Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RP202406203032/22.4T8FNC-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3 ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Em processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, tendo sido declarada, em consequência da procedência de recurso, a nulidade de decisão de aplicação provisória de medida de promoção e proteção por falta de fundamentação, na nova decisão a proferir pelo tribunal recorrido, contendo a fundamentação de facto, a motivação da convicção e a fundamentação de direito, podem e devem ser tidos em consideração os elementos probatórios relevantes recolhidos no âmbito das diligências instrutórias entretanto realizadas, se pertinentes para a decisão a proferir, nomeadamente, quanto apuramento do concreto perigo justificativo da intervenção tutelar cautelar e quanto à determinação da concreta medida adequada a afastar tal perigo. II - Tal justifica-se pela particular natureza do processo em causa como processo de jurisdição voluntária, em que as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração – art. 988.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil –, considerando ainda o princípio da liberdade da investigação previsto no n.º 2 do art. 986.º do Cód. Proc. Civil e atendendo ao poder de cognição da factualidade emergente de tais elementos entretanto recolhidos no âmbito das diligências subsequentes à decisão declarada nula, realizadas no processo de promoção e proteção (art. 5.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil), em observância do critério de julgamento da adoção pelo tribunal, em cada momento, da solução mais conveniente e oportuna (art. 987.º do Cód. Proc. Civil). III - Não tendo tais elementos probatórios sido tidos em consideração pelo tribunal a quo na prolação da nova decisão, pode e deve o tribunal ad quem, no âmbito de recurso interposto dessa nova decisão, considerar tais elementos, nomeadamente, considerando os poderes referentes à modificabilidade da decisão de facto, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), quando tais elementos assumem relevância para a apreciação do objeto do recurso. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo – Apelação n.º 3032/22.4T8FNC-G.P1 Tribunal a quo – Juízo de Família e Menores ... – Juiz 1 Recorrente(s) – … Recorrido(a/s) – … Recorrido(a/s) – Ministério Público
*** Sumário: ………………………………. ………………………………. ………………………………. *** Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
O Ministério Público intentou no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Família e Menores ... – Juiz 2, em 10-10-2023 (Ref. 5443472), processo judicial de promoção e proteção relativamente à criança …, nascido em …, alegando, em síntese: – ter sido remetido pela CPCJ ..., ao abrigo do disposto no art. 11.º, n.º 2 e n.º 3, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (doravante, LPCJP), o processo de processo de promoção e proteção a favor da criança instaurado na CPCJ em 05-07-2023, na sequência da sinalização efetuada pela respetiva progenitora, … (doravante, …) à CPCJ, em 05-07-2023, da sua suspeita de existência de abuso sexual da criança por parte da família paterna, comunicando ‘estar com receio em relação às visitas à família paterna, porque o filho tem apresentado comportamentos estranhos (simulou um ato de sexo anal com uma recarga de pistola de água e aos dois anos de idade tentou introduzir objetos estranhos no ânus)’; – que se encontra pendente na Polícia Judiciária ... um inquérito crime onde se investiga a alegada prática de abuso sexual da criança; – que a progenitora pretende a realização de avaliação forense para aferir se realmente a criança sofreu abuso sexual; – que o progenitor desvaloriza os comportamentos da criança que a progenitora considera terem conotação sexual e que receia que tenham origem no agregado familiar paterno, o que potenciou uma relação de conflito entre os progenitores que se tem agravado, com problemas de comunicação e ao nível do exercício das responsabilidades parentais. Concluiu pela necessidade de proteção da criança mediante a aplicação da medida de apoio junto dos pais, proporcionando à criança e progenitores ajuda psicopedagógica, nos termos dos arts. 35.º, n.º 1, al. a), e 39.º da LPCJP, requerendo “declarada que seja aberta a fase da instrução […] se designe dia para a realização da conferência a que alude o art. 110.º, n.º 1, al. b) e 112.º da LPCJP.”
Em 12-10-2023 (Ref. 54209904) foi proferido despacho que, além do mais, designou data para a audição a que alude o artigo 107.º da LPCJP seguida, caso se verifiquem os legais pressupostos, da conferência prevista no artigo 112.º do mesmo diploma, o dia 26-10-2023.
Em 25-10-2023 (Ref. 5469121), foi junta aos autos pelo ISS ..., IP-RAM (EMAT - Equipa Multidisciplinar de Assessoria ao Tribunal), a informação com data de 24-10-2023, dando conta que «Durante o passado mês de setembro, e segundo a mãe, após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança veio a apresentar, novamente, comportamentos sexualizados, nomeadamente, utilizando a posição sexual de quatro, durante e após o momento de higiene pessoal. Neste âmbito, a mãe voltou a questionar a criança, verbalizando que a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo (referindo-se ao alegado abusador), ao que a criança terá respondido “eu não quero que façam mal ao meu Pai”. Esta ocorrência, com data de 7 de outubro, levou a que a mãe se dirigisse à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …, por abuso sexual ao filho. A mãe informou ainda que deixará de colaborar com a manutenção dos contactos paterno-filiais, sendo que o filho não se deslocou ao ... no último fim de semana que estava programado, tendo já efetuado comunicação ao Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais sobre a sua intenção.». Tal informação concluiu com a seguinte CONCLUSÃO/PARECER TÉCNICO: «Face aos recentes acontecimentos, e atendendo a que decorrerá um processo de investigação por abuso sexual, alegadamente perpetrado pelo pai da criança, considera-se que a proposta de acordo de promoção e proteção deva ser alterada, colocando-se em perspetiva a suspensão dos convívios paterno-filiais. Face ao exposto, anexamos nova proposta de Acordo de Promoção e Proteção, reiterando a aplicação da Medida de Apoio Junto dos Pais, especificamente Junto da Mãe, a favor de …. (…).», constando da nova proposta de Acordo de Promoção e Proteção apresentada, além do mais, «(…) a aceitação pelo requerido …, da distância física e de contactos com …, durante a fase em que decorre o processo de investigação criminal (…)».
Em 26-10-2023 realizou-se diligência, na qual estiveram presentes o Ministério Público requerente, os progenitores da criança, … e … e os respetivos mandatários, e as técnicas da EMAT convocadas, tendo sido lavrada a ATA DE DECLARAÇÕES junta aos autos (Ref. 54308420). Nessa diligência, após ter sido dada a palavra ao Ministério Púbico, que «promoveu a aplicação provisória da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, designadamente, junto da mãe e ainda, uma vez que a progenitora assim o sugeriu, promoveu que os convívios paterno-filiais passem a ser realizados no Espaço Família.», foi proferida pelo tribunal a quo a seguinte: Decisão O tribunal fixa ao menor provisoriamente a medida de promoção e proteção de APOIO JUNTO DOS PAIS, [prevista no art.º 35, n.º 1, alínea a) da LPCJP, anexa à Lei nº 147/99 de 01/09], designadamente, junto da mãe, …, a favor do menor … que se lhe aplica pelo prazo de 06 (seis) meses, com revisão aos 03 (três) meses. Relativamente aos convívios paterno-filiais, estes efetuar-se-ão, no Espaço Família da Segurança Social em horário a combinar em concreto entre aquele espaço com ambos os progenitores.
Em 09-11-2023 (ref. 54934357) o progenitor interpôs recurso de apelação dessa decisão. Em 08-02-2024 (Ref. 17713958) foi proferido Acórdão deste Tribunal da Relação que julgou procedente o recurso interposto quanto à arguida nulidade da decisão recorrida, determinando que o tribunal recorrido proferisse nova decisão, na qual fixe a fundamentação de facto (incluindo ainda a indicação dos meios de prova que foram considerados na formação da convicção quanto a tais factos) e jurídica da decisão a proferir.
Em 17-03-2024 (Ref. 55045353) foi proferida decisão contendo a fundamentação de facto e respetiva motivação e subsunção dos factos ao direito, concluindo pela aplicação ao menor da medida de promoção e proteção, a título provisório, de apoio junto dos pais (mãe), com a fixação dos convívios paterno filiais no Espaço Família, no ..., pelo período de 6 (seis) meses. * Inconformado com tal decisão, o progenitor interpôs o recurso de apelação aqui em apreciação, apresentando as seguintes conclusões: (…) 2. Nem os factos indiciariamente dados como assentes se encontram minimamente indiciados, nem a aplicação do direito a esses factos é susceptível de sustentar a medida provisória decretada, que cerceia, de forma a todos os títulos inadmissível, os direitos de pai e filho, constitucionalmente consagrados. 3. Para o caso de se entender que o que consta da factualidade dada como assente são os factos que a progenitora disse que tinham ocorrido, e não apenas – como deverá ser – que ela disse que esses factos tinham ocorrido, vão esses factos expressamente impugnados, nomeadamente que: 2. (…) a criança vinha apresentando comportamentos estranhos (simulação de ato sexual com uma recarga de pistola de água e introdução de objetos estranhos no ânus) suspeitando que havia sido vítima de abuso sexual por parte da família paterna; 3. Durante o passado mês de setembro, (…), após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança veio a apresentar, novamente, comportamentos sexualizados, nomeadamente, utilizando a posição sexual de quatro, durante e após o momento de higiene pessoal. 4. Neste âmbito, a mãe voltou a questionar a criança, verbalizando que a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo(referindo-se ao alegado abusador), ao que a criança terá respondido “eu não quero que façam mal ao meu Pai”. Esta ocorrência, com data de 7 de outubro, levou a que a mãe se dirigisse à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …., por abuso sexual ao filho. 5. Face à verbalização da criança e ao processo que corre na PJ, a mãe foi orientada, através da Assistente Social do Hospital ..., a beneficiar de acompanhamento psicológico, o qual iniciou ontem, dia 24 de outubro. 4. Impondo decisão diversa da proferida relativamente a todos esses factos, no sentido de os retirar da matéria assente, a circunstância de os mesmos não terem sido minimamente provados e, também, os seguintes meios de prova, constantes do processo e da gravação das declarações prestadas na audiência realizada em 26 de Outubro de 2023: a) O Relatório de Avaliação Diagnóstica da EMAT ... de 11 de Outubro de 2023; b) A Informação da EMAT ... de 25 de Outubro de 2023; c) Os depoimentos das técnicas da EMAT ..., subscritoras dos referidos relatórios/informações, prestados na audiência de 26 de Outubro de 2023, Dras. AA e BB, nomeadamente as passagens infra referidas (dos intervalos 00:14:18 a 00:15:17, 00:27:18 a 00:30:00, 00:34:14 a 00:35:54 e 00:43:50 a 00:47:11); d) O declarado pela progenitora naaudiênciade26 de Outubro de2023,nomeadamente nas passagens infra referidas (do intervalo 00:37:23 a 00:43:53); e) Os documentos juntos com o requerimento apresentado pelo progenitor em 18 de Outubro de 2023 (com a referência 46837374); f) A Informação junta a 25 de Outubro de 2023 pelo ISS ..., IP-RAM (EMAT – Equipa Multidisciplinar de Assessoria ao Tribunal), datada de 24 de Outubro de 2023; g) A Informação da Segurança Social datada de 27 de Dezembro de 2023; h) A Informação Sobre Convívios no Espaço Família, junta pelo Espaço Família em 2 de Fevereiro de 2024; i) O Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, datado de 18 de Janeiro de 2024 e junto aos autos em 28 de Fevereiro de 2024; j) Os Relatórios da Perícia Psicológica Forense, realizados à criança e à progenitora no Gabinete Médico Legal e Forense ... (...), juntos aos autos a 5 de Março de 2024. 5. Relativamente aos pretensos factos – atinentes aos abusos sexuais e ao seu autor(a) – que constam dos pontos 2 a 5 da motivação fáctica do despacho recorrido, em que se alicerça a hipotética situação de perigo para a criança e em que se sustenta a medida, de afastamento do pai, que foi aplicada, nada, absolutamente nada, está indiciado, nem nada, absolutamente nada, resulta de qualquer meio de prova que tenha sido produzido, seja dos avocados pelo Tribunal para fundamentar a decisão que tomou, seja de qualquer outro, existindo apenas a versão da progenitora relativamente à sua ocorrência, que não se encontra, sequer indiciariamente, demonstrada, limitando-se o Relatório Social de Avaliação Diagnóstica da EMAT ... e a Informação junta aos autos pela mesma EMAT a 25 de Outubro de 2023, assim como as técnicas, suas subscritoras, ouvidas na audiência de 26 de Outubro de 2023 – tudo no que (e apenas nisso) a Mma. Juiz sustentou a sua decisão quanto à matéria de facto provisoriamente assente –, a reproduzir aquilo que a mãe da criança lhes disse, conforme confirmaram no depoimento que prestaram (cfr. passagens do intervalo 00:12:12 a 00:14:18, 00:19:16 a 00:21:45, 00:27:18 a 00:30:00), mais tendo dito que a criança revelava estar bem nos contactos materno-filiais e paterno-filiais, mas que não tinham falado com o pai, por não terem tido oportunidade de o fazer, tendo solicitado à EMAT ... para fazer uma avaliação quando o … estava de férias com ele, no ..., e que o que surgiu no relatório da EMAT ..., do qual tiveram conhecimento através do tribunal, foi que os convívios paterno/filiais sugeriam haver uma relação positiva com o pai (cfr. passagem do intervalo 00:14:18 a 00:15:17) e que não tinham nada que as levasse a crer que o pai abusava sexualmente do filho (cfr. passagem do intervalo 00:43:50 a 00:47:11). (…) 7. A queixa apresentada pela progenitora, mais a sinalização por ela depois efectuada à CPCJ, foram, pois, feitas ao sabor das suas conveniências processuais (…) e mais não são do que um vil instrumento processual usado, (…) na ânsia de, em crescendo de argumentos falsos, ir mantendo a criança afastada do pai e da família paterna. (…) 9. Nem o relato desses ditos factos, efectuado pela progenitora e por ela reputados como sendo comportamentos estranhos da criança (…) como consta (…) do (…) ponto 2 da motivação fáctica, têm qualquer tipo de consistência e coerência com a sua actuação, intra e extra processual, não merecendo, pois, o declarado por ela às técnicas e que foi reproduzido por estas, qualquer laivo de credibilidade ou, pelo menos, credibilidade suficiente para que, sem mais nada e sem que sequer se tenha tido o cuidado de saber da versão do pai, se dê como boa a versão e a tese dela. 10. E o mesmo vale no que respeita ao considerado assente nos pontos3 a 5 da motivação fáctica do despacho recorrido, que corresponde, expressis verbis, ao que consta da Informação de 25 de Outubro de 2023, elaborada e junta aos autos pela EMAT ... e que, como resulta dessa informação e foi também confirmado pelas técnicas suas subscritoras na audiência realizada em 26 de Outubro de 2018, foi narrado a essas técnicas pela progenitora, alicerçando-se, pois, como tudo o resto, apenas e tão somente na narrativa materna, e não em quaisquer factos que tenham sido indiciados. 11. A narração da progenitora, feita em audiência, nem sequer corresponde ao que consta dos pontos 3 e 4 dos factos assentes, em específico no que respeita à sequenciação e teor do alegadamente verbalizado pela criança, posto que, ao contrário do que ali consta, o …, segundo a progenitora, terá dito “eu não quero que façam mal ao meu pai” porque a mãe lhe havia dito “que a polícia o iria matar”, e não porque ela lhe disse que “a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo (referindo-se ao abusador)” – cfr. passagem do intervalo 00:37:23 a 00:43:53 da gravação da diligência de 26 de outubro de 2023 – , tornando assim, mesmo sendo validado o relato da progenitora como meio de prova, absolutamente insustentado o que consta do ponto 4 dos factos assentes, visto que tal não corresponde ao declarado por ela em audiência. (…) 13. Do mesmo modo, embora da Informação junta aos autos pela EMAT ... em 25 de Outubro de 2023 conste que a progenitora transmitiu que o episódio com data de 7 de Outubro de 2023, narrado também por si e que está extratado nos pontos 3 e 4 da motivação fáctica do despacho sub judice, levou a que ela se dirigisse à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime quanto ao pai do …, por abuso sexual do filho, a verdade é que nos autos não existe sequer a evidência, maxime documental, de que essa segunda queixa-crime – já não contra incertos mas antes contra o pai – tenha sido efectivamente apresentada por ela. 14. A existência dessa alegada queixa-crime sequer foi confirmada pelas técnicas subscritoras daquela Informação, as quais, como supra se evidenciou, o que relativamente a isso disseram nas declarações que prestaram foi que tentaram contactar informalmente com a Polícia Judiciária ..., o que não conseguiram, e que foram informadas pela mãe que o processo estava na Polícia Judiciária ... desde Junho de 2023(cfr. passagens do intervalo 00:12:12 a 00:14:18, 00:19:16 a 00:21:45, 00:27:18 a 00:30:00). 15. Por conseguinte, também o que consta exarado a tal propósito no ponto 4 da motivação fáctica carece de qualquer sustentação ou indiciação, sendo pois, também isso, sido incorrectamente dado como assente, o mesmo valendo para o que consta do ponto 5 da matéria fáctica, relativamente ao que nenhuma prova foi produzida nem nenhum indício foi recolhido (…) pois (…) que se alicerça apenas naquilo que a progenitora foi dizendo às técnicas que a ouviram e que estas, reproduzindo a palavra materna, fizeram constar da Informação junta aos autos em 25 de Outubro de 2023. 16. Mesmo que, sem qualquer prova ou indiciação, se dê como boa a narrativa da progenitora, vertida no Relatório de Avaliação Diagnóstica e na Informação juntos aos autos pela EMAT ..., reproduzida pelas técnicas na audiência de inquirição realizada e transcrita nos pontos 2 a5 da matéria fáctica, nem assim se justifica a medida provisória aplicada, posto que não existe qualquer fundamento válido para que esta criança seja afastada do convívio com o seu pai, sendo a medida aplicada completamente desproporcionada à pretensa situação de perigo, que não foi apurada nem pode ser extraída dos elementos que os autos contêm, traduzidos em relatórios/informações que assentam, única e exclusivamente, no verbalizado pela progenitora, que não tem qualquer laivo de consistência e coerência, e que estão completamente desgarrados do contexto em que a dita suspeita de abuso surge. 17. A sexualização de comportamentos pode provir das vivências dos adultos, sendo que uma criança naquela faixa etária, em que o … de encontrava, não tem a mesma noção ou vivência e, por conseguinte, mesmo que os sobreditos acontecimentos narrados pela progenitora tenham ocorrido – o que está por demonstrar – a interpretação do sucedido pode apenas ter que ver com o adulto e os seus conceitos, podendo tais comportamentos estar, inclusivamente, associados a qualquer atitude de imitação, proveniente da exposição a certos actos, v.g. através da televisão ou mesmo nas relações pessoais, sem que isso se traduza em qualquer sexualização ou em vivências sexualmente abusivas. 18. Para além disso, o episódio que consta dos pontos 3 e 4 da matéria fáctica, quer ponderado apenas em si mesmo, quer contextualizado com tudo o demais, não permite que seja considerado minimamente credível, e minimamente consistente, para fundamentar as suspeitas e putativas preocupações alegadas pela progenitora e, muito menos, para fundamentar a medida aplicada, de afastamento entre pai e filho, se foi isso aquilo que a fundamentou, pois, o despacho recorrido, na fundamentação de direito que faz, sequer extrai dele, ou de quaisquer outros factos julgados como assentes, quaisquer ilações relativamente ao invocado perigo em que a criança se encontrará e quais as causas desse perigo, sendo completamente vazio de algum tipo de análise crítica e de integração das suspeitas lançadas pela mãe. (…) 21. A avaliação/ponderação acerca da indiciação de uma situação de abuso sexual impõe que se tenha em linha de conta, não só o afirmado por quem o sinaliza, no caso a progenitora, mas também os contornos e o contexto em que surge essa sinalização, ainda mais quando, também como in casu se verifica, a autoria desses alegados abusos é imputada pela mãe ao pai, num quadro – já existente e do qual os autos de regulação do exercício das responsabilidades dão disso nota, sendo, ademais, apontado também no Relatório de Avaliação Diagnóstica – de elevado conflito parental (…). 22. Estando em causa um alegado abuso intrafamiliar, do pai sobre o seu filho, é também fundamental conjugar diferentes fontes de informação, que permitam enquadrar a alegação desse pretenso abuso no contexto e equacionar hipóteses explicativas alternativas, tendo em atenção os timings em que surge a alegação de abuso, toda a trajectória e dinâmicas familiares, da criança e dos pais, que rodeiam essa alegação, o comportamento da criança noutros contextos de vida (v.g. na escola), a sua relação com as figuras significativas, nomeadamente com o progenitor a quem é imputado o abuso, e a verificação, ou não, da existênciadesintomatologiaoudinâmicastraumáticasnacriança,normalmentepresentesem situações de violência e de abusos sexuais, tudo o que não foi, minimamente que seja, sopesado nem ponderado no despacho recorrido. 23. Resulta do Relatório Social de Avaliação Diagnóstica e da Informação junta aos autos pela EMAT, respectivamente a 11 de Outubro de 2023 e 25 de Outubro de 2023, que em contexto escolar o … não tem quaisquer comportamentos estranhos, sexualizados ou associados a dinâmicas traumáticas decorrentes de um abuso, mantendo, ao invés, relações interpessoais saudáveis, não só mas também com o grupo de pares, sendo o seu desenvolvimento cognitivo e socio-emocional avaliado, pela psicóloga da escola, como expectável para a sua faixa etária, o que foi também confirmado em audiência, realizada a 26 de Outubro de 2023, pelas técnicas aí ouvidas e que articularam com a escola, tendo as mesmas referido que, de acordo com informação que ali colheram, a criança esta está bem integrada e não demonstrava ter quaisquer problemas (cfr. passagem do intervalo 00:19:16 a 00:21:45). 24. Que o … não apresenta quaisquer verbalizações, comportamentos, sinais, sintomatologia ou traumas associados a dinâmicas de violência, em específico sexual, resulta também do Relatório de Avaliação Psicológica que lhe foi realizada, junto aosautos a 5 de Março de 2024, após a prolacção da medida provisória mas anterior ao despacho, sub judice, que a fundamentou e que, ainda que possa ser entendido como superveniente, pode e deve ser valorado nesta sede de recurso, já que impõe decisão diversa da que foi proferida, o mesmo se aplicando também ao Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, junto aos autos em 24 de Fevereiro de 2024 e, ainda, relativamente à Informação Sobre Convívios no Espaço Família, junta aos autos em 2 de Fevereiro de 2024. 25. Resulta do Relatório de Avaliação Diagnóstica, junto aos autos pela EMAT ... em Outubro de 2023, que a técnica sua autora, tendo entrevistado o …, não percepcionou nele a existência de qualquer comportamento ou sintomatologia de cariz sexual ou sexualizado, nem a criança lhe verbalizou o que quer que fosse desse cariz, tendo ela, pelo contrário, e como disse na audiência de inquirição realizada em 26 de Outubro de 2024, percepcionado que o menino revelava estar bem nos contactos materno-filiais e paterno-filiais (cfr. passagem do intervalo 00:14:18 a 00:15:17) e que não tinham nada que as levasse a crer que o pai abusava sexualmente do filho (cfr. passagem do intervalo 00:43:50 a 00:47:11). 26. Também os elementos que os autos contêm, e continham já à data em que a medida provisória foi decretada, revelam uma qualidade de relacionamento paterno/filial em tudo contrária à existência de dinâmicas sexualmente abusivas por parte do pai ou, no mínimo, com simples socorro às regras da experiência, muito pouco compatível com tais dinâmicas, pois não é, de todo, expectável que uma criança cujo pai lhe faz sevícias no rabinho, tenha com ele o tipo de interacção e de relação que se verifica. 27. Tal é, desde logo, o que resulta do depoimento das técnicas da EMAT, prestado em 26 de Outubro de 2023,as quais, apesar de não terem tido o cuidado (e a responsabilidade) de ouvir o pai ou, pelo menos, de considerar no relatório que efectuaram a informação que disseram ter sido colhida relativamente a ele, e à sua relação/interacção com o …, pela EMAT ..., lá acabaram por dizer que o que surgiu no relatório da EMAT ..., por quem foi feita a avaliação quando a criança estava com o progenitor em férias, foi que os convívios paterno/filiais sugeriam haver uma relação positiva com o pai (cfr. passagem do intervalo 00:14:18 a 00:15:17). 28. Que assim é resulta também da Informação Sobre Convívios no Espaço Família, junta aos autos, a 2 de Fevereiro de 2024, pelo Espaço Família e na qual consta que na interação com o pai, … evidenciou descontração e espontaneidade, mantendo contacto ocular, físico e afetuoso, dialogando de forma natural com o pai, manifestando uma atitude, aparentemente genuína e espontânea, sendo patente a concordância entre o discurso e as emoções manifestadas, concluindo pela existência de uma relação positiva entre a criança e o pai, caraterizada pela proximidade e cumplicidade entre ambos. 29. Resulta ainda do Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, junto aos autos em 28 de Fevereiro de 2024, onde se refere que o …, em conversa com a técnica, o que referiu foi ter saudades de brincar com o pai. 30. E resulta outrossim, de forma clara e inquestionável, do Relatório de Avaliação Psicológica efectuada à criança, no qual foi concluído que o … perceciona de igual forma em ambos os progenitores, a existência de elevado suporte emocional, sem sentimentos de rejeição e/ou tentativa de controlo de ambas as partes, tem um estilo vinculativo saudável quer com a mãe, quer com o pai, e não apresenta qualquer indicador de vitimização, seja de abuso físico ou psíquico, seja sexual, daí constando, ademais, o seguinte, nos antípodas de uma realidade que possa ser vista como correspondendo a uma relação de uma criança com um pai agressor, que lhe mete objectos no rabinho e que o violenta sexualmente: a) o …, com seis anos de idade, não percebe porque é que está afastado do seu pai e obrigado a vê-lo num espaço fechado, de reclusão; b) da vivência com o pai, quer do tempo em que estava com ele em residência alternada, quer no âmbito do regime provisório, só conserva boas memórias e, como concluído foi, percepciona-o como uma figura de elevado suporte emocional, com quem tem um estilo vinculativo saudável e securizante, relativamente à qual não tem quaisquer sentimentos de rejeição, sendo o núcleo familiar paterno representado pela criança como igualmente necessário e importante, não mais nem menos do que a representação que faz da progenitora; c) (sic) com comoção e choro recorrente, o … mostra, de forma sintónica, o sofrimento em que se encontra por estar separado do pai, a tristeza que sente porque o pai (sic) não está aqui, o seu desejo de passar com ele (sic) o mesmo tempo que passa com a mãe. d) quando convidado a fornecer a sua percepção quanto ao presente processo, a reacção do … foi chorar, referindo por diversas vezes as saudades que sente do seu pai. 31. A medida provisória aplicada é em tudo contrária ao interesse e bem-estar desta criança, o …, que, depois de ter sido já sujeito ao mau-trato de ter sido afastado do pai ao longo de nove intermináveis meses, ainda tem de passar pelo sofrimento, causado por acção da mesma mãe sufragada pelo Tribunal, de continuar a ver-lhe retirada a normalidade da infância e da sua vida, para ser envolto em perícias e meandros judiciais em torno de uma vil, falsa e insustentada suspeita de abuso, e voltar assim a não usufruir de convívio são e de qualidade com o pai e a família paterna. 32. Por contraponto, nada foi apurado que permite sustentar que o … se encontre numa situação de perigo, em específico por ter sido ou poder vir a ser vítima de abusos sexuais perpetrados pelo progenitor ou qualquer um outro elemento da família paterna, não podendo tal, sequer, ser extraído dos factos que foram considerados provisoriamente assentes, tudo o que torna a medida provisória aplicada é infundada e injustificada, por não estar minimamente indiciada a existência da situação de perigo, para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança, que legitime a intervenção que foi efectuada, nem, muito menos, que esse invocado perigo resulte de alguma acção ou omissão do pai, justificativa de uma decisão provisória que o afaste do filho, tendo sido violado o artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP, e também os princípios orientadores da intervenção previstos no artigo 4.º, alíneas a), d), e), f), g), h) e j) do mesmo diploma legal, assim como o artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil e ainda os artigos 36.º, n.º 6, e 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 33. Deve assim a medida provisória aplicada ser revogada, em especial na parte em que determinou que os convívios da criança com o pai sejam realizados no Espaço Família da Segurança Social, e, quando muito, substituída por medida de apoio junto dos pais, que não estabeleça qualquer condicionamento a esses convívios (provisoriamente fixados nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais pendentes no Juízo de Família e Menores ...).
A progenitora apresentou, em 26-04-2024 (Ref. 38870827), resposta às alegações de recurso, defendendo a rejeição do recurso; a não consideração dos meios de prova posteriores a 26 de outubro de 2023, data em que foi decretada a medida provisória, e a improcedência do recurso, ‘não podendo a criança estar sozinha com o progenitor até o processo crime estar concluído’.
Em 17-05-2024 (Ref. 39074105), o Ministério Público apresentou resposta ao recurso, defendendo a improcedência deste e a manutenção da decisão recorrida.
Em 22-05-2024 (Ref. 460259274) o tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, atribuindo ao mesmo efeito meramente devolutivo.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Objeto do recurso:
Face às conclusões das alegações de recurso e à invocação na resposta às alegações de recurso apresentada pela progenitora da rejeição do recurso, cumpre apreciar: Quanto à questão de facto – após apreciação dos fundamentos invocados pela apelada como obstáculo à apreciação do recurso, incluindo o (in)cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil –, apreciar e decidir: a) a pretendida eliminação dos pontos 2. a 5. dos factos provisoriamente assentes; b) da possibilidade/necessidade de consideração dos elementos probatórios juntos aos autos até à data da prolação da decisão recorrida, proferida em 17-03-2024, no âmbito da decisão proferida – atento o disposto no art. 988.º do Cód. Proc. Civil – e no âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario). A questão de direito reporta-se ao mérito da decisão recorrida, nomeadamente quanto à apreciação dos indícios da existência de uma situação de abuso sexual da criança e da sua autoria por parte do progenitor, passível de justificar a medida provisória aplicada. Cumpre ainda apreciar a responsabilidade pelas custas.
III – Fundamentação:
De facto
A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, a qual tem o seguinte teor: 1. O menor …, nasceu a …, é filho de … e … e reside com esta na …, .... 2. Em 5 de Julho de 2023, foi instaurado processo de promoção e proteção a favor do menor na CPCJ ... na sequência de uma sinalização efetuada pela progenitora em que referia que a criança vinha apresentando comportamentos estranhos (simulação de ato sexual com uma recarga de pistola de água e introdução de objetos estranhos no ânus) suspeitando que havia sido vítima de abuso sexual por parte da família paterna. 3. Durante o passado mês de setembro, e segundo a mãe, após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança veio a apresentar, novamente, comportamentos sexualizados, nomeadamente, utilizando a posição sexual de quatro, durante e após o momento de higiene pessoal. 4. Neste âmbito, a mãe voltou a questionar a criança, verbalizando que a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo (referindo-se ao alegado abusador), ao que a criança terá respondido “eu não quero que façam mal ao meu Pai”. Esta ocorrência, com data de 7 de outubro, levou a que a mãe se dirigisse à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …, por abuso sexual ao filho. 5. Face à verbalização da criança e ao processo que corre na PJ, a mãe foi orientada, através da Assistente Social do Hospital ..., a beneficiar de acompanhamento psicológico, o qual iniciou ontem, dia 24 de outubro.
Apreciação dos fundamentos do recurso
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nas contra-alegações apresentadas pela progenitora da criança beneficiária do processo de promoção e proteção, pugna a mesma pela rejeição do recurso, por: 1.º) – Este ter sido interposto de um ato inexistente por o apelante referir que interpõe recurso do despacho proferido em 17 de março de 2023, não tendo sido proferido qualquer despacho no dia 17 de março de 2023 mas sim o dia 17 de março de 2024. 2.º) – Por o recorrente fundamentar a sua pretensão por referência a prova documental junta ao processo após a prolação da decisão de 26 de outubro de 2023, que não podiam servir de fundamento da decisão recorrida. 3.º) – Por o recorrente se limitar a impugnar os factos sem especificar a razão de os considerar incorretamente julgados, sendo uma mera discordância da convicção formada, sem indicação da prova que impõe decisão diversa da recorrida, e por não indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso nem qual a matéria de facto que pretendia rebater com tal indicação, violando o disposto no art. 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Quanto à invocação de falta de objeto do recurso – por não existir uma decisão/despacho datado de 17 de março de 2023 –, manifestamos a nossa perplexidade perante este tipo de atuação processual, num processo desta natureza e por um interveniente cujo interesse e desejo consideramos ser a mais rápida resolução e encerramento do processo de promoção e proteção, considerando, desde logo, que resulta claramente da leitura das contra-alegações que a apelada sabe perfeitamente qual é a decisão recorrida. Ainda que assim não fosse, resulta absolutamente claro e inequívoco da leitura das alegações de recurso que a referência, feita por uma única vez, a “despacho proferido em 17 de Março de2023”, constante da parte inicial do requerimento de interposição de recurso dirigido à M.ma Sr.ª Juiz do Tribunal de primeira instância, se deve a manifesto lapso de escrita, revelado pelo próprio contexto da declaração, não se repetindo tal lapso nem no corpo das alegações do recurso, nem nas suas conclusões, surgindo devidamente indicado, no ponto 1. das conclusões, que o recurso é interposto “(…) do despacho proferido em 17 de Março de 2024, que, fundamentando a medida provisória aplicada em 26 de Outubro de 2023, manteve essa medida de apoio junto dos pais (mãe), com a fixação dos convívios paterno/filiais no Espaço Família, no ..., pelo prazo de seis meses. (…)”. Sem perder mais tempo na apreciação deste fundamento, de tão óbvio que é o seu descabimento, concluímos pela sua manifesta improcedência, pois resulta claramente das conclusões do recurso que a decisão recorrida e que é objeto do recurso interposto é a decisão proferida em 17 de março de 2024, em que o tribunal a quo, na sequência e em cumprimento do acórdão que conheceu da nulidade da decisão proferida em 26 de outubro de 2023 por absoluta falta de fundamentação, profere nova decisão, desta feita contendo, além da decisão, a fundamentação de facto, a motivação e a fundamentação de direito. No que concerne à pretensão de rejeição do recurso por o apelante o fundamentar – em parte – em prova de produção/realização ulterior à decisão de 26-10-2023, dir-se-á que não se deteta – nem a apelada indica – qual é a disposição processual que consagra tal como fundamento de rejeição de recurso. A questão prende-se com o mérito da impugnação da decisão recorrida (nomeadamente, apreciando da possibilidade/admissibilidade de consideração de tais meios de prova em sede da presente decisão do recurso, atendendo quer à delimitação do objeto do recurso perante a decisão recorrida – que é a decisão proferida em 17 de março de 2024 – quer aos poderes do tribunal ad quem). Improcedente, igualmente, a pretensão de rejeição do recurso com este fundamento.
Por fim, defende a apelada a rejeição do recurso por incumprimento do art. 640.º, n.º 1 alínea a) e b) e n.º 2 alínea a), do Código de Processo Civil Dispõe o art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil que, “[q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Por seu turno, dispõe o n.º 2, al. a) do referido art. 640.º do Cód. Proc. Civil que “No caso previsto na al. b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Arguiu o apelante a existência de erro no julgamento quanto aos seguintes pontos dos factos considerados na decisão recorrida – “2. (…) a criança vinha apresentando comportamentos estranhos (simulação de ato sexual com uma recarga de pistola de água e introdução de objetos estranhos no ânus) suspeitando que havia sido vítima de abuso sexual por parte da família paterna;// 3. Durante o passado mês de setembro, (…), após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança veio a apresentar, novamente, comportamentos sexualizados, nomeadamente, utilizando a posição sexual de quatro, durante e após o momento de higiene pessoal. // 4. Neste âmbito, a mãe voltou a questionar a criança, verbalizando que a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo(referindo-se ao alegado abusador),ao que a criança terá respondido “eu não quero que façam mal ao meu Pai”. Esta ocorrência, com data de 7 de outubro, levou a que a mãe se dirigisse à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …, por abuso sexual ao filho. // 5. Face à verbalização da criança e ao processo que corre na PJ, a mãe foi orientada, através da Assistente Social do Hospital ..., a beneficiar de acompanhamento psicológico, o qual iniciou ontem, dia 24 de outubro.”. Pretende e peticiona o mesmo, “Para a hipótese de se entender que o que consta da factualidade assente são os factos que a progenitora disse que tinham ocorrido, e não apenas – como deverá ser – que ela disse que esses factos tinham ocorrido (…)” a eliminação de tal matéria, que transcreveu, do elenco dos factos considerados provisoriamente assentes. Fundamenta tal pretensão na seguinte alegação: a. por os meios de prova produzidos não indiciarem minimamente tais factos, por a decisão fundar-se exclusivamente nas declarações da progenitora – o relatório da EMAT limita-se a reproduzir o que a mãe transmitiu; b. por a versão da progenitora não apresentar consistência nem coerência, face ao timing da sua atuação no âmbito do conflito existente no processo de regulação das responsabilidades parentais, redundando em estratégia processual para manter a criança afastada do pai, não merecendo credibilidade suficiente para que, sem mais nada e sem que sequer se tenha ouvido o progenitor, se dê como boa a versão e a tese dela; c. por haver discrepância entre o que consta dos pontos 3. e 4. dos factos assentes quanto ao verbalizado pela criança e as declarações prestadas pela progenitora na diligência de 26 de outubro (passagem do intervalo 00:37:23 a 00:43:53 da gravação da diligência de 26 de outubro de 2023); d. por, quanto ao episódio alegadamente ocorrido em 7 de outubro de 2023, não existir qualquer prova, máxime documental, da apresentação pela progenitora de queixa crime contra o pai, que também não foi confirmada pelas técnicas, conforme resulta do depoimento prestado pelas mesmas na passagem do intervalo 00:12:12 a 00:14:18, 00:19:16 a 00:21:45, 00:27:18 a 00:30:00). Indicou ainda diversa documentação junta aos autos de onde, no seu entender, resulta a inexistência de indícios dos referidos factos, impondo a sua eliminação (ver ponto 4. das conclusões), sendo parte dessa documentação anterior à data em que foi proferida a decisão que, em 26-10-2023, havia decretado a medida, e outra parte ulterior a tal decisão, mas anterior à decisão recorrida, proferida em 17-03-2024. E também indicou as passagens da gravação das declarações prestadas na diligência de 26-10-2023 que entende sustentarem a sua posição, por referência aos minutos das respetivas gravações dos declarantes ouvidos. Concluímos, assim, pelo cumprimento do ónus de impugnação, havendo que apreciar a impugnação efetuada, sendo improcedente a pretensão da apelada de rejeição do recurso. Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, dispõe o n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Não subsistem dúvidas que a reforma de 2013 veio consagrar um modelo no qual a Relação reaprecia a prova sobre os pontos impugnados com a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção para efeitos de apreciação dos fundamentos do recurso sobre a matéria de facto. Neste sentido vai a jurisprudência consolidada do STJ, conforme resulta, além de outros, dos recentes Acórdãos do STJ de 09-02-2021 (processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1), de 08-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1) [1] e anteriores decisões do STJ citadas nos arestos referidos. Não se questionando, após a reforma de 2013, que «(…) a reapreciação não se contenta com a sindicância da convicção formada na primeira instância com o objectivo de apenas debelar erros grosseiros na valoração da prova, assente numa hipervalorização do princípio da livre apreciação (…) e da imediação por parte do juiz a quo, devendo ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1.ª instância em matéria de facto. [e que] Pelo contrário, o pleno exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto da Relação exige a formação de uma convicção própria, obtida activa e criticamente em face dos elementos probatórios indicados pelas partes ou mesmo adquiridos oficiosamente. (…)» [2] , entendemos que o poder/dever previsto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, de “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” significa que tal alteração apenas pode e deve ser efetuada quando tal for necessário, ou seja, quando face aos meios de prova existentes no processo, se constate/conclua pela falta de suporte probatório explicativo e justificativo da descrição factual dos eventos efetuada na sentença recorrida.
Pretende o apelante a eliminação dos pontos 3., 4. e 5. e de parte do ponto 2. da fundamentação de facto da decisão recorrida, no caso de se entender que a mesma considera provisoriamente provados os factos que a progenitora disse terem ocorrido (e não apenas provado que a progenitora disse que esses factos tinham ocorrido). Fundamenta tal pretensão, desde logo, na falta de prova dos factos em causa, por o tribunal recorrido ter fundado a convicção única e exclusivamente nas declarações das progenitora, uma vez que o relatório e informação do EMAT se limitam a reproduzir o que a progenitora transmitiu e as técnicas ouvidas na diligência realizada confirmaram ser a progenitora a fonte da informação. O tribunal a quo fundou, conforme consta da decisão recorrida, a sua convicção nos “relatórios juntos aos autos pela EMAT ... com a Ref. 5443472 de 11.10.2023 e 5469121 de 25.10.2023, bem como das declarações das técnicas ouvidas na presente audiência e subscritoras dos relatórios juntos”.
Pretende o apelante a eliminação das referências ao comportamento da criança descritas no ponto 2., se se entender que no referido ponto 2. está indiciariamente provado que a criança apresentou esses comportamentos, e não apenas que a progenitora disse que a criança apresentou esses comportamentos. Lida a decisão recorrida – quer quanto aos factos, quer na sua fundamentação jurídica –, afigura-se-nos que, embora, literalmente, apenas conste do ponto 2. ‘provisoriamente assente’ que foi instaurado, em 5 de julho de 2023, processo de promoção e proteção a favor do menor na CPCJ ... na sequência de uma sinalização efetuada pela progenitora em que referia que a criança vinha apresentando comportamentos estranhos – estando tais comportamentos em seguida concretizados –, o tribunal a quo considerou indiciada a efetiva ocorrência dos descritos comportamentos. Com efeito, no que concerne à instauração do processo de promoção e proteção a favor do menor na CPCJ ... e causa dessa instauração – sinalização efetuada pela mãe – existem mais que indícios da verificação dessa factualidade: está documentalmente provado pelo expediente remetido pela CPCJ ao Ministério Público e que foi junto pelo Ministério Público com o requerimento de 11-10-2023 (Ref. 5444831) a existência da instauração desse processo na CPCJ, na sequência da sinalização aí efetuada pela progenitora. Acresce que não é a existência do processo de promoção e proteção que é passível de integrar a situação de perigo, mas sim a situação que dá origem à instauração do processo. Assim, resulta da leitura da decisão recorrida que o tribunal a quo considerou que dos factos ‘provisoriamente assentes’ – entre os quais, necessariamente, a manifestação pela criança dos comportamentos por parte da criança comunicados pela mãe à CPCJ e que são descritos no ponto 2. dos factos provados – emergiam indícios de uma situação de perigo para a criança que motivou a decisão provisória tomada. Cumpre, pois, apreciar a impugnação da decisão de facto quanto à invocada – pelo apelante – inexistência de qualquer prova (distinta das declarações da progenitora) da ocorrência ou manifestação pela criança dos comportamentos descritos no ponto 2. da fundamentação de facto. É certo que no Relatório Social de Avaliação Diagnóstica elaborado pelas Técnicas da EMAT – Equipa Multidisciplinar de Assessoria ao Tribunal do Instituto da Segurança Social ..., subscrito por AA e BB em 20-09-2023 e validado por CC em 04-10-2023, que foi junto aos autos pelo Ministério Público em 11-10-2023 (Refª 5443472), o que aí se relata quanto aos comportamentos da criança descritos no ponto 2. dos factos provados é o que foi transmitido pela progenitora às referidas técnicas. Há, no entanto, outros elementos – nomeadamente, documentos – juntos aos autos que conferem credibilidade e sustentação à efetiva ocorrência de tais comportamentos, não obstante a circunstância de os mesmos apenas terem sido presenciados pela progenitora e familiares desta (de acordo com o relato efetuado pela progenitora às referidas técnicas), bem como à efetiva existência de preocupação da progenitora com tais comportamentos apresentados pela criança, por a levarem a suspeitar de abuso sexual da criança, acabando a mesma por imputar tais suspeitas à família paterna. Tais outros elementos – que o tribunal a quo não referiu, mas que constam do processo e que, assim, este tribunal de recurso, no exercício das faculdades conferidas pelo legislador de reapreciação da prova sobre os pontos impugnados com a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, nos moldes acima referidos, pode e deve considerar – consistem: a) – No teor do requerimento de 18-10-2023 (Ref. 5456663), apresentado pelo aqui apelante neste processo de promoção e proteção, no qual o mesmo expressamente refere que já se pronunciou no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (processo que, na data da instauração do processo de promoção e proteção, já se encontrava pendente no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Família e Menores ... – Juiz 1, Processo ... [3]), sobre os factos constantes da queixa-crime subscrita pela progenitora e que foi junta pelo Ministério Púbico com o seu requerimento de 11-10-2023 (Ref. 5444831), conforme documento 6 que o apelante junta com tal requerimento. Tal documento 6 consiste no requerimento que o progenitor havia apresentado no referido processo de regulação das responsabilidades parentais referente à criança (que é beneficiária deste processo de promoção e proteção) em 19-04-2023, de cuja leitura resulta que tal queixa-crime é precisamente a mesma queixa-crime (subscrita pela progenitora) aqui junta com o requerimento de promoção e proteção: tal resulta do alegado nos n.os 1 a 6 do referido requerimento e da transcrição de parte da queixa constante do n.º 8. Como ambos os progenitores sabem, e já sabiam em 10-10-2023 (data em que foi apresentado pelo Ministério Público o requerimento inicial do processo de promoção e proteção), foi enviada em 29-03-2023, pela Procuradoria do Juízo de Família e Menores ..., ao Processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais (PRRP) que já se encontrava no Juízo de Família e Menores ..., o ofício rececionado e junto ao processo de PRRP em 03-04-2023 (Ref. 35265713), dele resultando que a progenitora do menor apresentou a referida queixa por e-mail enviado ao DIAP ... no dia 20 de março de 2023 (tal ofício, junto ao PRRP, foi nesse processo notificado aos advogados das partes, aqui apelante e apelada, no próprio dia 03-04-2023: os tais escassos 5 dias referidos pelo progenitor no requerimento por si apresentado no PRRP (requerimento esse que foi junto a este processo de promoção e proteção com o requerimento de 18-10-2023, Ref. 5456663, como documento 6). Daqui resulta que, mesmo considerando apenas a tramitação processual do processo de promoção e proteção no qual foi proferida a decisão recorrida, havia já em 26-10-2023 elementos que comprovavam que a progenitora havia apresentado queixa-crime relatando os factos descritos no ponto 2. da decisão de facto aqui impugnada em data anterior a 19-04-2023. Se tal pode não apresentar relevo para conferir credibilidade ao relato da progenitora quanto à ocorrência dos referidos comportamentos da criança, o mesmo já não sucede perante a posição assumida pelo progenitor ao longo da referida peça processual que foi junta como documento 6 (com o requerimento apresentado neste processo de promoção e proteção em 18-10-2023), de cuja leitura resulta a confirmação, pelo progenitor, de que a progenitora efetivamente lhe relatou as referidas situações, numa altura em que ainda não havia conflito entre os mesmos relativamente à residência da criança e exercício das demais responsabilidades parentais. Tal resulta ainda documentado das mensagens de telemóvel juntas pelo progenitor com o aludido requerimento (o referido documento 6), datadas de maio de 2021, nas quais os progenitores trocam comunicações sobre o assunto, delas resultando que a progenitora considera que tais comportamentos têm cariz e conotação sexual e que se encontra preocupada com a proteção do filho, por considerar que não são comportamentos normais de uma criança. Tais elementos probatórios, juntos aos autos pelo próprio apelante, conferem credibilidade ao facto de a progenitora ter presenciado os relatados comportamentos sexualizados e os considerar possíveis indícios de existência de abuso sexual (resultando da leitura do ponto 47. do aludido requerimento consistente no já referido documentos 6 que, na ocasião, a progenitora manifestou ao progenitor suspeitas relativamente a membros da família deste), ou seja, conferem outra sustentação probatória à efetiva ocorrência dos episódios relatados. Com efeito, só uma mente inusitadamente calculista e premeditada seria capaz de inventar, com a antecedência de mais de um ano face ao despoletar do conflito entre os progenitores quanto à residência da criança, a ocorrência dos referidos episódios comunicados ao progenitor, numa altura em que as relações entre os progenitores eram suficientemente civilizadas e colaborantes em prol do bem estar e cuidado do filho, para ulterior utilização no âmbito do – à data inexistente – conflito referente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, que se despoletou com a alteração unilateral, pela progenitora, da residência e do núcleo de vida do filho, até então situado no ..., para a ... (quando o progenitor tem a sua residência e vida organizada em Portugal ...), e que em 03-06-2022 deu origem ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (tais factos resultam do teor do documento 1 – petição inicial para a regulação das responsabilidades parentais apresentada pela progenitora – e do teor do documento 3 – Ata da Conferência de Pais realizada no PRRP em 15-03-2023 – juntos aos autos deste processo de promoção e proteção pelo progenitor, com o seu requerimento de 18-10-2023 (ref. 5456663)). Acresce ainda a descrição da sessão individual com a criança realizada pela EMAT e descrita no Relatório de Avaliação Diagnóstica, nomeadamente na Casa das Preocupações (na qual há referências a que, em teoria, poderão ser atribuídas igualmente conotações sexuais). Consideramos, deste modo, suficientemente indiciado, em termos de prova perfuntória, a ocorrência dos comportamentos da criança descritos no ponto 2. dos factos ‘provisoriamente assentes’. Não tem assim cabimento a pretendida eliminação de parte da matéria que consta do ponto 2. da decisão de facto. Impõe-se, no entanto, a concretização das datas e correta descrição dos comportamentos ocorridos e sinalizados à CPCJ considerados no ponto dois da decisão de facto, por tal constar dos elementos probatórios juntos ao processo pelo Ministério Público, na sequência da apresentação do requerimento inicial, em 11-10-2023 (Ref. 5444831) – nomeadamente, do auto de sinalização lavrado pela CPCJ e da queixa-crime subscrita pela progenitora a que é feita referência no referido auto de sinalização e no expediente remetido ao Ministério Público pela CPCJ – e ser passível de assumir relevância para a decisão. Determina-se, assim, a alteração do ponto 2. nos seguintes termos: 2. Em 5 de Julho de 2023, foi instaurado processo de promoção e proteção a favor do menor na CPCJ ..., na sequência de uma sinalização efetuada pela progenitora, em que referia que a criança vinha apresentando comportamentos estranhos (tentativa de introdução de objetos estranhos no ânus aos dois anos de idade, simulação de ato sexual anal, durante a hora do banho, quando tinha 3 anos de idade e simulação de ato sexual anal com uma recarga de pistola de água em 6 de abril de 2022), suspeitando que havia sido vítima de abuso sexual por parte da família paterna.
O que foi considerado ‘provisoriamente assente’ quanto a esta matéria foi o seguinte: 3. Durante o passado mês de setembro, e segundo a mãe, após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança veio a apresentar, novamente, comportamentos sexualizados, nomeadamente, utilizando a posição sexual de quatro, durante e após o momento de higiene pessoal. 4. Neste âmbito, a mãe voltou a questionar a criança, verbalizando que a PSP iria proibir essa pessoa de voltar a fazê-lo (referindo-se ao alegado abusador), ao que a criança terá respondido “eu não quero que façam mal ao meu Pai”.
No que concerne a tal matéria é, efetivamente, a progenitora a única e exclusiva fonte da ocorrência de tal factualidade. Com efeito, não consta do processo que qualquer outra pessoa, além da progenitora, tenha presenciado os factos que a mesma relatou, sendo que a informação que foi junta pela EMAT ao processo no dia 25 de outubro de 2023 se funda exclusivamente no relato feito pela mãe. Tal exclusividade da fonte dos factos em causa foi igualmente confirmada nas declarações prestadas pelas técnicas na diligência de 26-10-2023. Ora, nessa diligência a progenitora – não obstante a M.ma Sr.ª Juiz ter iniciado por declinar a sua audição, sugerida pela respetiva mandatária –, logrou ser ouvida, prestando declarações nas quais reiterou o teor do que havia relatado na queixa inicial apresentada contra ‘desconhecidos’, na subsequente sinalização à comissão de proteção de crianças e jovens em perigo e, ulteriormente, às técnicas da EMAT (quanto aos factos elencados no ponto 2.). Quanto aos factos elencados no ponto 3. e na primeira parte do ponto 4., também relatou a situação em causa – embora com uma descrição que a versão que consta da informação enviada pela EMAT ao processo no dia 25-10-2023 (Ref. 5469121) não contém. O que foi feito constar da informação prestada pela EMAT é, ipsis verbis, o que foi considerado provado. No entanto, não obstante a informação da EMAT junta aos autos se fundar no que a progenitora transmitiu às técnicas, não existe integral coincidência entre o que está escrito na referida informação da EMAT e as palavras utilizadas na descrição efetuada pela progenitora na diligência: “(…) o …, estou a tirar-lhe as calças para vestir o pijama e ele pôs-se de quatro, com o rabinho empinado, e eu disse: Ó …, não gosto muito dessa posição, porque é que te estás a por assim? E ele: Porque me apetece. E eu: “Olha, se alguém te mexe no rabinho ou te faz coisas no rabinho a polícia vem e dá cabo dessa pessoa.” Eu geralmente não falo assim com o …. Mas deu-me, tipo, deu-me esse impulso, vem e dá cabo dessa pessoa, e quando eu digo isto o … deitou-se para o chão com as mãos assim, mas não a chorar compulsivamente. O … é uma pessoa, é uma criança muito querida mas tem um choro retraído. Eu vi-o a chorar (…) e disse: “Estás a chorar porque?” Porque é raro o … chorar. E ele: “Ai eu gosto muito do pai.” E eu: “Sei que gostas muito do pai. Eu sei meu amor.” “Eu não quero que ninguém lhe faça mal.” Ninguém vai fazer mal ao pai. Quem é que ia fazer mal ao pai, meu amor? E ele: “Mas tu disseste que a polícia o vem matar”. (…)”. A factualidade considerada provada é uma versão sumariada e conclusiva da descrição efetuada pela progenitora na diligência realizada em 26-10-2023, correspondendo ao que consta na informação que a EMAT remteu ao tribunal em 24-10-2023.
Não olvidamos que o meio de prova dos factos em questão que foi considerado pelo tribunal recorrido se reconduz à informação prestada pela EMAT, a qual se funda exclusivamente no que foi transmitido a tal equipa pela progenitora. Também temos presente que o relato dos factos em causa ocorre num contexto de conflito entre os progenitores da criança relativamente à definição das responsabilidades parentais, nomeadamente no que concerne à fixação da residência da criança, dado que no processo de regulação das responsabilidades parentais pendente apenas se encontra fixado um regime provisório, com a residência da criança com a progenitora, na ... (contra a vontade do progenitor, o qual pretende a fixação da residência da criança consigo), com convívios entre a criança e o progenitor com periodicidade quinzenal: tal é o que emerge dos documentos 2[4], 3[5] e 4[6] juntos aos autos pelo progenitor com o requerimento de 18-10-2023 (ref. 5456663). Existe, efetivamente, um risco inerente à consistência de tal meio de prova: a progenitora pode estar a falar a verdade, relatando uma situação que ocorreu perante si, mas também pode estar a mentir. No entanto, ponderando a existência de outros elementos probatórios a conferir credibilidade à ocorrência dos anteriores comportamentos da criança elencados no ponto 2., e na ponderação entre a possibilidade de a progenitora ter relatado uma situação presenciada e a possibilidade de ter conscientemente mentido, inventando deliberadamente tal relato na pendência deste processo de promoção e proteção, para a obtenção de uma suposta posição vantajosa no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais ou para, simplesmente, pôr termo à relação filial da criança com o progenitor – o que se traduziria numa atuação vil e indigna de qualquer progenitor com afeto, consciência e capacidades parentais e preocupação com o bem-estar do filho, a despeito do conflito pendente quanto à fixação da residência da criança –, afigura-se-nos ser admissível a valoração de tal meio de prova, nos moldes efetuados pelo tribunal recorrido, nomeadamente quando tal valoração é efetuada nos termos e âmbito da aplicação de uma medida cautelar, nos termos previstos no art. 37.º, n.º 1, e 92.º, n.º 1, ambos da LPCJP, e não existem outros elementos que permitam afirmar que a progenitora está, pura e simplesmente, a mentir no relato que efetuou da ocorrência do referido episódio de 7 de outubro de 2023. Verifica-se, efetivamente, a falta de integral coincidência entre o relatado pela progenitora e o que consta da informação prestada pela EMAT, tendo sido o que consta dessa informação que o tribunal a quo incluiu no ponto 3. e na 1.ª parte do ponto 4. dos factos provados. Tal falta de coincidência não permite a pretendida eliminação total da referida factualidade, mas justifica uma alteração da decisão de facto no sentido de dela se excluir o juízo formulado quanto à postura corporal adotada pela criança – a conclusão que tal constitui uma posição sexual – e de se concretizarem as circunstâncias perante as quais foi dada a resposta da criança. De igual modo se impõe a exclusão da referência feita à existência de pluralidade de comportamentos sexualizados durante o mês de setembro, dado que a progenitora apenas falou de uma única situação – a ocorrida no dia 7 de outubro, que motivou a apresentação por si, nesse mesmo dia, de queixa na PJ indicando, desta feita, o progenitor como o suspeito da anterior queixa por si apresentada por suspeitas de abuso sexual da criança. Não há qualquer suporte probatório de que durante o passado mês de setembro a criança veio a apresentar novamente comportamentos sexualizados. Em conformidade, altera-se o ponto 3. e a primeira parte do ponto 4. nos seguintes termos: 3. Segundo a mãe, após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança, após a progenitora lhe ter tirado as calças para vestir o pijama, colocou-se na posição de quatro, com o rabinho empinado. 4. Neste âmbito, a progenitora questionou a criança sobre a razão de se colocar nessa posição, dizendo-lhe que se alguém “se alguém te mexe no rabinho ou te faz coisas no rabinho a polícia vem e dá cabo dessa pessoa”, ao que a criança começou a chorar dizendo que não queria que fizessem mal ao pai. No mais, improcede a impugnação.
Defende o apelante que não existe qualquer prova de que a progenitora apresentou em 7 de outubro de 2023 queixa crime à Polícia Judiciaria quanto ao progenitor por abuso sexual do filho, nomeadamente, prova documental. É certo que não consta do processo qualquer certidão da queixa apresentada. No entanto, consta do processo informação prestada pelo Departamento de Investigação Criminal ... da Polícia Judiciária, enviada em 24-10-2023 (Ref. 5467450), na qual se refere que «No dia 07/10/2023, a denunciante [a progenitora], através de telefonema efetuado para este Departamento, relatou outras situações que teriam ocorrido, relacionadas com os factos anteriormente denunciados [em investigação nos inquéritos com o NUIPC:..., a correr termos no DIAP ... e com o NUIPC: ..., que corre termos no DIAP ...], [tendo o] expediente elaborado [sido] remetido por esta Polícia ao Mº. Pº. (DIAP ...), para apreciação e decisão.». Existe, assim, outro meio de prova – além das declarações da progenitora reproduzidas pelas técnicas da EMAT – que confirma a apresentação pela progenitora, no dia 7/10/2023, de queixa-crime à Polícia Judiciária (por via telefónica) pelos factos relatados, em aditamento a anterior queixa que deu origem a processos de inquérito pendentes. Tal informação prestada pela PJ, confirmando ter ocorrido a descrita comunicação telefónica pela progenitora, confere credibilidade e sustenta o que consta da Informação junta aos autos pelas técnicas da EMAT, em 24-10-2023, bem como as declarações da progenitora quanto à comunicação à PJ dos factos em causa no próprio dia em que relatou terem os mesmos ocorrido, dia 7 de outubro de 2023 (já não se confirmam as declarações da progenitora prestadas na diligência de 26-10-2023 quanto ao facto de a deslocação para a apresentação de queixa, no dia 07-10-2023, ter sido presencial: “peguei no carro fui a correr à PJ para nem me falhar a sequência e porque eu estava em pânico, nenhuma mãe quer que isto seja verdade”). Ainda que nos interroguemos quanto à causa desta discrepância entre o relato da progenitora e o teor da informação prestada pela PJ – informação essa que se encontrava junta ao processo em data anterior à realização da diligência de 26-10-2023 –, consideramos que tal discrepância (que o tribunal a quo não tentou esclarecer) não é suficiente para a eliminação da matéria de facto que foi considerada na decisão recorrida, e que o apelante pretende ver eliminada – a apresentação de queixa na data e com o objeto indicado na decisão de facto –, a qual se encontra suficientemente indiciada face à informação prestada pela PJ. Improcede a pretendida eliminação da 2.ª parte do ponto 4., alterando-se, no entanto, a sua redação nos seguintes moldes, por ser tal que resulta indiciariamente provado (embora a referida alteração não apresente verdadeiramente qualquer relevância): Esta ocorrência, com data de 7 de outubro de 2023, levou a que a mãe participasse tais factos à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …, por abuso sexual ao filho. Por fim, defende ainda o apelante a eliminação do ponto 5. da matéria fática, por nenhuma prova ter sido produzida nem nenhum indício ter sido recolhido, alicerçando-se a matéria em causa apenas na inclusão pelas técnicas, na Informação junta aos autos em 25-10-2023, do que a progenitora relatou. Não é assim. Resulta da leitura da referida Informação que a referida orientação da progenitora para beneficiar de acompanhamento psicológico foi obtida através da Assistente Social do Hospital ..., mediante articulação do referido serviço da EMAT com tal assistente social, DD. Há, pois, na referida Informação a referência a outras fontes de suporte da matéria em causa. Improcede a pretendida eliminação deste ponto 5..
Defendeu ainda o apelante que, além dos meios de prova que se encontravam juntos aos autos na data da decisão proferida em 26-10-2023, impõem a eliminação dos factos considerados ‘provisoriamente assentes’ diversos relatórios/informações que foram juntos aos autos em data ulterior à referida decisão (ver als. g) a j) do ponto 4. das conclusões) mas em data anterior à decisão proferida em 17-03-2024, que é a decisão recorrida. Defendeu ainda que tais outros elementos probatórios afastam também qualquer indício da existência de abuso sexual, nomeadamente por parte do progenitor. Estamos aqui no âmbito de um recurso interposto da decisão proferida em 17-03-2024, a qual foi proferida na sequência do Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2024 que, julgando procedente o recurso de apelação interposto pelo apelante quanto à arguida nulidade da decisão recorrida, determinou que o tribunal recorrido proferisse uma nova decisão, na qual fixe a fundamentação de facto (incluindo ainda a indicação dos meios de prova que foram considerados na formação da convicção quanto a tais factos) e jurídica da decisão a proferir. Em 17-03-2024, data em que foi proferida tal nova decisão – que é a decisão que aqui e agora está em recurso, a qual aplicou a medida de promoção e proteção, a título provisório, de apoio junto dos pais (mãe), com a fixação dos convívios paterno filiais nos Espaço Família, no ..., pelo período de 6 (seis) meses –, existiam no processo de promoção e proteção elementos relevantes para a decisão a tomar, designadamente: a) a Informação prestada pela Equipa Técnica do Espaço Família sobre como decorrem os convívios paterno-filiais supervisionados no Espaço Família do Centro Social e Paroquial ..., datada de 02-02-2024 e junta ao processo de promoção e proteção de menores em 02-02-2024 (Ref. 38038079); b) Relatório da Avaliação Psicológica realizada à criança em 22-02-2024, por perita psicóloga do Gabinete Médico-Legal e Forense ... – ..., datado de 05-03-2024 e junto ao processo de promoção e proteção em 05-03-2024 (Ref. 38364453).
O teor de tais elementos obtidos no decurso das diligências instrutórias realizadas no processo de promoção e proteção, juntos aos autos em data anterior à decisão que aqui é objeto de recurso, assumem pertinente relevância no apuramento do concreto perigo justificativo da intervenção tutelar cautelar que foi decidida na decisão recorrida. Atendendo à particular natureza do processo em causa como processo de jurisdição voluntária, em que as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração – art. 988.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil –, vigorando o princípio da liberdade da investigação previsto no n.º 2 do art. 986.º do Cód. Proc. Civil e atendendo ao poder de cognição da factualidade emergente de tais elementos entretanto recolhidos no âmbito das diligências subsequentes à decisão declarada nula, realizadas no processo de promoção e proteção (art. 5.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil), afigura-se-nos que tais elementos poderiam e deveriam ter sido analisados e ponderados no âmbito da decisão recorrida. Não o foram. A decisão em recurso, proferida em 17-03-2024, ateve-se única e exclusivamente aos elementos que constavam dos autos na data da prolação da decisão proferida em 26-10-2023. Este tribunal de recurso pode, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, se considerar que a decisão da matéria de facto se mostra deficiente ou carecida de ampliação, quando existam no processo os elementos que permitem o apuramento e decisão quanto a questões de facto relevantes, mediante a inclusão dos factos relevantes emergentes dos elementos probatórios recolhidos no decurso as diligências de instrução realizadas e juntas ao processo em data anterior à prolação da decisão recorrida, e que esta, por conseguinte, de acordo com a natureza do processo enquanto processo de jurisdição voluntária, nos termos já referidos, e de acordo com o critério de julgamento da adoção pelo tribunal, em cada momento, da solução mais conveniente e oportuna (art. 987.º do Cód. Proc. Civil), deveria ter considerado. Deste modo, consideramos que os elementos em causa podem e devem aqui ser considerados, pela sua relevância, em primeiro lugar, para a caraterização da situação de facto a considerar para efeitos da determinação do perigo justificativo da intervenção cautelar e, em segundo lugar, para a determinação da medida adequada a debelar tal perigo. Tais elementos probatórios já existiam no processo na data em que foi proferida a decisão apelada – 17/03/2024 –, pelo que não constituem elementos que apenas surgem na fase do recurso. Nessa medida, está dentro do âmbito do recurso interposto e dos poderes conferidos a este Tribunal da Relação ao nível da modificabilidade da decisão de facto (art. 662.º do Cód. Proc. Civil) a sua consideração, nos moldes preconizados pelo apelante nas respetivas alegações de recurso. Assume ainda importância, na economia da decisão a proferir, a matéria de facto atinente ao processo de regulação de responsabilidades parentais pendente e ao regime provisório aí fixado, tendo tais factos sido trazidos ao conhecimento do tribunal a quo anteriormente à diligência realizada no dia 26-10-2023, quer por tal informação constar – ainda que de forma incorreta e incompleta – do RELATÓRIO SOCIAL DE AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA junto pelo MP ao processo em 11-10-2023 (Ref. 5444831), quer por resultar da prova documental junta pelo progenitor e apelante ao processo com o seu requerimento de 18-10-2023 (Ref. 5456663). Impõe-se, assim, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (interpretado a contrario), alterar a decisão de facto, de modo a nela incluir os seguintes factos relevantes, documentalmente provados:
1.1. Em 03-06-2022 a progenitora do menor instaurou processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor … contra o progenitor deste, o qual se encontra pendente, correndo termos com o n.º ... no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores ....
1.2. No âmbito desse processo foi realizada, em 15-03-2023, Conferência de Pais, na qual não foi possível obter o acordo dos progenitores da criança quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo sido fixada pela Mma. Sr.ª Juiz, nos termos do artigo 38.º do mesmo RGPTC, o seguinte regime provisório:
1.3. Dessa decisão foi interposto recurso pelo progenitor do menor, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 05-06-2023, julgado a apelação parcialmente procedente, alterando parcialmente a decisão recorrida, nos seguintes termos:
Dos elementos probatórios supra referidos em 1.3., designadamente, da informação prestada pela Equipa Técnica do Espaço Família relativamente à forma como decorreram os convívios paterno-filiais supervisionados no Espaço Família do Centro Social e Paroquial ..., datada de 02-02-2024 – junto ao processo de promoção e proteção de menores em 02-02-2024 (Ref. 38038079) resulta que, nas duas visitas supervisionadas que tiveram lugar no Espaço Família ... foi observado um bom relacionamento entre a criança e o progenitor, caraterizado pela proximidade e cumplicidade entre ambos, manifestando a criança vontade e entusiasmo para passar tempo com o progenitor, decorrendo tais encontros de forma natural, espontânea e sem qualquer ocorrência de sinais de perturbação ou desajuste face a um normal relacionamento pai/filho. Do relatório da Avaliação Psicológica realizada à criança em 22-02-2024, junto aos autos em 05-03-2024 (Ref. 38364453) resulta que a criança não apresenta quaisquer sinais indicadores de vitimização. Nesse relatório, os quesitos apresentados referentes a saber se «existe algum indicador de que a criança possa ter sido vítima ou estar a ser vítima de situação de abuso físico, psíquico ou sexual», se «a nível psicológico a criança revela aversão ao contato físico, apatia ou avidez afetiva» e se «desenha ou executa brincadeiras que sugerem que foi vítima de abusos sexuais» mereceu resposta negativa. De igual modo, emerge do referido relatório de avaliação psicológica que para a criança ambos os progenitores constituem figuras de «(…) elevado suporte emocional, num estilo vinculativos securizante e saudável, sem sentimentos de rejeição ou tentativas de controlo relativamente a qualquer dos progenitores (…)». O relatório de avaliação psicológica dá ainda conta da tristeza que a criança sente com o afastamento do progenitor, como resulta dos seguintes trechos das manifestações da criança constantes do relatório de avaliação psicológica, como resulta do seguinte excerto do mesmo: «(…) “Sabias que em ... tenho o meu Pai? (Q) Chama-se (…) ele trabalha com peixes (…).” Neste momento, (...) [a criança] adoptou uma postura de maior retracção; questionado sobre o seu estado emocional e se gostaria de realizar uma pausa, referiu que não, aditando “há muito tempo que não vejo o meu Pai… acho que ele vem hoje para a ..., mas ele vai ter que ir para um lugar, uma casa, sabes? (Q) para poder ver-me” (sic). No que concerne à sua percepção face aos motivos inerentes ao convício paterno-filial aquele Espaço, retorquiu: “não sei porquê, mas ele tem que vir e ver-me lá, não pode ser na rua …, mas eu falo com ele por telemóvel todos os dias (Q) é pouco tempo (Q) porque as vezes eu não quero falar mais … sabias que o meu Pai tem uma caixa de Pokemóns para me dar?” (sic)»; «(…) Com comoção e choro recorrente afirmou “eu uma vez fui ao ... e depois eu fiquei sem ver o meu Pai e fiquei muito triste porque fiquei separado do meu pai” (sic).»; «(…) “eu sinto-me mal (Q) estou muito triste porque o meu Pai não está aqui, eu queria passar o mesmo tempo com o Pai, que passo com a Mãe … queria passar o mesmo tempo com os dois” (sic)».
Assume assim também importância, na economia da decisão a proferir, o resultado do Relatório da Avaliação Psicológica da criança realizada em 22-02-2024, que integra matéria de facto com relevo para a decisão que foi proferida em 17-03-2024, e ainda as características observadas no relacionamento paterno-filial e os sentimentos da criança perante o afastamento do progenitor. Deste modo, consideramos que se impõe ainda a alteração da decisão de facto, por forma a nela se incluir a seguinte matéria de facto, emergente dos referidos elementos probatórios recolhidos nas diligências instrutórias realizadas no processo: 6. Nos convívios paterno-filais ocorridos no âmbito da execução da medida cautelar de fixação da realização dos convívios paterno-filiais no Espaço Família da Segurança Social ..., aplicada pela decisão de 26-10-2023 – cuja nulidade por falta de fundamentação foi conhecida e declarada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2024 – havia um bom relacionamento entre a criança e o progenitor, caraterizado pela proximidade e cumplicidade entre ambos, manifestando a criança vontade e entusiasmo para passar tempo com o progenitor, decorrendo tais encontros de forma natural, espontânea e sem qualquer ocorrência de sinais de perturbação ou desajuste, conforme resulta da informação prestada pela Equipa Técnica do Espaço Família junta ao processo de promoção e proteção em 02-02-2024 (Ref. 38038079). 7. Da Avaliação Psicológica da criança efetuada em 22-02-2024 (junta ao processo em 05-03-2024) resulta que esta não apresenta quaisquer sinais indicadores de vitimização, nomeadamente, não revela qualquer aversão ao contato físico, nem apatia ou avidez afetiva, nem desenha ou executa brincadeiras que sugiram ter sido vítima de abuso sexual. Para a criança ambos os progenitores surgem como figuras de elevado suporte emocional, num estilo vinculativos securizante e saudável, não apresentando a mesma sentimentos de rejeição relativamente a qualquer deles, nem havendo sinais de tentativas de controlo por parte de qualquer dos progenitores. 8. A criança gosta de estar com o progenitor, causando-lhe tristeza e sofrimento os períodos de afastamento/separação deste.
A factualidade apurada a considerar para aferir do acerto da decisão recorrida é, assim, a seguinte: 1. O menor …, nasceu a …, é filho de … e … e reside com esta …, .... 1.1. Em 03-06-2022 a progenitora do menor instaurou processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor … contra o progenitor deste, o qual se encontra pendente, correndo termos com o n.º ... no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores .... 1.2. No âmbito desse processo foi realizada, em 15 de março de 2023, Conferência de Pais, na qual não foi possível obter o acordo dos progenitores da criança quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo sido fixada pela Mma. Sr.ª Juiz, nos termos do artigo 38.º do mesmo RGPTC, o seguinte regime provisório: 1.3. Dessa decisão foi interposto recurso pelo progenitor do menor, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 05-06-2023, julgado a apelação parcialmente procedente, alterando parcialmente a decisão recorrida, nos seguintes termos:
2. Em 05-07-2023 foi instaurado processo de promoção e proteção a favor do menor na CPCJ ..., na sequência de uma sinalização efetuada pela progenitora em que referia que a criança vinha apresentando comportamentos estranhos (tentativa de introdução de objetos estranhos no ânus aos dois anos de idade, simulação de ato sexual anal, durante a hora do banho, quando tinha 3 anos de idade e simulação de ato sexual anal com uma recarga de pistola de água em 6 de abril de 2022), suspeitando que havia sido vítima de abuso sexual por parte da família paterna. 3. Segundo a mãe, após o fim de semana que … se deslocou ao ... para os habituais convívios paterno-filiais, a criança, após a progenitora lhe ter tirado as calças para vestir o pijama, colocou-se na posição de quatro, com o rabinho empinado. 4. Neste âmbito, a progenitora questionou a criança sobre a razão de se colocar nessa posição, dizendo-lhe que se alguém “se alguém te mexe no rabinho ou te faz coisas no rabinho a polícia vem e dá cabo dessa pessoa”, ao que a criança começou a chorar dizendo que não queria que fizessem mal ao pai. Esta ocorrência, com data de 7 de outubro, levou a que a mãe participasse tais factos à Polícia Judiciária (PJ) ..., apresentando queixa-crime contra o pai de …, por abuso sexual ao filho. 5. Face à verbalização da criança e ao processo que corre na PJ, a mãe foi orientada, através da Assistente Social do Hospital ..., a beneficiar de acompanhamento psicológico, o qual iniciou ontem, dia 24 de outubro. 6. Nos convívios paterno-filais ocorridos no âmbito da execução da medida cautelar de fixação da realização dos convívios paterno-filiais no Espaço Família da Segurança Social ..., aplicada pela decisão de 26-10-2023 – cuja nulidade por falta de fundamentação foi conhecida e declarada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2024 – havia um bom relacionamento entre a criança e o progenitor, caraterizado pela proximidade e cumplicidade entre ambos, manifestando a criança vontade e entusiasmo para passar tempo com o progenitor, decorrendo tais encontros de forma natural, espontânea e sem qualquer ocorrência de sinais de perturbação ou desajuste, conforme resulta da informação prestada pela Equipa Técnica do Espaço Família junta ao processo de promoção e proteção em 02-02-2024 (Ref. 38038079). 7. Da Avaliação Psicológica da criança efetuada em 22-02-2024 (junta ao processo em 05-03-2024) resulta que esta não apresenta quaisquer sinais indicadores de vitimização, nomeadamente, não revela qualquer aversão ao contato físico, nem apatia ou avidez afetiva, nem desenha ou executa brincadeiras que sugiram ter sido vítima de abuso sexual. Para a criança ambos os progenitores surgem como figuras de elevado suporte emocional, num estilo vinculativos securizante e saudável, não apresentando a mesma sentimentos de rejeição relativamente a qualquer deles, nem havendo sinais de tentativas de controlo por parte de qualquer dos progenitores. 8. A criança gosta de estar com o progenitor, causando-lhe tristeza e sofrimento os períodos de afastamento/separação deste.
2. Análise dos factos e aplicação da lei
Defende o apelante que a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou ‘provisoriamente provada’ não justifica a medida provisória aplicada, por não se poder extrair de tais factos “provisoriamente considerados assentes, mesmo com recurso a um juízo puramente especulativo, que está suficientemente indiciado que (1) o … tem vindo a ser vítima de abusos sexuais e que (2) o seu abusador é o pai.” Lida a motivação jurídica da decisão que aplicou a medida cuja revogação o apelante pretende obter, verifica-se que a mesma efetua uma correta explanação (em abstrato) do regime jurídico aplicável quanto aos pressupostos e fundamento da aplicação de uma medida cautelar no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro; pela Lei n.º 23/2017, de 23 de maio e pela Lei n.º 26/2018, de 5 de julho), com pertinente referência aos princípios orientadores e prevalecentes no âmbito da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança. Esta lei tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art. 1.º), legitimando-se a intervenção (das comissões de proteção de crianças e jovens e dos tribunais – art. 6.º) nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo – art. 3.º, n.º 1. Daqui resulta que a intervenção só deve ter lugar quando se verificar, em concreto, um perigo para a segurança, formação, educação e desenvolvimento do jovem, perigo este que resulta de ação e omissão, quer da criança ou jovem, quer dos seus pais. A lei não exige a verificação de uma efetiva lesão da segurança, formação, educação e desenvolvimento da criança, mas o perigo tem que ser atual, sendo a existência desse perigo que permite a intervenção e devendo esta cessar quando não se comprove a situação de perigo ou este tenha cessado (ver, além do art. 3.º, ainda o art. 4.º, al. e) e o art. 111.º, todos da LPCJP).
A intervenção tem por objetivo o afastamento do perigo verificado, sendo critério orientador da decisão o superior interesse da criança, como resulta do disposto no art. 4.º, al. a), da LPCJP. Tal interesse superior da criança pode, inclusive, determinar o afastamento da prioridade das relações entre pais e filhos (que também constitui critério orientador da intervenção – art. 4.º, al. h), da LPCJP ), como decorre do disposto nos arts. 9.º, n.os 1 e 3 e 20.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 (Resolução 44/25), assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12/09, publicada no Diário da República I, n.º 211, 1.º Suplemento de 12 de setembro de 1990.
Sendo estes os princípios e critérios a observar, prevê ainda a lei a possibilidade de aplicação, a título cautelar, das medidas de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo previstas no n.º 1 do art. 35.º da LPCJP (com exceção da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção). É o art. 37.º da referida LPCJP que dispõe sobre as medidas cautelares, resultando do seu n.º 1 que “A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.”
A aplicação de uma medida cautelar pressupõe, assim, a afirmação da existência de um perigo atual e eminente para a segurança, formação, educação e desenvolvimento da criança justificativa de uma intervenção cautelar, pela necessidade de fazer cessar a exposição da criança ao perigo verificado, nomeadamente, enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
Considerou o tribunal recorrido estar verificada, face aos indícios recolhidos, uma situação de perigo, sendo a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais (mãe), com a fixação dos convívios paterno filiais nos Espaço Família, no ..., a medida cautelar apta a, de forma provisória e imediata, afastar tal perigo, enquanto se procede ao diagnóstico da situação e à definição do seu encaminhamento. Mas não diz a decisão recorrida qual é a concreta situação de perigo que considera existir. Consegue-se, no entanto, alcançar – até pela medida que foi considerada adequada a remover o perigo – que tal perigo consiste na suspeita de que a criança esteja a ser vítima de abuso sexual por parte do progenitor (que é a suspeita que a progenitora manifestou, nomeadamente, ao apresentar queixa contra o progenitor).
Vejamos. Resulta da factualidade apurada que a criança, que tem 6 anos de idade, apresentou em 3 ocasiões diferentes os comportamentos descritos no n.º 2 dos factos provados: uma primeira vez quando tinha 2 anos, uma segunda vez quando tinha 3 anos e uma terceira vez no dia 6 de abril de 2022, ou seja, quando tinha 4 anos de idade. E no dia 7 de outubro de 2023, com 6 anos de idade, ocorreu o episódio relatado nos pontos 3. e 4.. Os comportamentos da criança descritos no ponto 2. constituem comportamentos sexualizados. Tal valoração já não é líquida quanto à posição ‘de quatro’ adotada pela criança descrita no ponto 3. dos factos provados. Não se apresenta como um comportamento naturalmente estranho, ou com conotações distintas de uma mera brincadeira, o facto de uma criança se colocar de gatas, quando está a despir-se para vestir o pijama, em casa, com a sua progenitora. Na situação em causa, foi a progenitora que atribuiu a tal posição conotações sexuais, questionando a criança sobre se eram sobre si praticados atos sexuais e comunicando-lhe que a polícia ‘dava cabo’ da pessoa que lhe fizesse isso. A exibição de alguns comportamentos sexualizados não é, necessariamente, um sinal de alarme. O desenvolvimento da sexualidade faz parte do desenvolvimento e maturação das crianças, e assume importante relevância na infância, principalmente para a formação da personalidade – sobre o assunto, ver Sexualidade na Educação Infantil: Um Olhar dos Pais e Professores, Saberes Pedagógicos, Criciúma, v. 3, nº3, Edição Especial 2019.– Curso de Pedagogia – UNESC [7]. Há, no entanto, além de «(…) comportamentos podem ser considerados normativos e não preocupantes como, por exemplo, curiosidade sobre como se fazem os bebés, conversas sobre os seus órgãos genitais, brincadeiras em que mostram o seu órgão sexual/pedem ao outro para mostrar o seu (com os seus pares) ou a masturbação ocasional, sem qualquer tipo de penetração.», outro tipo de comportamentos, como «(…) conversas mais explícitas que denotem um conhecimento sexual precoce, gozar ou embaraçar os outros com recurso a temas sexuais, simular o ato sexual na atividade lúdica ou a masturbação compulsiva que inclua penetração vaginal ou anal devem ser entendidos como sinais de alerta que requerem um olhar mais atento e uma avaliação especializada (…)» – cfr. artigo publicado por Rute Agulhas, Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal, no DN, Crianças com comportamentos sexualizados: quando nos devemos preocupar? [8] Também no artigo Comportamentos Sexuais na Infância e Associação com Problemas de Comportamento, acessível na internet [9], se dá nota da atipicidade de um dos comportamentos do menor descrito no ponto 2. dos factos provados. Aqui é referido que no âmbito de «(…) estudo com grande amostra populacional (…) realizado nos Estados Unidos para avaliar a frequência com que uma variedade de comportamentos sexuais era reportada por pais de crianças de dois a 12 anos sem histórico de abuso sexual, dificuldade física ou mental e encaminhamento para serviços de saúde mental nos últimos seis meses (…), [u]tilizando o “Child Sexual Behavior Inventory” (CSBI)4 (…)», apurou-se que «“inserir ou tentar inserir objetos na vagina ou ânus” foram comportamentos raramente encontrados.(…)». Compreende-se, assim, que os comportamentos sexualizados em crianças, nomeadamente os apresentados por esta criança, considerados atípicos, sejam passíveis de gerar preocupação. Sendo certo que da mera existência ou observação de comportamentos de natureza sexual não se pode retirar que a criança que os exibe esteja a ser vítima de abuso sexual, uma vez que há diversos comportamentos sexuais na infância que são comuns e frequentemente observáveis em crianças, também é certo que tais comportamentos podem constituir um sinal de alarme, podendo significar que a criança está a ser sujeita a algum tipo de violência sexual ou a outro tipo de situações – como, por exemplo, a exposição a conteúdos de natureza sexual na televisão ou internet, o que, de resto, também pode constituir um risco para a livre formação da personalidade [10]. Daqui resulta que, perante a observação de comportamentos de natureza sexual, há que procurar perceber a sua natureza e motivações, avaliando não só tais comportamentos – incluindo o tipo de comportamento, o contexto em que tais comportamentos ocorrem, a frequência e duração – mas também os demais aspetos da vida e estado da criança, por tal permitir, designadamente, apurar da existência ou inexistência de outros sinais indiciadores de uma situação de abuso sexual infantil. Tal avaliação mostra-se essencial para despistar, prevenir ou impedir qualquer subjacente situação de abuso ou violência sexual. Sobre a importância da prevenção perante a dimensão e consequências da violência sexual nas crianças e jovens, veja-se Princípios básicos para a prevenção da violência sexual contra crianças: conhecer, identificar e agir – Guia para profissionais [11]. Depreende-se da decisão recorrida que se terá considerado que a existência de tais comportamentos sexualizados da criança e a descrita reação desta no episódio ocorrido em 7 de outubro de 2023 – de onde se pode retirar a associação da figura do putativo abusador à pessoa do progenitor –, justificam a aplicação de medida impeditiva de contatos não vigiados entre a criança e o progenitor por ser tal a medida necessária para o afastamento do indiciado perigo consistente na possível existência de uma situação de abuso sexual por parte do progenitor. No caso, embora os comportamentos sexualizados apresentados pela criança descritos no ponto 2., pelo seu caráter atípico, possam eventualmente constituir indícios de exposição a abuso sexual ou outro tipo de violência sexual, também podem não ser. Estamos apenas perante 3 comportamentos sexualizados, ocorridos entre os dois e os quatro anos de idade da criança (um quando tinha dois anos, outro quando tinha três e um terceiro quando tinha quatro anos de idade). E depois temos o episódio relatado pela progenitora como tendo ocorrido no dia 7 de outubro de 2023. Aqui não foi considerado provado que os factos ocorreram efetivamente, mas sim que “segundo a progenitora”, tais factos ocorreram, e está provado que a mesma nesse mesmo dia apresentou uma queixa, com base nessa situação, indicando desta feita o progenitor como o pretenso autor dos referidos factos. Tudo isto dentro do quadro de marcado conflito interparental existente entre os progenitores, que surge na sequência da atuação unilateral da progenitora atinente à mudança de residência do menor para a ... (como expressamente referido na decisão que fixou o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais descrita em 1.2. da fundamentação de facto), dando origem à subsequente instauração do PRRP com o .... Os indícios de existência de abuso sexual cingem-se aos comportamentos sexualizados descritos em 2. da decisão de facto. Como resulta da avaliação psicológica realizada à criança, a mesma não apresenta quaisquer outros indícios de ser vítima de abuso sexual além de tais comportamentos (que, como acima se referiu, podem ter causas e origens distintas de uma situação de abuso sexual). E, no que concerne à existência de indícios de ser o progenitor o autor de atos de abuso sexual sobre a criança? Temos a factualidade referida nos pontos 3. e 4. da decisão de facto, que consiste num relato feito pela progenitora de uma situação presenciada unicamente pela mesma e a apresentação, pela mesma, de queixa-crime indicando o progenitor como suspeito, o que ocorreu no âmbito de um exacerbado conflito interparental, relacionado com a regulação das responsabilidades parentais relativamente à criança, em que ambos os progenitores pretendem que lhes seja atribuída em exclusivo a guarda da criança. Tem que se verificar, no processo de promoção e proteção, factos que suportem a afirmação da existência de um perigo atual e eminente para a criança, não sendo, naturalmente, a mera apresentação pela progenitora da queixa-crime contra o progenitor que é passível de sustentar a existência desse perigo. Veja-se que a formulação do juízo sobre a existência ou inexistência da situação de perigo referente ao abuso sexual não depende necessariamente da decisão final a proferir no processo crime. Tal implicaria considerar o processo penal (que foi desencadeado pela apresentação, pela aqui progenitora, de queixa crime contra o progenitor) como uma verdadeira causa prejudicial relativamente ao processo de promoção e proteção. Afastando tal entendimento, veja-se o Ac. do TRG de 25-01-2024, proc. 1383/22.7T8CHV-F.G1. Ora, no caso em análise, não podemos desde logo excluir aqui a possibilidade de um enviusamento na perceção da progenitora e na sua atuação – veja-se que, não obstante os comportamentos sexualizados da criança se verificarem desde os dois anos de idade da mesma, a apresentação pela progenitora da primeira queixa-crime por suspeitas de abuso sexual da criança contra desconhecidos só ocorre após o despoletar do conflito interparental quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais –, eventualmente motivado pelo conflito entretanto despoletado. Mas, mesmo considerando ser fidedigno o relato da progenitora, a associação feita à pessoa do progenitor, a partir da reação da criança descrita no ponto 4. da decisão de facto, como o autor das suspeitas de abuso sexual, não obtém qualquer suporte perante a factualidade apurada nos pontos 6. e 7. da decisão de facto, referentes ao relacionamento existente entre a criança e o progenitor, à atuação e comportamento da mesma quando está com aquele e à representação da figura do progenitor que a criança apresenta.
Em conformidade, consideramos que, apesar de não estar esclarecida a causa dos (poucos) comportamentos sexualizados apresentados pela criança, não há indícios que permitam concluir pela existência de um perigo atual e eminente da prática de atos de abuso sexual da criança pelo seu progenitor, sendo que só a afirmação da existência de tal perigo justificaria a medida de restrição nos convívios paterno-filiais aplicada. Tal não significa que não exista necessidade de intervenção cautelar. Com efeito, subsistem os comportamentos sexualizados apresentados pela criança, não estando ainda concluída a determinação da sua causa, destinada a despistar, prevenir ou impedir uma eventual subjacente situação de risco para o bem-estar da criança. Detetamos ainda um outro perigo: o de o conflito interparental estar a motivar um afastamento entre a criança e o progenitor. Veja-se o que consta em 1.2. da fundamentação de facto, no qual se transcreve a decisão provisória de 15-03-2023 proferida no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à fixação da residência da criança. Nessa decisão expressamente se refere que se fixa provisoriamente a residência da criança junto da mãe, em consequência e face à situação de facto existente – o menor estar a viver já há cerca de 9 meses com a mãe na ... –, situação de facto essa que foi voluntária e deliberadamente provocada pela progenitora, mediante decisão unilateral desta, à revelia do progenitor, dada a oposição deste, de mudar a residência e centro de vida da criança (a criança vivia em Portugal ..., residindo neste território em semanas alternadas com cada um dos progenitores, sendo aí que tinha toda a sua vida) para a ..., assim conseguindo a mesma, primeiro de facto e depois de direito (ainda que a título provisório), ter a criança a residir consigo e não com o progenitor, com o inerente e inevitável afastamento do relacionamento entre pai e filho (o progenitor deixou de viver com o filho em semanas alternadas; deixou de o poder acompanhar diariamente, como sucedia quando a criança residia em Portugal ...; ficou limitado durante o período escolar a convívios quinzenais que implicam deslocações de avião entre a ... e Portugal ...). Acresce o agudizar das posições assumidas pelos progenitores da criança, seja no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, seja no decurso deste processo de promoção e proteção, sendo que, no que concerne à progenitora, se a mesma, nas declarações prestadas na diligência de 26-10-2023, manifestou que ‘nenhuma mãe quer que seja verdade’ a situação suspeita de abuso sexual pelo progenitor, já nas alegações de resposta ao recurso interposto pelo apelante aqui em apreciação manifesta por diversas vezes uma desconcertante certeza quanto à autoria pelo progenitor do denunciado abuso sexual do filho – veja-se o teor dos arts. 5.º, 6.º, 7.º, 22.º, 111.º, 175.º, 181.º, 185.º da resposta às alegações –, pelo que consideramos que a conflitualidade interparental que se faz sentir também constitui um fator de risco para a criança [12]. Os efeitos deste conflito interparental afetam o bem-estar emocional da criança, como resulta claramente da leitura do relatório de avaliação psicológica a que é feita referência no ponto 8. da decisão de facto.
A questão que se coloca, assim, é saber se a medida que foi aplicada se justifica, face aos perigos que, atenta a factualidade apurada, consideramos existirem, e se é a mesma a medida adequada ao seu afastamento. Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, já referida, “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” É este também o primeiro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo consagrado no art. 4.º da LPCJP. O interesse superior da criança, constituindo um conceito indeterminado, tem vindo a ser definido como o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade, e «(…) só adquire eficácia prática quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças, cabendo, portanto, em cada caso concreto concretizar o conteúdo do interesse daquela criança cujo destino está em jogo. (…)» – cfr. Ac. TRL de 12-03-2019, proc. 1/16.7T1VFC.L1-7. Para a satisfação deste princípio orientador da intervenção, e conforme é referido no Ac. do TRL de 03-12-2020, proc. 3214/15.5T8BRR-K.L1-2, «(…) se se mostra necessária uma adequada aferição da existência de situação de risco ou de perigo para uma criança, mais imprescindível é ainda que ocorra uma devida intervenção protetiva e debeladora desse risco ou perigo.» Não havendo, como emerge do supra exposto, indícios de que o progenitor abusa sexualmente do filho, não tem qualquer justificação a medida de fixação dos convívios paterno-filiais no Espaço família ..., que foi aplicada pela decisão recorrida, proferida em 17-03-2024. Tal medida implica uma restrição ao livre relacionamento entre a criança e o progenitor que não é desejável e que tem influência negativa na relação do progenitor com o filho, por implicar uma diminuição quer da duração dos referidos convívios, quer das condições de normalidade do relacionamento entre pai e filho: livre relacionamento, sem estar confinado a determinado espaço e com a presença permanente de terceiros, vigiando a realização dos referidos convívios. Tudo isto passível de perturbar o livre desenvolvimento do normal relacionamento da criança com o progenitor e inclusive poder levar a um afastamento entre os mesmos, com efeitos no são e normal relacionamento entre ambos, sendo, por conseguinte, também suscetível de gerar danos psicológicos na criança.
Consideramos, assim, que face aos perigos indiciados, a salvaguarda do interesse superior da criança exige, além da medida de apoio do menor junto dos pais prevista no art. 39.º da LPCJP – revogando-se a decisão recorrida na parte em que determinou a supervisão dos convívios paterno-filiais –, a aplicação aos progenitores da criança da medida de apoio à família prevista no art. 42.º, por referência ao art. 39.º, ambos da LPCJP, devendo providenciar-se, na execução desta medida, por apoio psicopedagógico a ambos os progenitores. O …, como qualquer criança, tem direito a um pai e uma mãe, e não apenas a dois progenitores enredados num conflito interparental que consome as suas energias, esforços e recursos, asfixiando a possibilidade de procura de obtenção de pontos de consenso, compromisso e cedências mútuas como meio de resolução do diferendo, com evidentes benefícios para todos, a começar pelo filho. Tais medidas mostram-se necessárias mas suficientes para, perante os indiciados perigos, acautelar a segurança física, psíquica e emocional da criança, enquanto se procede ao diagnóstico da sua situação e se define a situação subsequente.
3. Responsabilidade pelas custas A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.). Atenta a procedência do recurso, nomeadamente com a revogação da medida aplicada quanto à realização supervisionada dos convívios paterno-filiais, a responsabilidade pelas custas cabe à apelada (art. 527.º do CPC), estando o Ministério Público isento do pagamento de custas (art. 4.º, n.º 1, al. a), RCP).
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto, na procedência do presente recurso, na alteração da decisão recorrida nos seguintes termos: a) mantém-se a medida de promoção e proteção de apoio psicopedagógico da criança junto dos pais, prevista no art. 39.º da LPCJP, aplicada a título provisório pelo período de 6 meses, revogando-se a fixação supervisionada dos convívios da criança com o pai no Espaço Família da Segurança Social; b) determina-se, igualmente a título provisório e pelo período de 6 meses, a aplicação aos progenitores da criança da medida de apoio à família prevista no art. 42.º, por referência ao art. 39.º, ambos da LPCJP, devendo providenciar-se, na execução desta medida, por apoio psicopedagógico a ambos os progenitores.
Custas a cargo da apelada. Notifique.
Porto, 20 de junho de 2024 Ana Luísa Loureiro António Vasconcelos António Carneiro da Silva ______________ [1] Acórdãos citados acessíveis, na íntegra, na base de dados de jurisprudência do IGFEJ, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/. |