Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2040/22.0T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM ALEGAÇÕES
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO
Nº do Documento: RP202407102040/22.0T8VLG.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede recurso, só é admissível a junção de documentos com cuja relevância a parte não podia contar em momento anterior: ou pela ocorrência de factos naturalísticos supervenientes ou pelo surgimento de factos processuais que tornam a sua junção necessária.
II - Deve considerar-se que a senhoria comunicou, de forma válida e eficaz, a sua oposição à renovação de contrato de arrendamento, ainda que, por mero lapso, faça alusão na comunicação a um contrato anteriormente vigente entre as partes relativamente ao mesmo locado e, entretanto, substituído pelo contrato atual.
III - Esta comunicação da senhoria ao arrendatário é uma declaração recetícia, à qual se aplica o critério de interpretação constante do art.º 236.º do C Civil, devendo, de forma objectiva, atender-se ao critério de um declarante honesto e diligente, colocado na posição do declaratário real: como é evidente, não havia qualquer utilidade em comunicar uma oposição de renovação a um contrato já extinto. Por contraponto, o lógico e razoável era comunicar a oposição de renovação ao contrato vigente relativamente àquela fracção concreta.
IV - Mais reforça esta interpretação a circunstância de o arrendatário, com os seus comportamentos posteriores, ter demonstrado que conhecia ser esta a real vontade da senhoria.
Reclamações: Processo n.º 2040/22.0T8VLG.P1

Comarca: [Juízo Local Cível de Valongo (J1); Comarca do Porto]

Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista

Juíza Desembargadora Adjunta: Maria Eiró

Juíza Desembargadora Adjunta: Alexandra Pelayo

SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA, viúva, BB, CC, DD, todos residentes na Urbanização ..., Rua ..., casa ..., ..., Vila Nova de Famalicão, a primeira na qualidade de cabeça-de-casal e, como os demais co-autores, herdeira e interessada na herança ilíquida e aberta por óbito de EE, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FF, residente na Rua ..., n.º ..., 5.º andar, Esquerdo Trás, ..., Valongo, pedindo a condenação do Réu a:

a) Ver declarado e a reconhecer a validade e efeitos da oposição à não renovação do contrato de arrendamento, correspondente ao prédio descrito em 2, bem assim que os efeitos desta, relativamente ao Réu, se produziram, senão antes, no dia 30/06/2021;

b) Restituir-lhes o prédio locado, livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação, bem assim todos os bens móveis, e em bom estado de conservação, incluindo os equipamentos referenciados no Item 5 da Petição Inicial;

c) Reconhecer que o valor mensal de EUR 240,00 desde 30/06/2021 é devido a título de indemnização pela ocupação;

d) Pagar-lhes desde 01/07/2022 o valor mensal correspondente, no mínimo, ao dobro daquele que era devido a título de renda pela não desocupação e enquanto esta perdurar, ou seja, até cumprir o pedido da alínea b);

e) Pagar os juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação sobre as quantias referidas nas alíneas c) e d), até efetivo e integral pagamento.

f) Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que o contrato de arrendamento se renovou, pede a condenação do Réu nos termos referidos nas alíneas a) e b), in casu, a entregar-lhes o locado até 30/06/2022, ou, se assim também não se entender, em 30/06/2023 e ser condenado no pedido das alíneas c) a e).

Alegam, em síntese, que, em 11/10/2018, faleceu GG, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros a 1.ª Autora, enquanto viúva, e três filhos do casal, aqui 2.º a 4.º Autores, e que, entre os bens deixados por este consta o prédio urbano, destinado a habitação, correspondente à fracção autónoma, designada pela letra “AE, habitação no 5.º andar esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º ..., e garagem individual na cave, com entrada pelo n.º ..., da Rua ..., do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., e Rua ..., freguesia ..., concelho de Valongo.

Dizem que, por contrato escrito de outubro de 2015, intitulado “ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO COM PRAZO CERTO”, a 1.ª Autora e marido deram de arrendamento ao Réu, que o recebeu, a fracção autónoma descrita supra.

Especificam que nesse documento as partes acordaram, entre o mais, que o prazo de duração do arrendamento era de cinco anos e seis meses, com início em 01 de janeiro de 2016 e término em 30 de junho de 2021, renovável por períodos de um ano, com uma renda anual era de EUR 2 880,00, a pagar em duodécimos de EUR 240,00, através de depósito em conta bancária dos senhorios no primeiro dia útil do mês anterior ao respeitante.

Declaram que a 1.ª Autora, confrontada com graves problemas pessoais e financeiros, através de várias comunicações, designadamente por carta registada com aviso de recepção de 24.01.2019 (reconhecido pelo Réu a sua recepção em 05/02/2019), carta registada de 13/08/2019 e carta registada de 26/06/2020, comunicou ao Réu que se opunha à renovação do contrato, cessando o mesmo em 30 de junho de 2021.

Afirmam que, por carta datada de 09/08/2021, o Réu respondeu que considerava o contrato renovado e que, tendo mais de 65 anos de idade e residindo há mais de 15 anos no locado, não podia ser despejado.

Mais declaram que, por nova carta de 18/11/2021, remetida pelo seu mandatário ao Réu, lhe foi comunicado que estava incumbido de intentar ação de despejo contra si referente ao imóvel identificado, bem como exigir indemnização pela não desocupação do prédio que lhe fora arrendado e cujo contrato terminou no dia 30/06/2021 e que lhe era concedido um prazo adicional de 10 dias para desocupar o locado.

Dizem que o Réu continuou a depositar em conta bancária um valor mensal igual ao da renda.

O Réu veio contestar, aceitando a celebração do contrato de arrendamento.

Contrapõe, com particular relevo, que o contrato de arrendamento referido na Petição inicial, foi precedido de dois outros, celebrados entre as mesmas partes e defende que, desde o primeiro contrato, houve uma sequência entre todos eles, terminando um e iniciando o seguinte no dia imediatamente a seguir.

Alega não ter recebido as cartas que lhe foram endereçadas, sendo que nem sempre se encontra em casa, tendo saídas, visitando familiares, dentro do país e fora.

Advoga que, por este motivo, estas não produziram o efeito jurídico pretendido.

Mais alega que tendo 67 anos de idade aquando da outorga do contrato de arrendamento em causa e sendo inquilino ininterruptamente há 17 anos no mesmo locado, não pode ser despejado.

Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente por não provada e, consequentemente, seja reconhecido que o contrato de arrendamento em causa nos autos se renovou por força da idade e da duração dos arrendamentos sucessivos e sequenciais entre as partes celebrados; seja reconhecido que tem título que legitima a ocupação e que seja reconhecido que o valor mensal que está a ser pago de € 40,00 é a titulo de renda.

Proferiu-se despacho saneador, definido o objeto do litígio e dispensada a fixação dos Temas da Prova.

Realizou-se julgamento de acordo com o legal formalismo e foi proferida sentença, com o seguinte decisório: “Pelo exposto, julgo a presente totalmente procedente e, em consequência, decido:

1. Condenar o Réu FF a entregar aos Autores AA, BB, CC e DD, livre e desocupada de pessoas e bens, que não os que lhe tenham sido entregues com a mesma fração autónoma designada pela letra “AE”, habitação no 5.º andar esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º ..., e garagem individual na cave, com entrada pelo n.º ..., da Rua ..., do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., e Rua ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., correspondendo à fração o artigo ... “AE” e, bem assim, os bens móveis mencionados no contrato que fazem parte do locado, por força da cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes no seu termos (30.06.2021), dada a oposição à renovação comunicada.

2. Condenar o Réu a pagar aos Autores:

a) A quantia de 240,00 € (duzentos e quarenta euros), a título de indemnização equivalente ao valor da renda, por cada mês de ocupação da referida fração entre julho e dezembro de 2021, o que perfaz a quantia global de 1 440,00 € (mil quatrocentos e quarenta euros);

b) A quantia de 480,00 € (quatrocentos e oitenta euros), a título de indemnização equivalente ao dobro do valor da renda, por cada mês de ocupação da referida fração desde janeiro de 2022 e até à entrega efetiva do locado;

c) Juros de mora civis à taxa legalmente prevista, contados sobre cada uma das quantias referidas em a) e b), a contar do respetivo vencimento, ou seja, o primeiro dia útil do mês a que respeitam, e até efetivo e integral pagamento”

Inconformado com esta decisão, o Réu veio interpor recurso pedindo a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra decisão que julgue improcedentes os pedidos formulados na ação, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES:

A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da sentença proferida a 25 de novembro de 2023, pelo Juízo Local Cível de Valongo, Juiz 1, que julgou a presente ação declarativa procedente, condenando o Réu a entregar aos Autores a fração autónoma designada pela letra “AE” livre de pessoas e bens.

B. A douta Sentença proferida deve ser revogada por manifesto lapso na determinação da legislação aplicável, bem como pela errada apreciação da prova.

C. Entende o Recorrente que a oposição à renovação alegadamente operada pela primeira Autora, foi inválida e ineficaz.

D. Para tanto, terá de se verter a atenção individual a cada carta enviada pela primeira Autora ao Recorrente, sendo certo que, nos autos, se refere a existência de três cartas alegadamente enviadas ao Recorrente; porém, todas elas apresentam patologias inultrapassáveis, que deveriam ter suscitado no espírito do julgador a conclusão da falta de eficácia de cada uma delas para fazer operar a vontade da senhoria.

E. Primeiramente, porque o conteúdo da missiva de 24 de janeiro de 2019 – única missiva recebida pelo Recorrente – faz total referência a um contrato de arrendamento que vigorou e cessou anos antes, nada referindo quanto ao contrato em vigor.

F. Em segundo lugar, porque  a segunda carta alegadamente enviada para a morada do Recorrente – carta identificada como doc. 5, da Petição Inicial, de 13 de agosto de 2019 -, para além de não acompanhada do exigível aviso de receção, apresenta, nos autos, um talão de registo que, na verdade, não corresponde àquela carta, mas a outra, referente à alteração do IBAN da senhoria. Em relação a esta missiva, para além de o Recorrente não a ter recebido, não detinha a formalidade necessária, bem como se suspeita que a mesma nunca tenha sido enviada, atento o talão de registo com data anterior à missiva e referente a outra carta completamente distinta.

G. Em terceiro lugar, porque a carta de 26 de junho de 2020 não foi recebida pelo Recorrente, sendo certo que o aviso de receção associado não respeita as formalidades exigidas à altura, por força da Lei n.º 10/2020, uma vez que não foi levantado qualquer incidente nem assinalado qualquer motivo para a carta não ser recebida pelo Recorrente, a que acresce o facto de o Recorrente nem sequer ter recebido o documento para levantar a carta.

H. Perante todas estas comunicações, também se descortina que a primeira Autora, na qualidade de senhoria, e de acordo com as datas de casa missiva enviada, não deu cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 10.º, do NRAU em qualquer das cartas que enviou.

I. De facto, no caso de falta de recebimento de cartas relativas à cessação do contrato, o senhorio deverá enviar nova missiva com aviso de receção entre 30 a 60 dias após o envio da primeira – cfr. Artigo 10.º, n.º 2 e 3 do NRAU – formalidades nunca exercidas pela primeira Autora.

J. O Tribunal a quo, sob os pontos 6 a 8 da matéria de facto dada como provada, deu como provado que a referida comunicação de 24 de janeiro de 2019 valeu como forma válida de oposição à renovação do contrato em vigor, e que a referência ao contrato anterior apenas se deveu a “mero lapso”.

K. Porém, vertendo a atenção ao conteúdo da missiva, facilmente se constata que não poderia valer como verdadeira oposição à renovação do contrato em vigor, uma vez que se refere a um contrato anterior e cessado, impondo a saída do locado por parte do arrendatário em data impossível.

L. A inequivocidade e certeza da vontade da senhoria em impedir a renovação do contrato parece que deverá, pois, exigir-se também quanto à data da mesma e, consequentemente, caso o não seja e sobretudo numa situação cujas dúvidas a própria autora despoletou (ao invocar um contrato cessado e uma data impossível)e em que o regime legal nada tem de cristalino para o comum dos cidadãos, não poderá justamente pressupor-se que o inquilino, por sua parte, confrontado com uma data insusceptível de relevar, teria o dever de, não obstante, deixar o locado livre de pessoas e bens.

M. É esta exigência de inequivocidade que se mostra em falta nos presentes autos, em toda a linha que descreve a conduta da primeira Autora, tanto pelo facto de não cumprir os requisitos em relação às cartas, como pelo facto de aceitar as rendas tout court.

N. Não só existem avanços (no sentido do alegado envio das cartas de 13 de agosto de 2019 e 26 de junho de 2020) e recuos por parte da autora quanto à cessação do contrato de arrendamento, como a própria omite ter tido uma postura de continuidade da relação contratual e na manutenção do arrendatário no locado.

O. Ademais, quanto às missivas de 13 de agosto de 2019 e 26 de junho de 2020, também lhes dá errada credibilidade, pese embora a falta de aviso de receção válido (quanto à primeira, porque o registo junto provém de outra missiva, inclusivamente assinada por outra pessoa que não o remetente; quanto à segunda, porque o aviso de receção não foi devidamente preenchido nem lavrado incidente, exigência postulada na legislação, na altura, em vigor: cfr. Artigo 2.º, da Lei n.º 10/2020).

P. Saliente-se, desde já, a gravidade que é imposta ao facto de se juntar uma carta aos autos como tentativa de prova do seu envio e recebimento pelo destinatário, mas cujas formalidades inerentes não pertencem àquela carta, o que sucede com o talão junto à missiva de 13 de agosto de 2019.

Q. No que concerne especificamente à carta datada de 13 de agosto de 2019 (doc. 5, da petição inicial), a mesma apresenta um registo de correio (simples – sem AR) com a ref.ª do CTT, ......: ora, esse registo foi utilizado para enviar diretamente ao inquilino, por outro mandatário anterior da Recorrida, uma informação relevante, sobre novo IBAN, para transferência de Rendas a favor da Senhoria, que o inquilino recebeu em 22-08-2019.

R. Verifica-se, portanto, que o facto de ter sido junto aos autos um talão de registo para titular o doc. 5, da Petição Inicial, não demonstra, sequer, que aquela carta tenha sido enviada ao Recorrente, impondo-se uma suspeita que o Tribunal a quo não poderia ignorar.

S. Salvo melhor opinião, este documento nunca poderia ter sido valorado pelo Tribunal a quo, uma vez que se levanta, inclusivamente, a questão da autenticidade do seu conteúdo, bem como a suspeita sobre o verdadeiro envio dessa missiva para a morada do Recorrente.

T. Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, a prova produzida impunha que a sentença recorrida tivesse considerado inválida e ineficaz a comunicação de oposição à renovação, por não possuir conteúdo exato que pudesse inculcar, no destinatário, a intenção exata de rescindir aquele contrato.

U. Dos documentos juntos aos autos e vindos de mencionar, resulta evidente que o Réu nunca foi notificado de qualquer intenção de cessação do contrato de arrendamento pela primeira Autora, vigorando o último contrato assinado em 2015.

V. Além disso, a legislação aplicável impõe que, caso a comunicação não seja recebida nem levantada pelo destinatário, seja enviada nova carta registada com aviso de receção entre 30 a 60 dias, prazo nunca cumprido.

W. De facto, a regra geral da receção ou conhecimento prevista no artigo 224.º, do Código Civil, é afastada pelo regime material e especial do NRAU: a comunicação de oposição à renovação, em caso de não recebimento da primeira carta, apenas se verifica com o envio de segunda carta, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta.

X. Confirma-se, assim, manifesto erro na apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, bem como na desconsideração da legislação aplicável ao caso.

Y. Em boa verdade, o Tribunal a quo, para verificação da legalidade das comunicações, apenas atendeu à antecedência das missivas, descurando os restantes requisitos legais de que depende uma comunicação válida e eficaz do senhorio para com o arrendatário.

Z. O Tribunal a quo refere que se alicerçou na prova documental junta aos autos, nas declarações do Réu e da primeira Autora; no entanto, demonstra uma convicção que se baseia apenas nas declarações da primeira Autora, realçando factos determinantes como meros lapsos para justificar toda a panóplia de comunicações dirigidas ao Réu e que o mesmo não recebeu.

AA. Aliás, o Tribunal a quo dá toda a credibilidade ao lapso referido pela primeira Autora quando a prática revela que a mesma sempre aceitou os pagamentos do Recorrente como verdadeiras rendas, vindo a anular o recibo de rendas apenas em momento da propositura da ação.

BB. A primeira Autora recebeu rendas do ano completo de 2021, sem nunca colocar em causa esse recebimento, aceitando os pagamentos como verdadeiras rendas, não tendo sabido refutar tal facto, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.

CC. Havendo, por conseguinte, fundamento para a revogação da douta Sentença, devendo ser considerada inválida e ineficaz qualquer comunicação de oposição à renovação enviada ao Recorrente, não tendo, por isso, viabilidade substantiva a pretensão dos Recorridos de despejo do arrendatário.

DD. Não se mostram, assim, contrariamente ao decidido, preenchidos os pressupostos legais do artigo 10.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, do NRAU, que o Tribunal a quo violou.

EE. Como dos autos se demonstra, o aqui Recorrente habita ao arrendado ininterruptamente desde 2005, motivo pelo qual e pese embora as partes tenham assinado vários Contratos de arrendamento, o certo é que estamos perante um único Contrato, nunca existiu desde 2005, qualquer Resolução, Caducidade ou Oposição, mas apenas modificações em função das degradações do locado, e inversa proporcionalidade das rendas.

FF. As cartas enviadas pela A. não foram rececionadas pelo aqui Recorrente, não existe nenhuma prova de que os Correios tenham deixado qualquer aviso para levantamento das mencionadas cartas;

GG. Face à devolução das cartas a A./Recorrida não procedeu, como devia, no prazo fixado pela Lei, ao envio de segundas cartas ao aqui Recorrente;

HH. A carta datada de janeiro de 2019, referia-se a um Contrato inexistente, motivo pelo qual não pode servir de prova para a denúncia do Contrato invocado nos autos;

II. Como se demonstra o Recorrente desde 2006 se encontra reformado por invalidez, com incapacidade permanente parcial de 67,7 %.

JJ. Incapacidade essa que se tem vindo a agravar, atualmente fixada em 81 %, conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiusos junto aos autos em sede de audiência de julgamento e não valorado pelo Tribunal a quo.

KK. Atento o facto de o Réu já ter 75 anos de idade, 67,7 % de incapacidade desde o ano de 2006 – atualmente de 81% - e viver no locado há 18 anos, não se poderá ignorar que se encontra legalmente protegido pelas disposições excecionais sobre o arrendamento, mormente pela Lei n.º 13/2019, legislação que teve por desiderato implementar medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

LL. Ora, o contrato, para além de vigorar por força de falta de notificação do arrendatário sobre a real vontade de cessação do mesmo por parte da senhoria, também vigora nos termos da legislação aplicável, não se podendo ignorar – como fez o Tribunal a quo – das limitações que acometem o Recorrente, legalmente protegidas.

MM. No que concerne especificamente à carta enviada em janeiro de 2019, pela primeira Autora ao ora aqui Recorrente, verifica-se que a mesma foi enviada ainda na vigência da Lei n.º 30/2018 (uma vez que a Lei n.º 13/2019 apenas entrou em vigor a 13 de fevereiro de 2019.

NN. Quanto a este ponto, veja-se a disposição transitória ínsita no artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, nomeadamente o seu n.º 5: “As comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018, de 14 de junho, aos arrendatários por ela abrangidos, que não tenham como fundamento o previsto na alínea a) do artigo 1101.º do Código Civil, com a redação dada pela presente lei, não produzem quaisquer efeitos”.

OO. Tendo em conta a data de envio da carta de 24 de janeiro de 2019, bem como o conteúdo de oposição à renovação que não fazia referência à alínea a), do artigo 1101.º, do Código Civil, conclui-se, também por este motivo, que a vontade real da primeira Autora não surtiu os efeitos pretendidos.

PP. Andou mal o Tribunal a quo em não valorar o atestado multiusos ora junto, bem como pelo facto de não considerar a presente incapacidade no geral do processo, que retroage a 2006.

QQ. Como dos autos se demonstra, o aqui Recorrente habita ao arrendado ininterruptamente desde 2005, motivo pelo qual e pese embora as partes tenham assinado vários Contratos de arrendamento, o certo é que estamos perante um único Contrato;

RR. Em face das razões expendidas e da inconsistência da posição da primeira Autora revelada pela própria insegurança vertida nas comunicações que foram carreadas para os autos, conclui-se que as declarações de oposição à renovação foram ineficazes, mantendo-se, assim, em vigor o contrato de arrendamento, sendo, por isso, legítima a ocupação do locado pelo Recorrente, enquanto aquele não se extinguir por forma válida.

SS. Com efeito, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os pontos 6, 7 (quanto aos motivos que levam a primeira Autora a querer vender o locado), 8, in fine (onde se diz “aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes”), 13, 15, 16, 17, da matéria de facto dada como provada, passando os mesmos a ser considerados como não provados, aditando-se um facto dado como provado que não foi considerado pelo Tribunal “a quo”: a incapacidade do Réu desde 2006 de 67,7 %, atualmente de 81 %.

TT. Concludentemente, face à alteração da matéria de facto e, ainda, da aplicação da matéria de direito, deve a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente, improcedentes os pedidos formulados na ação.

Os Autores vieram apresentar contra-alegações, pugnando por que o recurso seja julgado não provado e improcedente, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES:

1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, por o ónus probatório caber à parte respetiva (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.), embora possam ainda ser apresentados mais tarde, até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final (neste caso, com sujeição a multa, nos termos do disposto no art.º 423.º, n.ºs 1 a 3, do CPC.).

2. Da articulação lógica entre o artigo 651.º, n.º 1 do CPC e os artigos 425.º e 423.º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitido a título excepcional, depende da alegação e da prova de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, o que não ocorreu, não obstante, por cautela, tal como havia sucedido com os demais juntos a respeito pelo apelante, por desconhecer a sua veracidade, impugna-se o seu teor, letra e assinatura.

3. Pretendendo o Apelante, porém, impugnar a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente a alguns dos pontos dos factos provados e não provados, sem prejuízo de ter procedido à transcrição (de partes) do depoimento de parte e das declarações de parte, - com excertos cirúrgicos, desenquadrados do real sentido e contrariados com o demais declarado -, não só não indicou as rotações precisas da gravação, em violação do disposto no art.º 640.º n.º 1, al. a) a c) do CPC., como o fez, a seu jeito, de forma truncada, incompleta e descontextualizada.

4. E embora exponha algumas razões pelas quais não concorda com tal decisão, para que fosse possível a alteração, impunha-se, pelo menos, que tivesse em conta, que não teve, todos os meios de prova que sustentaram a convicção que o tribunal a quo para julgar os concretos factos, como aqueles factos admitidos por acordo – praticamente todos da p.i., relevantes à boa decisão -, bem assim, os documentos juntos pelos AA., sem que algum deles tenha sido impugnado, em especial o teor da correspondência e do contrato de arrendamento de Outubro de 2015.

5. O Juiz formará convicção sobre a realidade de um facto quando possa representar mentalmente sobre ele um juízo lógico de suficiente probabilidade ou verosimilhança, claro está, assente em critérios legais, juízo esse que, reportando ao caso em apreço, face à prova enunciada, para mais, alicerçado nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, se revelou acertado, e mais ainda quando o próprio Réu estava perfeitamente ciente que o contrato de arrendamento em vigor (de 2015, com início em 01.01.2016), tal como lhe foi comunicado, tinha término em 30.06.2021.

6. O tribunal a quo, com efeito, formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida, tendo em consideração os factos admitidos por acordo, valorando a prova documental, conjuntamente com o depoimento de parte do Réu, - materializado na assentada, que não mereceu reclamação -, e as declarações de parte do Réu e da co-Autora.

7. No caso sub judice, como se infere da douta sentença, estamos perante um contrato de duração limitada, de 5 anos e 6 meses, celebrado em Outubro de 2015, com início em 01.01.2016, tendo o senhorio comunicado ao Réu, arrendatário, atempadamente, de modo reiterado, de forma eficaz, que se opunham à renovação do contrato a partir de 30.06.2021, cessando nessa data, pelo que, decidindo como decidiu o tribunal a quo fê-lo em conformidade com a factualidade dada como provada e o direito que lhe é aplicável, citados, para cuja sentença se remete.

8. E o conhecimento pelo Réu do efectivo término em 30.06.2021, como se infere da factualidade admitida por acordo e se extrai da matéria de facto provada, ocorreu desde, pelo menos, 5.02.2019 (data da recepção da primeira carta a ele remetida), e que o Réu, mesmo abstraindo das demais cartas, ao contrário do que ora quer fazer crer, e pese embora o seu deficiente texto, foi por si, e desde logo, interpretada como correspondente ao contrato em curso, um lapso da A., (pois, neste contexto, até enviou à mesma um email do Brasil e mais tarde uma carta), coincidente, por sinal, com a morte do seu marido, que mais adiante do seu depoimento quis corrigir como “desorganização” da A.

9. Mesmo que se abstraísse da factualidade admitida por acordo, que o tribunal muito bem teve em consideração, transpondo-os para a matéria e facto provada, não pode deixar de se extrair ilações do facto do Réu, que se diz conhecedor das leis, a partir de então (2019), com engenho, se colocar estrategicamente numa atitude de má-fé e evasiva quanto às novas cartas que lhe foram dirigidas, sabendo da intenção subjacente, não recebendo algumas.

10. E para contornar os efeitos da não renovação (prevista no contrato por prazo de 1 ano), a escassos dias da extinção do contrato, o próprio Réu, unilateralmente, minutou um novo contrato de duração limitada, por 5 anos e 6 meses, - procurando também fazer prevalecer que as obras de conservação no objecto locado (T3 no Centro da cidade, totalmente equipado) ficavam, tal como as despesas de condomínio, a cargo do senhorio, a mesma renda do anterior e sem aumentos – fazendo, inclusive, alusão à extinção do contrato em vigor, contrato esse (que, a certa altura do seu depoimento de parte, procurou sustentar tratar-se de “continuidade”), onde opôs a data de 06.05.2021, início em 01.07.2021, (dia imediatamente a seguir ao término do contrato, 30.06.2021), e cuja “adesão” e assinatura, sem qualquer aviso, sequer negociação a respeito, procurou obter da A.

11. Tal comportamento, mesmo alheando dos sucessivos e anómalos requerimentos que juntou aos autos após a douta contestação, em absoluto desrespeito pelas regras processuais, não se coaduna com a postura de pessoa fragilizada, que ora quer fazer prevalecer, muito menos (mesmo abstraindo do que resultou provado por acordo) com os convenientes e deturpados vícios que aponta à correspondência, quer a que recebeu quer a demais que, apesar de ter sido também dirigida para o domicílio convencionado, não quis receber (cfr. cláusula 16 e 17 do contrato de arrendamento, junto como doc. 4 com a p.i., e ponto 5 da MFP).

12. São pressupostos da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, art.º 14.º n.º 3: (Arrendamentos habitacionais de duração limitada; previstos no art.º 26.º, n.º 1 do NRAU), - que o arrendatário, à data da sua entrada em vigor resida há mais de 20 anos no espaço arrendado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, porém, este regime, no que se refere ao art.º 14.º n.º 3, aplica-se a contratos posteriores ao DL 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU), mas celebrados antes da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), de “duração limitada”: (…) “contratos previstos no art.º 26.º do NRAU”.

13. A alegação de que a senhoria emitiu recibo de renda, por sinal, por ele reconhecido como de periocidade anual, e que para surpresa do mesmo comunicou às Finanças a sua anulação, não produz o efeito que pretende, como muito bem também o refere a douta sentença, pois, como o explicou a própria A. tratou-se de mero lapso da contabilista na primeira comunicação que fez às Finanças, perfeitamente normal no contexto em causa, lapso que logo que se apercebeu foi corrigido.

14. Sem conceder, mesmo que o Réu fizesse prevalecer que o contrato em vigor se havia renovado, o certo é que, como se alude a título subsidiário na p.i., - pedidos estes prejudicados com a procedência do pedido principal -, atento que a renovação nele prevista era pelo prazo de um ano, não pode deixar de se relevar a comunicação que resulta da p.i. e a produção dos efeitos, pelo menos, em 30.06.2022 ou, se assim não se entender, em 30.06.2023, como se requer, daí se extraindo as devidas consequências, como pedido na p.i. que se dá aqui como reproduzido, a respeito, para os devidos efeitos legais.

15. Por conseguinte, não há qualquer erro de julgamento da matéria facto muito menos violação de qualquer norma legal, mormente, além das indicadas, do disposto nos artigos 1079.º, 1097.º; 1038.º al i); 1045.º n.º 1 e 2, todos do CC.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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II – DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE UM DOCUMENTO

O Recorrente/Réu juntou às alegações de recurso um documento, sem qualquer justificação específica quanto à sua oportunidade e/ou tempestividade.

Este documento constitui um “Atestado de Avaliação de Dano Corporal”, emitido com data de 23 de agosto de 2023 e concluindo que deve ser atribuída ao aqui Réu uma incapacidade permanente parcial de 0,677.

Os Recorridos/Autores, em sede de contra-alegações, vieram opor-se à junção de tal documento, alegando que a junção de documentos em fase de recurso depende da alegação e prova de uma de duas situações: a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso ou ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

O CP Civil determina, como regime processual regra, que “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” e, como exceções admissíveis, que “Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documento podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (…).”e que “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.” – cf. art.º 423.º.

Dispõe, sequencialmente, o art.º 425.º do CP Civil que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Ou seja, os documentos têm, em regra, que ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Em sede de recurso, só é admissível a junção de documentos com cuja relevância a parte não podia contar em momento anterior: ou pela ocorrência de factos naturalísticos supervenientes ou pelo surgimento de factos processuais que tornam a sua junção necessária.

Isso mesmo vem sendo decidido de forma pacífica nos nossos Tribunais, citando-se - a título meramente exemplificativo – o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2010[1], onde se decidiu: “São três os fundamentos excecionais justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, ou seja, quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e, finalmente, no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessário, devido ao julgamento proferido em 1ª instância.”

É manifesto que a junção do documento acima referido não se enquadra em nenhuma destas situações excecionais.

Desde logo, tendo a audiência de julgamento nos autos tido início em 04/10/2023, o Réu poderia, se nisso tivesse interesse, juntado o documento em causa aos autos no período temporal previsto no n.º 2 do art.º 423.º do CP Civil. Não o fez e não apresentou qualquer justificação para a sua apresentação apenas com as alegações de recurso de apelação. É, pois, manifesto que a sua junção é extemporânea.

Por outro lado, e independentemente desta extemporaneidade, o Réu na sua Contestação limitou-se a alegar que, tendo 67 anos de idade aquando da outorga do contrato de arrendamento em causa e sendo inquilino ininterruptamente há 17 anos no mesmo locado, não poderia ser despejado.

Verifica-se, portanto, que o Réu não produziu na Contestação qualquer alegação atinente ao seu estado de saúde, designadamente invocando ser portador de um certo grau de incapacidade permanente parcial.

Além disso, não produziu qualquer alegação com este objeto em qualquer outro momento processual posterior.

Limitou-se a juntar um “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, na sessão de Audiência de Julgamento de 19/10/2023, mas sem formular qualquer pretensão jurídica tendo por base o teor do mesmo (apenas alegando que tal junção era importante para a discussão da causa)[2].

Assim sendo, o conteúdo do documento agora pretendido juntar não se tornou pertinente na sequência da audiência de julgamento e sempre teria de se considerar totalmente irrelevante, por versar sobre factualidade não discutida nos autos.

A conclusão necessária é, portanto, a da não admissibilidade do documento em causa.


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III - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[3], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

Como questão prévia, cumpre atender a que o Recorrente vem invocar no presente recurso, entre o mais, que se encontra reformado por invalidez desde 2006, com incapacidade permanente parcial de 67,7 %. Bem como que esta incapacidade se tem vindo a agravar, estando atualmente fixada em 81 %.

Defende que deve ser valorado o Atestado Multiusos agora junto aos autos, considerando-se a presente incapacidade, que retroage a 2006.

Tal como já ficou referido acima, o Réu na sua Contestação limitou-se a alegar que, tendo 67 anos de idade aquando da outorga do contrato de arrendamento em causa e sendo inquilino ininterruptamente há 17 anos no mesmo locado, não poderia ser despejado.

Verifica-se, portanto, que o Réu não produziu na Contestação qualquer alegação atinente ao seu estado de saúde, designadamente invocando ser portador de um certo grau de incapacidade permanente parcial.

Além disso, não produziu qualquer alegação com este objeto em qualquer outro momento processual posterior.

Limitou-se a juntar um “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, na sessão de Audiência de Julgamento de 19/10/2023, mas sem formular qualquer pretensão jurídica tendo por base o teor do mesmo (apenas alegando que tal junção era importante para a discussão da causa).

Ora, o objeto do recurso está balizado pelo objeto da ação, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.

Explica, a este respeito, António Abrantes Geraldes[4] que “Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que “Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal  a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados): a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respetiva apreciação pelo tribunal ad quem.[5]

Como ficou analisado, esta questão de o Réu ser portador de uma incapacidade permanente à data da oposição à renovação do contrato de arrendamento é uma questão totalmente nova, que não foi suscitada pelo Réu/Recorrente até agora nos autos.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que esta questão, por configurar uma questão nova, não pode ser conhecida por este Tribunal da Relação.

As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:

● Reapreciação da matéria de facto dada como provada e não provada com base na análise das provas produzidas;

● Legalidade e eficácia das comunicações enviadas pelos Autora de oposição à renovação do contrato de arrendamento e

● Aplicabilidade das leis de proteção de arrendatários em situação de especial fragilidade.


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IV – REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."

A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil.

O Recorrente pretende que a factualidade constante dos Itens 6)[6], 7)[7] (quanto aos motivos que levam a primeira Autora a querer vender o locado), 8)[8] (onde se diz “aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes”), 13)[9], 15)[10], 16)[11] e 17)[12] dos Factos Provados passe a considerar-se como não provada.

Mais pede que se adite um facto novo ao elenco dos Factos Provados: a incapacidade do Réu desde 2006 de 67,7 %, atualmente de 81 %.

Analisando o fundamento de recurso ponto a ponto, temos que – quanto ao Item 6) – o Recorrente limita-se a remeter para o depoimento de parte do Réu e para as declarações de parte da Autora e a alegar que o circunstancialismo fático subjacente a estes autos demonstra, cabalmente, que o Réu reside no locado desde 1 de julho de 2005. Bem como que a primeira Autora, seu falecido marido e o ora aqui Recorrente, face a alterações ao contrato que se demonstravam necessárias, não redigiam adendas ao mesmo: antes procediam a nova redação total do contrato firmado em 2005. Ou seja, são verdadeiras renovações dos contratos existentes, com a inclusão de algumas alterações.

Em nosso entendimento, estas alegações em nada contrariam o teor do Item 6) de onde decorre precisamente que, antes do contrato atualmente vigente, as partes celebraram outros, tendo por objeto o mesmo locado, a que foram pondo termo, substituindo-os com a celebração de novos contratos.

Reiteramos, assim, a fundamentação de facto da sentença recorrida, no sentido de que o teor deste Item resulta do teor dos contratos juntos aos autos e do acordo das partes. Mantém-se, assim, inalterada a redação em causa.

Quanto ao Item 7) o Recorrente sustenta que o mesmo contém um modo de justificação da ação de despejo que não se encontra demonstrada de forma cabal. Concretiza que nenhuma prova foi produzida no sentido de que a 1.ª Autora passasse dificuldades desde o decesso do marido.

Ouvidas atentamente as declarações de parte da Autora, constata-se que a mesma se limitou a referir que, na sequência do óbito do seu marido, “A intenção é vender o imóvel” (sic).

No mesmo sentido, a testemunha HH (agente imobiliário) declarou que a Autora queria vender o imóvel “para comprar um mais barato” (sic).

Nenhuma outra prova foi produzida a este respeito.

Concordamos, assim, com o Recorrente no sentido de que parte da factualidade constante do Item 7) deve ser eliminada, por não se ter produzido prova cabal a seu respeito.

O Item 7) ficará com a seguinte redação final: “A primeira Autora, por se ver confrontada com o falecimento do seu marido, pretende vender o locado.”

Quanto ao Item 8) o Recorrente pretende “apenas” a eliminação do seu segmento final, do seguinte teor: “aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes.”

Invoca o teor das declarações de parte da Autora, designadamente na parte em que a mesma assume que “incumbiu esse assunto a Advogado, admitindo ter-se enganado quando prestou informação ao mesmo acerca do contrato em vigor” e advoga que as mesmas não são aptas a dar como provada, de forma cabal, a existência de um mero lapso.

Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, para nós resulta absolutamente claro quer do próprio teor da comunicação, quer das declarações de parte da Autora que a alusão a um contrato anterior se ficou a dever a um mero lapso.

Assim, esta comunicação de 24/01/2019 (junta aos autos na sessão de audiência de julgamento de 04/10/2023) contém, desde logo, como “Assunto” “Oposição à renovação do contrato de arrendamento” e como conteúdo, em resumo, que “A senhoria AA (…) vem comunicar ao Arrendatário, FF (…) a Oposição à Renovação do Contrato de Arrendamento outorgado no dia 10 de Dezembro de 2010, o qual tem como objeto a fração autónoma designada pelas letras “AE” (…) Pelo presente fica Vossa Exa., na qualidade de Arrendatário do prédio urbano descrito, notificado, para todos os efeitos legais, da Oposição à Renovação deduzida pela Senhoria e da consequente cessação do Contrato de Arrendamento outorgado entre as partes. Assim, cessando o vínculo arrendatício em apreço, deverá Vossa Exa. desocupar o prédio urbano objecto do contrato de arrendamento no dia 31 de dezembro de 2019, restituindo-o à Senhoria totalmente livre de pessoas e bens, bem como as respetivas chaves. (…).” 

Efetivamente, o assunto anunciava, sem margem para dúvidas, que a senhoria pretendia opor-se à renovação do contrato de arrendamento. Depois, em sede de conteúdo, a mesma senhoria comunica ao arrendatário, aqui Réu, a oposição à renovação do contrato de arrendamento tendo por objeto a fracção autónoma em litígio nestes autos.

Todos estes elementos conjugados são absolutamente claros quanto à intenção da senhoria e, por inerência, quanto ao facto de a alusão a um contrato de arrendamento já não em vigor apenas se poder tratar de um lapso.

Como é evidente, não havia qualquer utilidade em comunicar uma oposição de renovação a um contrato já extinto. Por contraponto, o lógico e razoável era comunicar a oposição de renovação ao contrato vigente relativamente àquela fracção concreta.

Aliás, o próprio Réu, tal como resulta da respetiva assentada, admitiu que esta atuação da Autora pode tratar-se de desorganização da senhoria ao referir tal contrato, uma vez que o mesmo havia cessado em momento anterior à carta recebida e ao falecimento do senhorio.

Por outro lado, a Autora, em declarações de parte, explicou, de forma absolutamente credível e segura, que a sua intenção era a de terminar o contrato de arrendamento vigente. Nas suas palavras: “Foi comunicado ao Sr., ao meu inquilino….Foi atempadamente enviada a carta registada com aviso de receção. Entretanto, o Sr. FF veio dizer que existe um novo contrato. ..Eu não tratava nada destes processos. Eu não sabia de nada.” Questionada, reafirmou que pensava ainda estar em vigor o contrato que mencionou na carta. Bem como que a sua intenção era rescindir o contrato existente.

Mantém-se, pois, a redacção do Item 8) constante da sentença recorrida.

Quanto ao Item 13) o Recorrente defende que o Tribunal a quo não pode ajuizar como efetivamente verdeiro e provado que o carteiro se deslocou ao domicílio do Recorrente no dia 23 de novembro de 2021, e que este último não atendeu.

O tribunal recorrido fundamenta esta factualidade dada como provada com base na documentação junta aos autos de envio postal.

Contudo, da análise deste documento apenas podemos concluir que a carta registada em causa não foi levantada nos serviços dos CTT, tendo sido devolvida com indicação “Objeto não reclamado”. Não resulta do mesmo documento que, tal como se refere no Item em causa, o carteiro se tenha deslocado ao domicílio do Réu concretamente no dia 23/11/2021.

Não se tendo produzido mais qualquer prova a este respeito, restringe-se a redacção do Item 13) da seguinte forma: “O Réu não levantou a carta nos serviços dos CTT, “Loja ...”, pelo que veio devolvida com indicação “Objeto não reclamado”.”

Quanto aos Itens 15), 16) e 17) o Recorrente sustenta não estar de acordo quanto ao teor dos mesmos, já que nunca assumiu depositar um valor mensal igual ao da renda (mas que deposita efectivamente a renda) nem que ocupe o local sem estar ao abrigo de um contrato de arrendamento. 

Verifica-se, assim, que o Recorrente não discorda dos factos constantes dos mesmos Itens, mas apenas da coloração jurídica que entende ter sido dada aos mesmos.

A nosso ver, não se justifica eliminar os factos em causa nem alterar a sua redacção por, tal como se refere na fundamentação de facto, estarem assentes por acordo das partes e conterem a redacção mais objectiva possível, limitando-se a referir que o Réu continua o ocupar a fracção (sem tomar partido se o faz ou não ao abrigo de um contrato de arrendamento em vigor) e que o mesmo Réu deposita em conta bancária um valor mensal igual ao da renda (sem, uma vez mais, tomar partido quanto à vigência ou não do contrato de arrendamento).

Mantém-se, pois, a redacção dos Itens 15), 16) e 17).

Finalmente, o Recorrente pretende a inclusão de um novo facto no elenco dos Factos Provados com o seguinte teor: “a incapacidade do Réu desde 2006 de 67,7 %, atualmente de 81 %.”

Fundamenta este novo facto no teor do documento junto com as alegações de recurso.

Ficou acima decidida a não admissão aos autos do documento em causa.

Como igualmente ficou acima referido, o único elemento probatório existente nos autos a este respeito é o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, o que poderia, em tese geral, comprovar parcialmente esta factualidade.

 No entanto, ficou igualmente analisado que o Réu não produziu na Contestação qualquer alegação atinente ao seu estado de saúde, designadamente invocando ser portador de um certo grau de incapacidade permanente parcial. Além disso, não produziu qualquer alegação com este objeto em qualquer outro momento processual posterior.

Como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, não se justifica proceder ao aditamento de factos ao elenco dos Factos Provados que não assumam relevo jurídico/processual.

Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Guimarães de 15/12/2016, tendo como Relatora Maria João Bastos[13], do seguinte teor: “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, nº 1, 137.º e 138.º, todos do C.P.C.)”.

Decide-se, então, rejeitar o aditamento aos autos do Item proposto.

A conclusão final é, assim, a da parcial procedência deste fundamento de recurso.


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V – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, com as alterações introduzidas no presente Acórdão:

FACTOS PROVADOS:

1) Em 11.10.2018 faleceu GG, NIF ......, na cidade ..., ..., Canadá, com residência habitual na Urbanização ..., Rua A, casa ..., freguesia ... e ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, no estado de casado, sob o regime da comunhão geral, com a primeira Autora, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tenho-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a mulher, aqui primeira Autora, e os três filhos do casal, aqui segundo, terceiro e quarto Autores.

2) Da herança aberta por óbito de GG faz parte o prédio urbano, destinado a habitação, correspondente à fração autónoma designada pela letra “AE”, habitação no 5.º andar esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º ..., e garagem individual na cave, com entrada pelo n.º ..., da Rua ..., do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., e Rua ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., correspondendo à fração o artigo ... “AE”.

3) Por força do decesso do marido da primeira Autora e pai dos demais Autores, de per si e/ou na qualidade de únicos herdeiros, são estes os únicos donos e legítimos possuidores desse bem imóvel.

4) Por contrato escrito de outubro de 2015, intitulado “ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO COM PRAZO CERTO”, a primeira Autora e marido deram de arrendamento ao Réu, que a recebeu, a fração autónoma descrita em 2.

5) Desse contrato, onde a primeira Autora e seu marido estão identificados como “SENHORIOS/PRIMEIROS OUTORGANTES”, o Réu como “SEGUNDO OUTORGANTE/INQUILINO”, e o acima identificado imóvel como “local arrendado”, “apartamento”, “casa” (…), consta o seguinte:

(…) Celebram entre si o presente contrato de arrendamento para habitação (…) nos termos constantes das cláusulas seguintes:

Primeira:

1. O prazo de duração do arrendamento é de CINCO ANOS E SEIS MESES, com início em 01 de JANEIRO DE 2016 1 e a terminar em 30 de JUNHO de 2021, nos termos do NRAU, instituído pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08 e demais legislação complementar aplicável.

2. No caso de não ser denunciado no seu termo, o presente contrato de arrendamento renova-se tacitamente por períodos de UM ANO, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 1096 do Código Civil:

3. (…)

Segunda:

4. A renda anual acordada é de 2.880,00 €, a pagar em duodécimos de 240,00 €, através de depósito na conta bancária dos senhorios cujo NIB é  ..., no primeiro dia útil do mês anterior ao respeitante, ou noutro locado que os senhorios a todo o tempo venham a indicar.

5. A renda manter-se-á inalterada pelo período de 5 anos e 6 meses, não sofrendo quaisquer alterações.

6. O presente contrato convenciona o regime de renda livre.

7. São ainda encargos da exclusiva responsabilidade do inquilino as despesas com água, energia eléctrica, gás, e um eventual pacote de internet, TV e telefone de rede fixa, que utilize ou venha a utilizar, com as 3 (três ou mais) funcionalidades juntas ou em separado.

(…)

Terceira:

8. O destino do local de arrendamento é exclusivamente o de habitação (…).

9. (…)

10. (…)

Quarta:

11. Findo o contrato de arrendamento, o inquilino deve entregar aos senhorios o local arrendado como o recebeu, pagando a expensas exclusivamente suas quaisquer obras ou reparos que seja necessário efectuar, livre e desembaraçado de pessoas e bens, até final do mês a que a denúncia produz efeitos, sob pena de, excedendo tal prazo, ser devida a indemnização por mora na entrega, equivalente ao dobro da renda, nos termos do art.º 1045.º do Código Civil.

12. (…)

13. (…)

14. (…)

15. (…)

Sexta:

16. Enquanto não se extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do domicílio convencionado, salvo de a contraparte o tiver notificado dessa alteração, mediante carta registada com aviso recepção, em data anterior à propositura da acção ou nos 30 dias subsequentes à respectiva ocorrência.

17. As partes estão de acordo em eleger como domicílio contratual de todos os intervenientes o local arrendado, nos termos e para os efeitos do art.º 9.º e 10.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.

Oitava:

18. O apartamento encontra-se equipado com frigorífico, fogão a gás, “forno eléctrico não ligado”, exaustor, máquina de lavar loiça, caldeira mural a gás na lavandaria, recuperador na sala, 2 aparelhos de ar condicionado (um na sala e outro no quarto principal, usados, mas em perfeito estado de funcionamento, ambos de 900 BTU.S, resguardos nas duas banheiras das casas de banho, cortinados na sala, na cozinha, na passagem para a lavandaria e quartos, e prateleiras na garagem, usados, mas em perfeito estado de conservação e utilização, que o inquilino se obriga a entregar aos senhorios em bom estado, exceptuando o normal desgaste decorrente de uma prudente utilização.

19. O apartamento encontra-se pintado, sem quaisquer riscos ou dedadas em todos os compartimentos da casa, sendo por isso ao inquilino proibido fazer furos nas paredes ou ocasionar quaisquer outras deteriorações na habitação, pelo que, findo o contrato, “o inquilino obriga-se a entregar aos senhorios o apartamento em bom estado de conservação e funcionamento”.

Parágrafo único: - 1. O locado apresenta o seguinte estado de conservação:

20. (…).

6) Tal contrato foi antecedido de outros, a que as partes, concretamente, a primeira Autora e seu marido, por um lado, e o Réu, por outro, puseram termo, celebrando novo contrato tendo por objeto o mesmo locado.

7) A primeira Autora, por se ver confrontada com o falecimento do seu marido, pretende vender o locado.

8) Para o efeito, e na sequência de comunicações anteriores, a primeira Autora remeteu ao Réu carta registada com aviso de receção de 24.01.2019, que o Réu recebeu em 05.02.2019, comunicando-lhe que se opunha à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, assim cessando no final do prazo que lhe foi fixado, aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes.

9) Após, enviou para o locado carta registada de 13.08.2019 e carta registada de 26.06.2020, com o mesmo assunto e propósito, corrigindo o contrato em vigor entre as partes, que o Réu não recebeu ou levantou.

10) O contrato de arrendamento que vigorava entre as partes à data de envio destas missivas previa que “[e]nquanto não se extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do domicílio convencionado, salvo de a contraparte o tiver notificado dessa alteração, mediante carta registada com aviso recepção, em data anterior à propositura da acção ou nos 30 dias subsequentes à respectiva ocorrência. As partes estão de acordo em eleger como domicílio contratual de todos os intervenientes o local arrendado, nos termos e para os efeitos do art.º 9.º e 10.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro”.

11)  O Réu, por carta de 06.05.2021, comunicou à primeira Autora que o contrato em causa se renovava por períodos iguais e sucessivos de igual duração, entre 01.07.2021 e 31.12.2026, de acordo com as leis em vigor, incluindo a Lei 13/2019 de 12.02.2019 e art.º 1096.º n.º 1 do CC. Integrou nessa missiva o que designou “clausulado do contrato corrigido em algumas particularidades”, com cláusulas da autoria do próprio, que as redigiu, e que previam que o (novo) contrato, de prazo de 5 anos e 6 meses, tivesse início em 01.07.2021, nos termos o NRAU (…), com renovações por igual prazo, mas  mantendo (como sucedeu com o anterior) a mesma renda, “240,00 €” mensais, e descrevendo o que entendia corresponder aos vícios do imóvel.

12) Por carta de 18.11.2021, remetida pelo mandatário dos Autores, ao Réu foi comunicado o seguinte:

“Assunto: Entrega do locado e bens móveis, em bom estado de conservação, e indemnização pela mora.

Contrato de arrendamento Outubro de 2015, com início em 1 de janeiro de 2016 e término em 30.06.2021.

M/ ref.: D. 1029/2021 AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG.

Objecto/Locado: Fracção autónoma, designada pela letra “AE, habitação no 5.º andar esquerdo, traseiras, com entrada pelo n.º ..., e garagem individual na cave, com entrada pelo n.º ..., da Rua ..., do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., e Rua ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., a que corresponde à fracção o art.º 4897 “AE”.

(…) Incumbiu-me a minha constituinte, Exma. Sra. D. AA, por si e na dita qualidade, de intentar acção de despejo contra Va. Exa., referente ao imóvel supra identificado, bem assim exigir indemnização pela não desocupação do prédio que lhe fora arrendado e cujo contrato terminou no dia 30.06.2021.

Como Vossa Exa. sabe, a avaliar pela extensa narrativa e citação de normas legais na v/ douta carta que remeteu, a sustentar a renovação do contrato, sugerindo inserção de cláusulas, incorre na obrigação de suportar indemnização igual ao dobro do valor que seria devido a título de renda, sem prejuízo da indemnização e/ou compensação por outros danos, in casu, de foro não patrimonial.

Atento o hiato temporal que dispôs para concretizar a saída e entrega do imóvel, concedo um prazo adicional de 10 dias, findo o qual darei entrada da acção judicial.” (…)

13) O Réu não levantou a carta nos serviços dos CTT, “Loja ...”, pelo que veio devolvida com indicação “Objecto não reclamado”.

14) Face ao sucedido, procurando sensibilizar o Réu para a entrega voluntária do locado, o mandatário dos Autores remeteu ao Réu novas cartas, uma simples e uma registada, com data de 08.12.2021, com o conteúdo da anterior, que o mesmo recebeu em 13.12.2021, sem que tivesse dado qualquer resposta ou satisfação.

15) O Réu não entregou o locado, continuando a ocupá-lo.

16) E deposita em conta bancária um valor mensal igual ao da renda.

17) Por tal valor não ser aceite pelos Autores a título de renda, mas como indemnização pela ocupação, corrigiram junto da Autoridade Tributária a emissão de recibos de renda atinentes a esses valores.

18) Conforme referido em 6, o contrato de arrendamento acima descrito foi precedido de dois outros, celebrado entre as mesmas partes e tendo por objeto o mesmo locado.

19) Desde o início da vigência do primeiro até ao terceiro contrato, nunca o Réu deixou de viver no locado.

20) O primeiro desses contratos, celebrado em 20.06.2005, vigorou entre 1 de julho de 2005 e 30 de junho de 2010, sendo que o valor correspondente à ocupação do imóvel no período de seis meses que decorreu entre o fim da vigência do primeiro contrato e o início da vigência do segundo contrato (de 01.07.2010 até 31.12.2010) foi pago pelo Réu de uma só vez, através de depósito bancário a favor de Eng.º GG, no total de 2.878,32 € (dois mil oitocentos e setenta e oito euros e trinta e dois cêntimos).

21) O segundo desses contratos, celebrado em 10.12.2010, vigorou entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2015.

22) O terceiro e último desses contratos, celebrado em outubro de 2015, vigorou entre de 1 de janeiro de 2016 e 30 de junho de 2021.

23) No primeiro desses contratos, celebrado em 20.06.2005, a renda acordada entre as partes tinha o valor mensal de 432,00 € que, após atualizações, chegou ao valor de 479,79 €.

24) No segundo desses contratos, celebrado em 10.12.2010, a renda acordada entre as partes tinha o valor mensal 375,00 €.

25) No terceiro e último desses contratos, celebrado em outubro de 2015, a renda acordada entre as partes tinha o valor mensal de 240,00 €, atento o estado de conservação do locado descrito na cláusula oitava do contrato nos seguintes termos:

PARÁGRAGO ÚNICO – 1. O locado apresenta o seguinte estado de conservação:

20. SALA: fissura (rachadela) estrutural em toda a parede (cima para baixo) junto à lareira;

QUARTOS: soalho levantado devido a infiltração de humidade, e rodapé empenado no quarto secundário, devido ao soalho levantado e vestígios no teto, com uma espécie de micro fissuras);

QUARTO c/ WC – rodapés estragados junto à porta da varanda devido à infiltração humidade. Mancha provocada por humidade de infiltração no teto do quarto principal, caixilho da porta de acesso à varanda deteriorado pela mesma infiltração da humidade que fez levantar o soalho, este entretanto colado manualmente, com todos os defeitos previsíveis, pelo aumento por inchaço da madeira e consequentes irregularidades e fissuras, numa área de cerca de 3 m2 (três metros quadrados).

21. As deficiências identificadas neste parágrafo único, serão reparadas a expensas exclusivas dos senhorios.

22. Eventuais deteriorações provocadas pelo inquilino e da sua exclusiva responsabilidade, ocasionadas na habitação e não reparadas pelo mesmo, podem os senhorios mandá-las efetuar, cujas faturas das despesas e outros danos quantificados, constituem título executivo se o inquilino não proceder ao seu pagamento no prazo de 5(cinco) dias, após ser notificado.

26) O Réu nasceu em 19.02.1948.

27) No dia 2022-04-12, foi emitido com o NIF ......, de GG cabeça de casal da herança de, o recibo de renda n.º ..., relativo ao período de 2021-01-01 a 2021-12-31, por referência ao contrato de arrendamento celebrado em outubro de 2015.

28) Em 22.06.2022, tal recibo foi anulado através do mesmo NIF.

29) A presente ação foi instaurada em 22.06.2022.

FACTOS NÃO PROVADOS:

a) O valor da renda do contrato celebrado em 2015 descrito nos factos provados correspondendo a cerca de 1/3 do valor real de mercado.

b) O valor da renda do contrato celebrado em 2005 descrito nos factos provados correspondia a um esforço grande para o Réu que era o inquilino que pagava a renda mais elevada no prédio em que se situa o locado.


*

VI – LEGALIDADE E EFICÁCIA DAS COMUNICAÇÕES ENVIADAS DE OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO

O Recorrente defende no presente recurso que todas as três cartas alegadamente enviadas para si apresentam patologias inultrapassáveis, que deveriam ter suscitado no espírito do julgador a conclusão da falta de eficácia de cada uma delas para fazer operar a vontade da senhoria. Pretende que, consequentemente, se conclua que nunca foi notificado de qualquer intenção de cessação do contrato de arrendamento, vigorando o contrato assinado em 2015.

Começa por sustentar que o conteúdo da missiva de 24/01/2019, única que aceita ter recebido, faz total referência a um contrato de arrendamento que vigorou e cessou anos antes, nada referindo quanto ao contrato em vigor.

Advoga que a inequivocidade e certeza da vontade da senhoria em impedir a renovação do contrato deverá exigir-se também quanto à data da mesma e, consequentemente, caso o não seja e sobretudo numa situação cujas dúvidas a própria autora despoletou (ao invocar um contrato cessado e uma data impossível) e em que o regime legal nada tem de cristalino para o comum dos cidadãos, não poderá justamente pressupor-se que o inquilino, por sua parte, confrontado com uma data insusceptível de relevar, teria o dever de, não obstante, deixar o locado livre de pessoas e bens.

O tribunal recorrido entendeu que esta primeira comunicação, efetivamente recebida, é válida, apesar de mencionar um diferente contrato, uma vez que se trata de um mero lapso, evidente para o inquilino (cf. assentada do depoimento de parte do Réu).

Emite a opinião de que considerar que tal lapso afeta a validade da comunicação seria, salvo melhor opinião, violador dos princípios da proporcionalidade e da boa fé.

Concordamos com esta posição do tribunal recorrido.

Efetivamente, está provado que as partes celebraram contrato de arrendamento urbano em outubro de 2015, com um prazo fixo de 05 anos e 06 meses, sendo que este contrato vigorou entre 01/01/2016 e 30/06/2021.

Mais está provado que este contrato de arrendamento foi precedido de dois outros, celebrado entre as mesmas partes e tendo por objeto o mesmo locado.

Está igualmente provado que, na sequência de comunicações anteriores, a primeira Autora remeteu ao Réu carta registada com aviso de receção de 24/01/2019, que o Réu recebeu em 05/02/2019, comunicando-lhe que se opunha à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, assim cessando no final do prazo que lhe foi fixado, aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes.

Em termos de enquadramento geral, temos que a este contrato de arrendamento é aplicável o regime legal decorrente da Lei n.º 6/2006, de 27/02.

Decorre deste regime que, nos termos do art.º 1097.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil[14] que o senhorio se pode opor à renovação do contrato mediante comunicação dirigida ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias se o prazo de duração inicial do contrato for igual ou superior a 01 ano e inferior a 06 anos.

Em termos de formalidades, decorre do art.º 9.º do NRAU que estas comunicações entre as partes devem ser realizadas por escrito e remetidas por carta registada com aviso de receção.

Além disso, o contrato de arrendamento outorgado entre as partes determina, entre o mais, que “As partes estão de acordo em eleger como domicílio contratual de todos os intervenientes o local arrendado, nos termos e para os efeitos do art.º 9.º e 10.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro.” (cf. Cláusula 17.ª).

Em face deste regime legal e contratual, é incontestável que, através da aludida carta registada com aviso de receção, a senhoria comunicou atempadamente e pela forma legal a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento.

Tal como se refere na sentença recorrida, a alusão, por mero lapso, nesta comunicação ao contrato anteriormente vigente entre as partes relativamente ao mesmo locado não retira validade à eficácia da comunicação.

A comunicação da senhoria ao arrendatário é uma declaração recetícia, à qual se aplica o critério de interpretação constante do art.º 236.º do C Civil, segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

A lei consagrou, desta forma, uma interpretação objetiva das declarações recetícias, tendo por critério um declarante honesto e diligente, colocado na posição do declaratário real.

Tal como já se desenvolveu em sede de reapreciação da fundamentação de facto, e que aqui damos por integralmente reproduzido, não havia qualquer utilidade comunicar uma oposição de renovação a um contrato já extinto. Por contraponto, o lógico e razoável era comunicar a oposição de renovação ao contrato vigente relativamente àquela fracção concreta.

Esta é a interpretação a conferir à comunicação enviada pela senhoria, à luz do critério legal do declaratário normal, diligente e de boa fé.

Aliás, o próprio Réu, tal como resulta da respetiva assentada, admitiu que esta atuação da Autora pode tratar-se de desorganização da senhoria ao referir tal contrato, uma vez que o mesmo havia cessado em momento anterior à carta recebida e ao falecimento do senhorio.

Além disso, tal como realçam os Recorridos, não pode deixar de se extrair ilações do facto do Réu, que se diz conhecedor das leis, a partir de 2019, se ter colocado estrategicamente numa atitude evasiva quanto às novas cartas que lhe foram dirigidas, sabendo da intenção subjacente, não recebendo as mesmas. Nem da sua atuação posterior de, a escassos dias da extinção do contrato, ter minutado e enviado à senhoria um novo contrato de duração limitada, por 05 anos e 06 meses, sem qualquer negociação prévia.

Acrescentamos agora que a defesa do Réu poderá inclusivamente considerar-se uma situação violadora dos princípios da boa fé, na medida em que este, para efeito da aplicabilidade da Lei n.º 13/2019, de 12/02, defende que estamos perante um único contrato desde 2005, com modificações pontuais ao longo dos anos, mas advoga neste particular que a senhoria não poderia na comunicação que recebeu ter aludido a um contrato que já defende estar extinto.

Ou seja, independentemente da interpretação objectiva da declaração, sempre se deveria considerar que o Réu, com os seus comportamentos posteriores, demonstrou que conhecia ser esta a real vontade da senhoria.

Esta consideração reforça e torna inabalável a interpretação acima feita.

Reitera-se, portanto, que a declaração recetícia da senhoria de 24/01/2019 deve considerar-se válida e eficaz para efeitos de comunicação da sua oposição à renovação do contrato de arrendamento.

Está igualmente dado como provado que a senhoria, após esta data, enviou para o locado carta registada de 13/08/2019 e carta registada de 26/06/2020, com o mesmo assunto e propósito, corrigindo o contrato em vigor entre as partes, que o Réu não recebeu ou levantou.

Esta factualidade, dada como provada sob o Item 9), não foi impugnada pela Réu.

Perante esta falta de impugnação, e estando assente a factualidade em causa, são irrelevantes as alegações do Recorrente no sentido de que a segunda carta apresenta um talão de registo referente a outra carta e de que a terceira carta não tem assinalado qualquer motivo para a mesma não ter sido recebida.

Contudo, já assiste razão ao Recorrente ao defender que, no caso de falta de recebimento de cartas relativas à cessação do contrato, o senhorio deverá enviar nova missiva com aviso de receção entre 30 a 60 dias após o envio da primeira – cf. Artigo 10.º, n.º 2 e 3 do NRAU – formalidades nunca exercidas pela primeira Autora.

Efetivamente, resulta expressamente dos n.º 3 e 4 do art.º 10.º do NRAU que “3 – Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 – Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”

Tendo a senhoria enviada carta registada em 13/08/2019 e apenas enviado nova carta registada em 26/06/2020, não foi respeitado o formalismo legal, o que obsta a considerar ambas estas cartas válidas e eficazes para efeitos de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

A conclusão final é, pois, a de que, apesar de discordarmos da decisão recorrida quanto à validade e eficácia das cartas registadas enviadas em 13/08/2019 e 26/06/2020, reiteramos a decisão desta sentença quanto à validade e eficácia da carta registada enviada em 24/01/2019 para efeitos de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

Julga-se, consequentemente, improcedente este fundamento de recurso.


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VII – APLICABILIDADE DAS LEIS DE PROTEÇÃO DE ARRENDATÁRIOS EM SITUAÇÃO DE ESPECIAL FRAGILIDADE

O Recorrente sustenta que, tendo 75 anos de idade e vivendo no locado há 18 anos, não se poderá ignorar que se encontra legalmente protegido pelas disposições excecionais sobre o arrendamento, mormente pela Lei n.º 13/2019, legislação que teve por desiderato implementar medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

Defende que habita ao arrendado ininterruptamente desde 2005, motivo pelo qual e pese embora as partes tenham assinado vários contratos de arrendamento, estamos perante um único Contrato.

Invoca a disposição transitória ínsita no artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, nomeadamente o seu n.º 5.

Defende que também por este motivo a vontade real da Autora não surtiu os efeitos pretendidos.

Desde logo, entendemos que, perante a factualidade provada, não podemos – nos termos defendidos pelo Recorrente – entender que as partes têm, desde 2005, um contrato único de arrendamento.

O que resulta dos autos a este respeito é apenas que as partes celebraram, em outubro de 2015, um contrato de arrendamento com prazo certo de 05 anos e 06 meses, mediante o pagamento de uma renda mensal de EUR 240,00.

Bem como que tal contrato foi antecedido de outros tendo por objeto o mesmo locado a que as partes, concretamente a 1.ª Autora e seu marido, por um lado, e o Réu, por outro, puseram termo, celebrando novos contratos.

Perante “apenas” estes factos, a conclusão que se impõe é a de estarmos perante uma situação de celebração de sucessivos contratos de arrendamento, independentes entre si.

No entanto, ainda que aceitássemos a tese do Recorrente, nunca seria aplicável o regime legal por si invocado, tal como se explica detalhadamente na sentença recorrida, exposição a que aderimos na íntegra.

Tal como aí se expõe, e em síntese, não pode aplicar-se ao caso o regime legal da Lei n.º 13/2019, de 12/02, a qual entrou em vigor em data posterior à do envio da carta em 24/01/2019.

Não pode aplicar-se o regime previsto no art.º 14.º das Disposições Transitórias da Lei n.º 13/2019, de 12/02 uma vez que, à data da entrada em vigor desta Lei, o Réu não viva no locado há mais de 20 anos, tal como aí exigido.

Também não pode aplicar-se o regime legal consagrado na Lei n.º 30/2018, de 16/07, uma vez que, à data da entrada em vigor desta Lei, o Réu não residia no locado há mais de 15 anos.

Não estando preenchidos os requisitos consagrados nesta Lei, não se aplica, por inerência, a disposição transitória do art.º 14.º, n.º 5, da Lei n.º 13/2019, que pressupõe exatamente uma situação com estes contornos.

Finalmente, não pode aplicar-se o regime legal excecional consagrado no art.º 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que previu medidas temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pela coronavírus SARS-CoV-2, já que a suspensão aí prevista apenas durou até 30 de junho de 2021, não obstando à produção de efeitos de oposição à renovação de contrato de arrendamento.

Deixa-se consignado que, não se verificando o requisito da vivência no locado há mais de 15 ou 20 anos, sempre seria totalmente irrelevante a alegação e prova da existência de um grau de incapacidade superior a 60 %, na medida em que qualquer das leis consagra requisitos cumulativos.

Conclui-se, pois, pela improcedência deste fundamento de recurso.

A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do presente recurso.


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VII - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


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Custas a cargo do Recorrente/Réu - art.º 527.º do CP Civil.

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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)


Porto, 10 de julho de 2024
Lina Baptista
Maria Eiró
Alexandra Pelayo
________________
[1] Proferido no Processo n.º 941/06.1TBMGR.C1.S1, tendo como Relator Hélder Roque e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[2] Desconsiderando-se, para este efeito, os inúmeros requerimentos apresentados diretamente pelo Réu, pelos motivos constantes dos despachos a este propósito já proferidos.
[3] Doravante designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[4] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, p. 109.
[5] In Acórdão de 28/05/2009 proferido no Processo n.º 160/09.5YFLSB, tendo como Relator Oliveira Rocha e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[6] Do seguinte teor: “Tal contrato foi antecedido de outros, a que as partes, concretamente, a primeira Autora e seu marido, por um lado, e o Réu, por outro, puseram termo, celebrando novo contrato tendo por objeto o mesmo locado.”
[7] Do seguinte teor: “A primeira Autora, por se ver confrontada com o falecimento do seu marido, ficando a seu cargo exclusivo todas as despesas antes suportadas pelo casal, inclusive o custo da educação com os seus três filhos, pretende vender o locado.”
[8] Do seguinte teor: “Para o efeito, e na sequência de comunicações anteriores, a primeira Autora remeteu ao Réu carta registada com aviso de receção de 24.01.2019, que o Réu recebeu em 05.02.2019, comunicando-lhe que se opunha à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, assim cessando no final do prazo que lhe foi fixado, aludindo, por mero lapso, ao contrato previamente celebrado entre as partes.”
[9] Do seguinte teor: “O Réu, apesar da deslocação do carteiro ao domicílio do mesmo no dia 23.11.2021, não atendeu, nem, deixado que foi aviso para o efeito, levantou a carta nos serviços do CTT, “Loja ...”, pelo que veio devolvida com indicação “Objeto não reclamado”.”
[10] Do seguinte teor: “O Réu não entregou o locado, continuando a ocupá-lo.”
[11] Do seguinte teor: “E deposita em conta bancária um valor mensal igual ao da renda.”
[12] Do seguinte teor: “Por tal valor não ser aceite pelos Autores a título de renda, mas como indemnização pela ocupação, corrigiram junto da Autoridade Tributária a emissão de recibos de renda atinentes aos esses valores.”
[13] Proferido no Processo n.º 86/14.0T8AMGR.G1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[14] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.

Decisão Texto Integral: