Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12088/21.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: REGIME DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
VÍCIO DE FALTA OU DEFICIÊNCIA NA GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE DA SENTENÇA
REGIME LEGAL DA COMISSÃO DE SERVIÇO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2024062812088/21.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - A parte vencida na sentença (ainda que apenas parcialmente) apenas pode lograr obter a alteração da sentença na parte em que a mesma lhe é desfavorável mediante a interposição de recurso (autónomo ou subordinado) e não através do expediente de ampliação do objeto do recurso, sendo que essa ampliação, tal como configurada no artigo 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, não se prende com a alteração da decisão absolutória em condenatória (ou vice-versa).
II - A falta ou deficiência na gravação da prova, tratando-se de uma nulidade processual, como regra, deve ser arguida, em 1ª instância, no prazo de 10 dias, a contar da disponibilização do registo.
III - Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos limites legais.
IV - A nulidade da decisão prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – condenação em objeto diverso do pedido - colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
V – O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação, sempre sem olvidar o princípio do contraditório, pedra angular do sistema.
VI - A nulidade por falta de fundamentação apenas se verifica quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim de forma evidente o dever de motivação ou de fundamentação das decisões judiciais. Só a ausência absoluta de uma qualquer motivação seja de facto, seja de direito conduz à nulidade da decisão.
VII - Decorre do primeiro segmento da alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que o vício de nulidade da sentença invocado – fundamentos em oposição com a decisão – ocorre quando os fundamentos de facto e/ou direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Está, pois, em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso.
VIII - A principal caraterística que resulta do regime legal da comissão de serviço reside no facto de o legislador não exigir qualquer motivação para a ocorrência do ato extintivo da mesma, prevendo a possibilidade de fazer cessar livremente a comissão de serviço por iniciativa do empregador (artigo 163.º do Código do Trabalho).
IX - Ainda que a questão do abuso de direito seja uma questão nova que pode ser conhecida oficiosamente, como é evidente, a oficiosidade não pode ir além dos factos que foram alegados e controvertidos, pois a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório conjugado com o princípio da preclusão.
X - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas podem ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontrar-se o Tribunal ad quem com questões novas (isto é, questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o Tribunal recorrido), salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.


(da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação nº 12088/21.6T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 3




Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Eugénia Pedro
2ª Adjunta: Rita Romeira




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA (Autor) intentou a presente acção de processo comum contra Agência Para O Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E (Ré), pedindo:

a) Seja declarado ilícito o despedimento do Autor, por falta de preenchimento dos requisitos da caducidade do contrato de trabalho celebrado entre as partes;

b) Seja a Ré condenada:

i. Ao pagamento do valor de 117.042,52€ (cento e dezassete mil, quarenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido dos juros de mora vencidos desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento por parte da ré;

Ou,

Subsidiariamente,

No pagamento de uma indemnização nunca inferior a 97.730,51€ (noventa e sete mil, setecentos e trinta euros e cinquenta e um cêntimo), a título de retribuições mensais não auferidas, acrescida dos valores que venham a ser apurados como devidos a título de férias, subsídios de férias e de natal, acrescida dos juros de mora nos termos sura referidos;

ii. À reintegração do Autor

Ou,

Em alternativa, determinar o Tribunal uma indemnização a favor do Autor, considerando 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, e nunca em valor inferior a três meses de retribuição base ou a fixar em 60 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, não podendo ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades, caso seja a Ré a optar pela indemnização;

iii. Ao pagamento do valor de 21.940,55€ (vinte e um mil, novecentos e quarenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de créditos salariais decorrentes da vigência e cessação do contrato de trabalho, acrescido dos juros de mora vencidos desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento por parte da ré.
Fundou o peticionado, invocando, em substância, que: na sequência da sua nomeação pelo Conselho de Ministros para exercer as funções de ... para a ..., celebrou com a Ré um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço para exercer aquelas funções entre 14-06-2018 a 31-12-2021, sendo que entretanto foi celebrado um aditamento ao referido contrato segundo o qual o período de vigência do contrato passou a ser de 14-06-2018 a 31-12-2022; a Ré instaurou-lhe um processo disciplinar e, estando a decorrer o prazo para este responder à nota de culpa, foi publicada Resolução do Conselho de Ministros que exonerou o Autor do cargo de ... para a ...; em 21-06-2021, foi comunicado pela Ré ao Autor que a referida exoneração determinou a caducidade do contrato celebrado entre as partes, por impossibilidade absoluta e superveniente nos termos da alínea b) do artigo 343.º e da alínea a) do artigo 340.º ambos do Código do Trabalho e, bem assim, a consequente extinção do poder disciplinar, declarando extinto o processo disciplinar.

Sustentou que a sua exoneração do cargo em referência não determina a caducidade do contrato, por não configurar uma situação de impossibilidade absoluta, definitiva e superveniente do Autor prestar o seu trabalho ou da Ré o receber, pelo que concluiu que estamos perante um despedimento ilícito. Argumentou que a Ré, face aos alegados comportamentos tidos pelo Autor, que não sendo verdadeiros, também não se mostraram provados, podia ao abrigo da lei (artigo 163.º do Código do Trabalho) e da cláusula 6ª do contrato de trabalho em comissão de serviço celebrado entre as partes, pôr fim ao referido contrato, cumprindo o aviso prévio de 180 dias ou, então, não cumprindo o aviso prévio, pagando a indemnização correspondente ao aviso prévio em falta. Contudo, e não obstante esta faculdade especialmente prevista nesta modalidade de contrato, depois de tentar, sem sucesso face à defesa apresentada pelo Autor, fazer cessar o contrato pela via do despedimento por facto imputável ao trabalhador, cessou o contrato de trabalho com base numa alegada caducidade, com efeitos a partir do dia 21-06-2021, que não se verifica, já que a exoneração do Autor, através da Resolução do Conselho de Ministros, contratualmente prevista, necessitaria da formalização e materialização daquela decisão.  Concluiu que a Ré, de forma ilegal e em arrepio ao previsto na lei, cessou o contrato de trabalho do Autor, quando não tinha qualquer fundamento legal para o fazer. Convocando o disposto no artigo 393.º do Código do Trabalho, e com fundamento na ilicitude do despedimento, reclamou a título principal o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor total de € 117.042,52 (sendo € 13.649,76 a título de danos patrimoniais, correspondente ao valor mensal que falta para fazer face às suas obrigações, no montante de € 758,32 x 18 meses correspondente ao período remanescente do contrato; € 63.392,76 de indemnização com fundamento em perda de chance fixado em 1/3 do que auferiria ao longo dos três anos para além do termo previsto para dezembro de 2022 se se mantivesse em funções; e € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais). Mais peticionou a título principal a sua reintegração ou o pagamento de uma indemnização em substituição (de 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao tempo decorrido desde o o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial e nunca em valor inferior a três meses de retribuição base, ou caso seja a Ré a optar pela exclusão da reintegração, de 60 dias de retribuição base por cada ano  completo ou fração de antiguidade nunca inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades).

Em sede dos créditos salariais decorrentes da vigência e cessação do contrato de trabalho, sustentou ainda que o abono mensal para despesas e o “subsídio de escolaridade” configuram retribuição, já que sempre os recebeu, mesmo em férias e em período de confinamento, e foram-lhe sempre reembolsadas as despesas que este suportou, pelo que o valor do abono e subsídio deveria ter-lhe sido pago também nos subsídios de férias e de Natal, reclamando a título de diferenças € 10.460,86. Finalmente, reclamou os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos ao ano da cessação do contrato no valor de € 7.924,10, o valor de € 3.466,79 a título de formação profissional que nunca lhe foi prestada e € 88,80 a título de diferenças salariais entre o valor que foi pago a título de “Despesas de Representação” (1.478,75€) e o valor que devia ter sido pago, por força do disposto no artigo 28º, nº 2 de Estatuto do Gestor Público (1.483,19€).

Realizada audiência de partes, frustrou-se a conciliação, sendo a Ré notificada para contestar.

A Ré apresentou contestação, aceitando a celebração do contrato com o Autor e a respetiva cessação, mas defendendo que tal cessação o foi por caducidade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço.

Sustentou que o que estava em causa era uma impossibilidade jurídica ou legal, porque a execução do trabalho contratado – o exercício das funções que o Autor se obrigou a prestar enquanto Comissário-Geral - dependia de um ato normativo do Governo, isto é, da nomeação para o cargo em causa: o trabalho só pode ser prestado por quem o Governo nomear para o cargo e enquanto essa nomeação se mantiver. Mais sustentou que a exoneração do Autor do cargo impossibilitou a Ré de receber a prestação a que este se obrigou, não dispondo de qualquer margem para decidir ou não o direito de denunciar o contrato. Nessa decorrência, defendeu que a exoneração do Autor do cargo em causa implica a impossibilidade definitiva de o Autor executar aquelas funções, determinando a caducidade do contrato. Concluiu pela improcedência dos pedidos formulados pelo Autor que pressupõem a prática de um ato ilícito da Ré, seja a título de danos patrimoniais, não patrimoniais, perda de oportunidade, de pagamento das retribuições até ao termo previsto no contrato, férias, subsídio de férias e de Natal, de reintegração ou de indemnização em substituição desta.

Sem prescindir, referindo que o fazia subsidiariamente (cfr. ponto 4 da contestação sob a epígrafe “Subsidiariamente: eventual necessidade de concretizar a caducidade através da denúncia do contrato e consequências da falta de aviso prévio” – artigos 94.º a 159.º da contestação),  entendeu a Ré que caso se considere que a exoneração do Autor do cargo de Comissário-Geral pelo Governo e consequente caducidade tivesse que ser concretizada através da denúncia do contrato, apenas se poderia considerar a declaração expressa pela Ré em 21-06-2021 como uma denúncia irregular por falta de aviso prévio - com o correspondente direito do Autor a receber uma indemnização de valor igual  ao da retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta – e não como um despedimento ilícito.

Negou que o valor do abono mensal e do subsídio de escolaridade deva ser pago ao Autor nos subsídios de férias e de Natal, uma vez que a relação contratual em causa obedecia a regras próprias, estando sujeita ao regime remuneratório consagrado no Estatuto do Gestor Público, sendo que o subsídio de escolaridade não constitui contrapartida pelo trabalho, sendo sim de natureza assistencial.

Impugnou o valor reclamado a título de proporcionais de subsídio de férias e de Natal, alegando ter pago a quantia de € 3.131,18, que referiu ser a devida, o mesmo tendo referido a respeito da formação profissional, invocando ter pago € 2.970,00.

Aceitou serem devidas diferenças salariais entre o valor pago ao Autor a título de “despesas de representação” e o valor que devia ter sido pago, referindo, porém, que o valor em dívida é apenas de € 79,92 (por ser devido em 12 meses e não em 14).

A Ré concluiu a contestação nos seguintes termos (transcrição):

«Nestes termos, e no mais de Direito, deve a presente acção:

a) Ser julgada improcedente, por o contrato de trabalho do A. ter cessado regularmente por caducidade, devendo a Ré ser integralmente absolvida do pedido;

b) Subsidiariamente, e por mera cautela de patrocínio, no caso de se considerar que a caducidade devia ter sido operacionalizada através de uma denúncia da comissão de serviço, deve esta ser considerada válida e eficaz, ainda que irregular por falta de cumprimento do aviso prévio, condenando-se a Ré no pagamento de uma compensação que não vai além do valor de € 22 181.34 e absolvendo-a de todos os demais pedidos.».

Veio a ser proferido:

- despacho a fixar o valor da ação em € 138.938,07;

- despacho saneador;

- despacho dispensando a enunciação do objeto do litígio e dos temas de prova.

Realizada a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte (transcrição):

«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, consequentemente: A) condeno a ré a pagar ao autor:

- a quantia de 22.247,88€, a título de indemnização nos termos do disposto no artigo 163º, nº 2 do C. Trabalho, e

- a quantia de 79,92€, a título de diferenças do valor do abono mensal para despesas de representação, tudo acrescido de juros de mora taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento; e

B) no mais absolvo a ré do pedido.

Custas a cargo do autor e da ré em proporção do decaimento.

Notifique.».

A Ré interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:

(…)

Inconformado com a referida sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as referidas CONCLUSÕES, que se transcrevem:

(…)

O Autor respondeu ao recurso interposto pela Ré, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

(…)

A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, com ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:

(…)

O Autor apresentou resposta à ampliação do recurso apresentada pela Ré, formulando as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):

(…)

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir os recursos interpostos pelo Autor e pela Ré e a notificar esta última para prestar a caução oferecida. Nesse mesmo despacho foi emitida pronúncia quanto às invocadas nulidades, no sentido da sua não verificação. Prestada caução, foi proferido despacho a julgar validamente prestada a caução pela Ré e a determinar a subida dos autos.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, aí se lendo (transcrição):

“[…]

Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, AICEP, EPE e AA, vieram interpor recursos da douta sentença proferida pela Mma. Juíza de Direito do Juízo Trabalho do Porto - Juiz 3, com a qual não se conformam, que, tendo julgado parcialmente procedente a acção, consequentemente condenou a primeira recorrente a pagar ao segundo as quantias constantes do segmento decisório e para onde se remete “brevitais causa”.

A primeira recorrente fá-lo, parcialmente, quanto à sua condenação conforme o segmento da alínea A) do dispositivo.

Invoca que a “Sentença padece de nulidade decorrente de condenação em objeto diverso do pedido, e, por esse motivo, também por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho e da alínea e) e d) do n.º 1 do artigo 615.º e artigo 609.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.”.

Pugna pela revogação da sentença recorrida.

Por seu lado, o segundo recorrente discorda na parte em que ficou vencido quanto aos pedidos por si formulados.

Invoca os vícios de nulidade por deficiência da gravação do depoimento de testemunha que indica, bem como as previstas no artigo 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC, por remissão do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho; mais impugna a matéria de facto por incorreta apreciação da prova e interpretação da lei, e, correlativa matéria de direito, por imprópria aplicação do que dela resulta aos factos provados e não provados – cfr. suas conclusões nº.s 2 a 6 e para onde se remete.

A final, tal como no corpo da alegação, nenhuma consequência extrai quanto à sentença recorrida, sem invocação de concreto pedido de sua alteração ou anulação, se bem que pugne pelo “direito a uma compensação no valor de €4.704,36, como resulta da última conclusão que formulou.

Ambos os recorridos contra-alegaram pela improcedência dos respectivos contra recursos. A primeira recorrente mais formulou um pedido subsidiário de ampliação do objeto de recurso conforme a conclusão XXXVIII e seguintes das suas contra-alegações.

Isto posto, atento o objecto dos presentes autos, considerando as conclusões recursivas que foram formuladas, ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, temos que o 1º. recurso não merece provimento e o 2º. deve ser rejeitado por deserção.

A douta sentença recorrida, deverá ser confirmada, ante a argumentação nela expressa, que teve me vista alcançar a “justa composição do litígio” – cfr. artº.s 5º. nº. 3, 411º. e 615º. nº. 1 al. d) e e), este “a contrario sensu”, todos do CPC.

Quanto ao primeiro recurso, não colhe a invocada nulidade em condenação em objeto diverso do pedido e excesso de pronúncia – cfr. contra alegações do recorrido, nesta parte e que se acompanham.

Nos termos do estabelecido no Artº. 615º. Nº.1, Al. D), do C.P.Civil, é nula a sentença, para o caso em apreço, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

Não se vislumbra o incumprimento por parte da ilustre julgadora do incumprimento do seu poder/dever determinado no antecedente Artº. 608º. Nº. 2 (Questões a resolver - Ordem do julgamento). Tal consiste, por um lado, na resolução de todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, com excepção daquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.

 Ora, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador supera o conhecimento que lhe foi solicitado pelas partes. Ou seja, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

Só ocorre causa de nulidade, por vício de “ultra petita”, quando a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, basicamente diferente daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido) – cfr. Acórdão do S.T.J., de 06/12/2012; Prof. J.A.Reis, CPC Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág.s 56 e segs. e Rui Pinto, in Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), JULGAR Online, maio de 2020.

É manifesto que a decisão recorrida não padece de excesso de pronúncia, por ser dotada de eficácia jurídica, uma vez que há concorrência com o objecto do processo, sem que a Mma. Juiza “a quo” tenha ultrapassado o que lhe foi pedido por via do que foi factualmente articulado e ampliado.

Como não se vislumbra que a 1ª. recorrente haja incorrido em “abuso do direito” com o presente recurso, em contrário do que se pretende com as contra alegações do recorrido. Temos que aquela lançou mão de um mecanismo processual com os argumentos que melhor entendeu para refutar o decidido – cfr. artºs. 20º. da CRP e 2º. do CP e Ac. deste TRP de 13.07.2006. Os prejuízos causados serão passíveis de serem ressarcidos, designadamente nos termos do RCP, eventualmente.

Daí que seja notório que a argumentação das alegações da recorrente não possa subsistir em confronto com a fundamentação expendida na decisão sob recurso. Improcedem, pois, as conclusões formuladas.

Quanto ao 2º. recurso, o recorrente conclui sem formulação de concreto pedido de eventual alteração ou anulação da decisão recorrida, o que consubstancia uma forma imprópria de impugnar, atenta a disponibilidade do objecto do recurso – cfr. artº. 639º. nº. 1 do CPC e Maria dos Prazeres Beleza, in A harmonização dos poderes do juiz e das partes nos recursos cíveis.

Conforme o que é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, representando o recurso como o modo processual pelo qual se subordina uma decisão judicial a nova avaliação por um tribunal superior, é através das alegações e conclusões, que se fixa o seu objecto.

Pelas alegações, a parte há-de expor as razões da sua divergência quanto à decisão recorrida - ónus de alegar. Pelas conclusões, há-de fazer a anotação sintetizada das razões por que implora a alteração ou a anulação da decisão recorrida - ónus de formular conclusões.

O recurso apesar de ter causa de pedir (“tem o Recorrente direito a uma compensação no valor de €4.704,36” – cfr.. 81ª. conclusão “in fine”), não tem um pedido formulado, de forma expressa ou tácita, o que o torna inepto. Não cabe a este Tribunal “ad quem” suprir tal irregularidade, por não se poder sobrepor ao recorrente faltoso quanto ao que se encontra omisso e o que prejudica qualquer convite para sua reformulação.

Nos termos do Nº. 1 do Artº. 639º. do C.P.C., este normativo tem por finalidade levar o recorrente a sujeitar explicitamente à ponderação do tribunal superior as razões do seu desacordo para com o decidido, dando a conhecer os motivos por que acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que aquele delas tome conhecimento e as aprecie em conformidade - cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 357.

No caso em apreço, sem que a lei processual imponha fórmulas pré-estabelecidas, o recorrente incumpre o supra mencionado normativo, o que torna o recurso ininteligível e o que, consequentemente, implica a sua deserção. Está votado ao insucesso, por violação de um dever processual, pelo que deve ser rejeitado.

Daqui resulta que o pedido subsidiário de ampliação do objeto de recurso enunciado pela 1ª. recorrente não seja passível de ser conhecido.

A sentença recorrida merece ser mantida na ordem jurídica.

Em suma, emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao 1º. recurso, e que o 2º. recurso seja rejeitado.».

O Autor respondeu ao referido parecer, argumentando, em síntese, que:

- Não se alcança a posição do Ministério Público quando diz que o recurso do Autor é desprovido de pedido, que é ininteligível, quando são completamente intelegíveis os pedidos que o Autor faz a este Tribunal de nulidade, de alteração e de revogação da decisão recorrida;

- Sem prescindir, ainda que pudessem existir falhas na apresentação do recurso do Autor, de natureza puramente formal, tais falhas não conduziriam à ineptidão do recurso e sua consequente rejeição, sendo que as conclusões é que fixam o objeto do recurso, o qual se mostra perfeitamente definido nas conclusões apresentadas;

- Atentas as conclusões apresentadas pelo Autor no recurso que interpôs, onde este formula, de forma expressa, uma pretensão de nulidade, alteração e revogação da decisão recorrida, clara, objetiva e perfeitamente intelegível, o vício evidenciado no articulado, a existir, pela circunstância do pedido formulado não ter sido destacado no momento conclusivo do mesmo, é de menor gravidade, não consubstanciando uma ineptidão.

Terminou, dizendo que, caso o Tribunal adira à tese do Ministério Público, o que refere não conceber, sempre teria o Recorrente que ser convidado a aperfeiçoar a sua peça, pelo que à cautela, formula o seguinte pedido (transcrição):

«TERMOS EM QUE, COM O SUPRIMENTO DE V/EXAS., DEVE:

I. SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA POR DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL, POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO QUE JUSTIFICA A DECISÃO, E POR OPOSIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO, NOS TERMOS ALEGADOS E CONSTANTES DAS CONCLUSÕES SUPRA, PARA AS QUAIS SE REMETE, TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

II. SER CONSIDERADA POR TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONSTANTE DAS ANTECEDENTES CONCLUSÕES, PARA AS QUAIS TAMBÉM SE REMETE, E EM CONSEQUÊNCIA SER ALTERADA A MATÉRIA DE FACTO EM CONFORMIDADE.

III. SER CONSIDERADA POR TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO, E EM VIRTUDE DISSO, SER REVOGADA A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE:

· DECLARE QUE O “ABONO MENSAL DE DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO” E O “SUBSÍDIO DE ESCOLARIDADE”, AUFERIDOS PELO RECORRENTE DE FORMA REGULAR E PERIÓDICA, SEJAM CONSIDERADOS RETRIBUIÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, QUE A RECORRIDA SEJA CONDENADA A PAGAR AO RECORRENTE A QUANTIA TOTAL NUNCA INFERIOR A €13.554,98 (TREZE MIL QUINHENTOS E CINQUENTA E QUATRO EUROS E NOVENTA E OITO CÊNTIMOS), REFERENTE A DIFERENÇAS SALARIAIS ENTRE O QUE FOI PAGO E O QUE DEVIA TER SIDO PAGO AO RECORRENTE A TÍTULO DE SUBSÍDIO DE FÉRIAS E DE NATAL, PROPORCIONAIS DE FÉRIAS, SUBSÍDIO DE FÉRIAS E DE NATAL, E CRÉDITO DE HORAS DE FORMAÇÃO.

· DECLARE O DESPEDIMENTO ILÍCITO DO RECORRENTE, E CONSEQUENTEMENTE, CONDENE A RECORRIDA AO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO NUM VALOR GLOBAL NUNCA INFERIOR A 117.042,52€ (CENTO E DEZASSETE MIL E QUARENTA E DOIS EUROS E CINQUENTA E DOIS CÊNTIMOS), REFERENTE AOS DANOS PATRIMONIAIS, PERDA DE CHANCE E DANOS NÃO PATRIMONIAIS, VALOR AO QUAL DEVE, AINDA, ACRESCER A INDEMNIZAÇÃO A FIXAR EM 60 DIAS DE RETRIBUIÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 392.º, N.ºS 1 E 2, DO CT, BEM COMO O VALOR REFERENTE ÀS RETRIBUIÇÕES QUE O RECORRENTE DEIXOU DE AUFERIR DESDE O DESPEDIMENTO ILÍCITO ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DO TRIBUNAL QUE DECLARE A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 390.º, DO CT.

· DECLARE QUE A RECORRIDA ATUOU EM ABUSO DE DIREITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 334.º DO CC.

IV. SEM PRESCINDIR, E PARA O CASO DE SE ENTENDER QUE ESTAMOS PERANTE UMA DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO EM COMISSÃO DE SERVIÇOS IRREGULAR, MAS VÁLIDA, DEVERÁ A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE A RECORRIDA NÃO SÓ A PAGAR AO RECORRENTE A INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA FALTA DE AVISO PRÉVIO, MAS TAMBÉM UMA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS DECORRENTES DA CESSAÇÃO SEM CUMPRIMENTO DO AVISO PRÉVIO, SENDO QUE TAL INDEMNIZAÇÃO DEVERÁ CORRESPONDER, NO MÍNIMO, ÀS RETRIBUIÇÕES QUE O RECORRENTE RECEBERIA ATÉ AO FINAL DO PRAZO ACORDADO PARA A COMISSÃO DE SERVIÇO, BEM COMO À COMPENSAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 164.º DO CT, NUM VALOR GLOBAL NUNCA INFERIOR A 110.442,36€ (CENTO E DEZ MIL QUATROCENTOS E QUARENTA E DOIS EUROS E TRINTA E SEIS CÊNTIMOS).

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


***


II – Questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

(1) Questões prévias (estão em causa questões que poderão contender com a apreciação do objeto do recurso, devendo por isso ser conhecidas a título prévio)

A) Da existência de causa para o não conhecimento do recurso apresentado pelo Autor – existência de causa de rejeição do recurso, questão suscitada no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto;

B) Da (in)admissibilidade da ampliação do objeto do recurso requerida pela Ré na resposta à apelação do Autor.

 (2) Nulidades invocadas:

C) Saber se ocorre nulidade da sentença recorrida de conhecimento oficioso, por deficiência de gravação da prova testemunhal – questão suscitada no recurso apresentado do Autor;

D) Saber se ocorrem as nulidades da sentença recorrida invocadas:

d.1. - Por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) in fine e e), do CPC – questão que constitui o objeto do recurso da Ré;

d.2.- Por falta de fundamentação de facto e de direito e por oposição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil – questões suscitadas no recurso apresentado pelo Autor;

(3) Saber se ocorreu erro de julgamento sobre a matéria de facto - impugnação da decisão da matéria de facto – questão suscitada no recurso apresentado pelo Autor, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal em sede da matéria de facto;

(4) - Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito - nos termos que serão melhor explicitados aquando do conhecimento desta matéria em sede de fundamentação [âmbito do recurso apresentado pelo Recorrente Autor; quanto à questão suscitada nesta sede pela Recorrida no requerimento de ampliação de recurso, está dependente da resolução da questão prévia aludida em (1) B)].


***


III – Fundamentação

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância (tendo em conta as questões a decidir, iremos proceder à transcrição da referida decisão, incluindo a respetiva fundamentação).

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

«São os seguintes os factos provados:

A) Por contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, datado de 09/07/2019, foi o autor contratado pela ré para exercer as funções inerentes ao cargo de ... para a ..., entre 14/06/2018 a 31/12/2021, junto à petição inicial como documento nº 2, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

B) Aquando da celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço entre o autor e a ré, foi acordado, na cláusula 6.ª que “O presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias. A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar nos termos legais aplicáveis”.

C) Na cláusula 3.ª do contrato foi acordado que “Em contrapartida pelo trabalho prestado nos termos da Resolução do Conselho de Ministros e do presente contrato, o Segundo Contraente auferirá a remuneração correspondente ao vencimento mensal ilíquido de €3.891,47 (pago 14 vezes por ano) e ao abono mensal de despesas de representação no valor ilíquido de €1.556,59 (pago 12 vezes por ano)”.

D) Em virtude do adiamento por um ano da ... motivado pela crise de saúde pública internacional provocada pela pandemia da doença COVID-19, em 14/09/2020, foi celebrado entre o autor e a ré um “aditamento ao contrato de trabalho em comissão de serviço”, segundo o qual foi alterada a cláusula 5.ª do referido contrato, passando o mesmo a ter “um período de vigência de 14 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2022.

E) O período de duração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço celebrado entre as partes, tanto na sua versão inicial, como com o posterior aditamento, prolongava-se para além das datas de encerramento da ... a 31 de março de 2022.

F) A contratação do autor surgiu na sequência da sua designação pelo Conselho de Ministros para exercer as funções de ... para a Exposição Mundial do ... – ..., conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30/08, junta à petição inicial como documento nº 5, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

G) Nos termos da referida Resolução de Ministros, ao ... na ..., “compete a coordenação e a direção da participação portuguesa na Exposição Mundial do ... - ..., em todas as suas fases e vertentes e tendo presentes as competências da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E. (AICEP, E.P.E.).

H) O autor foi convocado para reunir, no dia 21/05/2021, pelas 15:30h, no Palácio das Necessidades, sito no Largo ..., em Lisboa, com o Senhor Secretário de Estado da Internacionalização, Sr. Dr. BB, na qual foi por este sugerido ao autor apresentar a denúncia ao contrato de trabalho em face do processo disciplinar com intenção da ré em proceder ao seu despedimento com justa causa.

I) No dia 21/05/2021, o autor foi convocado para reunir com o Presidente do Conselho de Administração da ré, Sr. Dr. CC, mas agora nas instalações da ré sitas na Rua ..., ..., ... Lisboa.

J) Nesta reunião, o autor foi informado pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. Dr. CC que na segunda feira, dia 24/05/2021, iria receber uma Nota de Culpa à qual deveria responder com a maior celeridade.

K) Em face disto, o aqui autor questionou o Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. Dr. CC, se, até receber a referida comunicação, existiria alguma limitação ao exercício das suas funções de ..., tendo recebido a resposta de que estaria “apenas limitado a atos administrativos”.

L) No dia 24/05/2021, o autor foi novamente convocado para uma reunião, tendo esta ocorrido pelas 17h30m, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, com o Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Sr. Dr. DD.

M) O autor começou por dar nota dos últimos acontecimentos, nomeadamente o teor das reuniões realizadas com o Senhor Secretário de Estado da Internacionalização, Sr. Dr. BB, e com o Presidente do Conselho de Administração da Ré, Sr. Dr. CC, mostrando-lhe a sua total perplexidade perante tudo o que se estava a passar.

N) O autor informou os presentes, que, até à data, ainda não tinha sido por ele rececionada qualquer Nota de Culpa, estando, obviamente, disponível para prestar todos os esclarecimentos tidos por necessários.

O) O Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, comunicou ao aqui autor que tinha duas possibilidades, ou o autor apresentava o seu pedido de exoneração, ou a Presidência do Conselho de Ministros exonerava-o.

P) O autor, ao ser confrontado com as palavras do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, reiterou o que já havia transmitido anteriormente nas duas reuniões em que havia sido confrontado com esta situação: informou-o que desconhecia as acusações que lhe estavam a ser imputadas, não tendo recebido, ou tido acesso, a qualquer Nota de Culpa, não sabendo, portanto, do que estaria a ser acusado, e que, portanto, nada iria fazer até esse momento.

Q) A resposta que o autor teve por parte do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, foi a de que, então, deveria ficar a aguardar informações da “nossa parte”.

R) No dia 28/05/2021, via correio eletrónico, o autor foi informado de que a aqui ré decidiu instaurar-lhe um procedimento disciplinar, enviando-lhe a respetiva nota de culpa, sendo intenção da ré proceder ao seu despedimento com justa causa, devendo considerar-se suspenso preventivamente, por a sua presença nas instalações da ré se revelar, quer inconveniente, em face dos factos que lhe são imputados, quer contrária ao cabal apuramento dos factos, sem perda de retribuição.

S) Esta mesma nota de culpa foi rececionada pelo autor, via CTT, no dia 31/05/2021.

T) Em 15/06/2021, quer via correio eletrónico, quer via CTT, o autor apresentou a sua resposta à nota de culpa, nos termos constantes no documento junto à petição inicial sob o nº 11, que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

U) No dia 02/06/2021, foi publicado o Comunicado do Conselho de Ministros, realizado neste mesmo dia, segundo o qual, e no que respeita a este assunto em concreto, “O Governo designou CC e EE como Comissário-Geral e vice-comissária de Portugal para a ..., tendo em consideração as funções que exercem na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal”.

V) Em 11/06/2021 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021, de 11/06, segundo a qual:

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, o Governo reconheceu a importância da participação de Portugal na Exposição Mundial do ... (...), resolvendo, para o efeito, designar um Comissário-Geral e estabelecer um conjunto de preceitos necessários à definição dessa participação.

Face ao adiamento da ..., esta Resolução foi alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2020, de 12 de agosto.

Considerando a já longa experiência angariada na preparação do evento e a fase atual de concretização deste projeto. Considerando ainda as sinergias e atribuições da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E. (AICEP, E. P. E.), no domínio do planeamento, organização e articulação da participação 11 portuguesa em exposições universais e internacionais, tal como previsto na alínea g) do artigo 5.º dos respetivos Estatutos aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 229/2012, de 26 de outubro.

Atenta a necessidade de salvaguardar níveis adequados de coordenação e direção da participação portuguesa na ..., e tendo presentes as responsabilidades da AICEP, E. P. E., neste processo, entende-se oportuno e necessário proceder à substituição do Comissário-Geral.

Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

 1 — Exonerar AA do cargo de ... para a Exposição Mundial do ... (...).

2 — Designar o presidente do conselho de administração da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E. (AICEP, E. P. E.), CC, para exercer as funções de ... para a ..., e a vogal do conselho de administração da AICEP, E. P. E., EE, no âmbito das suas atribuições executivas, para exercer as funções de vice-comissária de Portugal para a ..., cujas notas curriculares constam do anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante.

 3 — Determinar que à vice-comissária de Portugal para a ... compete coadjuvar o ... para a ... nas competências previstas nos n.os 3, 5 e 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, na sua redação atual.

4 — Estabelecer que os designados nos termos do n.º 2 não auferem qualquer prestação adicional, independentemente da respetiva natureza, designadamente a título de remuneração, compensação, subsídio, senha de presença ou ajudas de custo, pelo exercício das suas funções.

5 — Determinar que as designações para o desempenho dos cargos referidos no n.º 2 são efetuadas pelo período entre a data da aprovação da presente resolução e 31 de dezembro de 2022.

 6 — Revogar os n.os 2 e 7 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, na sua redação atual.

7 — Estabelecer que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação”.

W) Em 21/06/2021, pelas 12:06h, o autor recebeu um e-mail da Dra. EE, Vogal Executiva do Conselho de Administração da ré, com o assunto “Comissário-Geral – caducidade do contrato de trabalho e extinção o processo disciplinar”, com o seguinte teor:

Exmo. Senhor Dr. AA, Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021 da Presidência do Conselho de Ministros, de 11 de junho, que exonera V. Exa. do cargo de ..., vem a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E. (AICEP), comunicar o seguinte:

a. A exoneração do cargo de Comissário-Geral nos termos da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021, determina a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a AICEP e V. Exa. a 9 de julho de 13 2019, por impossibilidade absoluta e superveniente nos termos da alínea b) do artigo 343.º do CT e da alínea a) do artigo 340.º do Código do Trabalho.

Em consequência,

b. Em virtude da extinção do contrato de trabalho e consequente extinção do poder disciplinar do empregador é declarado extinto o processo disciplinar instaurado por Deliberação de 18 de maio de 2021;

Face ao exposto, vem solicitar-se, nos termos do artigo 342.º do Código do Trabalho, a devolução dos meios colocados à disposição de V. Exa., para efeitos da prestação do trabalho, designadamente, uma viatura Audi A4, 1 computador Lenovo, os 2 telemóveis (1 Samsung Galaxy S20 e 1 Huawei MATE 10 Pro), o cartão de acesso às instalações e eventuais chaves que permaneçam em poder de V.Exa., sugerindo-se, para o efeito, que entre em contacto comigo enquanto Administradora Executiva da AICEP.

Junto se envia o certificado de trabalho a que se refere o artigo 341.º n.º 1, alínea a) e modelo 5044/2018 para efeitos de apresentação na Segurança Social”.

X) O Conselho Consultivo do autor enquanto Comissário, por si indicado, é composto por FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX e YY.

Y) Foram divulgadas na comunicação social notícias com títulos: “Governo troca comissário da ... a 4 meses da exposição”, “Presidente da AICEP nomeado Comissário-... a quatro meses da exposição”, “Presidente da AICEP nomeado Comissário-... a quatro meses da exposição”.

Z) Desde que iniciou o seu vínculo contratual com a ré, o autor sempre recebeu, para além do vencimento base – no montante de 3.891,47€ que, por força do corte orçamental, ascendeu a 3.696,89€ até 12/2019 e a 3.707,98€ desde então - a remuneração correspondente ao abono mensal de despesas de representação no valor de 1.478,75€ e o valor correspondente ao “subsídio de escolaridade”, mesmo no período de gozo de férias.

AA) Foram reembolsadas ao autor as seguintes despesas inerentes ao cargo:

- Novembro de 2018: 964,46€;

- Dezembro de 2018: 300,78€;

- Janeiro de 2019: 425,86€;

- Março 2019: 300,57€;

- Abril 2019: 353,77€;

- Maio 2019: 150,60€;

- Junho 2019: 75,30€;

- Julho 2019: 326,30€;

- Agosto 2019: 125,50€;

- Setembro 2019: 401,60€;

- Novembro 2019: 788,89€;

- Dezembro 2019: 163,05€;

- Janeiro 2020: 707,04€;

- Fevereiro 2020: 125,50€;

- Março 2020: 570,49€;

- Maio 2020: 75,30€;

- Julho 2020: 163,15€;

- Agosto 2020: 163,15€;

- Novembro 2020: 514,55€;

- Dezembro 2020: 14,31€;

- Janeiro 2021: 125,50€;

- Fevereiro 2021: 25,10€;

BB)Nos meses de março a maio de 2020 e janeiro a março de 2021, em pleno confinamento, onde as deslocações eram poucas, atenta a situação pandémica vivida, o autor continuou a receber o referido abono mensal para despesas de representação.

CC) O subsídio de estudos ou de escolaridade destina-se a apoiar os colaboradores da ré a suportar os custos inerentes à frequência de estabelecimentos de educação dos respetivos filhos ou dependentes.

DD)Por ocasião da cessação do contrato de trabalho, a ré pagou ao autor os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1.565,59€, cada um, e 2.970€ a título de formação profissional não prestada.

EE) Em agosto de 2018, o autor recebeu a título de subsídio de férias o valor de 2.016,49€.

FF) Em novembro de 2018, o autor recebeu a título de subsídio de natal o valor de 3.696,89€.

GG) Em junho de 2019, o autor recebeu a título de subsídio de férias o valor de 3.696,89€.

HH)Em novembro de 2019, o autor recebeu a título de subsídio de natal o valor de 3.696,89€.

II) Em junho de 2020, o autor recebeu a título de subsídio de férias o valor de 3.707,98€.

JJ) Em novembro de 2020, o autor recebeu a título de subsídio de natal o valor de 3.707,98€.

KK)Em junho de 2021, o autor recebeu a título de subsídio de férias o valor de 3.707,98€.

LL) O autor nunca recebeu qualquer tipo de formação profissional por parte da ré.

MM) Com a cessação do contrato, o agregado familiar do autor passou a depender do salário auferido pela esposa do autor, no valor de 1.200€ ilíquidos e do subsídio de desemprego auferido pelo autor, no valor de 1.097,03€.

NN) Antes da nomeação ora em causa, o autor tinha exercido as funções de Presidente do Conselho de Administração da ..., S.A., tendo anteriormente um vínculo contratual com a A..., Lda., assumindo as funções de Diretor-Geral da ....

OO) Numa primeira fase, o autor negociou uma licença sem vencimento e depois atendendo à nomeação Comissário-Geral para além do período inicialmente contratualizado, o autor teve de colocar termo ao vínculo que tinha.

Mais resultou provado que (facto não alegado que aqui se adita ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CPT, uma vez que sobre os mesmos incidiu discussão, tendo o autor nas alegações feito alusão a tal recebimento):

PP) Por ocasião da cessação do contrato de trabalho, a ré pagou ao autor a título de proporcionais de férias o valor de 1.565,59€.


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Factos não provados com relevância para a decisão:

1) No dia 30/04/2021, aquando da assinatura de um Protocolo de Colaboração para a participação portuguesa na exposição mundial ... entre a aqui ré e a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação, numa cerimónia pública realizada no auditório “...”, na sede do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em ..., o Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros reforçou a confiança e reconheceu publicamente o mérito do trabalho desenvolvido pelo aqui autor.

2) O tema da exoneração do autor como ... andou de “mão em mão”, sendo este tema discutido por dezenas de pessoas, inclusivamente, o próprio Sr. Primeiro Ministro.

3) Com a sua exoneração do cargo, todas as pessoas que compunham o Conselho Consultivo ficaram com a dúvida do que terá feito o autor para ser exonerado do cargo de Comissário-Geral.

4) Mensalmente, e tendo em conta o rendimento mensal do agregado familiar do autor, este, tem as seguintes despesas fixas:

- Renda Habitação: 910,35€;

- Eletricidade e Gás: 100€;

- Água: 30€;

- Internet/TV: 70€;

- Seguro da habitação: 30€;

- Lavandaria: 75€;

- Alimentação: 400€;

- Colégio filhos: 900€;

- Atividades extracurriculares filhos: 75€;

- Livros/Material Escolar: 40€;

- Farmácia: 15€;

- Restauração: 100€;

- Vestuário: 100€;

- Viagens: 100€;

- Cuidados Pessoais: 25€;

- Atividades desportivas: 25€.

5) A ré sempre soube e consentiu que o autor fizesse uma utilização do carro a título como pessoal.

6) O que determinou a aceitação da prorrogação do contrato para além do período inicialmente estabelecido e para além do fim da ..., foi a expetativa do autor de que, face ao seu desempenho e resultados, poderia vir a assumir o cargo de ... ....

7) Na tomada de decisão referida em OO), o autor teve essencialmente em conta o facto de sempre lhe ter sido transmitido um feedback muito positivo relativamente ao desempenho das suas funções, mas, sobretudo, as hipóteses que lhe seriam colocadas em consequência do resultado do seu trabalho e, sobretudo, do sucesso da participação portuguesa na ....

8) Perante isto, e perante o facto de o autor ter projetado e apostado numa carreira profissional ao serviço do interesse público, o autor concordou em colocar termo ao vínculo que tinha com a A..., Lda.

9) O autor perspetivou, dado os resultados do seu trabalho, que Portugal poderia ponderar voltar a trazer a Expo 2030 para Portugal e que, nesse cenário, o autor seria a pessoa mais habilitada para conduzir a organização de tal evento.

10) Dado todo o reconhecimento que o trabalho desenvolvido pelo autor teve no seio da organização ... o autor tinha a expectativa de liderar a participação portuguesa na ... ....

11) A forma como a ré procedeu à cessação do contrato de trabalho do autor, impossibilitou a manutenção da carreira do autor no setor público.

12) Aquando da negociação do aditamento ao contrato de trabalho em comissão e serviços, o que foi colocado na mesa das negociações não foi apenas a conclusão do evento ..., mas sim uma possibilidade séria e real, dado o trabalho desenvolvido pelo autor, deste manter-se em funções muito para além deste evento.

13) A actuação da ré provocou no autor consternação, preocupação, angústia com o seu futuro e o da sua família, desgosto e profunda tristeza, afetando a sua dignidade pessoal e profissional, sentiu-se envergonhado com a exoneração do cargo.

14) Em virtude dos factos acima descritos, o autor sente-se vexado em praça pública, perante todas pessoas com quem trabalhou direta e indiretamente, incluindo-se todos os membros do Grupo de Trabalho Interministerial e todas as pessoas que convidou para o Conselho Consultivo.

15) Sente-se uma profunda injustiça por não lhe ter sido dada a oportunidade de defesa e por todo o seu trabalho, esforço e dedicação enquanto Comissário-Geral ser agora afeto a outra pessoa, quando o mesmo se encontra praticamente concluído.

16) Até ao dia de hoje é a primeira vez com que o autor se depara com uma situação de despedimento.

17) Em virtude disso, o autor tornou-se numa pessoa infeliz, amargurada com a vida, sofre de insónias e irrita-se com muita facilidade, afetando de forma grave e séria toda a sua família.


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Fundamentação:

A matéria constante nos pontos A) a G), I) a K), R) a V), W), Z) e LL) foi aceite pelas partes nos articulados, resultando também dos respectivos documentos juntos aos autos que parcialmente se transcreveram.

Os pontos constantes em H) e L) a Q) foram parcialmente aceites pela ré na contestação, tendo quanto ao mais sido considerado o depoimento escrito prestado pelas testemunhas BB e DD, respectivamente, Secretário de Estado da Internacionalização e Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, com quem o autor reuniu e que depuseram de forma objectiva e conhecedora da respectiva factualidade.

Relativamente ao que vem descrito em X) foi considerado o documento junto com a petição inicial com o nº 12, devidamente conjugado com o depoimento das testemunhas ZZ, AAA e BBB, todos membros da equipa do autor enquanto este foi comissário, testemunhas que descreveram, de forma objectiva e isenta, a forma como foi desenvolvido pelo autor aquele projecto.

O constante em Y) resulta dos documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 16 e 17, que não foram impugnados.

A matéria referida no ponto BB) foi confessada pelo réu na audiência de julgamento.

Os pontos constantes em AA) e EE) a KK) resultam da análise dos recibos de vencimento juntos com a petição inicial e que não foram impugnados.

O que vem referido em DD) e PP) resulta da análise do recibo de vencimento junto com a contestação que não foi impugnado pelo autor, sendo que este nas declarações por si prestadas aceitou ter recebido o valor constante naquele recibo.

A matéria constante em CC) resulta da ordem do regulamento interno da ré e da ordem de serviço nº 24/2008 juntos com a contestação.

Finalmente, quanto ao facto dado como provado em MM) a OO) foram considerados o depoimento da testemunha CCC, mulher do autor, devidamente conjugadas com as declarações do autor, no que respeita, quer aos valores dos respectivos rendimentos, quer ao percurso profissional do autor, sendo que quanto a este foi também levado em conta o depoimento das testemunhas BBB, que também trabalhava com o autor na Universidade ..., e RR, membro do conselho consultivo da equipa do autor enquanto comissário.

No que respeita aos factos dados como não provados, referiu-se, com conhecimento directo, o autor, tendo o seu depoimento sido secundado, no essencial, pelo da sua mulher.

A respeito das declarações de parte diga-se que as mesmas são livremente apreciadas pelo tribunal – artigo 466.º, n.º 3 do CPC – devendo ser valoradas com algum cuidado, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, sendo que quem as produz tem um óbvio e manifesto interesse na acção.

De facto, como se refere no Acórdão da RP de 15/09/2014, disponível em www.dgsi.pt, “Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos”.

Refere Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, aludindo à falta de credibilidade das declarações per se que “ninguém espera que a parte seja imparcial”, porém acaba por valorizar este meio de prova naqueles litígios que apenas ocorreram entre as partes e em que não há outros meios de prova se não as declarações das próprias, ou quando não há simplesmente qualquer meio de prova idóneo a comprovar a factualidade alegada “A prova por declarações de parte: uma desnecessária duplicação das alegações das partes ou uma prova útil?”, II Congresso de Processo Civil, Lisboa, 9 de Outubro de 2014.

Já com maior abertura ao protagonismo destas, refere Mariana Fidalgo (“A Prova por Declarações de Parte”, FDUL, 2015, pág. 80) “(…) ponto, para nós, assente é que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, e não como passíveis de estabelecer um mero princípio de prova ou indício probatório, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, e ainda que tal possa naturalmente suceder com pouca frequência na prática, defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova”.

Tendo já considerando uma relevância muito mais restrita deste meio de prova, a verdade é que, melhor vista a questão, afigura-se-me que nada obstará à consideração das declarações de parte per se, desde que as mesmas se revelem credíveis.

Ora, no caso, afigurou-se ao tribunal que o autor expressou, essencialmente, percepções que teve sobre a situação em causa nos autos que não se mostram materializadas em elementos objectivos ou em depoimentos testemunhais, com excepção do depoimento da testemunha CCC, cujo conhecimento, quanto à celebração do contrato, seu desenvolvimento e cessação, se reportava tão só ao que o marido lhe contou.

No que respeita às despesas constantes em 4), pese embora se poder dizer que, pelo menos algumas das despesas são tidas por grande parte das famílias portuguesas, a verdade é que não foi junto qualquer comprovativo das mesmas, afigurando-se ao tribunal que tal seria muito fácil para o autor.

Relativamente ao ponto 12), para além de, como já se disse, apenas o autor ter referido essa percepção, a verdade é que a testemunha DDD, assessor do CA da ré desde 2017, esclareceu quais as razões objectivas para o termo do contrato ir para além do final da ..., razões essas que o tribunal reputou como válidas porque de acordo com as regras da normalidade.

Por último, no que aos sentimentos vividos pelo autor respeita, a descrição feita por este e pela testemunha CCC, afigurou-se exagerada e muito parcial e, mais uma vez, sem qualquer suporte objectivo, como seja, um relatório médico que atestasse aquele relato, ou o depoimento de outras testemunhas.

Note-se que as testemunhas ZZ e BBB a esse respeito depuseram de forma genérica e vaga.» (fim de transcrição).


***


2) Questões prévias:

2.1 – Da existência de causa para o não conhecimento do objeto do recurso apresentado pelo Autor – existência de causa de rejeição do recurso por alegado incumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, questão suscitada no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto.

No parecer emitido nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do CPT, sustenta, em síntese, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto que o recorrente Autor, incumpre o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, o que torna o recurso ininteligível, estando votado ao insucesso por violação de um dever processual, pelo que deve ser rejeitado.

O Autor respondeu ao sobredito parecer nos termos já supra enunciados, manifestando a sua discordância.

Em matéria do recurso cível e a propósito da alegação, escreve Luís Filipe Espírito Santo[4], o seguinte:

«O sucesso do recurso cível baseia-se, essencialmente, numa peça processual inicial que, apresentada juntamente com o requerimento de interposição de recurso, contém as alegações de recurso.

Trata-se da exposição alargada dos motivos que justificam, segundo a óptica do recorrente, que o tribunal de recurso opte por posição diversa da adoptada na instância inferior, concluindo pela errada valoração de facto ou pela violação das normas legais aplicáveis à situação sub judice, e que altere, modificando, o sentido da decisão recorrida.

Estas alegações de recurso terminam obrigatoriamente com a formulação das conclusões das alegações (ou melhor dito, das conclusões do corpo das alegações), as quais delimitam o objecto do respectivo conhecimento por parte do tribunal superior.

Trata-se basicamente da concretização do ónus de síntese conclusiva que é colocado sobre os ombros do recorrente e que o mesmo deverá satisfazer com o máximo zelo, clareza e escrúpulo.

Por um lado, esta obrigação processual introduz clareza e transparência na discussão da temática do objecto do recurso: a instância superior fica a saber, de forma ordenada, quais as questões essenciais que lhe compete apreciar, não as podendo descurar, e estabelecendo-se desse modo, com nitidez e utilidade, o foco de incidência do juízo do tribunal ad quem; por outro, o recorrido poderá exercer cabalmente o contraditório que lhe assiste, na medida em que sabe qual a parte da motivação do recurso verdadeiramente relevante e decisiva, a que terá de responder, não se distraindo com as considerações retóricas, marginais e acessórias, que germinam livremente nas orlas da divagação jurídica, por vezes entusiástica e inflamada”.

Prevê o artigo 639.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões” que:

“1-O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

(…)”.

A lei impõe a indicação especificada dos fundamentos do recurso nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da discordância em relação à decisão recorrida.

Sobre o papel das conclusões evidencia-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2023[5], o seguinte:

“I - As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso e, como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.

II – Devem corresponder à identificação, clara e rigorosa, dos fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.

III – A forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, permite ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilita a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça.

V – Tal formulação deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que não é de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou não haja qualquer síntese, não se conseguindo assim vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo desse modo a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso”.

O Supremo Tribunal de Justiça tem apreciado diversas situações onde se questiona a validade e admissibilidade das conclusões apresentadas, afastando soluções meramente formalistas e apontando para uma aferição casuística, com apelo ao princípio da proporcionalidade, disso sendo exemplo o Acórdão desse Tribunal superior de 16-12-2020[6].

Como se sintetiza no sumário deste último Acórdão:

«I. O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver.

II. “A falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo.

III. Assim, a reprodução do corpo das alegações nas conclusões não se traduz na falta destas, impondo-se, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento das mesmas, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

IV. De todo o modo, a orientação no sentido de fazer equivaler a reprodução integral do corpo das alegações nas conclusões - que aqui não se acolhe - não deverá prescindir de uma aferição casuística em ordem a ponderar, à luz do principio da proporcionalidade, a repercussão que essa reprodução, mais ou menos integral, possa acarretar, em termos de inteligibilidade das questões suscitadas, em sede do exercício do contraditório e da delimitação do objeto do recurso por parte do tribunal.».

No caso dos autos, é certo que as conclusões apresentadas não primam, em termos técnicos, pelo rigoroso cumprimento do dever de formulação de conclusões sintéticas.

No entanto, não ficou por isso dificultada a identificação das questões suscitadas e dos seus fundamentos essenciais, e muito menos o resultado pretendido, em contraposição, com a decisão recorrida.

A própria Recorrida, aliás, em sede de contra-alegações identificou perfeitamente tais questões, rebatendo-as, sem que tivesse aduzido objeções contra as referidas conclusões em termos de formulação face ao disposto no artigo 639.º do CPC.

Assim, e sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, considera-se que o Recorrente Autor focou nas alegações a sua discordância sobre a decisão recorrida e tomou uma posição conclusiva de discordância em questões essenciais que referenciou, com alusão ao resultado pretendido em cada uma das questões suscitadas, não sendo caso de prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3 do artigo 639.º do CPC, já que não ocorre deficiência ou obscuridade recursória que o justifique, não sendo, pois, o recurso ininteligível.

Pelo exposto, conclui-se que não se verifica incumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, inexistindo motivo para rejeição do recurso do Autor com o invocado fundamento.


*


2.2 Da (in)admissibilidade da ampliação do objeto do recurso requerida pela Ré na resposta à apelação do Autor.

Importa relembrar que a Ré apresentou recurso de apelação autónomo  independente com fundamento em invocada nulidade da sentença, no que respeita ao segmento decisório que a condenou a pagar ao Autor (Recorrido) “a quantia de 22.247,88 €, a título de indemnização nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 2, do C. Trabalho”, sustentando e concluindo que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos e para os efeitos do artigo 77.º do CPT e das alíneas d) in fine e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Por sua vez, o Autor também apresentou recurso de apelação independente, recorrendo de facto e de direito da sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré (Recorrida) a pagar ao Recorrente “a quantia de 22.247,88 €, a título de indemnização nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 2, do C. Trabalho, e a quantia de 79,92, a título de diferenças do valor do abono mensal para despesas de representação, tudo acrescido de juros de mora taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento” e no mais absolveu a Ré do pedido. O Autor defendeu que a sentença padece de nulidades, para além de ter feito uma incorreta apreciação da prova e interpretação da lei, sustentando, para além do mais, ser imperativo a declaração do despedimento do Recorrente, com as devidas consequências legais.

A Ré, notificada das alegações de recurso apresentadas pelo Autor recorrente, veio responder enquanto recorrida nos termos do artigo 81.º, n.º 3, do CPT, apresentando “ampliação do objeto do recurso”, no sentido de que caso se entenda que a cessação do contrato de trabalho em comissão de serviço do Recorrente ocorreu por denúncia irregular (ou ilícita) e condenem a Ré no pagamento de uma indemnização/compensação, então deverá ser apreciada a caducidade da comissão de serviço, tal qual, alegada pelo Recorrido, requerendo que se reconheça essa modalidade de extinção do contrato de trabalho que mantinha com o Recorrente. Para tanto, sustenta nas conclusões apresentadas que com a exoneração do Autor ocorreu uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar o trabalho, o que, nos termos do artigo 343.º, alínea b), do Código do Trabalho determinou a caducidade do vínculo laboral, cuja declaração refere requerer na ampliação do objeto do recurso.

A sentença recorrida debruçou-se expressamente sobre a questão da caducidade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, pronunciando-se nos seguintes termos:

«Entende a ré que o contrato de comissão de serviço celebrado com o autor caducou por força da exoneração do autor do cargo de comissário, operada na Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021 da Presidência do Conselho de Ministros, de 11/06.

O autor entende que a sua exoneração do cargo não determina a caducidade do contrato por não configurar um caso de impossibilidade absoluta, definitiva e superveniente, pelo que conclui que estamos perante um despedimento ilícito.

Vejamos.

A caducidade é tradicionalmente definida como a “cessação automática do vínculo em consequência directa e inelutável da ocorrência de certas situações que tornam o contrato inviável ou inútil. Está implícita nesta visão das coisas a ideia de que a caducidade opera independentemente de qualquer manifestação de vontade extintiva” – Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª Edição, pág. 528.

A verdade, porém, é que como resulta dos artigos 344º e seg. C. Trabalho, a caducidade carece de ser comunicada.

De acordo com o disposto no artigo 343º, b) do C. Trabalho, o contrato caduca por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.

Como acima se referiu, nada obsta à aplicação desta forma de cessação do contrato aos contratos de comissão de serviço.

Tal como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (in “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 7.ª edição revista e actualizada, Almedina, pág. 823), “Para que o contrato de trabalho cesse por caducidade, em razão da impossibilidade de prestação da actividade por parte do trabalhador ou de recebimento do trabalho por parte do empregador, é necessário que a impossibilidade revista três características cumulativas, que se retiram do art. 343º b). Estas características são as seguintes:

i) Deve tratar-se de uma impossibilidade superveniente: a caducidade do contrato pressupõe a prévia constituição e o desenvolvimento de uma situação jurídica laboral válida; naturalmente, um vício originário de impossibilidade determina a nulidade do contrato de trabalho nos termos gerais (art. 280º do Código Civil) e não a cessação do mesmo por caducidade.

ii) Deve tratar-se de uma impossibilidade definitiva e não apenas de uma impossibilidade temporária de prestar ou de receber o trabalho; em caso de impossibilidade temporária, apenas pode haver lugar à suspensão do contrato de trabalho, nos termos apreciados oportunamente.

iii) Deve tratar-se de uma impossibilidade absoluta, no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da actividade laboral ou no seu recebimento.”.

São, assim, “três os requisitos legais para que possa operar a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade de o trabalhador cumprir a sua prestação de trabalho: ser superveniente, absoluta e definitiva. Neste particular, portanto, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do cumprimento do contrato funciona no direito laboral tal qual no civil comum (nos termos a que aludem os art.os 790.º, 791.º e 793.º do Código Civil)”. – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13/01/2016 (disponível em www.dgsi.pt).

Aqui chegados, pergunta-se: a exoneração do autor do cargo de comissário permite, por si só, considerar verificados os requisitos cumulativos para a cessação do contrato de trabalho por caducidade?

Afigura-se-me que não.

O autor não deixou de reunir, de forma absoluta e definitiva, os requisitos para o exercício do cargo de comissário.

Nem tão pouco ocorreu uma impossibilidade superveniente.

O que aconteceu foi que os membros do governo que entenderam designar o autor para exercer as funções de comissário geral – com base na confiança que naquele depositavam – entenderam retirar-lhe a confiança e exonerá-lo do cargo, o que mais não é do que a verificação da previsão estabelecida pelas partes na cl. 6ª do contrato de comissão de serviço.

Note-se que aí as partes expressamente previram que “O presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias”.

Essa decisão dos membros do Governo é consubstanciada na Resolução de Ministros, por ser o meio legal próprio para o efeito.

Não há, assim, qualquer facto superveniente que sustente a determinada caducidade do contrato.».

Nesta sede, a questão que importa resolver é a de saber se a ampliação pela Ré, apelada, do objeto do recurso, feita na sua resposta ao recurso do Autor, deve ou não ser admitida.

A questão da inadmissibilidade de tal ampliação foi, aliás, expressamente levantada pelo Apelante Autor na resposta que apresentou à ampliação do recurso.

No que respeita ao recurso independente e subordinado, dispõe o artigo 633.º do CPC que:

 “1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.

2 - O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.

3 - Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal.

4 - Salvo declaração expressa em contrário, a renúncia ao direito de recorrer ou a aceitação, expressa ou tácita, da decisão por parte de um dos litigantes não obsta à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.

5 - Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.”

Por seu turno, dispõe o artigo 636.º do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” o seguinte:

“1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

2 – Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

3 – Na falta de elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.”.

Como constitui entendimento pacífico, a ampliação do objeto do recurso da parte contrária só é admissível nos casos em que à parte não é facultada, por falta de legitimidade ad recursum – decorrente da circunstância de ser parte vencedora (cfr. artigo 631.º, n.º 1, do CPC) – a interposição de recurso independente ou subordinado.

Assim, se a parte não for vencedora, mas vencida, ainda que parcialmente, a lei não lhe abre a faculdade da ampliação do objeto do recurso, o que é compreensível uma vez que neste caso lhe é lícito interpor recurso autónomo independente ou só subordinado.

Como se expõe no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2022[7], «(…) a ampliação do objeto do recurso não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daquele que fique prejudicado com uma decisão judicial, mas, diferentemente, permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinado fundamento por si invocado no processo e que tenha sido julgado improcedente: a ampliação do âmbito do recurso destina-se (apenas) a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação (:integrante da causa de pedir) ou da defesa (:exceção) não considerado ou julgado desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em diverso fundamento, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido (assim se prevenindo a possibilidade de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo).

Em síntese: a interposição de recurso tem como pressuposto o decaimento; enquanto a ampliação se situa no domínio dos fundamentos. Aliás, o requerente da ampliação não tem “estatuto de recorrente”[11], como desde logo decorre da sua qualidade de vencedor do pleito (na sua totalidade ou, pelo menos, na parte integrante do objeto do recurso que justifique a pertinência da ampliação).».

Do mesmo passo, e como se sintetiza no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2021[8], «A parte vencida na sentença (ainda que apenas parcialmente) apenas pode obter a alteração da sentença na parte em que a mesma lhe é desfavorável através da interposição de recurso (autónomo ou subordinado) e não através do expediente de ampliação do objeto do recurso, sendo que essa ampliação, tal como configurada no artigo 636º, n.ºs 1 e 2 do CPC, não se destina ao atingimento daquele resultado».

Também no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 13-07-2022[9] se enfatiza que «a ampliação do âmbito do recurso não se prende com a alteração da decisão absolutória em condenatória (ou vice versa), prendendo-se antes, sim, com a manutenção da decisão, porém com a alteração da sua fundamentação».

Sobre a matéria em referência veja-se ainda Abrantes Geraldes[10] e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2023[11].

No caso, dos autos a Ré não é parte vencedora, tanto assim que interpôs recurso autónomo e independente da sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos que entendeu por pertinentes, sem que no recurso que interpôs tivesse suscitado para reapreciação a questão atinente à cessação por caducidade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço celebrado entre as partes (questão que, como vimos, foi expressamente apreciada pela sentença recorrida no sentido da não verificação dos requisitos cumulativos para a cessação do contrato por caducidade).

Ora, a reapreciação desta questão podia – e, consequentemente, devia – ter sido suscitada em sede do recurso autónomo e independente que a Ré, parte parcialmente vencida, interpôs, estando assim fora do âmbito da previsão do artigo 636.º, n.º 1, do CPC. Não colhe igualmente qualquer aplicação ao caso dos autos o preceituado no n.º 2 do mesmo preceito.

Termos em que, e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, por não se mostrarem verificados os respetivos pressupostos, não se admite a ampliação do âmbito do recurso de apelação requerida pela Ré na sua resposta à alegação do Autor, não podendo consequentemente conhecer-se dos respetivos fundamentos (da ampliação), o que se decide.


***


3) Nulidades invocadas:

3.1. Saber se ocorre nulidade da sentença recorrida, por deficiência de gravação da prova testemunhal – questão suscitada no recurso apresentado do Autor.

Sustenta o Recorrente Autor que se verifica vício de nulidade da sentença recorrida por deficiência da gravação da prova testemunhal, dado que a gravação do depoimento da testemunha DDD se encontra defeituosamente efetuada, sendo impercetíveis as declarações prestadas por tal testemunha.

Argumenta que o Tribunal a quo se socorreu desse depoimento para dar como não provado o ponto 12) do elenco dos factos não provados e o recurso assenta na impugnação da decisão de facto máxime quanto a tal ponto, com invocação das provas gravadas, e não logrando o Tribunal de recurso ter acesso àquela parte desses meios de prova por inaudibilidade da gravação fica impedido de proceder à reapreciação da decisão do Tribunal a quo, pelo que deve este Tribunal oficiosamente anular o julgamento na parte afetada e a decisão recorrida, com vista ao suprimento do vício existente, mandando repetir a audiência de julgamento.

Defende que está em causa uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95 de 15-02 e do artigo 196.º do CPC.

Por sua vez, a Ré pugna pela improcedência da arguição da nulidade em referência. Sustenta, em síntese, que: o depoimento da testemunha é audível e compreensível; a audiência de julgamento foi concluída a 10-01-2023 e o Recorrente só veio arguir a alegada nulidade por deficiência da gravação nas alegações de recurso, interposto a 8-03-2023, pelo que o prazo de arguição de 10 dias fixado no artigo 155.º, n.º 4, do CPC há muito tinha terminado; tratando-se de uma nulidade processual deve ser arguida autonomamente junto da 1ª instância, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso (artigos 195.º, n.º 1, e 199.º do CPC); não tendo arguido a nulidade junto do Tribunal a quo e no prazo legal, não pode agora ser suscitada, entendendo-se, se porventura ocorre, suprida.

Vejamos.

Importa referir que, ao contrário do sustentado pelo Recorrente Autor, e como certeiramente se aponta no Acórdão de  5-06-2023[12] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, «aquilo que está em causa é um vício procedimental, alegadamente cometido durante a audiência (na sua gravação) ou na disponibilização da gravação ao Recorrente, nada tendo a ver com a sentença recorrida. Ou seja, não estamos aqui perante nulidade da sentença proferida – casos que constituem fundamento de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do CPC) - antes perante eventual nulidade processual, ainda que, a verificar-se, por arrastamento a sentença venha a ser anulada».

Ora, tratando-se de nulidade processual, cabe argui-la perante o tribunal onde alegadamente se verificou a falta (cfr. artigos 186.º a 202.º do CPC)[13], só conhecendo o tribunal de 1ª instância em caso de recurso sobre o decidido.

Como se expõe ainda no Acórdão em referência desta Secção Social, «ainda que a nulidade processual afete a sentença, deve ser objeto de prévia “reclamação” que permite ao próprio juiz reparar o vício, ainda que com prejuízo da sentença proferida, ficando a decisão do tribunal da 1ª instância submetida às regras gerais de recorribilidade [cumprindo lembrar que cabe recurso de apelação da decisão que seja proferida depois da decisão final – artigo 79.º-A, n.º 2, al. j) do Código de Processo do Trabalho].».

Estabelece o artigo 155.º do CPC, no que ora releva, o seguinte:

«1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.

2 - A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização.

3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.

4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.[..]».

Da conjugação dos n.ºs 3 e 4, resulta inequivocamente que a falta ou deficiência da gravação dos depoimentos devem ser invocadas no prazo de 10 dias, a contar da disponibilização da gravação, a qual deve ocorrer nos dois dias a contar da realização da audiência final.

Por outro lado, estando em causa nulidade processual, como regra deve ser arguida junto da 1ª instância (artigos 195.º, n.º 1, e 199.º do CPC), só conhecendo o tribunal de 2ª instância em caso de recurso sobre o decidido.

Neste sentido se pronunciou também o Acórdão de 4-04-2022[14] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, o qual por sua vez foi confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2022[15], posição que se sufraga.

O citado Acórdão de 4-04-2022 explicita a razão de ser desta solução, em termos que merecem a nossa concordância e que passamos a transcrever:

“Para que melhor se perceba o que conduziu a esta solução, permitimo-nos fazer nossas as palavras do Acórdão desta Relação do Porto, de 17 de Dezembro de 2014 [Proc.º 927/12.7TVPRT.P1, Desembargadora Judite Pires, disponível em www.dgsi.pt], que a esse propósito, em termos elucidativos, observa o seguinte: «A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a imperceptibilidade ou inaudibilidade dos depoimentos objecto de registo constitui irregularidade que se traduz em nulidade secundária, a arguir mediante reclamação da parte interessada no seu reconhecimento.

A nulidade decorrente da deficiência da gravação, nos termos expostos, implica a anulação dos actos viciados e dos actos subsequentes, que deles dependem absolutamente.

Prevê, todavia, hoje o nº3 do artigo 155º do Código de Processo Civil que “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto”, enquanto o nº 4 do mesmo normativo determina que “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”.

Ao contrário do que antes sucedia, recai actualmente sobre as partes o ónus de controlarem a existência e qualidade da gravação, fixando a lei prazo para ser arguida a sua falta ou deficiência.

Ou seja: o novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação – que temporalmente poderá não corresponder ao levantamento pela parte do respectivo suporte -, devendo essa disponibilização ocorrer no prazo de dois dias contados de cada um dos actos sujeitos à gravação.

O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo peremptório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação.

Daí afirmar-se que “a omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados”[6], deixando de ser admissível que a parte interessada na arguição o possa fazer no prazo de interposição do recurso – 30 ou 40 dias -, nas respectivas alegações.

À solução adoptada na nova lei processual civil há que reconhecer o mérito de permitir que em primeira instância sejam desde logo desencadeados todos os mecanismos necessários ao suprimento de eventuais vícios que afectem a gravação, quer pela intervenção oficiosa do juiz que presidiu ao respectivo acto, quer através da arguição pelas partes no prazo que para o efeito a lei lhes faculta, evitando-se, deste modo, a subida de recursos inquinados desse vício, que tantas vezes conduzia a anulação pela segunda instância dos actos viciados e remessa dos autos à primeira instância para repetição dos actos afectados, implicando um retardar da marcha do processo, que a nova resposta processual para a questão evita, constituindo, além do mais, expressão do princípio da auto-responsabilização das partes, marcadamente acolhido no novo diploma».

No mesmo sentido pronuncia-se Abrantes Geraldes [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 130], escrevendo o seguinte:

«Suscitavam as partes com frequência questões relacionadas com as deficiências de gravação de depoimentos oralmente produzidos, não obtendo na lei anterior resposta inequívoca o modo como poderia ser introduzida tal questão.

O artigo 155º, n.º 4, veio resolver as dificuldades, impondo à parte o ónus de invocação da irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (disponibilização que deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar do acto, nos termos do n.º 3), solução que já defendíamos em face do anterior regime.

Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso.

Por último, para que não haja dúvidas sobre quando se inicia a contagem do prazo, como se refere no Acórdão da Relação de Évora, de 17-12-2020 [Proc.º 122900/17.2YIPRT-C.E1, Desembargador Francisco Xavier, disponível em www.dgsi.pt], [II]Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação, às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efectiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes.[III] A lei impõe à parte um especial dever de diligência na verificação do conteúdo da cópia da gravação que foi disponibilizada, por forma a poder arguir em tempo eventuais irregularidades e permitir a sua correcção antes de eventual recurso da sentença, obviando-se também os inconvenientes de posterior anulação de decisões.” (fim de citação).

Este entendimento vem sendo reiterado em outros Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de que são exemplo o recente Acórdão de 8-02-2024[16] também relatado pela Desembargadora Judite Pires e o Acórdão de 5-06-2023[17].

O citado Acórdão de 12-10-2022 do Supremo Tribunal de Justiça que, como se disse, confirmou o transcrito Acórdão de 4-04-2022, sublinhou que no Código de Processo Civil vigente ficou agora claro que as partes dispõem apenas do prazo de 10 dias, subsequente à disponibilização da gravação, para invocar no processo qualquer falha que, porventura, detectem e que seja suscetível de impedir o cumprimento cabal da sua razão de existência, nomeadamente assegurar o duplo grau de jurisdição relativamente ao julgamento da matéria de facto. Nessa decorrência, sintetizou no seu sumário o entendimento sufragado, no sentido de que «as deficiências na gravação da prova que inviabilizem o cumprimento da sua razão de existir – o duplo grau de jurisdição em matéria de facto – devem ser arguidas, em 1ª instância, no prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo, não constituindo as alegações de recurso o meio processualmente idóneo para esse efeito».

Também no sumário do recente Acórdão do Supremo Tribunal de 25-01-2024[18] se sintetiza o entendimento sufragado no sentido de que: «II - Com a entrada em vigor do artigo 155.º, n.º 4, do CPC, que impõe que a arguição da nulidade por falta ou deficiência da gravação seja invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, tendo tal prazo natureza peremptória, foi tacitamente revogado o disposto no art. 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro, que permitia aquela arguição “em qualquer momento” em que se verificasse ser a gravação “imperceptível” ou inaudível. III – Não sendo aquela nulidade arguida dentro daquele prazo, precludiu o direito de a parte a arguir”.

Importa ainda dizer que não se desconhece o entendimento jurisprudencial no sentido de que não obstante a gravação deficiente não seja, em regra, um vício de conhecimento oficioso, quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso - v.g. no caso de anulação da decisão de facto por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto - artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC), necessariamente o indicado vício será também de conhecimento oficioso. Neste sentido, o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-01-2024, na linha do entendimento sufragado no anterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-03-2022[19]. Sobre esta temática se pronunciou igualmente o Acórdão de 26-01-2023 desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto[20].

No caso dos autos, o julgamento teve duas sessões com produção de prova gravada, sendo uma primeira em 20-09-2022 (na qual, para além do mais, foi produzido o depoimento da testemunha em causa DDD, ao qual respeita a nulidade invocada pelo Recorrente) e uma segunda e última sessão em 10-01-2023 (na qual o julgamento foi concluído) – cfr. atas refªs citius 440195837 e 444010607.

Mais, resulta da referência citius 34292465 que o Autor, ora Recorrente, apresentou requerimento em 2-01-2023, no qual requereu a disponibilização em suporte digital da prova gravada em audiência de julgamento (ou seja, até àquele momento a produzida na sessão de 20-09-2022, onde se incluía o depoimento da identificada testemunha DDD), juntando CD-Rom e envelope para reenvio. Da referência citius 443765264 datada 3-01-2023 resulta que nessa data terá sido dado cumprimento à disponibilização solicitada, com a devolução do CD contendo a prova gravada em audiência de julgamento.

Ora, a arguição da nulidade da gravação não foi feita perante o Tribunal a quo e garantidamente não o foi no prazo de 10 dias a que alude o artigo 155.º, n.º 4, do CPC (e isto mesmo sem entrar aqui na questão sobre quando se deverá considerar disponibilizada a gravação e os ónus inerentes das partes, dando aqui de barato a contagem apenas a partir do momento em que a gravação terá chegado à sua posse, tendo em conta a data da sua notificação com a devolução do CD).

O julgamento foi concluído a 10-01-2023 (cfr. ata referência citius 444010607) e o Recorrente só veio arguir a alegada nulidade por deficiência da gravação nas alegações de recurso interposto a 8-03-2023.

Em consonância com a posição sufragada, e como se sublinha no citado Acórdão de 5-06-2023 (não publicado) «impõe-se que as partes interessadas acedam à gravação da audiência de julgamento com brevidade de modo a invocar a falta ou deficiência da gravação se for o caso, tendo o legislador criado as condições para um regime eficaz e célere de suprimento de eventuais vícios que se verifiquem na documentação das declaração orais. Caso a parte não faça o controlo da gravação nos prazos estabelecidos, adota um procedimento negligente que não é merecedor de qualquer proteção legal, sanando-se eventual nulidade».

A verificar-se a deficiência da gravação, deveria, pois, o Recorrente ter suscitado diretamente tal questão perante o Tribunal de 1ª instância, e no prazo que dispunha para o efeito, o que não fez.

Assim, não tendo a alegada nulidade sido arguida junto do Tribunal a quo e no prazo legal, não pode agora ser arguida perante este Tribunal ad quem nas alegações de recurso, não constituindo a arguição feita nessas alegações meio processual idóneo para esse efeito, tendo precludido o direito de o Recorrente arguir tal nulidade processual.

Adiante-se desde já que não se identifica na pronúncia do Tribunal a quo sobre a decisão da matéria de facto qualquer vício de conhecimento oficioso a justificar a anulação da decisão, máxime nos termos e para os efeitos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC (não se identifica uma qualquer situação de deficiência ou porventura obscuridade ou contradição, a justificar a nossa intervenção oficiosa nos termos do indicado normativo).

Seja como for, e não obstante o vício apontado pelo Recorrente, o certo é que o mesmo procedeu à impugnação da matéria de facto, apelando inclusivamente a passagens do depoimento da testemunha DDD, para efeitos do cumprimento dos ónus a que alude o artigo 640.º do CPC, transcrevendo inclusivamente largas passagens desse mesmo depoimento, ainda que referindo a “quase total impercetibilidade da gravação do depoimento em causa”!

Perante tal, e atenta a impugnação efetuada, deixa-se desde já consignado que este Tribunal procedeu à audição da gravação do depoimento em causa, cujo contéudo se revelou percetível. Não obstante se reconheçam algumas dificuldades pontuais verificadas em algumas passagens do depoimento, a justificar a audição com auscultadores e num registo mais alto, foi possível proceder à audição e apreender todo o conteúdo do depoimento prestado pela testemunha DDD.

Em conclusão, não se verifica vício de nulidade da sentença por alegada deficiente gravação de prova testemunhal nos termos invocados pelo Recorrente Autor, e pelas razões atrás aduzidas, improcedem as conclusões nessa parte (cfr. conclusão 3.).


***


3.2. Saber se ocorrem as nulidades da sentença recorrida invocadas pelos Recorrentes, mais precisamente:

- Por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) in fine e e), do CPC – questão que constitui o objeto do recurso da Ré;

- Por falta de fundamentação de facto e de direito e por oposição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil – questões suscitadas no recurso apresentado pelo Autor.

Preliminarmente, importa tecer algumas considerações gerais sobre as causas de nulidade da sentença, para depois então incidir a nossa análise no que respeita a cada um dos vícios invocados pelos Recorrentes.

A sentença, como ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à luz do qual é proferida, torna-se passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC.

Em linha com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário[21].

As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto ou de direito. Tais nulidades sancionam, pois, vícios formais, de procedimento – errore in procedendo – e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais - errore in judicando.

De facto, como se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2021[22]  «[a] violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).».

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, a sentença é nula quando:

“a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.


*


3.2.1. – Quanto à invocada nulidade por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) in fine e e), do CPC – questão que constitui o objeto do recurso da Ré.

Na ótica da Recorrente Ré, a sentença padece de nulidade a coberto do disposto nas alíneas d) in fine e e) do artigo 615.º  do CPC, decorrente de condenação em objeto diverso do pedido e, por esse motivo, também por excesso de pronúncia, sustentando que o Recorrido circunscreveu o thema decididum exclusivamente ao reconhecimento da ilicitude do despedimento e consequências diretamente relacionadas com a ilicitude, porém, a sentença acaba por condenar a Ré no pagamento de uma indemnização decorrente de uma cessação lícita do contrato de trabalho em comissão de serviço.

Contrapõe desde logo o Autor que foi a própria Ré aquando da contestação que veio dar início a essa discussão, mais precisamente suscitando a questão de saber sobre se o Autor teria direito ao pagamento de uma indemnização por alegada violação do aviso prévio. Mais argumenta que o Tribunal a quo se limitou a fazer uso dos poderes de cognição que lhe são atribuídos por lei, mormente de indagação, interpretação e aplicação do direito nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, sendo que a decisão proferida foi ao encontro daquela que foi a posição da Ré, ainda que subsidiariamente, cabendo, ainda, naquela que era a pretensão jurídica do Autor.

Vejamos.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CPC que o «tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição».

Em conformidade com esse regime, o artigo 608.º, n.º 2, do CPC estatui que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

O prescrito na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC serve, pois, de cominação para o desrespeito do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, reconduzindo-se os vícios aí previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.

No que respeita à nulidade aí prevista, a decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer (no caso da omissão de pronúncia) ou por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer (no caso de excesso de pronúncia).

Como constitui também entendimento sedimentado na doutrina e jurisprudência os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam necessária e coincidentemente com a própria questão a decidir, em si mesma considerada. Ou seja, questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas.

Nesta decorrência, assinala-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2024[23], o seguinte:

«(…) questões (a resolver) que não se confundem, nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).

Vale por dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes. (…)

 Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d), do CPC], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.».

Particularizando o vício do excesso de pronúncia, como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2017[24] (citando): ”I. Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos limites legais. II – O excesso de pronúncia gerador de nulidade refere-se, pois, aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do pedido, quer seja no que respeita ao pedido, quer quanto às excepções suscitadas”.

Por sua vez, quanto ao vício previsto na alínea e) do artigo 615.º do CPC, o nosso direito adjetivo civil determina que o tribunal está impedido de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que for pedido (artigo 609.º, n.º 1, do CPC), pelo que o tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objeto.

A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019[25]).

É um facto que a sentença se deve inserir no âmbito do objeto do processo, não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de acção em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Contudo, como salientam Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa[26] a prática judiciária vem revelando situações cuja resolução implicou alguma atenuação da rigidez desta regra tendo-se admitido, designadamente, a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor considerando-se ser lícito ao tribunal atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, tendo-se em atenção que essa será por vezes, a única forma de resolver o litígio de forma definitiva.

Com efeito, vem sendo defendida a necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que permita, sem violação dos limites expressos no artigo 609.º, solucionar de forma definitiva o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada; ou seja, que permita ainda retirar do processo o seu sentido útil.

No sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-10-2018[27] afirma-se que “IX. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”.

Ainda neste sentido, expõe-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-02-2015[28] o seguinte:

«Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objetivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.

Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objetivos, aponta para a flexibilixação do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”.

Assim, se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objeto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na presente acção.» (fim de citação).

Claro está que nesta integração do caso não pode olvidar-se o respeito pelo princípio do contraditório, pedra angular do sistema, visando decisões que sejam proferidas depois de ser garantida a cada uma das partes a possibilidade de tomar parte do debate (artigo 3.º, n.º 3, do CPC).

No caso concreto, o Autor pediu uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço que lhe foi comunicada pela Ré em 21-06-2021, sustentando que essa cessação consubstanciava não uma situação de caducidade do contrato celebrado entre as partes, mas sim um despedimento ilícito. Na petição inicial, o próprio Autor se reportou à cláusula 6ª do contrato de trabalho e ao disposto no artigo 163.º do Código do Trabalho para concluir que a Ré podia ao abrigo dessa cláusula e normativo legal pôr fim ao contrato cumprindo o aviso prévio de 180 dias ou, então, não cumprindo o aviso prévio, pagando a indemnização correspondente ao aviso prévio em falta (cfr. artigos 47.º a 53.º). No entanto, sustentou que a Ré não usou desse meio legal e contratual de que dispunha (referindo “certamente para não ter que cumprir o aviso prévio ou, em alternativa, pagar a indemnização decorrente da falta do cumprimento desse aviso prévio), seguindo um caminho que não se verificando os pressupostos da caducidade se concretiza num despedimento ilícito do Autor.

Por sua vez, a Ré, como primeira linha de defesa, sustentou a verificação de uma situação de impossibilidade definitiva de o Autor executar as respetivas funções que determinou a caducidade do contrato de trabalho sem direito a qualquer indemnização. Sustentou ainda a Ré, numa segunda linha de defesa, que caso se considere que a exoneração do autor e consequente caducidade tivesse que ser concretizada através de denúncia do contrato, apenas se poderia considerar a declaração expressa pela Ré em 21-06-2021 como uma denúncia irregular por falta de aviso prévio – e não como despedimento ilícito do Autor. A Ré concluiu mesmo o respetivo articulado pugnando pela improcedência da ação com a respetiva absolvição do pedido e, subsidiariamente, no caso de se considerar que a caducidade devia ter sido operacionalizada através de uma denúncia da comissão de serviço, deve esta ser considerada válida e eficaz, ainda que irregular por falta de cumprimento do aviso prévio, condenando-se a Ré no pagamento de uma indemnização de valor igual ao da retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta (de aviso prévio).

Como nota prévia, não poderemos deixar de salientar que a posição da Recorrente Ré em sede de recurso se apresenta como contraditória com a posição assumida na ação, mormente no respetivo articulado de contestação.

A temática da denúncia do contrato e da indemnização por falta de cumprimento de aviso prévio consistente no pagamento de uma indemnização de valor igual ao da retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de aviso prévio em falta foi introduzida nos autos pela própria Ré, no desenvolvimento da linha de defesa que entendeu apresentar no processo (pese embora o Autor também lhe ter feito referência, nos moldes atrás indicados).

Ora, independentemente da qualificação que possa ser feita dessa linha de defesa da Ré, o que se constata é que, no caso, vista a contestação apresentada, sem dúvida que tal questão foi invocada perante o Tribunal a quo, retirando mesmo a Ré consequências por reporte à pretensão indemnizatória formulada pelo Autor na ação, admitindo e antevendo a ser seguida essa solução a respetiva condenação na indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades ao período de aviso prévio em falta. Estando essa questão expressamente invocada, sempre se imporia ao Tribunal a quo pronúncia expressa sobre a mesma, donde decorre que não possa dizer-se que não estivesse legitimado, e mesmo obrigado a fazê-lo. O Tribunal não poderia deixar de dar resposta, sob pena, de nada dizendo, vir a incorrer no vício de nulidade por omissão de pronúncia (1ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).

Face ao sobredito posicionamento das partes e reverenciando os princípios enunciados, à luz do entendimento da flexibilização do princípio do pedido de que se deu conta, considera-se que no circunstancialismo do caso, a indemnização correspondente ao aviso prévio em falta - a indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades ao período em falta, ou seja, a prevista nos artigos 163.º, n.º 2,  e 401º, 1ª parte, do Código do Trabalho - terá que se considerar dentro do objeto do processo e contida na pretensão indemnizatória pela cessação do contrato formulada na petição inicial, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao seu montante, isto é, a condenação em tal indemnização não significa uma condenação ultra vel extra petitum[29].

Este nosso entendimento tem como pressuposto, como se disse, o facto de a Ré, ao trazer à colação, na contestação, a denúncia irregular do contrato por falta de cumprimento do aviso prévio e a consequência indemnizatória daí decorrente traduzida na indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades ao período em falta prevista nos artigos 163.º, n.º 2,  e 401º, 1ª parte, do Código do Trabalho, suscitar a questão em causa, sendo que a Ré teve oportunidade de se defender em toda a linha e previu e admitiu expressamente o cenário de ser condenada nesta ação a pagar ao Autor a indemnização de valor igual ao da retribuição base e diuturnidades correspondente ao período de aviso prévio em falta. Também o Autor ficou assim confrontado com essa questão, para além de que já na petição se havia pronunciado sobre a possibilidade da denúncia do contrato prevista na lei (artigo 163.º do Código do Trabalho) e na cláusula 6ª do contrato celebrado entre as partes, com cumprimento do aviso prévio de 180 dias e, em caso de não cumprimento do aviso prévio, na consequência do pagamento da indemnização correspondente ao aviso prévio em falta, ainda que sustentando que a comunicação efetuada pela Ré não consubstanciava juridicamente tal denúncia mas sim um despedimento ilícito.

Ou seja, está plenamente cumprido o princípio do contraditório, não podendo as partes alegar, de boa fé, o desconhecimento das questões de direito em causa a decidir pelo juiz e respetivas consequências nos termos prefigurados. As partes não foram surpreendidas, sendo que foram confrontadas com a eventualidade que emergia de uma cláusula contratual e disposição legal pertinente ao concreto litígio de a cessação do contrato invocada na ação dar lugar a uma indemnização por falta de cumprimento de aviso prévio de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de aviso prévio em falta.

Importa também realçar que a indemnização prevista na 1ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho, consubstancia a fixação de um critério mínimo de indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de pré-aviso em falta. Ou seja, esta indemnização não está dependente da alegação e prova de quaisquer danos.

A sentença recorrida nos respetivos moldes condenatórios no que respeita à indemnização por falta de aviso prévio de valor igual à retribuição base prevista na 1ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho, ex vi artigo 163., n.º 2, do mesmo diploma, não representa uma decisão surpreendente para qualquer das partes e especificamente para a Ré, que a prefigurou expressamente na defesa que apresentou na ação.

Diremos mesmo que, no caso dos autos, era essa a atuação que se impunha ao Juiz, quer em nome do interesse da boa administração da justiça, quer por força do princípio consagrado no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, com o enquadramento normativo do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional que teve por efetivamente adequado à situação litigiosa, em moldes já previamente prefigurados na ação, incluindo pela própria Ré, e dentro do objeto do processo.

Em conclusão, considera-se que a sentença recorrida não enferma do vício apontado pela Ré de nulidade por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, improcedendo assim o recurso apresentado pela Ré.


***


3.2.2. – Quanto à invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) do Código de Processo Civil – questão suscitada no recurso apresentado pelo Autor.

Nas suas alegações, o que transpôs para as conclusões, assim a conclusão 4., invoca o Apelante que a sentença padece do indicado vício de nulidade, por inexistência de fundamentação da decisão do Tribunal a quo em dar como não provados os factos constantes dos pontos 1), 2), 3), 5), 6), 7), 8), 9), 10) e 11), não cumprindo o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

Disso discorda a Ré, sustentando que foi dado cabal cumprimento ao exisgido pelos artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 a 5, do CPC.

Importa sublinhar que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como tem sido afirmado na jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, portanto, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Nesse mesmo sentido aponta a doutrina[30].

Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-04-2024[31] (citando), «[o] vício relativo à falta de fundamentação correlaciona-se com o dever de fundamentação das decisões que se impõe ao julgador “por imperativo constitucional e legal (artigos 208.º, n.º1, da Constituição e 154.º, n.º1, do CPC) tendo ainda a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e com a própria garantia do direito ao recurso (as partes precisam de ser elucidadas quanto aos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida, para poderem impugnar os fundamentos perante o tribunal superior)” (acórdão deste Supremo Tribunal de 04-06-2019, proc. n.º 64/15.2T8PRG-C.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt).

No entanto, como é sublinhado pela doutrina (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 736) e afirmado, de forma constante, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 11-02-2015 (proc. n.º 422/2001.L1.S1), não publicado, de 14-01-2021 (proc. n.º 2342/15.1T8CBR.C1.S1), in www.dgsi.pt, e de 17-01-2023 (proc. n.º 5396/18.5T8STB-A.E1.S1), não publicado), só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão, não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente.».

A nulidade por falta de fundamentação apenas se verifica quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim de forma evidente o dever de motivação ou de fundamentação das decisões judiciais. Só a ausência absoluta de uma qualquer motivação seja de facto, seja de direito conduz à nulidade da decisão.

Perante o sobredito enquadramento, no caso dos autos não pode afirmar-se que exista uma situação de absoluta falta de fundamentação da decisão proferida.

Da sentença recorrida não ressalta de modo algum uma carência absoluta de falta de fundamentação nem de facto, nem, aliás, de direito.

Refira-se que, como anuncia o Tribunal a quo na sua pronúncia sobre a nulidade em causa, percebe-se da fundamentação constante da sentença recorrida que a fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos não provados – aí se inserindo todos os factos considerados não provados já que nenhuma distinção é feita - se contém a partir do segmento da fundamentação em que se diz «No que respeita aos factos dados como não provados, referiu-se, com conhecimento directo, o autor, tendo o seu depoimento sido secundado, no essencial, pelo da sua mulher (…).». Nesse seguimento, são tecidas na decisão recorrida considerações sobre a relevância probatória das declarações de parte, para depois particularizar o caso dos autos, dizendo «(…), no caso, afigurou-se ao tribunal que o autor expressou, essencialmente, percepções que teve sobre a situação em causa nos autos que não se mostram materializadas em elementos objetivos ou em depoimentos testemunhais, com excepção do depoimento da testemunha CCC, cujo conhecimento quanto à celebração do contrato, seu desenvolvimento e cessação, se reportava tão só ao que o marido lhe contou». O Tribunal particulariza os pontos 4) e 12) e depois também a temática dos sentimentos vividos pelo Autor, aduzindo fundamentação adicional atentas as respetivas especificidades devidamente mencionadas na fundamentação.

O Recorrente pode não concordar com a fundamentação da sentença, máxime a nível fáctico – que é o aspeto que o Recorrente nesta sede põe em crise -, por a considerar deficiente ou incorreta, o que se situa já ao nível da questão do erro de julgamento, mas tal não consubstancia o vício formal da falta de fundamentação nos moldes atrás explicitados.

Não se verifica, pois, a nulidade em causa, improcedendo nesta parte as conclusões (conclusão 4.).


*


3.2.3. – Quanto à invocada nulidade por oposição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil – questão suscitada no recurso apresentado pelo Autor.

Nesta sede, invoca o Recorrente Autor que a sentença é nula por oposição entre a fundamentação e a decisão, na parte em que determina o valor da indemnização que lhe é devida. Sustenta que a sentença recorrida, aquando do cálculo dessa indemnização considerou apenas e tão só o valor de € 3.707,98 referente ao salário base que o mesmo auferia, quando resultava da própria fundamentação que também o abono mensal de despesas de representação no valor de € 1.478,75 e o subsídio de escolaridade no valor de € 100,17, auferidos pelo Recorrente de forma contínua, regular e períodica, preenchem o conceito de “retribuição base e diuturnidades”, pelo que atendendo a essa fundamentação o lógico que aquando da determinação da indemnização a atribuir ao Recorrente devida pela falta de aviso prévio considerar a retribuição auferida pelo Recorrente no valor mensal de € 5.286,90 e não somente o valor do vencimento base de € 3.707.98. Nessa sequência, conclui que isso levaria não ao resultado expresso na sentença, mas sim a resultado oposto, isto é o valor que é devido ao Recorrente a título de indemnização por falta de aviso prévio seria de € 31.721,40 referente à multiplicação do aviso prévio em falta (6 meses) pelo valor da retribuição auferida.

A Ré contrapõe que a sentença recorrida, especialmente no que concerne à integração do abono mensal de despesas de representação e subsídio de escolaridade, se mostra consequente, não se identificando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão tomada.

Decorre do primeiro segmento da alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que o vício de nulidade da sentença invocado – fundamentos em oposição com a decisão – ocorre quando os fundamentos de facto e/ou direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Está, pois, em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.

Com efeito, a nulidade em referência ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Mas, tal situação, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifique quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-04-2021[32] (citando), «[e]sta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.

Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.

Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.».

Ora, lida a sentença recorrida, não se identifica qualquer vício estrutural intrínseco da mesma, que afete a sua estrutura lógica e que consubstancie uma situação de error in procedendo. Ou seja, não pode dizer-se que ocorra uma incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Não podemos deixar de salientar que em lado nenhum da sentença recorrida se qualificou o abono mensal para despesas e o subsídio de escolaridade como retribuição base, muito menos como diuturnidades. Nessa medida, e desde logo, não se alcança o vício lógico apontado pelo Recorrente.

Não se deteta qualquer contradição, pois que, analisada a pronúncia da sentença, podendo o Recorrente divergir da solução a que na mesma se chegou, tal não se traduz, porém, na existência do vício lógico que carateriza a nulidade em causa (em que os fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto).

Na verdade, sendo ou não adequado o juízo e conclusão a que se chegou na decisão recorrida – questão esta que, como vimos, não colhe cobertura no âmbito do vício analisado e sim no âmbito de eventual erro de julgamento –, percebe-se o raciocínio seguido nessa sentença e as razões que conduziram àquela conclusão. Poderá o Recorrente divergir do entendimento seguido, seja na subsunção e consideração dos factos provados, seja depois na aplicação aos factos do direito, sendo que tal juízo não tem assento no vício que se analisa.

Não se pode, pois, afirmar a verificação da apontada nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, improcedendo nesta parte as conclusões (conclusão 5).


***


4) Intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de matéria de facto

Antes de entrar na apreciação do recurso do Autor quanto à questão da impugnação da decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, nº 2, e 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4, e 663.º, nº 2, do CPC, verifica-se que se justifica a intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de matéria de facto.

Assim, importa que no elenco dos factos provados figure o teor do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço a que se alude no ponto A) dos factos provados, pelo menos que que respeita aos seus elementos essenciais que não tenham sido já integrados nas alíneas B) e C) (não se ficando, pois, pela mera remissão para o conteúdo do documento em causa ao dar o mesmo como reproduzido). Depois nas alíneas B) e C) dos factos provados, transcreve-se apenas o teor das cláusulas 6ª e 3ª desse mesmo contrato.

Atente-se que se trata de matéria que foi aceite pelas partes nos articulados, resultando também do documento junto aos autos nessa alínea referenciado, documento esse que não foi objeto de impugnação e se mostra subscrito por ambas as partes (que não colocaram em crise tal subscrição, nem invocaram qualquer vício de vontade na celebração do contrato), sendo certo que se afigura como pertinente que se mostre espelhado efetivamente no elenco dos factos provados o respetivo teor essencial.

Pelo exposto, e visto o disposto nos artigos 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, determina-se oficiosamente o seguinte:

- Por forma a contemplar o teor do documento mencionado na alínea A) dos factos provados, tal alínea passa a ter a seguinte redação:

“A) Por contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, datado de 09/07/2019, foi o autor contratado pela ré para exercer as funções inerentes ao cargo de ... para a ..., entre 14/06/2018 a 31/12/2021, junto à petição inicial como documento n.º 2, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:

CONTRATO DE TRABALHO EM COMISSÃO DE SERVIÇO

Entre

AGÊNCIA PARA O INVESTIMENTO E COMÉRCIO EXTERNO DE PORTUGAL, E.P.E. (…), adiante designada por Primeira Contratante,

E

AA (…), adiante designado por Segundo Contratante,

E em conjunto designados por Contratantes,

Considerando que:

A. A Resolução do Conselho de Ministros nº 106/2018, publicada no Diário da República de 30 de junho de 2018, adiante designada Resolução do Conselho de Ministros, designou o Dr. ... para a Exposição Mundial do ..., doravante ..., pelo período de 14 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2021;

B. O exercício do cargo para o qual foi designado requer formalização através de contrato em comissão de serviço, com o estatuto remuneratório, benefícios e regalias, equiparado ao de vogal do Conselho de Administração da AICEP, E.P.E.;

C. A remuneração dos membros do Conselho de Administração da AICEP, E.P.E. é regulada pelo Estatuto do Gestor Público, publicado pelo Decreto-Lei nº 8/2012 de 18 de janeiro (que dá nova redação ao Decreto-Lei nº 71/2007, de 28 de março), em conjugação com o disposto nas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 16/2012 de 14 de fevereiro, e n.º 36/2012, de 26 de março, tendo sido atribuída à AICEP, E.P.E. a classificação correspondente ao nível B;

D. O presente contrato é celebrado em regime de comissão de serviço, nos termos dos artigos 161.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em articulação com o disposto na Resolução do Conselho de Ministros;

E. O presente Contrato de Comissão de Serviço foi aprovado por Despachos dos Secretários de Estado da Internacionalização e do Tesouro em 01/08/2018 e 12/11/2018, respetivamente, subsequente à aprovação por deliberação n.º 42/2018, de 24 de julho, do Conselho de Admnistração da AICEP, complementada pela deliberação n.º 01/F/2018, de 28 de julho do mesmo órgão;

É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, que se rege pelas cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

Objeto

Pelo presente contrato, a Primeira Contratante admite em regime de comissão de serviço, o Segundo Contratante, para exercer, como ... para a ..., as funções inerentes a esse cargo.

(…)

Cláusula 3ª

Retribuição

1. [teor já constante da alínea C) dos factos provados].

2. Aos valores referidos no número anterior é aplicado o corte salarial nos termos da legislação orçamental em vigor (artigo 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho) até disposição legal em contrário.

3. O Segundo Contratante tem direito a subsídio de férias e subsídio de Natal, de valor proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nos termos e nos limites da lei e dos regulamentos internos da Primeira Contratante.

4. Às importâncias estipuladas no n.º 1 poderão acrescer remunerações suplementares desde que resultantes de disposições legais aplicáveis em razão das funções exercidas.

Cláusula 4.ª

Horário de Trabalho

(…)

Cláusula 5.ª

Duração

O presente contrato tem um período de vigência de 14 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2021.

Cláusula 6.ª

Cessação da Comissão de Serviço

[n.ºs 1 e 2 – teor já contante da alínea B) dos factos provados]

(…)”

***

5) Saber se ocorreu erro de julgamento sobre a matéria de facto - Impugnação da decisão da matéria de facto – questão suscitada no recurso apresentado pelo Autor.

O Recorrente/Autor conclui  (conclusão 6.) que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, em sede de matéria de facto, sendo que se impunha:

- dar como não provado o ponto CC) dos factos provados (conclusão 7.);

- acrescentar ao elenco dos factos provados os factos sob os pontos RR) e SS) com a redação que indica nas conclusões 8. e 9., respetivamente;

- dar como provada a matéria constante dos factos não provados sob os pontos 1) (conclusão 10.), 2) (conclusão 11.), 3) (conclusão 12.), 4) (conclusões 13. e 14.), 5) (conclusão 15.), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) (conclusões 16. a 18), 13, 14, 15), 16) e 17) (conclusões 19. a 23.).

A Recorrida refere que o Recorrente a conclusões 16. a 19. impugna a cognoscibilidade de 12 factos dados por não provados “por atacado”, sem proceder à indicação dos concretos meios de prova para cada um dos factos questionados, defendendo que atento o desrespeito dos ónus processuais impostos no âmbito da impugnação da matéria factual deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto agrupada (e não individualizada) pretendida pelo Recorrente por violação do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, conjugada com o artigo 607.º, n.º 3 e 4 do mesmo diploma.

Antes de mais, importa enquadrar os termos em que está prevista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mormente os critérios/parâmetros que devem presidir à reapreciação factual por parte do Tribunal da Relação e aos ónus exigíveis ao recorrente quando impugne a matéria de facto.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[33], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023[34] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».

É inegável que a reforma de 2013 veio consagrar um modelo no âmbito do qual o Tribunal da Relação reaprecia a prova sobre os factos impugnados com a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1ª instância, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção para efeitos de apreciação dos fundamentos do recurso sobre a matéria de facto.

Neste particular, e como se enfatiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017[35],“[n]o que respeita à reapreciação da decisão de facto pelo tribunal de 2.ª instância, é, hoje, jurisprudência seguida pelo STJ que essa reapreciação não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, antes implicando uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar e produzir, para, só em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do invocado erro, mantendo ou alterando os juízos probatórios que tenham sido feitos (art. 662.º, n.º 1 do CPC).” Neste sentido se perfila, de facto, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se alcança, entre outros, dos Acórdãos de 8-03-2022[36] e de 24-10-2023[37].

Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

Não se questionando a sobredita amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no citado Acórdão de 17-04-2023, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Apelando mais uma vez ao citado Acórdão desta Secção Social de 17-04-2023[38], «a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção [21 – É que de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem que julgar pela convicção de quem espera a decisão].».

Por outro lado, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);

c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:

a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;

b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Assim, e como também refere António Santos Abrantes Geraldes[39], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):

a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];

b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];

c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);

d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.

No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[40], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

Como sublinha António Abrantes Geraldes[41], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Feitas estas considerações, e verificando-se o cumprimento do ónus primário de delimitação do objeto do recurso, não se vislumbra motivo para rejeição da impugnação apresentada desde já no seu todo por falta de cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos pelo legislador, pelo que se vai acompanhar a impugnação apresentada para cada ponto, ou grupo de pontos [desde que em conexão, ou dependentes da apreciação dos mesmos meios de prova], ponderando-se em cada situação analisada se existe motivo de rejeição por não cumprimento dos referidos ónus em relação a algum ou alguns pontos.

Isto posto, haverá que apreciar a impugnação apresentada.

Tenha-se em consideração que já se procedeu supra em 1. à transcrição da fundamentação da decisão recorrida em termos de matéria de facto, devendo ter-se ainda presentes as considerações efetuadas aquando da apreciação do invocado vício de falta de fundamentação da decisão recorrida, a propósito da fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos não provados.

5.1. Ponto CC) dos factos provados (que o Recorrente sustenta dever ser considerado não provado).

O Recorrente refere-se a esse ponto na conclusão 7., argumentando na motivação (e conclusão), para defender a não prova, o facto de a sentença recorrida ter fundamentado a sua inclusão no elenco dos factos provados num Regulamento Interno e numa Ordem de Serviço (n.º 24/2008), ambos da Recorrida, sendo que a análise perfunctória dos referidos documentos leva a concluir que nenhum desses documentos é aplicável ao Autor. Refere que o Regulamento Interno se aplica aos trabalhadores que já tinham vínculo laboral com a Recorrida, exercendo, por um período finito, funções em comissão de serviço, o que não é o caso do Recorrente, pois aqui estamos perante uma comissão de serviço sem garantia de emprego. Mais refere que a dita Ordem de Serviço se aplica aos trabalhadores do quadro de pessoal da Recorrida, o que também não é o caso do Autor.

A Ré/Recorrida contrapõe que, apesar da modalidade do vínculo em comissão de serviço é juridicamente incontornável que o Recorrente era seu trabalhador, na asserção jurídico legal, pelo que, sendo o Regulamento Interno e a Ordem de Serviço em causa aplicáveis aos seus trabalhadores, não se vislumbra qual a matéria de prova que impunha uma decisão distinta daquela que foi dada pelo Tribunal recorrido. Nesse sentido, conclui que o Recorrente não demonstrou, como era seu ónus, quais os meios de prova que impunham a retirada deste facto do rol dos factos provados, não devendo ser alterada a sentença.

Recorde-se a redação do ponto CC) dos factos provados:

“CC) O subsídio de estudos ou de escolaridade destina-se a apoiar os colaboradores da ré a suportar os custos inerentes à frequência de estabelecimentos de educação dos respetivos filhos ou dependentes”.

Na sentença recorrida, em sede de fundamentação consta que:

 “A matéria constante em CC) resulta da ordem do regulamento interno da Ré e da ordem de serviço nº 24/2008 juntos com a contestação.

Daqui decorre que o Tribunal a quo para dar como provada a matéria em causa se fundamentou nos documentos n.ºs 11 (Regulamento Interno Compensação) e 12 (Ordem de Serviço n.º 24/2008) juntos com a contestação.

Analisada tal documentação, verifica-se que:

- O Regulamento Interno em causa tem como âmbito da sua aplicação definido como o sendo a todos os colaboradores ao serviço da AICEP (artigo 1º), no mesmo estando previsto uma secção atinente a atribuição de benefícios aos ditos colaboradores, entre os quais no artigo 17.º o benefício Educação, a regular pela Comissão Executiva;

- A Ordem de Serviço n.º 24/2008, com entrada em vigor em 16-10-2008 respeita ao regime de apoio à educação aprovado ao abrigo do referido artigo 17.º do Regulamento Interno.

Da conjugação de tal documentação resulta inequivocamente a finalidade plasmada no ponto CC) no que respeita ao subsídio em referência.

Acresce que tendo em conta o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço celebrado entre as partes, mormente o seu Considerando D) e o âmbito de aplicação do Regulamento Interno  e da respetiva Ordem de Serviço, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, não se conclui pela não aplicabilidade desse benefício/subsídio ao Recorrente nos moldes aí regulamentados, tanto mais quando é certo que o mesmo era abonado ao Recorrente como se alcança dos recibos de vencimento que se encontram juntos aos autos.

Não resultou, pois, demonstrada qualquer razão para a não consideração da referida documentação para alicerçar a convicção positiva do Tribunal a quo na matéria em questão, muito menos foram invocados quaisquer meios de prova que  impusessem distinta decisão.

Improcede, pois, a impugnação nesta parte.

5.2. Do pretendido aditamento do facto RR) à matéria provada

O Recorrente sustenta que deve ser aditado ao elenco dos factos provados um facto RR) com o seguinte teor:

““RR) o Autor é licenciado em ..., possui um percurso profissional com mais de 25 anos, tendo liderado inúmeros projetos, em diversos setores, definindo e superando objetivos ambiciosos, otimizando recursos e criando valor para os stakeholders, destacando-se os resultados alcançados na coordenação de diversos projetos e no apoio à criação e gestão de empresas. Desempenhou funções de Presidente do Conselho de Administração da ..., Presidente da Associação ..., Diretor Executivo da ..., Assessor do Conselho de Administração da Fundação ... no Instituto Politécnico ..., Coordenador de Relações Institucionais do Instituto... e Consultor Especialista em diversas organizações, tendo contribuído para a concretização da missão de diversas organizações públicas e privadas. É Embaixador da ... e do Plano ... e Membro do Conselho Estratégico da Economia Digital da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).”.

Para tanto sustenta que nos artigos 7.º e 8º da petição inicial faz alusão ao seu percurso profissional, percurso esse explanado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018 junta aos autos como doc. 5, não impugnado pela Ré. Argumenta que se trata de um facto que não foi impugnado, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 574.º do CPC deve ser considerado como admitido por acordo, e consequentemente, como aceite até porque tal facto está também provado por documento, impondo-se acrescentar esse facto ao elenco dos factos provados.

A Ré, por sua vez, pugna pela rejeição do pretendido aditamento,  referindo que: não se opôs ao contido nos artigos 7.º e 8.º da petição inicial porque um trecho com o curriculum do Recorrente resulta efetivamente daquele diploma (v.g. Resolução do Conselho de Ministros nº 106/2008, de 30 de agosto); porém não é o artigo 8.º da p.i. – cujo conteúdo é maioritariamente de direito – que o Recorrente pretende dar como provado e ao qual a Recorrida deu o seu acordo; é que, como se vislumbra da confrontação dos artigos 7.º e 7.º da p.i. com o facto RR) estes não são iguais, sendo que no artigo 8.º transcreve-se o trecho de uma informação anexa à identificada Resolução e no facto RR) pretende-se que o Tribunal ad quem dê por provado o conteúdo dessa mesma informação, contudo, afirmar que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018 tem um anexo com determinado conteúdo não é o mesmo que dar os factos desse mesmo conteúdo como provados; para além disso, não foi produzida qualquer prova a respeito deste “novo” facto RR) que imponha a alteração da matéria de facto provada, pelo que não poderá ser o mesmo aditado ao rol dos factos assentes; por fim, como resulta do facto RR) o mesmo está recheado de conceitos indeterminados – assim, as expressões como “inúmeros projetos”, “em diversos setores”, “objetivos ambiciosos”, “otimizando recursos”, “criando valor”, “destacando-se os resultados alcançados”, “diversos projeto”, e “concretização da missão de diversas organizações públicas e privadas” – que não podem ser vertidas para os factos assentes.

Os pontos 7.º e 8.º da petição inicial têm o seguinte teor:

“7.º A designação do aqui Autor como ... para a ... teve por base, como a própria Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, o indica, o percurso profissional do Autor, cuja “nota curricular” consta em anexo à referida Resolução do Conselho de Ministros - cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, junta como documento 5.

8.º Transcrevendo o conteúdo da mesma, verificamos que o aqui Autor, “licenciado em ..., possui um percurso profissional com mais de 25 anos, tendo liderado inúmeros projetos, em diversos setores, definindo e superando objetivos ambiciosos, otimizando recursos e criando valor para os stakeholders, destacando-se os resultados alcançados na coordenação de diversos projetos e no apoio à criação e gestão de empresas. Desempenhou funções de Presidente do Conselho de Administração da ..., Presidente da Associação ..., Diretor Executivo da ..., Assessor do Conselho de Administração da Fundação ... no Instituto Politécnico ..., Coordenador de Relações Institucionais do Instituto... e Consultor Especialista em diversas organizações, tendo contribuído para a concretização da missão de diversas organizações públicas e privadas. É Embaixador da ... e do Plano ... e Membro do Conselho Estratégico da Economia Digital da Confederação Empresarial de Portugal (CIP)” (negrito nosso). - cfr. Anexo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, junta como documento 5.”

No artigo 9.º da contestação consta o seguinte:

“Aceitam-se os factos indicados nos artigos 1.º a 8.º, relativos à nomeação do Autor como ... para a Exposição Mundial do ...-... e à consequente celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço com a Ré, inicialmente para o período entre 14/06/2018 e 31/12/2021, depois prorrogado até 31/12/2022.”

Concorda-se, no essencial, com a linha argumentativa da Ré que ficou atrás exposta, para a qual se remete, assim nos dispensando de desnecessárias repetições.

Reforçamos apenas que os artigos 7.º e 8.º da petição inicial que o Autor convoca não podem ser desligados, nem descontextualizados, sendo que como observa a Ré dizer que a Resolução do Conselho de Ministros tem um anexo com uma nota curricular com determinado conteúdo não é o mesmo que dar os factos constantes desse mesmo contéudo por provados.

Acresce que a alegação contida nos artigos 7.º e 8.º da p.i., reportada ao conteúdo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, junta como documento 5 e respetivo contéudo, onde se inclui o Anexo atinente à nota curricular, mostra-se já contida no ponto F) dos factos provados, não impugnado, no qual se alude a tal resolução e ao conteúdo desse documento 5 que é dado como integralmente reproduzido.

Refira-se ainda que o ponto NN) dos factos provados, não impugnado, refere-se às funções exercidas pelo Autor antes da nomeação a que se reporta a referida Resolução do Conselho de Ministros – “Antes da nomeação ora em causa, o autor tinha exercido as funções de Presidente do Conselho de Administração da B..., SA, tendo anteriormente um vínculo contratual com a A..., Lda., assumindo as funções de Diretor-Geral da ...”.

Pelas razões expostas, nesta parte terá de improceder a impugnação do Recorrente.

5.3. Do pretendido aditamento do facto SS) à matéria provada

Refere o Recorrente que deve ser aditado ao elenco dos factos provados um facto SS) com o seguinte teor:

“SS) Segundo resultava, da Nota de Culpa rececionada pelo Autor, este, com a sua conduta, violou de forma contínua os seus deveres enquanto trabalhador da Ré, nomeadamente os seus deveres laborais, quais seja o de proceder de boa-fé, dos deveres de zelo e diligência de obediência, de lealdade, previstos no artigo 126.º, e nas alíneas c), e) e f) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 128.º, ambos do CT.”,”.

Alega que no artigo 37.º da petição inicial referia essa matéria e a mesma não foi impugnada pela Ré na contestação, pelo que deve ser considerado admitido por acordo e aceite nos termos do disposto no artigo 574.º do CPC, impondo-se acrescentar esse facto ao elenco dos factos provados.

Contrapõe a Ré o por si referido no artigo 34.º da contestação, no qual se manifestou quanto ao artigo 37.º da p.i., enquadrando-o no conjunto dos factos alegados a este respeito e, bem assim, o facto de o Recorrente ter expurgado do facto SS) a expressão “alegadamente”, sem justificar tal eliminação, impedindo ao Tribunal ad quem validar a eventual prova – que, aliás, é inexistente – produzida quanto a esta expressão. Mais argumenta que a matéria em causa tem natureza manifestamente conclusiva, devendo, também com este fundamento recusar-se a inclusão do facto em causa no acervo factual dado por assente.

O ponto 37.º da petição inicial têm o seguinte teor:

“37.º Segundo resultava, sucintamente, da Nota de Culpa rececionada pelo aqui Autor, este, alegadamente, com a sua conduta, violou de forma contínua os seus deveres enquanto trabalhador da Ré, nomeadamente os seus deveres laborais, quais seja o de proceder de boa-fé, dos deveres de zelo e diligência de obediência, de lealdade, previstos no artigo 126.º, e nas alíneas c), e) e f) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 128.º, ambos do CT.”

No artigo 34.º da contestação consta o seguinte:

“Tal explica, aliás, que o A. se tenha abstido de juntar ao seu articulado a nota de culpa, apesar de a referir no artigo 37.º da p.i., mas limitando-se a mencionar os deveres de cuja violação foi acusado, de forma genérica e sem qualquer menção aos factos que lhe foram imputados.”

Também aqui prevalece a argumentação apresentada pela Recorrida no sentido de inexistir fundamento para o pretendido aditamento, para a qual se remete.

Realça-se apenas que, nos termos dos n.ºs 1 e do artigo 574.º do CPC, o réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1), sendo que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior (n.º 2).

Nesta consonância, quanto à matéria em causa, por via do artigo 574.º do CPC não existe qualquer acordo das partes, por aceitação expressa ou falta de impugnação, que permitisse à sentença recorrida dar como provada a matéria em causa, sendo certo que a alínea SS) que se pretende ver aditada contém matéria meramente genérica e conclusiva que nunca poderia integrar o elenco da matéria de facto provada.

Com efeito, conforme vem sendo entendimento pacífico desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em linha com posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[42].

Como tal, versando o indicado ponto sobre afirmações meramente conclusivas, não sustentadas nos necessários factos materiais concretos, nunca poderiam as mesmas figurar no elenco dos factos provados.

Pelas razões expostas, nesta parte terá de improceder a impugnação do Recorrente.

5.4. Ponto 1) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverá ser dado como provado).

Recorde-se a redação do ponto 1) dos factos não provados:

“1) No dia 30/04/2021, aquando da assinatura de um Protocolo de Colaboração para a participação portuguesa na exposição mundial ... entre a aqui ré e a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação, numa cerimónia pública realizada no auditório “...”, na sede do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em ..., o Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros reforçou a confiança e reconheceu publicamente o mérito do trabalho desenvolvido pelo aqui autor.”

O Recorrente refere-se a esse ponto na conclusão 10., apelando na motivação (e conclusão), como fundamento para defender a respetiva prova, ao documento 6 junto com a p.i. (notícia que foi publicada no site .../, em 30.04.2021), secundado pelas declarações de parte que prestou (cujos tempos de gravação do extrato transcrito identifica).

A Ré argumenta que tendo em conta a conclusão 10. se fica sem saber que “prova documental” será essa que justifique uma aquisição deste facto pois nada a esse respeito é mencionado nas conclusões de recurso e, bem assim, que as declarações de parte do Autor não permitem que seja declarado provado o facto em causa.

Refira-se que a crítica apontada pela Recorrida quanto à não identificação da prova documental não colhe, uma vez que tal especificação consta da motivação nos termos acima apontados, o que se revela suficiente.

Mostram-se, pois, cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do CPC.

Analisado o documento ao qual o Recorrente apela (doc. 6 junto com a petição inicial – que identifica como notícia publicada no site .../, em 30-04-2021), do mesmo nada pode ser retirado no sentido de impor a inclusão da matéria fáctica em crise no elenco dos factos provados. O que aí vem noticiado é a assinatura de um protocolo de colaboração para a participação portuguesa na exposição mundial ..., nada aí se lendo sobre o alegado reforço de confiança e reconhecimento público ao mérito do trabalho desenvolvido pelo Autor, por parte do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

Quanto às declarações de parte do Autor – a cuja audição procedemos - e concretamente ao excerto das mesmas que foi convocado, nada de concreto pode ser retirado, referindo-se o Autor tão só a um alegado elogio do Ministro dos Negócios Estrangeiros, sem qualquer concretização de um qualquer evento público em que tal tenha acontecido e em que se traduziu esse elogio.

Ponderados os elementos probatórios indicados pelo Recorrente, os mesmos não permitem alicerçar uma convicção minimamente segura em sentido positivo da sua demonstração quanto à matéria em questão.

Não foram, pois, indicados pelo Recorrente quaisquer elementos probatórios que impusessem decisão distinta da proferida na matéria em causa, concluindo-se ser de manter o ponto em análise como não provado, improcedendo assim a impugnação nesta parte.

5.5. Ponto 2) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverá ser dado como provado).

Recorde-se a redação do ponto 2) dos factos não provados:

“2) O tema da exoneração do autor como ... andou “de mão em mão”, sendo este tema discutido por dezenas de pessoas, inclusive o próprio Sr. Primeiro Ministro.”

Para sustentar a sua inclusão no elenco da matéria provada, apela o Recorrente ao disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPC (que prescreve não carecerem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral). Argumenta que para prova de tal facto, mais do que a prova feita pelas partes, é do conhecimento geral, ou pelo menos dos formados em Direito, o modo como funciona o Governo, em que o procedimento se encontra regulado por lei. Mais apela ao disposto noDecreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 dezembro.

Opõe-se a Recorrida com a argumentação de que não se apreende qual a matéria probatória que demandava uma transposição desse facto para o rol dos factos assentes e, bem assim, que expressões indeterminadas como “mão em mão” e “dezenas de pessoas” não podem ser incluídas no rol dos factos provados.

Nesta sede, concorda-se com a Recorrida quando refere que expressões como “andou de mão em mão” assumem natureza genérica e conclusiva, insuscetíveis de integrar o elenco dos factos provados.

Se atentarmos na própria alegação constante da petição inicial, assim os artigos 101.º a 104.º, o Autor reporta-se ao facto de a sua exoneração ter sido decidida em Conselho de Ministros e apela ao regime legal da organização e funcionamento do XXII Governo Constitucional constante do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3-12, artigos 4.º e 40.º, para depois dizer por forma absolutamente conclusiva “Ou seja”, “O tema da exoneração do aqui Autor como ... andou “de mão em mão”, sendo este tema discutido por dezenas de pessoas, inclusive o próprio Sr. Primeiro Ministro”.

Para além disso, a matéria em causa nunca poderia ser considerada como “facto notório”, nos termos legalmente definidos no artigo 412.º, n.º 1, do CPC como sendo “os factos que são do conhecimento geral”.

Como já ensinava Alberto dos Reis[43] relativamente ao que deva considerar-se facto notório:

“Há que pôr de lado o conceito objetivo, fundado no interesse. Pode um facto ter grande relevo social e interessar consequentemente à generalidade dos homens de determinada comunidade política e todavia ser ignorado pelo cidadão de cultura média. Exemplo: o mecanismo da variação do valor da moeda. As doutrinas exatas são as que põem na base do facto notório a ideia do conhecimento. Mas não basta qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão, que o facto apareça, por assim dizer, revestido do carácter de certeza. (…)

Os factos notórios podem classificar-se em duas grandes categorias:

a) Acontecimentos de que todos se aperceberam diretamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc);

b) Factos que adquirem o carácter de notórios por via indireta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos.

Quanto aos primeiros não pode haver dúvidas. Quanto aos segundos, o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média”.

Em suma, mesmo na parte que possa ser considerada como não conclusiva, não foram indicados – nem, aliás, se identificam – quaisquer elementos probatórios que impusessem decisão distinta da proferida.

Improcede também nesta parte a impugnação.

5.6. Ponto 3) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverá ser dado como provado).

Relembre-se a redação do ponto 3) dos factos não provados:

“3) Com a sua exoneração do cargo, todas as pessoas que compunham o Conselho Consultivo ficaram com a dúvida do que terá feito o autor para ser exonerado do cargo de Comissário-Geral.”

O Recorrente refere-se a esse ponto na conclusão 12., apelando na motivação (e conclusão), como fundamento para defender a respetiva prova, ao depoimento da testemunha RR, declarações de parte do Recorrente e depoimento do Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, CC (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica).

A Recorrida, por sua vez, refere que da análise das transcrições promovidas pelo Recorrente no corpo das suas alegações não encontram os momentos que impõem a aquisição deste facto, devendo recusar-se a pretendida alteração à decisão de facto.

Foi reanalisada e reapreciada nesta sede recursiva a prova produzida que é indicada pelo Recorrente.

A testemunha RR referiu efetivamente que foi membro do Conselho Consultivo da ..., como aliás decorre do ponto X) dos factos provados, sendo certo a mesma não podia falar, nem falou, pelos restantes membros do referido Conselho Consultivo e que como decorre desse mesmo ponto seria composto por 20 pessoas. Ademais, esta testemunha no que se lhe refere reportou-se sim à surpresa que teve em relação à exoneração do Autor, que não sabia o que tinha acontecido, mas não decorre do seu depoimento que a mesma tivesse ficado com a dúvida do que terá feito o Autor. Esta testemunha reportou-se ainda vagamente a conversas “com um ou dos Conselheiros” e que “todos diziam” – ou seja, o um ou dois – que não sabiam o que que se estava a passar. A testemunha não reportou que os Conselheiros com que falou – um ou dois, segundo o que disse  - lhe transmitiram que tivessem ficado na dúvida sobre o que o Autor terá feito. Mais, se atentarmos no depoimento desta testemunha em sede de contra-instância, a partir sensivelmente do minuto 27:05, a mesma explicita que no momento em que lhe foi transmitido que o Autor foi exonerado o que pensou é que algo de errado se tinha passado por parte do Conselho Consultivo (“de nós” – sic), por parte do Autor ou de alguém da equipa do trabalho operacional.

Quanto às declarações de parte do Autor, nenhum elemento objetivo explicitou que permitisse alicerçar uma convicção minimamente segura na matéria em causa.

O mesmo se diga em relação ao depoimento de parte do Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, CC.

Ponderados os meios de prova indicados, os mesmos não nos conduzem à prova do ponto em questão, não se tendo formado convicção que leve a integrar o referido ponto no elenco dos factos provados, pelo que improcede a impugnação também nesta parte.

5.7. Ponto 4) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverá ser dado como provado).

Este ponto tem a seguinte redação:

“4) Mensalmente, e tendo em conta o rendimento mensal do agregado familiar do autor, este, tem as seguintes despesas fixas:

- Renda Habitação: 910,35€;

- Eletricidade e Gás: 100€;

- Água: 30€;

- Internet/TV: 70€;

- Seguro da habitação: 30€;

- Lavandaria: 75€;

- Alimentação: 400€;

- Colégio filhos: 900€;

- Atividades extracurriculares filhos: 75€;

- Livros/Material Escolar: 40€;

- Farmácia: 15€;

- Restauração: 100€;

- Vestuário: 100€;

- Viagens: 100€;

- Cuidados Pessoais: 25€;

- Atividades desportivas: 25€.”

O Recorrente refere-se a esse ponto nas conclusões 13. e 14. , apelando na motivação (e conclusões), como fundamento para defender a respetiva prova, às suas declarações de parte e ao depoimento da testemunha CCC (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica). Argumenta que a lei não obriga que a prova destas despesas seja feita por documento e que para que seja considerada prova suficiente não é necessária uma certeza material e absoluta, sustentando que tal como decorre da prova produzida em julgamento a matéria do referido ponto 4) encontra-se provada.

A Recorrida considera que a sentença não merece censura quanto a este ponto, na medida em que a prova presente nos autos – apelando, em substância, aos mesmos excertos transcritos pelo Recorrente - não permite que o mesmo seja declarado provado.

Na fundamentação da sentença recorrida, depois de considerações no que respeita aos factos dados como não provados e à circunstância de sobre os mesmos se ter pronunciado o Autor e a testemunha CCC, sua esposa, no que respeita às despesas constantes do ponto 4) consta o seguinte: «pese embora se poder dizer que, pelo menos algumas das despesas são tidas por grande parte das famílias portuguesas, a verdade é que não foi junto qualquer comprovativo das mesmas, afigurando-se ao tribunal que tal seria muito fácil para o autor”.

É verdade que o ponto 4) não encerra matéria que esteja sujeita a prova vinculada por via documental.

Mas, é necessário atentar no conteúdo do ponto 4) dos factos não provados que o Recorrente visa agora que seja considerado como provado. É que tal ponto discrimina as alegadas despesas fixas mensais do agregado familiar do Autor, com espeficação da sua natureza e valores exatos. Tanto assim, que tal alegação integra a causa de pedir para alicerçar um pedido indemnizatório formulado por alegados danos patrimoniais sofridos, em que é peticionado o alegado valor mensal em falta para fazer face às obrigações mensais do agregado familiar tendo em conta o rendimento agora auferido.

Ora, tendo-se procedido à audição das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha CCC, a matéria vertida no ponto em referência (ponto 4) dos factos não provados) não se mostra evidenciada, sendo certo que tal prova não permite concluir, com a necessária segurança, no sentido de que tais depoimentos permitem sustentar diferente convicção do que a formada em 1ª instância.

Atente-se que: o Autor, quando questionado sobre as despesas familiares, referiu que eram “mil euros de renda”, “mil euros de colégio” e “mil euros que são divididos entre várias coisas” (“entre alimentação que é cerca de metade disso, e o resto tem a ver com limpeza, com lavandaria, com sei lá…, com também férias, que também tínhamos direito”; a testemunha CCC, quando questionada sobre a mesma matéria, referiu “estamos a falar de uma renda de casa na ordem dos mil euros”, “estamos a falar de uma prestação do Colégio na ordem dos mil euros também”, “prestação do meu carro para pagar”, “mais seguros de saúde, mais várias despesas que fazem parte das despesa de uma família”.

Quando o Tribunal a quo refere que pelo menos algumas das despesas constantes desse ponto são tidas por grande parte das famílias portuguesas, compreende-se essa afirmação no que respeita à natureza das mesmas, sendo certo que resulta da normalidade da vivência social que um agregado familiar tenha que comer e por isso tenha despesas com alimentação, tenha que ter eletricidade e água em casa. Agora, essa não é a questão em crise, a matéria que se pretende dar como provada é relativa a concretas e específicas despesas fixas mensais, que foram invocadas para suportar um pedido indemnizatório por danos patrimoniais sofridos. Daí que se compreenda que o Tribunal para formar a sua convicção não se possa bastar com o sobredito juízo de normalidade, tem que ter algo mais, tem que se poder suportar em elementos probatórios que tenham sido produzidos que lhe permitam criar a convicção da realidade de um facto [nas palavras de Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[44], “grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva”], elementos esses que, no caso, não foram produzidos.

As provas produzidas, em concreto as que o Recorrente invoca, não permitem, muito menos com a necessária segurança, convencer quanto à matéria pretendida pelo Recorrente, não impondo distinta resposta quanto ao ponto impugnado em causa, pelo que improcede também a impugnação nesta parte.

5.8. Ponto 5) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverá ser dado como provado).

A redação deste ponto é a seguinte:

“5) A ré sempre soube e consentiu que o autor fizesse uma utilização do carro a título como pessoal”.

O Recorrente refere-se a esse ponto na conclusão 15., apelando na motivação (e conclusão), como fundamento para defender a respetiva prova, que se trata de um facto que se encontra aceite porque não foi impugnado, nos termos do artigo 574.º do CPC. Para além disso, sustenta que tal facto é secundado pela prova produzida em audiência de julgamento, reportando-se às declarações de parte do Autor e ao depoimento da testemunha CCC (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica).

A Recorrida refere que impugnou o facto em causa (artigo 122.º da contestação), pelo que inexiste qualquer aquisição factual por acordo e, adicionalmente, a prova indicada não permite que seja declarado provado esse facto.

A matéria em causa foi invocada pelo Autor no artigo 120.º da petição inicial que tem o seguinte teor: “A mais disto, e não obstante o carro utilizado pelo Autor ser um instrumento de trabalho, a verdade é que a Ré sempre soube e consentiu que o Autor fizesse uma utilização a título como pessoal, havendo, portanto, total tolerância para uso pessoal da viatura”.

No artigo 122.º da contestação consta como expressamente impugnado o artigo 120.º [“Assim, não tem razão o A. quando reclama (nos artigos 112.º a 124.º da p.i, que expressamente se impugnam) uma indemnização (…)”].

O ponto em análise não se mostra, pois, aceite.

Nesse pressuposto, foi reanalisada e reapreciada nesta sede recursiva a prova produzida que é indicada pelo Recorrente.

Ponderados tais elementos de prova, e como bem observa a Recorrida, nada é sequer mencionado nos depoimentos convocados pelo Recorrente quanto ao alegado conhecimento e consentimento da Ré no que se refere ao uso pessoal do carro em questão, sendo essa a matéria a que se reporta o ponto em crise.

Também nesta sede as provas produzidas, em concreto as que o Recorrente invoca, não permitem, muito menos impõem distinta resposta quanto ao ponto impugnado em causa.

Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, improcede a pretensão do Recorrente nesta parte.

5.9. Pontos 6) a 12) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverão ser dados como provados).

Relembre-se a redação destes pontos:

“6) O que determinou a aceitação da prorrogação do contrato para além do período inicialmente estabelecido e para além do fim da ..., foi a expetativa do autor de que, face ao seu desempenho e resultados, poderia vir a assumir o cargo de ... ....

7) Na tomada de decisão referida em OO), o autor teve essencialmente em conta o facto de sempre lhe ter sido transmitido um feedback muito positivo relativamente ao desempenho das suas funções, mas, sobretudo, as hipóteses que lhe seriam colocadas em consequência do resultado do seu trabalho e, sobretudo, do sucesso da participação portuguesa na ....

8) Perante isto, e perante o facto de o autor ter projetado e apostado numa carreira profissional ao serviço do interesse público, o autor concordou em colocar termo ao vínculo que tinha com a A..., Lda.

9) O autor perspetivou, dado os resultados do seu trabalho, que Portugal poderia ponderar voltar a trazer a ... 2030 para Portugal e que, nesse cenário, o autor seria a pessoa mais habilitada para conduzir a organização de tal evento.

10) Dado todo o reconhecimento que o trabalho desenvolvido pelo autor teve no seio da organização ... o autor tinha a expectativa de liderar a participação portuguesa na ... ....

11) A forma como a ré procedeu à cessação do contrato de trabalho do autor, impossibilitou a manutenção da carreira do autor no setor público. 12) Aquando da negociação do aditamento ao contrato de trabalho em comissão e serviços, o que foi colocado na mesa das negociações não foi apenas a conclusão do evento ..., mas sim uma possibilidade séria e real, dado o trabalho desenvolvido pelo autor, deste manter-se em funções muito para além deste evento.”

O Recorrente refere-se a esses pontos nas conclusões 16. e 17., apelando na motivação (e conclusões), como fundamento para defender a respetiva prova, às suas declarações de parte e ao depoimento da testemunha CCC (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica). Mais apela ao depoimento da testemunha DDD (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos também identifica), sustentando que o Tribunal a quo não devia ter fundamentado a sua decisão quanto ao ponto 12) apenas nesse depoimento.

Neste particular, a Recorrida defende, em primeira linha, que o Recorrente não cumpriu os ónus previstos no artigo 640.º, porque agrupou, para efeitos de impugnação, vários pontos do probatório, não individualizando os meios de prova relevantes, na sua perspetiva, para infirmar o juízo probatório produzido sobre cada um deles, o que determina a rejeição da impugnação da matéria de facto. Mais sustenta que quanto aos pontos 6) a 11) e 16) dos factos não provados o Apelante não indica nas conclusões quais os específicos pontos da matéria de facto que impunham uma consideração distinta, pelo que deverá indeferir-se liminarmente a pretensão do Recorrente. Quanto ao ponto 12) dos factos não provados defende a Recorrida que nenhuma censura merece a decisão recorrida, apelando ao depoimento da testemunha DDD (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica). Mais sustenta que tal facto integra conceitos jurídicos conclusivos “uma possibilidade séria e real”, que não podem ser vertidos no rol dos factos assentes por indiciarem uma valoração de direito no âmbito da matéria em discussão nos autos, aqui evidenciada no âmbito da putativa perda de chance alegada pelo Recorrente, pelo que também por esse motivo deverá afastar-se este facto do acervo factual.

Analisado o recurso, e como se adiantou logo no início, o Recorrente deu cumprimento ao ónus primário de delimitação do objeto do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, com especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. Nas conclusões consta também, aliás, posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação, onde se incluem os pontos da matéria de facto indicados pela Recorrida, em que o Recorrente refere que deviam constar do elenco dos factos provados (confrontar conclusões 16. e 19.).

Não colhe, pois, o vício apontado pela Recorrida quanto à impugnação dos pontos 6) a 11) e 16) dos factos não provados.

Por outro lado, considera-se também que o Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º do CPC quanto à impugnação dos pontos 6) a 12) [que são os que ora estão aqui em análise].

Pese embora o Recorrente tenha impugnado a matéria em bloco, e não ponto por ponto, como devia, considerando que se trata de matéria conexa e que à mesma se reportam os mesmos meios de prova invocados, conclui-se não se verificar qualquer obstáculo ao conhecimento da impugnação na matéria em causa. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2021[45] e de 1-06-2022[46].

Consta da sentença recorrida, com pertinência para a matéria em causa, o seguinte:

«Ora, no caso, afigurou-se ao tribunal que o autor expressou, essencialmente, percepções que teve sobre a situação em causa nos autos que não se mostram materializadas em elementos objectivos ou em depoimentos testemunhais, com excepção do depoimento da testemunha CCC, cujo conhecimento, quanto à celebração do contrato, seu desenvolvimento e cessação, se reportava tão só ao que o marido lhe contou.

(…)

Relativamente ao ponto 12), para além de, como já se disse, apenas o autor ter referido essa percepção, a verdade é que a testemunha DDD, assessor do CA da ré desde 2017, esclareceu quais as razões objectivas para o termo do contrato ir para além do final da ..., razões essas que o tribunal reputou como válidas porque de acordo com as regras da normalidade.».

Consigna-se que este Tribunal procedeu à audição integral dos registos de gravação no que respeita à prova testemunhal e por declarações de parte convocada para sustentar a pretendida alteração, reiterando-se o já consignado relativamente ao depoimento da testemunha DDD, aquando do conhecimento da invocada nulidade por deficiente gravação.

Ponderados tais elementos de prova, conclui-se que não permitem sustentar diferente convicção do que a formada em 1ª instância, concordando-se com a valoração efetuada e as considerações tecidas na fundamentação que espelham também a nossa apreciação crítica da prova produzida na matéria em questão.

Refira-se também que não passou despercebido a este Tribunal que o próprio Autor nas suas declarações disse que não terá sido a primeira escolha para o cargo de Comissário ... [“eu fui a sexta escolha de várias escolhas que se tentou (…) - , etc, etc, pronto. Talvez, pelo facto de não existirem condições à altura para iniciar esta participação, nenhuma dessas pessoas aceitou. Estou apenas para… a dizer isto para … lhe dar nota daquilo que foi um… digamos, uma entropia que existiu desde o início deste processo, talvez motivado pelo facto de eu não ser… de eu ser um gestor e por isso não ser, digamos um perfil de um comissário, que normalmente é um comissário mais de perfil cultural, se quiser (…)” – sic; omitiu-se apenas os nomes das pessoas indicadas pelo Autor quanto às escolhas anteriores, tendo em conta que não se trata de dado relevante e por questões de salvaguarda da privacidade].

Importa ainda sublinhar que, como decorre da sobredita fundamentação, quanto à não prova do ponto 12), o Tribunal a quo não se ateve ao depoimento da testemunha DDD. Foram, sim, também quanto a este ponto ponderadas as declarações de parte do Autor nesta matéria, tendo sido considerado que o Autor expressou, essencialmente, as suas percepções que não se mostram materializadas em elementos objetivos ou em depoimentos testemunhais, com exceção do depoimento da testemunha CCC, cujo conhecimento quanto à matéria em questão adveio apenas do que o marido lhe contou (ou seja, esta testemunha não revelou conhecimento direto na matéria em causa). Já no que respeita à testemunha DDD, o Tribunal a quo ponderou também o seu depoimento, considerando que do mesmo resultaram esclarecidas razões objetivas para o termo do contrato ir para além do final da .... Essas razões decorrem, aliás, das próprias Resoluções de Conselho de Ministros onde está previsto o período pelo qual é feita a designação do ... para a ... [Na Resolução n.º 106/2018 de 14-06-2018 a designação do Comissário Geral é feita pelo período de 14-06-2018 e 31-12-2021, sendo certo que uma das competências do Comissário era elaborar e remeter um relatório final de balanço da participação portuguesa na ..., o que deveria ser feito até 31-12-2021 (documento n.º 5 junto com a petição inicial); na Resolução n.º 61/2020 de 12-08-2020 consignou-se que: “o calendário inicial da ... previa que o evento decorresse entre o dia 20-10-2020 e o dia 10-04-2021”, “todavia, a crise de saúde pública e as restrições de mobilidade que a pandemia da doença covid-19 gerou em todo o mundo determinaram o adiamento da ...”, “o referido adiamento, proposto pelas autoridades dos Emirados Árabes Unidos e aceite pelo ... (…) levou à determinação de uma nova data de inauguração – o dia 1 de outubro de 2021 – e encerramento – o dia 31 de março de 2022”; “neste contexto, é necessário atualizar algumas das decisões tomadas pelas referidas Resoluções de Conselho de Ministros, designadamente no que respeita às datas do término do exercício de funções do ..., de entrega do relatório final de balanço (…)” (documento n.º 3 junto com a petição inicial); nessa mesma Resolução de 2020 foi alterada a Resolução de 2018, sendo que a designação do ... para a ... passou a ser pelo período entre 14-06-2018 a 31-12-2022 e a data limite de entrega do referido relatório final de balanço da participação passou a ser 31-12-2022]. A duração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço - quer a duração inicial, quer a prevista no aditamento celebrado ao referido contrato (cfr. documentos 2 e 4 juntos com a petição inicial – espelha precisamente o período de designação do Autor para o cargo constante das sobreditas Resoluções, sendo certo que a majoração desse período colhe justificação, naturalmente, no adiamento da ..., com a inerente alteração do período de exercício de funções, onde se incluía a data limite de entrega do referido relatório final de balanço da participação. Da sobredita documentação não é possível retirar qualquer elemento ou indício por mínimo que seja, que conduza à conclusão vertida no ponto em análise. O depoimento da testemunha DDD foi consonante com o que resulta das referidas Resoluções do Conselho de Ministros. Esta testemunha referiu que ao que sabia a contratação do Autor foi para a ... e, questionado sobre se havia algum motivo para que o Comissário Geral tivesse uma expectativa de vir a ser contratado para outras exposições mundiais, referiu que desconhecia (ao contrário do que refere o Autor, a sua resposta não é impercetível). Mais, se atentarmos nas próprias declarações de parte do Autor, o mesmo não se reportou a nada de concreto que lhe tenha sido transmitido ou colocado nas negociações do aditamento do contrato de trabalho em comissão de serviço e que permitisse retirar a conclusão vertida no ponto em apreciação. O certo é que o contrato que celebrou com a Ré - e que o Autor não colocou em crise – tinha desde o início como objeto a respetiva admissão em regime de comissão de serviço para exercer, como ... para a ..., as funções inerentes a esse cargo e, bem assim, uma cláusula que fixava o seu período de vigência. Esta última cláusula foi alterada no aditamento para passar a ser de 14-06-2018 a 31-12-2022 que era precisamente o período que o Autor passou a estar designado para o exercício das funções de Comissário ... pela Resolução do Conselho de Ministros de 2020, sendo que nenhuma outra cláusula do contrato foi alterada no aditamento. Mais, como elemento objetivo de ponderação nesta matéria, temos também o facto de o próprio contrato celebrado entre as partes conter uma cláusula que previa a possibilidade de o mesmo cessar a qualquer momento desde que assim fosse decidido pelos membros do governo no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros (cláusula 6ª do contrato).

Ademais, como bem observa a Recorrida, o ponto 12) dos factos não provados integra matéria conclusiva e jurídica, assim a expressão “uma possibilidade séria e real”, que nunca poderia ser acolhida na matéria de facto provada, na medida em encerra uma valoração de direito no âmbito da perda de change invocada pelo Recorrente para sustentar o pedido indemnizatório com esse fundamento [No sentido de que as afirmações de natureza conclusiva ou que encerrem valoração jurídica devem ser excluídas do elenco factual a considerar se integrarem o thema decidiendum, vejam-se os Acórdãos citados na nota de rodapé 42 aquando da apreciação do ponto 5.3.].

Pelas razões expostas, nesta parte improcede a impugnação do Recorrente.

5.10. Pontos 13) a 17) dos factos não provados (que o Recorrente entende que deverão ser dados como provados).

A redação destes pontos é a seguinte:

“13) A actuação da ré provocou no autor consternação, preocupação, angústia com o seu futuro e o da sua família, desgosto e profunda tristeza, afetando a sua dignidade pessoal e profissional, sentiu-se envergonhado com a exoneração do cargo.

14) Em virtude dos factos acima descritos, o autor sente-se vexado em praça pública, perante todas pessoas com quem trabalhou direta e indiretamente, incluindo-se todos os membros do Grupo de Trabalho Interministerial e todas as pessoas que convidou para o Conselho Consultivo.

15) Sente-se uma profunda injustiça por não lhe ter sido dada a oportunidade de defesa e por todo o seu trabalho, esforço e dedicação enquanto Comissário-Geral ser agora afeto a outra pessoa, quando o mesmo se encontra praticamente concluído.

16) Até ao dia de hoje é a primeira vez com que o autor se depara com uma situação de despedimento.

17) Em virtude disso, o autor tornou-se numa pessoa infeliz, amargurada com a vida, sofre de insónias e irrita-se com muita facilidade, afetando de forma grave e séria toda a sua família.”

O Recorrente refere-se a esses pontos nas conclusões 19. a 23., apelando na motivação (e conclusões), como fundamento para defender a respetiva prova, às suas declarações de parte e aos depoimentos das testemunhas CCC, ZZ, AAA, BBB e RR (cujos tempos de gravação dos extratos transcritos identifica.

A Recorrida defende que é de acompanhar a fundamentação do Tribunal a quo, acrescentando que das transcrições inseridas no corpo das alegações, ou nos trechos vertidos nas conclusões 20 a 23. não se vislumbra quais são os concretos pontos da matéria de facto que impõem uma decisão diversa. Aponta ainda que os pontos 14) e 15) contêm expressões conclusivas e o ponto 16) insere o conceito “despedimento” que representa uma valoração jurídica quanto à cessação do contrato de trabalho.

Também nesta sede se considera que o Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º do CPC, tendo em consideração que está em causa matéria conexa, inexistindo obstáculo ao conhecimento da impugnação.

Consta da sentença recorrida, com pertinência para a matéria em causa, o seguinte:

«Por último, no que aos sentimentos vividos pelo autor respeita, a descrição feita por este e pela testemunha CCC, afigurou-se exagerada e muito parcial e, mais uma vez, sem qualquer suporte objectivo, como seja, um relatório médico que atestasse aquele relato, ou o depoimento de outras testemunhas.

Note-se que as testemunhas ZZ e BBB a esse respeito depuseram de forma genérica e vaga.».

Consigna-se que este Tribunal procedeu à audição integral dos registos de gravação no que respeita à prova testemunhal e por declarações de parte convocada para sustentar a pretendida alteração.

Ora, ponderados os sobreditos elementos de prova, conclui-se que os mesmos não impõem distinta decisão da proferida pelo Tribunal a quo na matéria em causa, concordando-se também aqui com a valoração efetuada, desde logo no que respeita às declarações de parte e ao depoimento da testemunha CCC cuja descrição se perfilou de facto como exagerada e muito parcial e subjetiva, sem suporte objetivo em outros elementos de prova. A temática dos pontos em causa anda à volta dos sentimentos vivenciados pelo Autor - que na alegação são exponenciados com expressões como “desgosto e profunda tristeza”, “sente-se vexado em praça pública”, “afectando a sua dignidade pessoal e profissional”, “tornou-se uma pessoa infeliz, amargurada com a vida”, “sofre de insónias” -, sendo que analisada criticamente a prova produzida a mesma não foi de molde a criar a convicção da realidade dos factos em questão, a adquirir o grau especial de convicção traduzido na já aludida certeza subjetiva.

Quanto às testemunhas ZZ e BBB, as mesmas não se identificaram como amigos do Recorrente, apelando à relação profissional, nem resultou do seu depoimento que mantivessem com o mesmo após a exoneração uma convivência pessoal e próxima.

A testemunha ZZ quando foi questionado como o Autor se sentia referiu que o Autor partilhou nas redes sociais o seu estado de alma depois da exoneração, reconhecendo a própria testemunha que isso “vale o que vale”, sendo certo que não concretizou sequer o que terá sido partilhado nas ditas redes sociais, nem o que terá falado com o Autor a propósito. 

A testemunha BBB quando foi questionado sobre como o Autor se sentiu, como lidou com a decisão de exoneração, respondeu que ele “lidou muitíssimo mal”, “ele não se sentiu nada bem com a situação, não é”, “ele de facto sofreu um pouco com a exoneração”. Depois a testemunha fala sobre o que ela própria sentiria se fosse exonerada. Mais, à testemunha é perguntado sobre o que o Autor lhe confidenciou, se falou com ele sobre isso e o que isso causou em termos de impacto. Ao que a testemunha, responde sim, “é evidente que o impacto que ele me falou e que o impacto foi muito grande, inclusivamente no seio familiar como é óbvio”. A verdade é que chamado mais uma vez a concretizar o que é que lhe foi dito pelo Autor, a testemunha diz “Eh… quer dizer… ele não se sentiu nada bem (…) e é evidente que ele estava muito, muito abatido”. Mas, o certo é que não concretizou em que se traduzia esse “abatimento” do Autor, nem sobre o “impacto no seio familiar”.

Compreende-se, portanto, que os depoimentos das testemunhas ZZ e BBB tenham sido apelidados de vagos e genéricos quanto à temática em causa nos pontos em análise.

A testemunha RR também se referiu ao tipo de relação que mantinha com o Autor como profissional, referindo que não são “amigos pessoais”, apesar de reconhecer que tem uma relação de estima e de respeito pessoal para com o mesmo. No entanto, não resultou do seu depoimento que mantivesse com o Autor após a exoneração (ou mesmo antes) uma convivência pessoal e próxima, sendo que no que concerne à matéria em crise nos pontos em análise esta testemunha nenhum conhecimento concreto revelou nem reportou.

Já quanto à testemunha AAA, testemunho também convocado pelo Autor, esta testemunha referiu conhecer o Autor desde a faculdade e que a partir daí geraram uma amizade há bastantes anos, explicitando mais à frente, quando questionado, ser amigo pessoal do Autor e da esposa e dos filhos (por volta do minuto 21:05 em diante). Esta testemunha foi questionada concretamente sobre o impacto que a situação da exoneração do Autor teve no agregado familiar, e disse não saber e que nunca tinham falado concretamente sobre isso (esta passagem do depoimento da testemunha não foi convocado pelo Recorrente, mas como é evidente este Tribunal procedeu à audição integral dos depoimentos, até para fazer a devida contextualização, não se podendo ater a passagens selecionadas). Esta testemunha que referiu ser amiga pessoal do Autor e que até conversava com o Autor como amigos, não reportou ao Tribunal qualquer matéria respeitante aos sentimentos vivenciados pelo Autor ou alterações comportamentais (estados anímicos) do mesmo na sequência/em consequência da exoneração.

Por outro lado, é incontornável também que os pontos 13), 14) e 17) encerram também um facto relacional ou processo consequencial  - ao conterem expressões como “a atuação da ré provocou”, “em virtude dos factos acima descritos”, “em virtude disso”-,  na medida em que encerram a narração do efeito deletério que as condutas da Recorrida (anteriormente listadas nos factos assentes) surtiram na esfera pessoal do Recorrente, porém, e como observa a Recorrida, o Recorrente não aponta a matéria probatória que impunha que o Tribunal a quo – e agora este Tribunal ad quem – adquirissem esta correlação de factos.

Na matéria em causa, o Recorrente pretende contrapor a sua convicção pessoal à convicção do Tribunal a quo, sendo certo que analisados por este Tribunal da Relação os elementos de prova convocados, não se identificam quaisquer deficiências de raciocínio do Tribunal a quo, nem impondo os referidos elementos probatórios distinta decisão.

Para além disso, importa sublinhar que expressões como “afectando a sua dignidade pessoal e profissional”, “vexado em praça pública”, “profunda injustiça”, “afetando de forma grave e séria toda a família”, são meramente conclusivas ou genéricas, pressupondo uma prévia alegação de factos concretos que permitissem chegar a tal juízo conclusivo, alegação que não foi feita, sendo que integram o tema decidendum (face ao pedido formulado a título de danos não patrimoniais) e por essa razão nunca poderiam ser acolhidas na matéria de facto provada.

Acresce que o ponto 16), como bem observa a Recorrida, insere o conceito de “despedimento”, que representa uma valoração jurídica quanto à cessação do contrato de trabalho do Autor, que é precisamente uma das questões jurídicas que define o objeto da ação, comportando uma vertente de resposta a essa questão e por isso mesmo nunca poderia integrar o elenco dos factos provados.

Conclui-se, pois, pelas razões atrás apontadas que também nesta parte improcede a impugnação do Recorrente.


*


6) Em conclusão, improcedem as conclusões do recurso do Recorrente Autor quanto à impugnação da matéria de facto, sendo que pelas razões anteriormente expostas, o elenco factual a atender para o conhecimento do direito do caso é o elencado em 1) da fundamentação (III), apenas com a alteração oficiosa supra determinada em 4) da fundamentação quanto à alínea A) dos factos provados, contendo o teor do contrato de trabalho aí mencionado.


***

*


7) Aplicação do direito - Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito.

O Recorrente Autor baliza o seu recurso de direito nas seguintes temáticas:

- retribuição do Recorrente, e mais concretamente da integração do abono mensal de despesas de representação e do subsídio de escolaridade na sua remuneração (conclusões 33. a 41.), tendo em conta os créditos peticionados a título de diferenças salariais de subsídios de férias e de Natal e respetivos proporcionais e de crédito de formação (conclusão 41.);

- subsunção da cessação do contrato de trabalho do Recorrente a um despedimento ilícito e consequências da ilicitude do despedimento e perda de change (conclusões 42. a 67.);

- abuso de direito (conclusões 68. a 72.);

- consequências da denúncia irregular por falta de aviso prévio (conclusões 73. a 81).


*


7.1. Quanto à questão da retribuição do Recorrente e mais concretamente da integração do abono mensal de despesas de representação e do subsídio de escolaridade na sua remuneração para efeitos do cálculo dos subsídios de férias e de Natal, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e do cálculo do crédito de formação (conclusões 33. a 41.).

Nesta sede, sustenta o Recorrente Autor que o valor que deve ser considerado como sua retribuição é o de € 5.286,90 (referente ao salário base, ao abono mensal de despesas de representação e ao subsídio de escolaridade, porque pagos de forma regular e periódica) e não o de € 3.707.98 (referente apenas ao salário base) como foi considerado pelo Tribunal a quo, pelo que é credor da Recorrida dos seguintes valores: de € 10.460,86 (referente a diferenças salariais entre o que foi pago e o que devida ter sido pago, a título de subsídios de férias e de Natal de 2018 a 2021); de € 2.597,33 (referente a diferenças salariais entre o que foi pago e o que devia ser pago, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal); e de € 496,79, referente a diferenças entre o que foi pago e o que devia ser pago, a título de horas de formação. Em termos de linha argumentativa do Recorrente, remete-se aqui para o sintetizado nesta matéria nas respetivas conclusões de recurso já acima transcritas no relatório e que nos dispensamos de repetir.

Por sua vez, a Recorrida Ré defende que não colhem as sobreditas conclusões de recurso, com os fundamentos que plasmou na resposta ao mesmo e que sintetizou nesta matéria nas respetivas conclusões que também se transcreveram supra.

Com relevo nesta sede, resultou provado o seguinte:

“A) Por contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, datado de 09/07/2019, foi o autor contratado pela ré para exercer as funções inerentes ao cargo de ... para a ..., entre 14/06/2018 a 31/12/2021, junto à petição inicial como documento n.º 2, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:

CONTRATO DE TRABALHO EM COMISSÃO DE SERVIÇO

Entre

AGÊNCIA PARA O INVESTIMENTO E COMÉRCIO EXTERNO DE PORTUGAL, E.P.E. (…), adiante designada por Primeira Contratante,

E

AA (…), adiante designado por Segundo Contratante,

E em conjunto designados por Contratantes,

Considerando que:

A. A Resolução do Conselho de Ministros nº 106/2018, publicada no Diário da República de 30 de junho de 2018, adiante designada Resolução do Conselho de Ministros, designou o Dr. ... para a Exposição Mundial do ..., doravante ..., pelo período de 14 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2021;

B. O exercício do cargo para o qual foi designado requer formalização através de contrato em comissão de serviço, com o estatuto remuneratório, benefícios e regalias, equiparado ao de vogal do Conselho de Administração da AICEP, E.P.E.;

C. A remuneração dos membros do Conselho de Administração da AICEP, E.P.E. é regulada pelo Estatuto do Gestor Público, publicado pelo Decreto-Lei nº 8/2012 de 18 de janeiro (que dá nova redação ao Decreto-Lei nº 71/2007, de 28 de março), em conjugação com o disposto nas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 16/2012 de 14 de fevereiro, e n.º 36/2012, de 26 de março, tendo sido atribuída à AICEP, E.P.E. a classificação correspondente ao nível B;

D. O presente contrato é celebrado em regime de comissão de serviço, nos termos dos artigos 161.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em articulação com o disposto na Resolução do Conselho de Ministros;

E. O presente Contrato de Comissão de Serviço foi aprovado por Despachos dos Secretários de Estado da Internacionalização e do Tesouro em 01/08/2018 e 12/11/2018, respetivamente, subsequente à aprovação por deliberação n.º 42/2018, de 24 de julho, do Conselho de Admnistração da AICEP, complementada pela deliberação n.º 01/F/2018, de 28 de julho do mesmo órgão;

É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, que se rege pelas cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

Objeto

Pelo presente contrato, a Primeira Contratante admite em regime de comissão de serviço, o Segundo Contratante, para exercer, como ... para a ..., as funções inerentes a esse cargo.

(…)

Cláusula 3ª

Retribuição

1. [teor já constante da alínea C) dos factos provados].

2. Aos valores referidos no número anterior é aplicado o corte salarial nos termos da legislação orçamental em vigor (artigo 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho) até disposição legal em contrário.

3. O Segundo Contratante tem direito a subsídio de férias e subsídio de Natal, de valor proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nos termos e nos limites da lei e dos regulamentos internos da Primeira Contratante.

4. Às importâncias estipuladas no n.º 1 poderão acrescer remunerações suplementares desde que resultantes de disposições legais aplicáveis em razão das funções exercidas.

Cláusula 4.ª

Horário de Trabalho

(…)

Cláusula 5.ª

Duração

O presente contrato tem um período de vigência de 14 de junho de 2018 a 31 de dezembro de 2021.

Cláusula 6.ª

Cessação da Comissão de Serviço

[n.ºs 1 e 2 – teor já contante da alínea B) dos factos provados]

(…)”

(…)

C) Na cláusula 3.ª do contrato foi acordado que “Em contrapartida pelo trabalho prestado nos termos da Resolução do Conselho de Ministros e do presente contrato, o Segundo Contraente auferirá a remuneração correspondente ao vencimento mensal ilíquido de €3.891,47 (pago 14 vezes por ano) e ao abono mensal de despesas de representação no valor ilíquido de €1.556,59 (pago 12 vezes por ano)”.

(…)

F) A contratação do autor surgiu na sequência da sua designação pelo Conselho de Ministros para exercer as funções de ... para a Exposição Mundial do ... – ..., conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30/08, junta à petição inicial como documento nº 5, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 (…)

Z) Desde que iniciou o seu vínculo contratual com a ré, o autor sempre recebeu, para além do vencimento base – no montante de 3.891,47€ que, por força do corte orçamental, ascendeu a 3.696,89€ até 12/2019 e a 3.707,98€ desde então - a remuneração correspondente ao abono mensal de despesas de representação no valor de 1.478,75€ e o valor correspondente ao “subsídio de escolaridade”, mesmo no período de gozo de férias.

(…)

BB)Nos meses de março a maio de 2020 e janeiro a março de 2021, em pleno confinamento, onde as deslocações eram poucas, atenta a situação pandémica vivida, o autor continuou a receber o referido abono mensal para despesas de representação.

CC) O subsídio de estudos ou de escolaridade destina-se a apoiar os colaboradores da ré a suportar os custos inerentes à frequência de estabelecimentos de educação dos respetivos filhos ou dependentes.”

A fundamentação da decisão recorrida, a propósito da questão em referência, é a seguinte:

«Vejamos, agora, se o valor do abono mensal para despesas e o “subsídio de escolaridade” mensalmente pagos ao autor deveria ter sido tido em conta nos subsídios de férias e de Natal.

Nas palavras de Júlio Gomes (in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, pág. 766), a retribuição “tem como características essenciais ser obrigatória (por força da lei, do contrato individual, da convenção coletiva, ou dos usos), ter valor patrimonial e ser contrapartida do trabalho prestado”.

A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo o legislador constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Como refere aquele autor “parte-se de uma presunção ilidível de que constitui retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Tal presunção acarreta que cabe à parte que alega que uma determinada prestação não tem natureza retributiva demonstrá-lo, podendo falar-se aqui de uma vis atractiva da retribuição”.

Também para Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 4.ª ed., págs. 572 “a retribuição em sentido estrito compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido –, as diuturnidades, assim como as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da atividade. Estas prestações, habitualmente denominadas “complementos salariais”, assumem igualmente carácter de obrigatoriedade. Assim, além da retribuição base, são normalmente ajustadas outras parcelas retributivas que cabem igualmente no conceito de retribuição”.

Um dos elementos essenciais para distinguir o conceito de retribuição, como explica Maria do Rosário Palma Ramalho (“Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais”, pág. 548) é justamente o facto de a retribuição ser “regular e periódica: embora possa variar, quanto à unidade de tempo considerada (…) a periodicidade é um elemento essencial do conceito de retribuição, o que permite dele afastar as prestações patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador a título ocasional (por exemplo um prémio de desempenho). A periodicidade é ainda justificada pelo facto de, frequentemente, a retribuição ser a principal ou a única fonte de rendimento do trabalhador, tornando-se assim difícil protelar excessivamente no tempo a sua percepção”.

Entende o autor que os valores daquele abono e subsídio de escolaridade consubstanciam retribuição, porque recebidos pelo autor todos os meses, mesmo em férias.

Como resulta provado, desde que iniciou o seu vínculo contratual com a ré, o autor sempre recebeu, para além do vencimento base, a remuneração correspondente ao abono mensal de despesas de representação no valor de 1.478,75€ e o valor correspondente ao “subsídio de escolaridade”, mesmo no período de gozo de férias.

Por outro lado, foram reembolsadas ao autor as seguintes despesas inerentes ao cargo que vêm referidas em AA), tendo o autor recebido o abono mensal para despesas de representação nos meses de março a maio de 2020 e janeiro a março de 2021, em pleno confinamento, onde as deslocações eram poucas, atenta a situação pandémica vivida.

Não restam dúvidas de que ambos os valores foram pagos de forma regular e periódica, o que de resto, a ré nem sequer colocou em causa.

A questão levantada pela ré prende-se com a interpretação do regime remuneratório consagrado no Estatuto de Gestor Público a que o contrato do autor estava sujeito, facto que este também não coloca em causa.

Estabelece o artigo 28º do DL 71/2007, de 27/03 que aprova o Estatuto de Gestor Público que:

“1-A remuneração dos gestores públicos integra um vencimento mensal que não pode ultrapassar o vencimento mensal do Primeiro-Ministro.

2-A remuneração dos gestores públicos integra ainda um abono mensal, pago 12 vezes ao ano, para despesas de representação no valor de 40 /prct. do respectivo vencimento”.

Antes da entrada em vigor deste diploma, regia o DL 464/82, de 9/12 que não continha menção como a do nº 2 deste artigo, sendo discutida a natureza retributiva dos valores recebidos a título de despesas de representação, podendo ler-se no Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 24/09/1998 que “a analogia material com as noções e categorias do regime da função pública é, pois, especialmente intensa, não existindo, por outro lado, qualquer elemento que permita distinguir a categoria “despesas de representação”, da espécie homónima atribuída como um dos suplementos remuneratórios no regime da função pública - e, neste, tal suplemento não integra o cálculo dos subsídios de férias e de Natal”.

Com a entrada em vigor do DL 71/2007, a redaçção do nº 2 do artigo 28º não deixa quaisquer dúvidas de que aquele abono mensal só é pago 12 vezes por ano, pelo que não é devido nos subsídios de férias e de Natal.

Quanto ao subsídio de escolaridade, resultou provado que se destina a apoiar os colaboradores da ré a suportar os custos inerentes à frequência de estabelecimentos de educação dos respetivos filhos ou dependentes.

Dispõe o artigo 34º do Estatuto dos Gestores Públicos que “os gestores públicos gozam dos benefícios sociais conferidos aos trabalhadores da empresa em que exerçam funções, nos termos que venham a ser concretizados pelas respectivas comissões de fixação de remunerações, pela assembleia geral ou pelos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo respectivo sector de actividade, consoante o caso, com excepção dos respeitantes a planos complementares de reforma, aposentação, sobrevivência ou invalidez”.

Vista a formulação adoptada no artigo 264.º do C. Trabalho, parece que “…ela comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação do trabalho, isto é, às específicas contingências que o rodeiam, ou, dizendo de outro modo, ao seu condicionalismo externo (penosidade, isolamento, toxicidade, trabalho suplementar, trabalho nocturno, turnos rotativos), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação da actividade, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações, comissões), quer consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação do trabalho (subsídios de refeição e de transporte). Em relação a certas prestações retributivas, como a retribuição por trabalho suplementar, o subsídio de turno, o acréscimo devido pelo trabalho nocturno, o subsídio de risco ou de isolamento, podemos afirmar, com alguma segurança, que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Já o mesmo não parece suceder com as comissões, os prémios, as gratificações e alguns subsídios” - Sónia Kietzmann Lopes, “A retribuição e outras atribuições patrimoniais”, in “Retribuição e outras Atribuições Patrimoniais”, e-book do CEJ, Maio de 2013, disponível em www.cej.pt, pág. 24 e 25.

Ora, em face do que vem provado conclui-se, sem margem de dúvidas, que o subsídio de escolaridade não se prende com a específica execução do trabalho do autor, configurando, sim, um benefício social que lhe foi conferido, razão pela qual não tinha a ré de o fazer pagar no subsídio de férias.

Quanto ao subsídio de Natal, a jurisprudência tem vindo a entender que, após a entrada em vigor do C. Trabalho de 2003 (e posteriormente, com o de 2009), não são de atender no subsídio de Natal a média dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador, já que o mesmo abarca apenas a retribuição base e as diuturnidades, salvo existência de disposição legal, convencional ou contratual que disponha de modo diverso – ver, o Acórdão da RG de Guimarães de 3/12/15 e da RP de 24/01/14, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso, inexiste disposição legal, convencional ou contratual que determinasse o pagamento daquele subsídio de escolaridade no subsídio de Natal, razão pela qual o mesmo não era devido.

(…)

Por fim, resta apreciar dos créditos salariais reclamados pelo autor, a saber:

- proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal;

- formação profissional; e

- diferenças salariais a título de “Despesas de Representação”.

A respeito dos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal e da formação profissional, os cálculos levados a cabo pelo autor consideraram que o valor do abono mensal de despesas de representação e do subsídio de escolaridade também deveria ser tido como retribuição, com o que, como se explicou, não se concorda.

Para apuramento, quer dos proporcionais, quer do valor da formação é tão só considerada a retribuição base, pelo que nada mais tem o autor a receber para além dos valores que a ré já lhe pagou a esse título e constam dos pontos DD) e PP) dos factos provados.

Finalmente, no que respeita às diferenças salariais a título de “Despesas de Representação”, como se referiu, o artigo 28º, nº2 do Estatuto do Gestor Público determina que aquele abono mensal só é pago 12 vezes por ano, pelo que é devida pela ré.

Assim, tem o autor a receber a diferença entre o valor do abono que recebeu e o que deveria receber em face do aumento salarial de que beneficiou a partir de Janeiro de 2020, mas apenas reportado a 12 meses/ano, o que ascende a 79,92€. »

A sentença recorrida contém cabal fundamentação na matéria em causa, que acompanhamos e para a qual remetemos, sob pena de desnecessárias repetições.

Sublinharemos apenas que não está em causa nos autos a validade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço que as partes celebraram, nem foi colocado em crise o respetivo clausulado.

Nesta conformidade, e como resulta expressamente do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, a relação contratual entre o Autor e a Ré rege-se pelo regime remuneratório consagrado no Estatuto do Gestor Público – aprovado pela Decreto-Lei n.º 71/2007, de 28 de março, já com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012 de 18 de janeiro (máxime no que respeita à redação do artigo 28.º) – que fixa as componentes a que têm direito os vogais do Conselho de administração da Ré, ao qual o Autor foi equiparado, conforme dimanam os Considerandos B e C desse contrato.

O regime do referido Estatuto prevê um regime especial para o pagamento do abono mensal para despesas de representação, estabelecendo expressamente que esse abono será pago 12 meses no ano (artigo 28.º, n.º 2, do referido Estatuto).

O Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 1998, a que o Recorrente também apela para dizer que a situação é distinta, foi mencionado na sentença recorrida apenas lateralmente para dar conta das dúvidas que se perfilavam no anterior regime (DL 464/82 de 9/12, que não é o aplicável ao caso) e que dissiparam com o atual regime, sendo certo que disso dá nota ao dizer “com a entrada em vigor do DL 71/2007, a redação do n.º 2 do artigo 28.º não deixa quaisquer dúvidas de que aquele abono mensal só é pago 12 meses por ano, pelo que não é devido nos subsídios de férias e de Natal”.

A cláusula 3ª do contrato plasma precisamente esse regime, resultando expressamente da mesma que o abono mensal de despesas de representação é “pago 12 vezes por ano”.

No que toca ao subsídio de escolaridade, como emerge do facto CC), o mesmo não se prende com a específica execução do trabalho do Autor, configurando um benefício social que lhe foi conferido. Ou seja, não é uma prestação que seja contrapartida do modo específico da execução do trabalho (cfr. artigo 264.º, nº 2, do Código do Trabalho). Este subsídio tem natureza assistencial, como é próprio deste tipo de subsídios, relacionados com as condições pessoais ou familiares dos trabalhadores. Refira-se que quanto à aplicabilidade da Ordem de Serviço e do Regulamento Interno a que se reporta o Recorrente na conclusão 38., remete-se aqui para as considerações a propósito tecidas aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto no que respeita à alínea CC). Não é devido, pois, o subsídio de escolaridade no subsídio de férias (cfr. artigo 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho).

Quanto ao subsídio de Natal, concorda-se também com a posição de princípio sufragada na sentença recorrida, dando-se nota que esse é também o entendimento seguido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2021[47]. O subsídio de escolaridade não é também devido no subsídio de Natal (artigos 262.º e 263.º do Código do Trabalho).

Não merece reparo o indicado pela decisão recorrida quanto ao apuramento dos proporcionais e do crédito de formação, sendo certo que inexistem quaisquer dúvidas que as prestações em causa –abono mensal de despesas de representação e subsídio de escolaridade – não integram o conceito de retribuição base, como melhor se explicitará infra.

Tendo em conta o sobredito, e atenta a factualidade provada sob os pontos DD) e PP),  não assiste ao Autor direito a diferenças salariais a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, nem de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, nem de créditos de formação. Não tem, pois, o Autor direito aos créditos mencionados nos pontos i.) e iii) da conclusão 41. e, consequentemente, não merece censura a decisão recorrida que absolveu a Ré do peticionado a esse título.


*


7.2. Quanto à questão da pretendida subsunção da cessação do contrato do Recorrente a um despedimento ilícito, com as consequências decorrentes dessa ilicitude e perda de change (conclusões 42. a 67.), e, bem assim, do invocado abuso de direito (conclusões 68. a 72.);

Haverá, antes de mais, que ter em conta o que se discutiu e foi decidido em 1ª instância em sede de cessação do contrato.

O Autor sustentou que a cessação do contrato consubstancia um despedimento ilícito, por falta dos requisitos da caducidade desse mesmo contrato, e a Ré, por sua vez, defendeu numa primeira linha de defesa que o contrato em causa caducou por força da exoneração do Autor do cargo de Comissário-Geral operada na Resolução de Conselho de Ministros n.º 75/2021, por impossibilidade definitiva e absoluta de o Autor executar aquelas funções. Sustentou ainda a Ré, numa segunda linha de defesa, que caso se considerasse que a exoneração do Autor e consequente caducidade tivesse que ser concretizada através de denúncia do contrato, apenas se poderia considerar a declaração expressa pela Ré em 21-06-2021 como uma denúncia irregular por falta de aviso prévio – e não como despedimento ilícito do Autor, situação em que prefigurou a respetiva condenação no pagamento de uma indemnização de valor igual ao da retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta (de aviso prévio) – 180 dias.

A decisão do Tribunal a quo debruçou-se expressamente sobre a questão da caducidade do contrato nos moldes já transcritos aquando do conhecimento da questão prévia sob o ponto 2.2. (ponto onde se concluiu e decidiu pela não admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso de apelação requerida pela Ré na sua resposta à alegação do Autor).

Na sentença recorrida concluiu-se não estarem verificados os requisitos cumulativos para a cessação do contrato de trabalho em comissão de serviço por caducidade, e os Recorrentes não puseram isso em causa nos recursos apresentados, pelo que nessa parte a sentença não foi impugnada e, logo, transitou em julgado. Este Tribunal ad quem não pode, pois, debruçar-se sobre essa matéria da caducidade já decidida com trânsito em julgado.

Por outro lado, o Tribunal a quo também considerou que não se verificava uma situação de despedimento, julgando sim que o contrato cessou por verificação da previsão estabelecida pelas partes na cláusula 6ª do contrato celebrado, e nessa decorrência, por falta do cumprimento do aviso prévio também previsto pelas partes, condenou a Ré a pagar ao Autor uma indemnização de valor igual à retribuição base ao período de aviso prévio em falta no montante de € 22.247,88 (3.707.98 x 6 meses), nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

A fundamentação da decisão recorrida, a propósito da questão em referência, é a seguinte [não serão transcritas as considerações gerais constantes da sentença sobre a caducidade, tendo em conta que se trata de temática já transitada em julgado]:

« É pacífico que autor e ré celebraram um contrato de comissão de serviço - cuja legalidade não colocam em causa - e que o mesmo cessou por força da comunicação da ré constante em W) dos factos provados, divergindo as partes quanto à licitude dessa cessação.

A comissão de serviço, prevista no artigo 161º e seguintes do C. Trabalho, reporta-se ao exercício do cargo de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos e funções de chefia.

Como refere Maria do Rosário Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV, Almedina, 2019, pág. 190), “O princípio subjacente à figura da comissão de serviço e que orienta o seu regime jurídico é o do conhecimento do caráter fiduciário de algumas situações jurídicas laborais.

 (…)

Deste princípio geral decorre também o traço de maior especificidade do regime da comissão de serviço que é a possibilidade de pôr fim ao contrato de comissão de serviço independentemente da ocorrência da justa causa (artigos 163 e164). Constituindo um importante desvio ao princípio constitucional da segurança no emprego este traço essencial da figura justifica-se pela exigibilidade de manutenção do vínculo laboral uma vez votada a relação de confiança pessoal entre as partes que presidiu a sua constituição”.

Esta liberdade de cessação não é, porém, - como vem sendo admitido – total e discricionária, podendo ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2003 (disponível em www.dgsi.pt) que “embora a lei o não especifique, é inadmissível - por representar uma clara violação do princípio da igualdade - que uma tal decisão possa traduzir-se numa mera manifestação discriminatória dos trabalhadores”, no caso por razões de natureza política.

Como se disse, a especial relação de confiança necessária para o exercício de certas funções é o que fundamenta o contrato de comissão de serviço e, quebrada tal relação, pode o empregador fazer cessar o contrato de trabalho, mediante comunicação por escrito e respeitado o prazo de aviso prévio e sem necessidade de justificação ou tramitação especial – cfr. artigo 163º do C. Trabalho.

Para além desta causa específica de cessação, o contrato poderá também cessar por despedimento, revogação por acordo ou por caducidade.

Isto posto, apuremos da licitude da cessação do contrato celebrado entre as partes, nomeadamente se a mesma configura o despedimento ilícito do autor.

A este respeito importa trazer à colação os seguintes factos dados como provados:

- a contratação do autor surgiu na sequência da sua designação pelo Conselho de Ministros para exercer as funções de ... para a Exposição Mundial do ... – ..., conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30/08;

- aquando da celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço entre o autor e a ré, foi acordado, na cláusula 6.ª que “O presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias. A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar nos termos legais aplicáveis”;

 - No dia 28/05/2021, via correio eletrónico, o autor foi informado de que a aqui ré decidiu instaurar-lhe um procedimento disciplinar, enviando-lhe a respetiva nota de culpa, sendo intenção da ré proceder ao seu despedimento com justa causa, devendo considerar-se suspenso preventivamente, à qual o autor respondeu, em 15/06/2021, quer via correio eletrónico, quer via CTT;

- Em 11/06/2021 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021, de 11/06, segundo a qual foi determinado:

1 — Exonerar AA do cargo de ... para a Exposição Mundial do ... (...).

2 — Designar o presidente do conselho de administração da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E. (AICEP, E. P. E.), CC, para exercer as funções de ... para a ..., e a vogal do conselho de administração da AICEP, E. P. E., EE, no âmbito das suas atribuições executivas, para exercer as funções de vice-comissária de Portugal para a ..., cujas notas curriculares constam do anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante.

3 — Determinar que à vice-comissária de Portugal para a ... compete coadjuvar o ... para a ... nas competências previstas nos n.os 3, 5 e 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2018, de 30 de agosto, na sua redação atual; e

- Em 21/06/2021, pelas 12:06h, o autor recebeu um e-mail da Dra. EE, Vogal Executiva do Conselho de Administração da ré, com o assunto “Comissário-Geral – caducidade do contrato de trabalho e extinção o processo disciplinar”, com o seguinte teor:

Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021 da Presidência do Conselho de Ministros, de 11 de junho, que exonera V. Exa. do cargo de ..., vem a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E. (AICEP), comunicar o seguinte:

c. A exoneração do cargo de Comissário-Geral nos termos da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2021, determina a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a AICEP e V. Exa. a 9 de julho de 13 2019, por impossibilidade absoluta e superveniente nos termos da alínea b) do artigo 343.º do CT e da alínea a) do artigo 340.º do Código do Trabalho.

 Entende a ré que o contrato de comissão de serviço celebrado com o autor caducou por força da exoneração do autor do cargo do comissário, operada na Resolução de Conselho de Ministros n.º 75/2021 da Presidência do Conselho de Ministros, de 11/06.

O autor entende que a sua exoneração do cargo não determina a caducidade do contrato por não configurar um caso de impossibilidade absoluta, definitiva e superveniente, pelo que conclui que estamos perante um despedimento ilícito.

 (…)

Aqui chegados, pergunta-se: a exoneração do autor do cargo de comissário permite, por si só, considerar verificados os requisitos cumulativos para a cessação do contrato por caducidade?

Afigura-se-nos que não.

O autor não deixou de reunir, de forma absoluta e definitiva, os requisitos para o exercício do cargo de comissário.

Nem tão pouco ocorreu uma impossibilidade superveniente.

O que aconteceu foi que os membros do governo que entenderam designar o autor para exercer as funções de comissário geral – com base na confiança que naquele depositavam – entenderam retirar-lhe a confiança e exonerá-lo do cargo, o que mais não é do que a verificação da previsão estabelecida pelas partes na cl. 6ª do contrato de comissão de serviço.

Note-se que aí as partes expressamente previram que “O presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias”.

Essa decisão dos membros do Governo é consubstanciada na Resolução de Ministros, por ser o meio legal próprio para o efeito.

Não há, assim, qualquer facto superveniente que sustente a determinada caducidade do contrato.

Mas, pese embora assim se concluir, a verdade é que não se me afigura que se possa concluir pelo despedimento do autor.

É que, como acima se referiu, nos contratos de comissão de serviço existe uma liberdade do empregador (ainda que não sem limites) em fazer cessar o contrato sem uma justificação.

Aliás, a citada cl. 6ª do contrato é exemplo dessa liberdade de cessação, ao prever que o contrato poderia cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros.

Esta cláusula está conforme ao disposto no artigo 163.º do C. do Trabalho - “Qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior” – tendo, porém, alargado as partes o período de antecedência da comunicação para 180 dias, ao que nada obsta em face do princípio da liberdade contratual.

Conclui-se, assim, que não se verifica a caducidade do contrato do autor, nem o seu despedimento, isto mesmo tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos pontos H) a O) e R), que, atenta a possibilidade de fazer cessar o contrato sem qualquer justificação são juridicamente inócuos.

Isto posto, como decorre do nº 2 deste artigo 163º, “A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º”.

Importa aqui considerar que na presente acção o autor insurge-se contra a legalidade da operada cessação do contrato e que, pese embora, a subsumir num despedimento ilícito, não está o tribunal impedido de apreciar as consequências da cessação com falta de aviso prévio.

De facto, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 5º, nº 3 do CPC -, sendo que a questão da falta do pré-aviso da comunicação foi amplamente discutida pelas partes, inclusive na contestação apresentada pela ré que lhe dedicou um capítulo.

Ora, como resulta do citado artigo 163º a falta de aviso prévio não obstando à cessação da comissão de serviço, constitui a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º, ou seja, constitui a ré na obrigação de pagar ao autor, uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, valor que será concretizado infra, aquando da apreciação do valor que deve ser considerado como retribuição do autor.

Não tem o autor, por conseguinte, direito a receber qualquer indemnização em substituição da reintegração, nem as retribuições mensais não auferidas. Por outro lado, porque o artigo 163º do C. Trabalho é claro no sentido de concretizar a indemnização a que o trabalhador tem direito aquando da cessação do contrato de comissão por denúncia sem cumprimento do aviso prévio, também não assiste ao autor o direito a receber qualquer indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nem indemnização com fundamento na perda de chance, sendo que a este respeito nem sequer logrou o autor provar os danos que alegou.».

O Recorrente Autor sustenta que o Tribunal recorrido andou mal ao não ter considerado o despedimento ilícito, com as legais consequências. Argumenta, em síntese, que: atendendo a que o Tribunal julgou improcedente o motivo justificativo do despedimento do Autor, impunha-se aplicar o disposto no artigo 381.º, alínea b), do Código do Trabalho, declarando a ilicitude do despedimento com as consequências previstas nos artigos 389.º e 390.º do mesmo diploma; a Ré não concretizou a sua vontade de denunciar o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, celebrado com o Autor, e, portanto, não cumpriu com o disposto no artigo 163.º do Código do Trabalho, e da comunicação remetida pela Ré ao Autor, datada de 21-06-2021, não resulta, de forma alguma, a vontade da Ré em querer denunciar o contrato de trabalho em comissão de serviços e, por maioria de razão, não resulta da referida comunicação nenhum facto – e muito menos resulta qualquer facto provado na medida em que não foi sequer alegado – no sentido de que o que justificava o termo do contrato em regime de comissão de serviço era a quebra de confiança da entidade empregadora no seu trabalhador, pelo que, e visto que só a quebra de confiança pode justificar o termo da comissão, também por esta via sempre estaríamos perante um despedimento ilícito com as indicadas consequências; a Ré, ao agir como agiu, ainda que no exercício dos seus direitos, excedeu os limites pelo seu fim económico e social, mas sobretudo pelos limites impostos pela boa fé.

A Recorrida Ré defende, em substância, que a vontade de cessar o contrato de trabalho em comissão de serviço do Recorrente é inequívoca, e se tal declaração não representa uma caducidade – o que refere não conceder – deve ser qualificada como uma denúncia, ainda que irregular por falta de aviso prévio, e não como um despedimento ilícito. Mais sustenta que o abuso de direito é uma questão nova que não foi suscitada na 1ª instância.

Vejamos.

Importa também nesta sede sublinhar que não está em causa nos autos a qualificação nem a validade do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço que as partes celebraram, sendo que nem as partes a questionaram, nem o Tribunal a quo se pronunciou sobre essa questão.

Diremos, desde já adiantando a solução, que, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, concorda-se com a sentença recorrida quando concluiu que não se verificava uma situação de despedimento do Autor, mas sim uma situação de cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço nos termos previstos no artigo 163.º do Código do Trabalho e na cláusula 6.ª do contrato celebrado entre as partes, ainda que sem cumprimento do aviso prévio previsto nessa mesma cláusula.

Dispõe o artigo 163.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Cessação de comissão de serviço o seguinte:

“1 - Qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior.

2 - A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º”

Relembre-se o conteúdo da cláusula 6ª do contrato celebrado entre as partes:

“O presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias. A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar nos termos legais aplicáveis”.

A propósito do ato extintivo da comissão de serviço, previsto no artigo 163.º do Código do Trabalho, escreve Maria Irene da Silva Ferreira Gomes[48], o seguinte:

 “O ato extintivo da comissão de serviço traduz-se, então, numa declaração de vontade unilateral receptícia imotivada, escrita, sujeita à exigência de um pré-aviso extrajudicial. Pode mesmo afirmar-se que a principal característica que resulta do regime legal reside no facto de o legislador não exigir qualquer motivação para a ocorrência do ato extintivo da comissão de serviço”.

Em nota de rodapé 978, Maria Irene Gomes dá nota que este é um aspeto assinalado pela generalidade da doutrina, citando muitos autores, entre os quais: António Menezes Cordeiro, Vítor Ribeiro, Jorge Leite, Diogo Vaz Marecos, Júlio Gomes, Maria do Rosário Palma Ramalho, Pedro Romano Martinez, Bernardo Xavier.

E, continua (citando-se a mesma autora):

“É certo que, em princípio, do ponto de vista subjetivo, há sempre uma razão para fazer cessar a comissão de serviço. Simplesmente, do ponto de vista jurídico, essa motivação não é exigida enquanto requisito de validade da cessação da comissão de serviço, nem é, consequentemente, em princípio, objeto de qualquer controle judicial a posteriori.

Ora, é precisamente a possibilidade de fazer cessar livremente a comissão de serviço por iniciativa do empregador a principal especialidade do regime da figura. De facto, a cessação livre por iniciativa do trabalhador é já a regra no quadro do contrato de trabalho. Contudo, quando a iniciativa é do empregador a cessação livre só é permitida em situações pontuais expressamente previstas, como é o caso, entre nós, do contrato de trabalho em comissão de serviço.

Não se concorda, portanto, com a posição adotada pelo Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de novembro de 2004 [nota rodapé 980 – Proc. N.º 6680/2004-4], quando sustenta, de forma generalizada, que «[s] o que justifica a comissão de serviço é a relação de especial confiança que está inerente ao exercício de determinadas funções e se estas se destinam a satisfazer necessidades permanentes da empresa, só a perda dessa confiança justifica o termo da comissão»

É que, perante tal entendimento, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou ilícita a cessação da comissão de serviço por iniciativa do empregador, por não ter sido alegada, nem provada a quebra da relação de confiança [nota de rodapé 981 – Trata-se, aliás, de uma decisão jurisprudencial fundamentada na opinião defendida por alguma doutrina que reviu, todavia, a sua posição. (…)].

Ora, entende-se que o terminus das funções em comissão de serviço não tem que assentar na quebra da relação de confiança, desde logo porque o ordenamento não impõe a necessidade de invocar qualquer razão para proceder à extinção da figura.

Acresce referir que, a propósito de um outro litígio, o Tribunal da Relação de Lisboa infletiu tal posição, considerando que «a todo o tempo, qualquer das partes pode fazer cessar a prestação do trabalho em comissão de serviço, devendo cumprir o prazo de aviso prévio de 30 ou 60 dias, consonante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração até dois anos ou mais de dois anos, não caredendo o ato de fundamentação expressa” (…) [nota de rodapé 983 – Trata-se do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de junho de 2007 (Proc. N.º 2937/2007-4 (…)].

(…)

III. Perante o exposto, considera-se que o tribunal deve considerar ilícita a cessação da comissão de serviço apenas nos casos em que o seu terminus resultou de razões discriminatórias (como, por exemplo, motivos de sexo, raça, religião, não justificáveis em virtude da natureza das atividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução), razões inadmissíveis à luz do quadro constitucional (cujos valores se sobrepões àqueles que perspassam o regime da comissão de serviço.” (fim de citação).

Concordamos inteiramente com as considerações transcritas e posição aí sufragada, assim se respondendo em grande parte à linha argumentativa do Recorrente Autor que, assim, cai por terra.

No caso, estamos perante uma comissão de serviço externa, celebrada com trabalhador sem prévio vínculo laboral e sem garantia de emprego, já que não foi prevista a continuação do exercício de funções após a cessação da comissão de serviço. Do contrato celebrado resulta, aliás, que a admissão do Autor foi para o exercício das funções inerentes ao cargo de ... para a ..., ou seja, pressupunha que o Autor detivesse esse cargo, que lhe advinha da sua prévia designação para o efeito por Resolução do Conselho de Ministros que, por sua vez, previa o período temporal atinente a tal designação e que depois foi também reportada no contrato (o que aconteceu também no que respeita ao seu aditamento).

A cláusula 6ª do contrato celebrado entre as partes, como se refere na decisão recorrida, é exemplo da apontada liberdade de cessação admitida no citado artigo 163.º, ao prever que o contrato poderia cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros. Aqui a cessação até está dependente de um ato do Governo e não propriamente do empregador, mas tal acontece porque as próprias partes assim o previram no exercício da liberdade contratual. E até se percebe que assim seja, na medida em que constitui facto incontornável que a celebração do contrato de trabalho em comissão de serviço do Autor estava intrinsecamente ligada com a sua nomeação como Comissário-Geral, que foi operada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 106/2018, de 14-06-2018. O Autor foi admitido para exercer as funções inerentes a esse cargo, o que, como é óbvio, pressupunha que o Autor estivesse nomeado para o mesmo. A decisão do governo de exoneração do Autor do cargo em referência, mais não é que o operar da previsão estabelecida na cláusula 6ª do dito contrato.

Não podemos entrar aqui na apreciação da questão da caducidade do contrato, na medida em que, como se deixou já expresso, tal questão foi conhecida e transitou em julgado.

Não obstante, salvo melhor opinião, mesmo que se admitisse uma situação de caducidade – cujo conhecimento, como dissemos, nos está vedado – sempre se dirá que os efeitos que daí decorreriam seriam os mesmos, já que a Ré entidade empregadora também não estaria desobrigada do cumprimento de aviso prévio. Isto porque sempre a situação se reconduzia à aplicação da citada cláusula 6ª, na medida em que foi nesses termos que as partes o previram contratualmente – o presente contrato pode cessar a qualquer momento desde que assim seja decidido pelos membros do Governo competentes no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros, sendo para efeito realizado aviso prévio de 180 dias. A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar nos termos legais aplicáveis.

Nessa cláusula alargou-se o período de aviso prévio para 180 dias, o que é admissível já que se trata do aumento do prazo do aviso prévio (artigo 164., n.º 2, do Código do Trabalho), sendo esse o aviso prévio que sempre teria que ser cumprido (mesmo que se tivesse concluído pela verificação de uma situação de caducidade). Mas, mesmo não cumprindo o aviso prévio tal não obsta à cessação do contrato em causa nos presentes autos, constituindo nesse caso a parte faltosa na obrigação de indemnizar nos termos legais aplicáveis.

Ora, a obrigação de indemnizar legalmente prevista para a falta de cumprimento do aviso prévio está no artigo 163.º, n.º 2, do Código do Trabalho, ao dispor “a falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão do serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º”

Face ao atrás explanado, e atenta a possibilidade de fazer cessar o contrato sem qualquer justificação, concorda-se com a decisão recorrida quando conclui que são juridicamente inócuos os pontos H) a O) e R) dos factos provados e que o contrato não cessou por despedimento.

O contrato cessou porque se verificou a previsão estabelecida pelas partes na cláusula contratual em referência, com a prolação da decisão do Governo de exoneração do cargo de Comissário ... para a ... (ponto V) dos factos provados), tal cessação foi comunicada ao Autor em 21-06-2021 pelo empregador (ponto W).

Desta comunicação decorre inequivocamente que a Ré está a comunicar ao Autor a cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, assim o entendendo qualquer declaratário normal que a recebesse, como o entendeu o Autor (artigo 236.º do Código Civil).

O contrato não cessou por despedimento do Autor e a cessação do contrato é válida e eficaz [atente-se que na presente situação, não resultou apurada qualquer factualidade que permita concluir que o seu terminus resultou de razões discriminatórias (como seja por motivos de sexo, raça, religião…)], a cessação do contrato foi apenas irregular por falta de cumprimento do aviso prévio de 180 dias contratualmente previsto pelas partes na cláusula 6ª.

Relativamente à questão do invocado abuso de direito, é certo que esta questão não foi suscitada ao Tribunal a quo, não havendo dúvidas que, em regra, aos tribunais de recurso apenas cabe reapreciar e/ou modificar as decisões tomadas pelos tribunais recorridos não lhe sendo permitido apreciar questões novas, isto é, não apreciadas nem decididas pelas instâncias.

A função essencial do recurso é, de facto, a reapreciação de questões que tenham sido colocadas e decididas pelos tribunais recorridos.

Porém, existem exceções a esta regra, como resulta desde logo do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

Uma dessas excepções é, portanto, a de lhe ser permitido ou imposto o conhecimento oficioso de qualquer questão, mesmo quando ela não tenha sido colocada pelas partes.

Constitui jurisprudência que se julga praticamente uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que o abuso de direito é de conhecimento oficioso[49].

Nos termos do artigo 334.º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O instituto em análise tem como objetivo primordial – funcionando como que uma “válvula de segurança” do sistema – obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante.

Esta figura representa, em substância, o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjetivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções.

Segundo Castanheira Neves[50] a adequada compreensão do abuso do direito só se atinge com a mutação da forma como se compreende o próprio direito subjetivo. Para tanto, parte da ideia de que o direito subjetivo é uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui.

Como assim, haverá abuso de direito quando um comportamento tenha a aparência de licitude jurídica e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício. O abuso de direito configura-se como uma contradição entre dois polos que entretecem o direito subjetivo: a sua estrutura formal reconhecida pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que integra esse mesmo direito e lhe confere materialidade devem estar em conformidade, certo que quando esta não é detetada, ocorre abuso de direito.

Em síntese, poderemos dizer que se configurará uma situação de abuso do direito quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.

Assim, e como se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-2022 (melhor identificado na nota de rodapé 49):

“Seja qual for a razão que esteja na sua origem, o abuso do direito é sempre ilegítimo e a sua eventual apreciação conhecida oficiosamente pela violação de normas de interesse público que ele sempre representa.

Daí que, mesmo quando a questão não seja suscitada perante o tribunal recorrido, recaia sobre o Tribunal de recurso o dever de conhecer do abuso de direito caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais.”

Mas, como também se sublinha no Acórdão em referência, “[d]o que vem de ser dito sobre a possibilidade de conhecimento oficioso do abuso de direito pelo Tribunal não se extrai que exista obrigação de pronúncia sobre a questão do abuso de direito quando, não tendo a questão sido suscitada, o exercício ilegítimo do direito não resulte dos factos apurados nos autos, até porque o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais se refere apenas às questões controvertidas ou de que cumpra conhecer.”.

Ainda que a questão do abuso de direito seja uma questão nova que pode ser conhecida oficiosamente, como é evidente, a oficiosidade não pode ir além dos factos que foram alegados e controvertidos, pois a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório conjugado com o princípio da preclusão.

Na situação dos autos, a matéria de facto provada não indicia que a Ré tenha incorrido em abuso de direito.

O que se verifica é que as alegações do Recorrente assentam em conclusões e juízos de valor que não encontram acolhimento no elenco factual provado nos autos (cfr. v.g. conclusões 55., 56., 57., 69.). Estão em causa meras especulações do Recorrente Autor que assentam em premissas fácticas que não foram dadas como provadas ou não provadas, desde logo porque nem sequer foram alegadas.

Analisando toda a matéria de facto apurada, da mesma não resulta que a Ré tenha atuado de forma ardilosa, muito menos existem dados para fazer um qualquer juízo sobre a existência de fundamento – ou da falta dele – quanto à instauração do processo disciplinar ou para aferir da existência de quaisquer intentos subjacentes a essa instauração e ligados a qualquer visada tomada de decisão de exoneração por parte do Governo.

Que a existência do procedimento disciplinar possa ter tido influência na decisão do Governo de exoneração do Autor é uma coisa, agora a factualidade provada não permite concluir que a Ré tenha atuado de má fé, como sustenta o Recorrente, ao instaurar o processo disciplinar e muito menos que não estivesse legitimada essa instauração por parte da entidade empregadora.

Termos em que, sem necessidade de considerações adicionais, considera-se que, face às circunstâncias do caso, não é possível concluir que a Ré tenha incorrido em qualquer exercício abusivo de direito, seja na instauração do procedimento disciplinar, seja depois na comunicação de cessação do contrato, não se mostrando minimamente indiciado que a Ré tenha atuado em abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil).


*


Face ao atrás exposto, forçoso é, pois, concluir, tal como se procedeu na sentença recorrida, que não assiste ao Autor direito a ser indemnizado por força de qualquer despedimento ilícito, máxime as previstas nos artigos 389.º, 390.º, 391.º, 392.º ou ainda no artigo 393.º, todos do Código do Trabalho, máxime aquelas que plasma na conclusão 67., onde se inclui indemnização em substituição da reintegração, retribuições intercalares. Refira-se ainda que quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e ainda indemnização com fundamento em perda de change, nem sequer resultou provada factualidade atinente aos danos alegados para alicerçar o peticionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Considera-se, tal como o pressupõe a sentença recorrida, que a cessação do contrato é válida e eficaz, pese embora irregular por falta de cumprimento do aviso prévio de 180 dias contratualmente previsto.

A sentença recorrida condenou a Ré a pagar ao Autor como indemnização pela falta de cumprimento do aviso prévio, prevista nas disposições conjugadas dos artigos 163.º, n.º 2, e 401.º, 1ª parte, do Código do Trabalho, atuação que tivemos já por legal e justificada, por se enquadrar em moldes já prefigurados na ação, incluindo pela própria Ré, e dentro do objeto do processo [remete-se aqui para a fundamentação constante da apreciação do recurso da Ré com fundamento da invocada nulidade da sentença que se julgou improcedente - ponto III, 3.2.1.].

Realce-se mais uma vez que a indemnização prevista na 1ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho, consubstancia a fixação de um critério mínimo de indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de pré-aviso em falta. Ou seja, esta indemnização não está dependente da alegação e prova de quaisquer danos.

No que respeita ao montante indemnizatório fixado a esse título na sentença recorrida, nenhuma dúvida temos quanto ao respetivo acerto, face ao valor da retribuição base do Autor à data da cessação – no valor de € 3.707,98 (cfr. ponto Z) dos factos provados) – e tendo em consideração o período de aviso prévio em falta – 180 dias [€ 3.707,98x6meses=€ 22.247,88 – no caso inexistem diuturnidades – ou seja, não existia qualquer prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tivesse direito com fundamento na antiguidade – cfr. artigo 262.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho].

Sublinhe-se que, quanto ao montante da retribuição a considerar para o cálculo daquela indemnização por denúncia sem aviso prévio, a lei fala expressamente “retribuição base”.

Não se vislumbra que o Recorrente Autor em momento algum tenha defendido na ação, com indicação de razões ou fundamentos que o suportassem, que as prestações atinentes a abono mensal de despesas de retribuição e subsídio de escolaridade devam integrar o conceito de retribuição base, pese embora se constate que nos cálculos que efetuou sempre tenha apelado às mesmas.

Agora em sede recurso e a propósito da nulidade suscitada – por alegada oposição entre a fundamentação e a decisão – que foi julgada improcedente, vem o Recorrente dizer, também conclusivamente, que porque o dito abono e subsídio foram auferidos de forma regular e períodica preenchem o conceito de “retribuição base e diuturnidades”, para depois dizer que atendendo à fundamentação invocada pelo julgador o lógico seria aquando da determinação da indemnização a atribuir devida pela falta de aviso prévio considerar o valor mensal de € 5.286,90 e não somente o valor do vencimento base de € 3.707,98.

Como tivemos oportunidade de referir aquando do conhecimento da nulidade invocada – III, 3.2.3, em parte nenhuma da sentença recorrida se qualificou o abono mensal para despesas e o subsídio de escolaridade como retribuição base, muito menos como diuturnidades!

Nenhum erro de julgamento foi cometido ao ter sido considerado para o cálculo da indemnização prevista na 1ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho o montante do vencimento mensal de € 3.707,98, o que se mostra conforme com as disposições legais aplicáveis.

É verdade que a lei não oferece uma noção geral de retribuição base, mas usa esta designação em outros normativos, desde logo, no n.º 2, do artigo 258.º do Código do Trabalho, onde se dispõe que A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”.

Refere-se ainda no artigo 262.º, n.ºs 1 e 2, al. a), que “a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base [..].”, para esse efeito entendendo-se por [al. a] “Retribuição base, a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho”. Ou seja, aqui é dada uma noção, mas referindo-se que para aqueles efeitos.

Sobre o que deva entender por “retribuição base”, elucida Bernardo Gama Lobo Xavier[51], o seguinte:

«Quanto aos aspectos da estrutura da retribuição [..], a lei estabelece um ponto de referência quando alude à retribuição base [art.º 258.º2), à qual se contrapõem naturalmente todas as outras. Temos defendido que a retribuição base tem um carácter certo (definido em função do tempo) e é em princípio independente dos acidentes da vida do contrato e dos seus especiais condicionalismos. Tal é, p. ex. a remuneração fixada na tabela das convenções colectivas ou dos regulamentos da empresa, na base do período normal de trabalho, para uma certa categoria profissional. [..]. Este entendimento corresponde ao que consta do art.º 262.º 2, a), onde se estabelece a seguinte noção de retribuição base: «A prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho”».

Uma conclusão incontornável pode, sim, extrair-se do artigo 258.º, n.º 2, do Código do Trabalho, qual seja a de que nem todas as prestações regulares e periódicas integram a “retribuição base” (ao contrário do que parece entender o Recorrente).

Por outro lado, e como observa o citado autor a conjugação do n.º 2 do artigo 258.º com o nº 2 do artigo 262.º, do Código do Trabalho, aponta no sentido de dever entender-se que a retribuição base “tem um carácter certo (definido em função do tempo”, o que vai ao encontro da noção dada naquele segundo preceito.

Face a tal entendimento, que subscrevemos, e atenta a matéria de facto provada (pontos C), Z), BB) e CC), não temos quaisquer dúvidas em afirmar que o abono mensal de despesas de representação e o subsídio de escolaridade não integram a retribuição base do Autor.


*


7.3. – Quanto à questão das consequências da denúncia irregular por falta de aviso prévio (conclusões 73. a 81).

Por último, nas identificadas conclusões, defende o Recorrente que o Tribunal Recorrido interpretou mal os artigos 163.º e 164.º do Código do Trabalho, por não ter condenado a Ré no pagamento de uma “indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio” e de “uma compensação correspondente a 12 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade”. Sustenta que o Tribunal a quo, deveria ter condenado a Recorrida Ré não só a pagar-lhe a indemnização devida pela falta de aviso prévio, mas também pelos danos decorrentes da cessação sem cumprimento do aviso prévio (2ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho), bem como a compensação prevista no artigo 164.º do mesmo diploma.

Por seu turno, defende a Recorrida Ré que a questão que o Recorrente vem submeter à apreciação deste Tribunal não só não foi alegada na petição inicial como não foi apreciada na sentença recorrida, sendo por isso uma questão nova que não pode ser suscitada em sede de recurso, pelo que não pode o Tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria que não foi alvo de arguição e discussão em 1ª instância.

Que dizer?

É absolutamente pacífico o entendimento de que os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter de decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. As questões novas não podem ser apreciadas, que em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir ou ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-10-2020[52]].

Com efeito, e como se dá nota no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 9-10-2023[53], relatado pela Desembargadora Rita Romeira, aqui 2ª Adjunta, «(…) os recursos não se destinam a apreciar “novas” questões mas antes a reapreciar as questões apreciadas pela 1ª instância, a não ser, as de conhecimento oficioso, o que não é o caso. (…) E, como é sabido, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (cfr. art. 627º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso o que, como deixámos já dito, não é o caso. (…). Apenas, nos casos expressamente previstos, conforme art.s 665º nº 2 e 608º, nº 2, parte final, do CPC, pode este Tribunal “ad quem” substituir-se ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida.».

No caso presente, as questões agora suscitadas em sede de recurso pelo Recorrente no que toca à indemnização prevista na 2ª parte do artigo 401º do Código do Trabalho (indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio – já não está em causa a referida indemnização prevista na 1ª parte desse mesmo normativo) e à indemnização prevista no artigo 164º, não o foram perante o Tribunal a quo.

Portanto, não pode afirmar-se que o Tribunal a quo se olvidou de nada, nem se ficou pela leitura parcial de preceitos. A sentença recorrida não tratou as questões em referência, nem tinha que as tratar, aliás, não tendo sido suscitadas nem podia tratar das mesmas já que não são de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). O Tribunal a quo ateve-se às questões que lhe foram colocadas a decidir por ambas as partes no processo, nos termos já enunciados supra.

A argumentação do Recorrente Autor de que se reportou à indemnização pelos danos causados por falta de aviso prévio (indemnização prevista na 2ª parte do artigo 401.º do Código do Trabalho), como nos parece elementar, não colhe, sendo certo que os processos têm regras processuais. As alegações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que já são objeto do processo e não a introduzir questões novas.

Em suma, não tendo o Tribunal quo sido confrontado com as referidas questões, estamos perante questões novas e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso das mesmas conhecer.

Termos em que, e sem necessidade de outras considerações, se nega a apreciação das questões acima enunciadas.


*


Improcede também o recurso interposto pelo Autor em sede de impugnação da decisão de direito.

*


No que respeita a custas, havendo improcedência de ambos os recursos interpostos, as custas de cada recurso ficam a cargo do respetivo Recorrente (artigo 527.º do CPC.

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IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acorda-se:

- não admitir a ampliação do âmbito do recurso de apelação requerida pela Ré na sua resposta à alegação do Autor, não se conhecendo em consequência da mesma;

- alterar oficiosamente a redação da alínea A) dos factos provados, que passa a ter a redação acima consignada em III, 4.;

- julgar improcedentes os recursos do Autor e da Ré, confirmando a sentença recorrida.

Custas de cada recurso pelo respetivo recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento de Custas Processuais (artigo 7.º, n.º 2, desse Regulamento).

Valor do recurso do Autor: € 138,938,07.

Valor do recurso da Ré: € 22.247,88 (artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


*

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 28 de junho de 2024

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Eugénia Pedro [1ª Adjunta]
Rita Romeira [2ª Adjunta]



_____________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Recursos Civis: O Sistema Recursório Português, Fundamentos, Regime e Atividade Judiciária. Lisboa: Cedis, 2020, págs. 33-34, consultado em https://cedis.fd.unlpt/wp-content/uploads/2020/09/Recursos-Civis-min.pdf.
[5] Processo n.º 2861/22.3T8BRR.L1.S1, Relatora Conselheira Ana Resende, acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.

[6] Processo n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1, Relator Conselheiro Tomé Gomes.
[7] Processo n.º 4280/17.4.T8MTS.P3.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[8] Processo n.º 8512/17.0T8VNG.P1, Relator Desembargador Jorge Seabra.
[9] Processo n.º 9704/17.8T8PRT.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes, no qual interveio como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Desembargadora Rita Romeira.
[10] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, páginas 144 a 149.
[11] Processo n.º 215/17.2T8CTB.C1.S1, Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé.
[12] Processo n.º 661/18.4T8PNF.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão, ao que se julga saber não publicado, mas disponível no registo dos Acórdãos.
[13] António Abrantes Geraldes, na obra citada, págs. 24/25, sublinha a importância da destrinça entre nulidades de procedimento e nulidades de julgamento: estas devem ser invocadas em sede de recurso; aquelas devem ser arguidas nos termos previstos nos artigos 195.º, 196.º e 199.º.
[14] Processo n.º 171/21.2T8PNF.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, e no qual interveio como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Rita Romeira.
[15] Processo n.º 171/21.2T8PNF.P1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto.
[16] Processo n.º 5392/22.8T8MTS.P1.
[17] Processo n.º 634/17.4T8FLG.C.P1, relatado pela Desembargadora Fátima Andrade.
[18] Processo n.º 65876/19.2YIPRT.E1.S1, Relator Conselheiro Nuno Ataíde das Neves.
[19] Processo n.º 2450/18.7T8VRL.G1.S1, Relator Conselheiro Oliveira Abreu.
[20] Processo n.º 2992/22.0T8OAZ.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes, no qual interveio como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Desembargadora Rita Romeira.
[21] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, página 686.
[22] Processo n.º 1436/15.8T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[23] Processo n.º 2529/21.8T8MTS.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[24] Processo n.º 434/14.4TTBRR.L1.S2, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes.
[25] Processo n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Oliveira Abreu.
[26] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, página 728 a 739.
[27] Processo n.º 588/12.3TBPVL.G2.S1, Relatora Conselheira Rosa Tching.
[28] Processo n.º 607/06.2TBCNT, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes.
[29] A propósito da admissibilidade da condenação na indemnização por falta de aviso prévio na cessação do contrato de trabalho no período experimental (indemnização igual à retribuição correspondente ao período em falta), em situações em que na petição inicial apenas foi pedido indemnização por antiguidade por despedimento ilícito, podem ver-se nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto os Acórdãos de 10-01-2011 (processo n.º 1097/09.3TTMTS.P1, Relator Desembargador Ferreira da Costa) e de 14-01-2008 (processo 0743726, Relatora Paula Leal de Carvalho, atualmente Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça).
[30] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra citada páginas 687/688.
[31] Processo n.º 5223/19.6T6STB.E1.S1, Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo.
[32] Processo n.º 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2, Relator Conselheiro Ilídio Savcarrão.
[33] Obra citada, pág. 195.
[34] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão.
[35] Processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes.
[36] Processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
[37] Processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1. S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira.
[38] Inserindo-se no texto a nota de rodapé 21 do Acórdão em causa.
[39] Obra citada, págs. 200 e 201.
[40] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[41] Obra citada, págs. 201 e 202.
[42] Veja-se, a título meramente exemplificativo: o Acórdão desta Secção Social de 13-07-2022, processo n.º 3642/20.4T8VFR.P1, Relatora Desembargadora Teresa Sá Lopes; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 (processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis), 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[43] Código de Processo Civil anotado, Volume III, 4ª Edição- Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 259 e ss.
[44] In obra citada, pág. 436 e 437.
[45] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[46] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[47] Processo n.º 10818/19.5T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues.
[48] In O dirigente no Direito do Trabalho, Tese de Doutoramento Especialidade de Ciências Jurídico Privatísticas, não publicada, págs. 362 e seguintes. Consigna-se que
[49] A título exemplificativo, vejam-se osAcórdãos de 17 de abril de 2018 (processo n.º 3452/15.0T8VIS-D.C1.S1, Relator Conselheiro José Rainho) e o Acórdão de 20-12-2022 (processo nº 8281/17.4T8LSB.L1.S1, Relator Manuel Aguiar Pereira). [50] Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, págs. 523-524.
[51] Manual de Direito do Trabalho, 2ª Edição, Verbo, 2014, pág. 587.
[52] Processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, Relator Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1.
[53] Processo n.º 6263/18.8PRT.P1.