um papel relevante no sentido de confrontar os demais elementos da banda com o alegado pelo arguido em tais mensagens. O que vai de encontro às declarações do arguido em juízo ao declarar que “não tem nada contra o assistente”. De resto, note-se que da certidão judicial junta aos autos relacionada com o P. 156/19.9PAVFR resulta que num momento inicial o arguido apresenta em 20.04.2019 queixa contra incertos, apontando no decurso suspeitas contra terceiros que não o ora assistente, que vem referido apenas declarações de 29.07.2020 como integrando a banda musical composta pelos restantes que já tinha indicado como suspeitos (fls. 125 e ss), merecendo os autos despacho de arquivamento em 21.01.2021, do que o ora arguido foi notificado via postal com PD a 01.02.2021, tendo subsequentemente em 26.02.2021 requerido intervenção hierárquica, não se vendo ao longo de tal requerimento qualquer referência ou imputação, mesmo sob a forma de suspeita, ao ora assistente, ou sequer diligências requeridas em relação a si, sequer se vendo que no despacho de 05.03.2021 ou subsequentes constantes da certidão junta tenha sido ordenada qualquer diligência visando expressamente o assistente, sendo proferido novo despacho de arquivamento a 03.11.2021 (não se vendo qualquer outra referência a BB, que não apenas para referir que integrava a banda musical), do qual o ora arguido foi bem assim pessoalmente notificado por via postal simples com PD de 09.11.2021, tendo o mesmo por meio do Il. Mandatário requerido nova intervenção hierárquica, do qual não se vê – uma vez mais – ressalte qualquer imputação/suspeita ao aqui assistente BB, tão pouco sendo solicitadas quaisquer diligências dirigidas a si. Tal requerimento veio a naufragar na sequência de despacho de 10.12.2021 que indeferiu a reabertura do inquérito. Para prova da factualidade constante em 7. o Tribunal socorreu-se das regras da experiência, tendo em conta o normal acontecer das coisas em situações similares e a livre apreciação, conjugada com a demais prova já referida supra para dar como provada aquela factualidade nos termos em que o fez, não colhendo, pelas apontadas razões as declarações do arguido neste particular em face dos já apontados elementos de prova, mormente certidão do id. inquérito e ainda mensagens trocadas com o assistente. - Para prova da factualidade relacionada com as consequências da actuação do arguido na pessoa do assistente o Tribunal socorreu-se das declarações do próprio assistente, que neste estrito particular nos mereceu credibilidade, tanto mais que tal, na medida do provado, é conforme às regras da experiência e ao normal acontecer das coisas em situações de natureza similar, tendo-se ainda apelado à livre apreciação. Os factos relativos às condições sócio económicas do arguido resultaram provadas por apelo às declarações do arguido que, neste estrito particular, mereceram credibilidade, não se vendo que o mesmo tivesse quanto a esta matéria interesse em faltar à verdade e não se vêm contrariadas por outra prova. A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou por apelo ao CRC junto aos autos. - Os factos não provados resultaram assim em virtude de falta, insuficiência de prova ou prova produzida em sentido contrário. Desde logo note-se que as testemunhas arroladas pelo demandante não se mostraram de relevo para a decisão do Tribunal, na medida em que os seus relatos se mostraram associados a episódios que não faziam em concreto parte do objecto em discussão. Acresce que as declarações do demandante por si só, no mais que extravase os factos provados, não se mostram bastantes, desacompanhadas de outros elementos probatórios para prova de factualidade que lhe é favorável, não se podendo perder de vista que o assistente face a tal qualidade e de demandante tem manifesto interesse no desfecho da causa, tanto na vertente criminal, como cível. Certo é que, não obstante não se vislumbrar qualquer dificuldade, nem a mesma ter sido alegada (tanto mais que se trata de informação pessoal) o assistente não juntou qualquer documentação clínica a comprovar a sua condição de saúde, designadamente quanto às patologias alegadas ou internamento. - Na sentença consta a seguinte fundamentação de direito: Da qualificação jurídica. Estatui o 180º, nº 1, do CP, incorre na prática do crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”. Por sua vez, o art. 182º CP equipara à difamação verbal a feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão. A norma insere-se no capítulo dos crimes contra a honra. O bem jurídico protegido consubstancia-se num bem imaterial, extremamente vulnerável, mas de difícil apreensão – a honra. Com efeito, a sua complexidade manifesta-se, desde logo, no modo como o seu conteúdo e limites têm sido analisados pelas duas principais concepções: fáctica e normativa. Os defensores da concepção fáctica revêem-se na chamada honra subjectiva (a ideia que alguém tem das suas próprias qualidades; o sentimento de dignidade e decoro; a soma dos valores morais que o indivíduo se atribui a si próprio) e na honra externa (a ideia que os outros têm de si; a estima e a consideração de que se goza; o património moral que deriva da consideração alheia, ou seja, a reputação ou bom nome). Na perspectiva da concepção normativa, o conteúdo do bem jurídico surge como que atado ao efectivo cumprimento dos deveres éticos. Vale por dizer, que apenas é tutelada a honra merecida. A importância do bem jurídico em causa é de tal modo acentuada que a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) a tutela expressamente no art. 26º, ao consagrar, a parte de outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação, que resulta, desde logo, da dignidade da pessoa humana, consagrada igualmente no art. 1º da CRP. Enquanto direito fundamental, o bom-nome e reputação constitui fundamento essencial ao desenvolvimento da pessoa em sociedade. Segundo Faria Costa [RLJ nº3926] a honra pode ser entendida como “(…) um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”. No mesmo sentido, refere-se no Ac. STJ de 12.01.2000 [BMJ 493, p.156] que “A honra (e, por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações.” Face ao exposto, podemos dizer que, no que concerne ao conceito de honra, a doutrina dominante no nosso ordenamento jurídico tempera a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual). Com efeito, a concepção dual é a única que se mostra compatível com a nossa lei. Na verdade, contrariamente ao que sucede noutros ordenamentos jurídicos, entre nós, na linha da tradição anterior e em inteira sintonia com a ordem constitucional, é alargada a tutela da honra também à consideração ou reputações exteriores. Neste sentido, já se defendeu que "a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico honra, que o faça contrastar com o conceito de consideração (...) ou com os conceitos jurídico constitucionais de bom nome e de reputação. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer -no outro extremo - estritamente normativo". - Faria Costa, RLJ nº 3926. Segundo Leal - Henriques e Simas Santos [in “O Código Penal de 1982”, Vol. II, 1986, pág. 196] a honra constitui “a essência da personalidade humana” o conjunto de valores éticos que cada pessoa humana possui, designadamente o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração “o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros.”. Visto o bem jurídico protegido, atente-se agora no tipo objectivo de ilícito. O tipo objectivo consiste em difamar outra pessoa. Tal pode ocorrer, segundo o texto da lei, por duas vias: a) Dirigir-se a terceiro b) Imputar a outra pessoa factos (mesmo sob a forma de suspeita) ou c) Ou formular acerca de outra pessoa um juízo d) Ou reproduzir a imputação ou juízo referidos em b) e c) em qualquer dos casos, ofensivos da sua honra ou consideração. Para o preenchimento do tipo importa pois distinguir, desde logo, se estamos na presença de factos ou juízos de valor. Facto é tudo aquilo que é ou acontece “(…) na medida em que se considera como um dado real da experiência.” [Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p.609]. “Juízo (…) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor.” [Faria Costa, op. cit., p.610]. A imputação de factos pode preencher o tipo, mesmo que tenha lugar sob a forma de suspeita. Com efeito, “a imputação de factos (…) desonrosos podem ser ineqívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. (…) o cerne da determinação dos elementos objectivos tem sempre de fazer[-se] pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.” [Faria Costa, op. cit., p.612]. Estamos na presença de um crime de perigo, ou seja, o tipo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, não exigindo o dano. No que concerne ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, em qualquer das suas modalidades – dolo directo, necessário ou eventual (arts. 13º e 14º CP) -, “bastando, portanto, que o agente, ao realizar voluntariamente a acção, se tenha dado conta da capacidade ofensiva da integridade moral da pessoa visada, não se exigindo qualquer finalidade ou motivação especial”- por todos, o Ac. TRP, de 25.01.1995, CJ, Ano XX, tomo I, pág. 245. Ou seja, no que ao tipo subjectivo respeita é pacífico que o mesmo também não exige uma actuação do agente com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico. Basta, por isso, para preenchimento do tipo subjectivo de ilícito que o agente aja com dolo genérico, ou seja, que actue na consciência de que as expressões utilizadas são aptas a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada – cfr. art. 14.º CP. “É, pois, suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor, cujo significado ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, e isto em qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas.”. - cfr. Ac STJ de 13.07.2017, que se acompanha neste particular. - Contudo, além dos factos subsumíveis ao tipo objectivo, a factualidade há-de respaldar ainda elementos consubstanciadores do tipo subjectivo, com referência ao elemento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao elemento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), sem os quais não é possível tal imputação[2], mais se exigindo que na conduta não intervenham quaisquer causas de justificação ou desculpação. “Num crime doloso - só esse está aqui em causa - da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).” – cfr. Ac. TRC de 06.01.2011, P. 150/10.5T3OVR.C1, in www.dgsi.pt -, sendo certo que não é admissível ao Juiz ordenar qualquer convite ao aperfeiçoamento ou correcção de uma acusação, formal ou substancialmente deficiente – Ac. TRP, de 14.12.2005, P.0315033, in www.dgsi.pt e citado por este o Ac. TRL, de 10.10.2002, in Col. de Jur., ano XXVII, tomo IV, pág. 132 e ainda AUJ 1/2015, 27.01, Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27, páginas 582 – 597, disponível também em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justiça/...04 (em situação similar) e Ac. TRL de 10.03.22, P. 8467/19.7T9LSB.L1-9, in www.dgsi.pt. De facto, dolo não é apenas conhecimento, mas também a vontade. - Para o que importa, resulta ainda do disposto no art. 183.º n.º1 al.s a) e b) e n.º2 CP que “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º a) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; (…) as penas da difamação e da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.” - Referir ainda que o Tribunal não olvida que o direito à liberdade de expressão tem consagração constitucional no art. 37.º CRP, com dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42°), na liberdade de consciência e de culto (art. 41°), na liberdade de aprender e ensinar (art.43°) e até na liberdade de reunião e manifestação (art.45°). Tais direitos não podem ser sujeitos a impedimentos nem discriminações (n° 1, do art. 37.º CRP), ou seja, dentro dos limites do direito não pode haver obstáculos ao seu exercício, todos dele sendo titulares em igualdade de circunstância, ressalvadas as exclusões constitucionalmente admitidas. Contudo, a liberdade de expressão não é, nem pode ser exercida nem entendida como absoluta, alheia à eventualidade de colisão com direitos/valores de igual ou superior consagração constitucional, de entre os quais consta o direito à integridade moral, ao bom nome e reputação, consagrado no art. 26.º CRP. O direito à liberdade de expressão não pode fazer, por isso, tábua rasa do direito à honra e reputação, já que a tal se opõe o art.18º, nº 3 CRP. Em face do que vai dito, impõe-se concluir que a prática de factos tipificados como crime de injúria e difamação não podem ser qualificados como manifestações da liberdade de expressão/informação. Não se desconhece que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, (TEDH) tem vindo a atribuir prevalência à liberdade de expressão, como apontado no acórdão STJ de 12/03/2009 “(…)TEDH tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do n.º 2 do art. 10.º da CEDH, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem.” - in https://www.pgdlisboa.pt /jurel/stjmostradoc.php?nid=28819&codarea=1. Contudo, mesmo no citado Ac. STJ se refere que o TEDH reconhece que o exercício da liberdade de expressão está sujeito “a restrições e sanções” em face do disposto no n.º2 do art. 10.º da CEDH. Vale por dizer que, no entender do TEDH, o Estado Português pode internamente determinar as sanções e restrições aplicáveis, como sucede com a previsão legal dos tipos legais de crime de injúria e difamação. - No caso concreto, não obstante a factualidade dada por provada não se vê que se mostre preenchido o elemento subjectivo na sua globalidade. Na verdade, em parte alguma dos factos provados resulta que o arguido “quis” agir nos termos provados, que agiu “deliberadamente” e tal assim, desde logo, porquanto tal factualidade não resultou sequer imputada na acusação particular, não podendo o Tribunal fazê-lo, suprindo tal falta da acusação particular, em face do já anunciado supra. Pelo que o arguido terá de ser absolvido do crime imputado. (…) ** Decidindo as questões objeto do recurso Da impugnação da decisão de facto. O assistente questiona da decisão da matéria de facto. Em síntese, no que concerne à al. c) dos factos dados como não provados[3], alega ser inverosímil que as publicações do arguido referidas em 2. e 3. e 4. dos factos provados não tenham sido partilhadas, embora seja irrelevante se foram partilhadas ou vistas. Alega ainda que, contudo, o Tribunal a quo deu como provado, ponto 5 da Sentença, que o referido em 2, 3 e 4 da mesma (artigos 2º, 4º e 5º da Acusação Particular) foi visualizado por número não concretamente apurado de pessoas da rede social. No que diz respeito ao ponto 8. dos factos provados[4] e à al. f) dos factos não provados[5], alega que não se compreender que o referido no primeiro tenha sido dado como provado e já não o referido na segunda, já que um é consequência do outro. Vejamos. O recorrente não impugna a decisão de facto em termos amplos, parecendo convocar o vício decisório da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP [contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão]. Como resulta expressamente do preceito, a existência dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido art.º 410.º do CPP, que são de conhecimento oficioso[6], tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Terão, pois, de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito[7]. Significa que não é admissível recorrer a elementos estranhos à decisão em si, ainda que existentes nos autos e provenientes do próprio julgamento[8]. Ou seja, o Tribunal de Recurso não pode examinar nem consultar quaisquer outros elementos do processo. Por exemplo, não pode socorrer-se de depoimentos prestados em julgamento. Constituem, pois, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei[9]. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ocorre quando existe incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Verifica-se, pois, quando se consideram provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado provado e não provado, ou quando haja oposição entre a fundamentação e a decisão. No caso concreto, do texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum não resulta nenhuma contradição entre a factualidade dada como provada no ponto 5. e a factualidade dada como não provada na al. c). Com efeito, o facto de uma publicação ter sido visualizada por diversas pessoas não significa necessariamente que tenha sido partilhada. A contradição é, porém, evidente entre os factos provados no ponto 8. e os factos não provados na al. f)[10]. Efetivamente, não se compreende que a factualidade referida no ponto 8. tenha sido dado como provada e já não a referida na al. f). Como assinala o recorrente, uma é consequência da outra. Se na sequência do referido de 1. a 7. o assistente se sentiu, como provado em 8., “ofendido” e com “raiva”, sentiu “ira” e se sentiu “envergonhado” e “desonrado”, é óbvio que tal criou nele uma forte perturbação a nível emocional, psíquica e social. Temos, pois, que a factualidade da al. f) dos factos não provados terá que transitar para os provados. Da qualificação jurídica dos factos. O Tribunal a quo absolveu o arguido da prática do crime de difamação com publicidade p. e p. pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por considerar que, não obstante a factualidade dada por provada, não se mostra preenchido o elemento subjetivo na sua globalidade. Em síntese, refere que em parte alguma dos factos provados resulta que o arguido “quis” agir nos termos provados, que agiu “deliberadamente” e tal assim, desde logo, porquanto tal factualidade não resultou sequer imputada na acusação particular, não podendo o Tribunal fazê-lo, suprindo tal falta da acusação particular, em face do já anunciado supra. Vejamos. Dispõe o n.º 1 do art.º 180.º do Código Penal que pratica o crime de difamação quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo. O bem protegido com a incriminação é o direito ao bom nome e reputação, que consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra e consideração social mediante imputação feita por outrem[11]. O elemento objectivo do tipo integra duas modalidades de comportamento: a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem ou a reprodução daquela imputação ou juízo. Quanto ao elemento subjectivo, sendo um crime doloso, que comporta qualquer das modalidades previstas no art.º 14.º do Código Penal, traduz-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei[12]. O preenchimento do elemento subjetivo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, não exigindo o dano nem um dolo específico (um animus injuriandi vel diffamandi)[13]. Exige-se que o agente represente e queira o comportamento por si adotado, com consciência da ilicitude dessa conduta, ou seja, que o agente atue voluntariamente, com consciência de que o seu comportamento ofende ou pode ofender a honra e consideração alheia e de que tal é proibido por lei, não se tornando necessário que o agente atue com o propósito de ofender.[14] A sentença recorrida segue o referido entendimento no que concerne ao preenchimento do tipo subjetivo do tipo, como refere expressamente e resultaria, aliás, da jurisprudência que convoca nesse sentido, designadamente o Ac. do STJ de 13.07.2017[15]. Daí que não se perceba de todo que conclua depois no sentido de que não se mostra preenchido o elemento subjectivo na sua globalidade, o que é completamente contraditório. Com efeito, ficou provado que o arguido sabia que o referido em 2. 3. e 4., quanto à intervenção do assistente no que se refere aos instrumentos musicais do arguido, não correspondia à verdade [ponto 6. dos factos provados], sendo, pois, os escritos claramente difamatórios. Ficou também provado que agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei [ponto 7. dos factos provados]. Não existindo fórmulas sacramentais na forma de transmitir os elementos, quer objectivos, quer subjectivos dos crimes[16], tal factualidade, que consta a acusação particular deduzida pelo assistente [pontos 22º e 24º], preenche suficientemente o elemento subjetivo do tipo. Acompanhando o Ministério Público na resposta ao recurso, provado que o arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, seria redundante constar ainda dos factos provados que o arguido “quis” agir nos termos provados e que agiu “deliberadamente”, como sustenta o Tribunal a quo. Com efeito, agir livre e conscientemente é exatamente a mesma coisa, por outras palavras. Agir de forma livre revela a vontade do agente em actuar contra legem, isto é, com a consciência da ilicitude sem constrangimentos exteriores que pudessem implicar uma diminuição ou mesmo anulação da culpa. Agir de forma livre e conscientemente equivale a agir deliberadamente, voluntariamente, significando “agir por querer” ou “agir segundo a própria vontade”[17]. Compreendemos a perplexidade do recorrente, que o Ministério Público acompanha na resposta ao recurso, quando afirma que o Tribunal “a quo” recebeu a acusação, nos termos do artigo 311º, do Código de Processo Penal, aí apreciando (e necessariamente concluindo de forma negativa quanto à respectiva verificação) eventuais nulidades e outras questões prévias ou incidentais, para, a jusante, invocar esses vícios em sede de sentença, absolvendo o arguido. De facto, conforme resulta patente no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2015, citado na decisão recorrida, detectada a falta no articulado da acusação da descrição dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo [o que nem sequer é o caso], deverá a mesma ser rejeitada, não só por ser nula, por omissão da indicação prevista no artigo 283º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, mas também manifestamente infundada, nos termos do artigo 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, por não conter a narração dos factos. Como refere o Ministério Público, não se compreende, pois, a dualidade de critério adoptado pelo mesmo Tribunal num e noutro momento processual, ousando intuir-se que, num primeiro momento, o Tribunal terá considerado bastante a descrição factual constante na acusação particular relativamente a todos os elementos que compõem o tipo de crime nela imputado ao arguido, tendo, posteriormente, vindo a alterar a sua apreciação, por razões que não conseguimos perscrutar. Em suma, atento o exposto, mostram-se preenchidos por parte do arguido os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. Com efeito, imputou factos ao assistente, claramente difamatórios, que não correspondiam à verdade, o que sabia. Fê-lo através de publicações na sua na página do “Facebook” [que é um meio que facilita a sua divulgação]. Agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Determinação da pena. Preenchidos por parte do arguido os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, impõe-se proceder à determinação e escolha da pena. Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias[18], a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstracta da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que deve ser cumprida. Vejamos, em concreto, estas diversas etapas. O crime de difamação agravada praticado pelo arguido é punido com pena de prisão de 40 dias a 8 meses ou com pena de multa de 13 dias a 320 dias. Dado que o referido preceito prevê a aplicação de uma pena de prisão ou de multa em alternativa, é de dar preferência a esta, nos termos do art.º 70.º, do Código Penal, o que se justifica quer do ponto de vista da prevenção especial de socialização, quer do ponto de vista da prevenção geral, desde logo porque o arguido não tem antecedentes criminais. Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe agora proceder à fixação da respetiva medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito[19]), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes[20]. Por outro lado, como dispõe o n.º 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Como escreve o Conselheiro Manso-Preto[21], as referidas circunstâncias - sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante - não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstracta da pena, seja através da ponderação da sua contribuição para a formação do tipo de crime, seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo. No que diz respeito à culpa a que se refere o art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, é esta entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma). Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena - que não poderá ser ultrapassado - e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção. Tendo em conta este princípio, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta. Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendemos que ela se situa num grau médio, considerando as afirmações em causa, o respetivo contexto e a circunstância de o arguido saber que não correspondiam à verdade. No que diz respeito à intensidade do dolo, ao atuar como atuou, o arguido agiu com dolo direto, sendo, nessa medida, particularmente intensa a sua vontade criminosa[22]. Ponderadas todas estas circunstâncias, a sua apurada situação pessoal, nos termos do art.º 71.º do Código Penal, fixa-se a pena de multa em 90 (noventa) dias, que se considera adequada e proporcional. Nos termos do previsto no n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, considerando a apurada situação económica e financeira do arguido, em particular o seu rendimento mensal líquido de € 5.000,00, fixa-se a taxa diária da multa em € 30,00. Da responsabilidade civil. O arguido deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação na quantia de € 4.000,00 a título de danos não patrimoniais. De acordo com o disposto no art.º 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (art.ºs 483.º e ss do C.Civil)[23], nos termos da qual a obrigação de indemnizar apenas se verifica quando estejam preenchidos determinados requisitos para o efeito, nomeadamente a existência de um facto ilícito culposo que tenha causado prejuízo a alguém[24]. É o que resulta expressamente, como esclarece o Prof. Antunes Varela[25], da simples leitura do art.º 483.º, n.º 1, do C.Civil, onde se encontra fixado o princípio geral sobre esta matéria (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação). Temos, pois, que a responsabilidade civil extracontratual, como fonte de obrigação de indemnizar, tem, como pressupostos o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, esclarecendo-se, todavia, que o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -, pois só quanto a factos desta índole têm cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei o impõe[26]. Nos presentes autos, tendo em conta o factualismo dado como provado, é inquestionável a existência do facto ilícito e culposo imputado ao arguido/demandado, bem como dos danos e do nexo de causalidade entre o facto e aqueles (art.º 563.º, n.º 1, do C.Civil). O demandante reclama danos não patrimoniais. Ao contrário do que acontece com os danos patrimoniais, a sua ressarcibilidade não visa uma indemnização/reintegração. Na verdade, procura-se, além de sancionar, de alguma forma a conduta do lesante, facultar aos lesados, a título de compensação das dores sofridas, satisfações obtidas através do dinheiro[27]. A fixação da indemnização compensatória deverá ser feita à luz de critérios de equidade (art.º 496.º, n.º 3, do C.Civil) e tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias que o caso justifique. Tem-se entendido, doutrinal e jurisprudencialmente, que merecem a tutela do direito aqueles danos que "espelham uma dor, angústia ou sofrimento inexigível em termos de resignação"[28]. Provou-se que o demandante se sentiu ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 7. dos factos provados. Mais se provou que o referido de 1. a 7. criou no demandante uma forte perturbação do equilíbrio emocional, psíquico e social. Ponderando a conduta ativa do arguido/demandado, plasmada nos factos provados, conduta essa ilícita e censurável à luz do direito, e vistos os critérios orientadores estabelecidos nos artigos 496.º e 494.º do C.Civil, mostra-se equitativo fixar em € 2.500,00 o montante indemnizatório. * III - DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogam a sentença recorrida, decidindo:
Sem custas do recurso. Dada a condenação do arguido, custas a seu cargo na parte crime, que se fixam em 3 Uc. Custas na parte cível, na proporção do decaimento. *
Porto, 26 de Junho de 2024 José António Rodrigues da Cunha William Themudo Gilman José Francisco Mota Ribeiro _____________ [1] Elaborada pela Magistrada do Ministério Público que acompanhou a produção de prova em sede de julgamento. |