Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
595/24.3T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
PROCEDIMENTO CAUTELAR ESPECIFICADO
REQUISITOS CUMULATIVOS
APARÊNCIA DE DIREITO
Nº do Documento: RP20240710595/24.3T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O arresto preventivo, enquanto procedimento cautelar especificado, está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos: a provável existência do crédito; e o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
II - Quanto ao primeiro requisito, o mesmo basta-se com a “aparência do direito”; isto é, com a prova sumária de que esse direito existe.
III - Já em relação ao segundo, exige-se que o receio de perda da garantia patrimonial seja objetivamente justificado; ou seja, que esse sentimento seja provocado por factos que determinariam idêntica reação numa pessoa normal, colocada nas mesmas circunstâncias.
IV - No caso, este último pressuposto não está, mesmo que só indiciariamente, demonstrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 595/24.3T8VNG-A.P1

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Sumário

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntas: Lina Castro Batista;
               Alexandra Pelayo.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

1- Por apenso à ação declarativa de condenação que AA, move, entre outros, a A..., Ldª, veio aquela instaurar contra esta o presente procedimento cautelar pedindo que seja decretado o arresto de um imóvel que identifica, invocando ser titular de um crédito sobre a Requerida, respeitante a suprimentos que lhe fez, o qual teme não vir a ser satisfeito, porquanto a Requerida, além de se vir a esquivar ao pagamento, está a projetar vender o referido imóvel, único património que lhe é conhecido.

2- Produzida a prova liminar, foi proferida sentença que julgou o presente procedimento cautelar procedente e ordenou o referido arresto.

3- Em oposição ulterior, porém, a Requerida manifestou-se contra tal arresto, dado que, para além de não reconhecer à Requerente o crédito de que a mesma se arroga titular, o imóvel arrestado não lhe pertence, sendo dele mera locatária.

Em qualquer caso, o negócio discutido na assembleia geral de 29/03/2023, não se concretizou, o que levou a Requerente, nos autos principais, a desistir da instância relativamente ao potencial comprador, estando assim afastado o receio pela mesma invocado.

4- Perante esta alegação, foi determinada a audição da Requerente, a qual alegou, em suma, que ainda que não possa ser arrestado o dito imóvel, sempre pode ser arrestada a expetativa da sua aquisição.

Por outro lado, reafirma a existência do crédito já indicado e o seu receio de não o ver satisfeito, porquanto a Requerida assume que está a passar por dificuldades financeiras e tem-se esquivado ao pagamento de tal crédito.

5- Seguidamente, foi dispensada a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerida e proferida sentença na qual se julgou não estar indiciariamente provado o justo receio de perda de garantia patrimonial invocado pela Requerente e determinado o levantamento do registo decretado sobre o imóvel, bem como o registo efetivado sobre a expetativa de aquisição que a Requerida tem sobre ele.

6- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Requerente, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“A. O Tribunal a quo veio, com o devido respeito, injusta e inexplicavelmente, ordenar o levantamento do arresto, por entender que não subsiste o justo receio de perda da garantia patrimonial.

B. Assim, o presente Recurso tem por fundamento o erro de julgamento da matéria de Direito.

C. Ora, cabe ao requerente provar os factos que permitam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.

D. No juízo de verificação daquele requisito, o julgador deve atender à situação objetiva e subjetiva do devedor, considerando a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem a propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes, a quebra da relação de confiança, o montante avultado do crédito, a duração da mora, etc.

E. Neste sentido, vejam-se os seguintes Acórdãos:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/10/2015, proferido no âmbito do processo n.º 17/14.0TBCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 25/05/2023, proferido no âmbito do processo n.º 424/23.5T8BJA.E1, disponível em www.dgsi.pt;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28/06/2017, proferido no âmbito do processo n.º 9070/16.9T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.

F. É ainda suficiente a alegação e a prova de factos que demonstrem ou indiciem um perigoso decréscimo da solvabilidade do devedor.

G. No caso dos presentes autos, a Recorrente entregou, a título de suprimentos, o montante de € 100.000,00 (cem mil euros), com a expectativa de que seria reembolsada deste montante brevemente.

H. Contudo, tal não aconteceu, razão pela qual a Recorrente começou a diligenciar pela obtenção do reembolso do seu crédito, conforme resulta dos Documentos 3, 5, 6, 8 e 12 juntos com o Requerimento Inicial.

I. Inicialmente, a Recorrida dizia que não tinha memória de terem sido realizados suprimentos, porque o livro de atos havia desaparecido.

J. Na sequência de uma segunda insistência por parte da Recorrente, a Recorrida nem sequer respondeu.

K. Posteriormente a Recorrida convocou os sócios para uma reunião da Assembleia Geral para o dia 29 de março de 2023, para que se deliberasse sobre a outorga do contrato promessa de compra e venda do imóvel sito Rua ..., n.º ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., ... ..., que é onde se situa a sede social da Sociedade e ainda sobre a restituição dos suprimentos aos sócios.

L. Da referida reunião, resultou que o montante de € 100.000,00 (cem mil euros) seria restituído à Recorrente, o que mais uma vez não aconteceu.

M. Nessa sequência, no dia 3 de maio de 2023, a Recorrente interpelou a Recorrida para a restituição do montante de € 100.000,00 (cem mil euros).

N. A esta interpelação, a Recorrida respondeu, afirmando que foi apresentada uma avaliação do terreno no valor de € 76,640,00 (setenta e seis mil, seiscentos e quarenta euros), pelo que o valor a restituir à sócia seria de € 38.320,00 (trinta e oito mil, trezentos e vinte euros – cfr. Documento 13.

O. Posteriormente, a Recorrida pagou à Recorrente um parte do crédito, em concreto o montante de € 1.556,86 (mil, quinhentos e cinquenta e seis euros, e oitenta e seis cêntimos).

P. Veio em sede de Oposição a Recorrida alegar que o valor em dívida é de € 56.380,01 (cinquenta e seis mil, trezentos e oitenta euros, e um cêntimo), juntando uma ata que nem sequer está assinada por todos os sócios.

Q. O que é facto é que o montante em dívida, na presente data, computa-se em € 98.443,14 (noventa e oito mil, quatrocentos e quarenta e três euros, e catorze cêntimos).

R. A Recorrida encontra-se em mora desde o dia 3 de maio de 2023, o que tem causado um grave prejuízo patrimonial à Recorrente.

S. Decorrido mais de um ano desde o vencimento da obrigação, a Recorrida continua a esquivar-se ao cumprimento, o que denota que não tem qualquer intenção de reembolsar a Recorrente.

T. A isto acresce que a Recorrida está a ultrapassar dificuldades financeiras, conforme relatório ROC junto pela Recorrida.

U. Alega a Recorrida que apenas tem possibilidade de libertar fluxos de tesouraria a partir do ano de 2029, razão pela qual até 2028 as disponibilidades financeiras continuam reduzidas e que seria catastrófico para a Sociedade reembolsar os sócios.

V. Portanto, conclui-se pela falta de solvabilidade da Sociedade Recorrida para o cumprimento integral do crédito.

W. Para que se verifique o requisito do periculum in mora é suficiente a alegação e prova de um núcleo factual que demonstre ou indicie um perigoso decréscimo da solvabilidade do devedor.

X. A falta de solvabilidade foi alegada em sede de Requerimento Inicial e confirmada pela Sociedade Requerida em sede de Oposição.

Y. Como é que o Tribunal a quo deu como provados os factos 10, 24 e 25 e não entendeu que estava verificado o periculum in mora?

Z. Mais se refira que o facto de a Recorrida ser locatária do imóvel não invalida o preenchimento daquele pressuposto.

AA. O locatário financeiro tem direito de opção de compra do bem dado de locação, pelo que tem legítima expectativa de que, findo o prazo do leasing, poderá adquirir o bem dado de locação.

BB. O artigo 778.º do CPC, aplicável ao arresto ex vi do artigo 391.º n.º 2 do CPC, estipula que as expectativas de aquisição são penhoráveis, pelo que a penhora da expectativa de aquisição do bem imóvel recebido ao abrigo de uma locação financeira é possível.

CC. Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26/10/2023, proferido no âmbito do processo n.º 18410/23.3T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.

DD. Assim, o presente arresto do imóvel é admissível, ao abrigo do artigo 778.º ex vi do artigo 391.º n.º 2 ambos do CPC.

EE. O facto de o contrato promessa de compra e venda do imóvel não ter sido outorgado não afasta o justo receio de perda de garantia patrimonial.

FF. Tudo conjugado, é evidente que está verificado o justo receio de perda de garantia patrimonial,

GG. pelo que é notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando o artigo 391.º n.º 1 do CPC”.

Termina pedindo que se julgue o presente recurso procedente e revogada a sentença recorrida.

7- A Requerida respondeu defendendo a confirmação do julgado.

8- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:


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II- Mérito do recurso

A- Definição do seu objeto

O objeto dos recursos em matéria civil é, em regra, delimitado, pelas conclusões das alegações do recorrente, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC)].

Assim, seguindo este critério, o objeto deste recurso reconduz-se, no essencial, à questão de saber se está verificado o justo receio da Apelante perder a garantia patrimonial do seu crédito.


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B- Fundamentação de facto

a) Na instância recorrida julgaram-se indiciariamente provados os seguintes factos:

1. A sociedade Requerida é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social a prestação de serviços relacionada com transportes internacionais, transportes nacionais e trânsitos.

2. A sociedade Requerida foi constituída em 22 de abril de 1986, com o capital social de 50.500.000,00 Escudos (cinquenta milhões, e quinhentos mil escudos), distribuído do seguinte modo: a) Uma quota com o valor nominal de 18.000.000,00 Escudos (dezoito milhões de escudos), titulada pela sócia BB; b) Uma quota com o valor nominal de 32.000.000,00 Escudos (trinta e dois milhões de escudos), titulada pelo sócio CC; c) Uma quota com o valor nominal de 500.000,00 Escudos (quinhentos mil escudos), titulada pelo sócio CC.

3. Atualmente, o capital social da Sociedade Requerida é de 251.892,94 Euros (duzentos e cinquenta e um mil, e oitocentos e noventa e dois euros, e noventa e quatro cêntimos), e encontra-se distribuído da seguinte forma:

a) Uma quota com o valor nominal de 47.859,67 (quarenta e sete mil, e oitocentos e cinquenta e nove euros, e sessenta e sete cêntimos), representativa de 19% (dezanove por cento) do capital social, titulada por BB;

b) Uma quota com o valor nominal de 128.465,40 Euros (cento e vinte e oito mil, e quatrocentos e sessenta e cinco euros, e quarenta cêntimos), representativa de 51% (cinquenta e um por cento) do capital social, titulada por DD;

c) Uma quota com o valor nominal de 75.567,87€ (setenta e cinco mil, e quinhentos e sessenta e sete euros, e oitenta e sete cêntimos), representativa de 29,99% (vinte e nove vírgula noventa e nove por cento) do capital social, titulada por AA.

4. É o Sr. DD quem, desde 18 de junho de 2004, exerce as funções de gerente da sociedade.

5. No dia 11 de outubro de 2010, em Assembleia Geral foi exigido aos sócios, que emprestassem 100.000,00€ (cem mil euros) à sociedade.

6. Após a conclusão de um negócio que trouxe um encaixe financeiro a favor dos sócios, ficou acordado que esse valor seria emprestado à Sociedade com o objetivo fazer face a necessidades económico financeiras prementes da Sociedade Requerida.

7. Nessa sequência, a Requerente procedeu à entrega à Requerida de um montante de 100.000,00€ (cem mil euros).

8. Tais valores assumiram a natureza de empréstimos dos sócios à sociedade (suprimentos).

9. Após tal a Sociedade Requerida nunca restituiu o montante supra indicado à aqui Requerente, nem nunca convocou reunião da Assembleia Geral para tal específico efeito.

10. Nessa senda, a Requerente entrou várias vezes em contacto com a gerência da Requerida, por forma a exigir a restituição da quantia de 100.000,00€.

11. No dia 16 de novembro de 2022, a Requerente remeteu, à gerência da Sociedade Requerida, uma missiva, na qual pediu a convocação de uma reunião da Assembleia Geral, para deliberar sobre a restituição da quantia em dívida.

12. A esta carta, a gerência da Sociedade respondeu, no dia 23 de novembro de 2022, querendo fazer transparecer que não tinha memória de os sócios terem realizado o valor de 100.000,00 Euros (cem mil euros) à Sociedade, por conta do desaparecimento do livro de actas nº8.

Nestes termos, adverte-se V. Exa. que, se num prazo de 15 (quinze) dias, não convocarem a Assembleia Geral acima mencionada, não restará outra alternativa que não seja acionar os devidos mecanismos legais para obter a referida convocação.

Com os melhores cumprimentos,”

13. A carta foi recebida no dia 16 de dezembro de 2022, pelo Exmo. Sr. EE.

14. A esta missiva, a Requerente não obteve qualquer resposta.

15. O que os sócios acordaram efetivamente foi em emprestar à sociedade um determinado montante para posterior devolução, tal se verificando no prazo de três a cinco anos.

16. Pelo menos a sócia Sra. D. BB já foi reembolsada.

17. Até ao momento- e apesar de variadas insistências tal visando - a sócia aqui Requerente ainda não foi ressarcida por obstáculo do sócio Sr. DD.

18. Visto que se estava a tornar incomportável a demora na convocação da Assembleia Geral, a Requerente enviou uma nova carta à A..., LDA. com vista a obter o reembolso do suprimento por si efetuado.

19. Na esteira de tal, a Requerente recebeu uma convocatória para a realização de uma reunião da Assembleia Geral, no dia 29 de março de 2023, com a seguinte ordem de trabalhos:

“1- Apreciação de proposta de venda de bem imóvel correspondente a edifício de dois pisos destinado a armazém e actividade industrial, sito na Rua ..., n.º ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., registado na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da dita união de freguesias e concelho, inscrito a favor da “B..., S.A.”, pela AP ... de2010/10/14.

2- Deliberar autorizar a alienação do supra identificado bem imóvel, pelo valor de € 1.000.000 (um milhão de euros), a FF, pelo preço e condições de proposta que se anexa, bem como autorizar o sócio gerente da sociedade a outorgar contrato promessa de compra e venda e escritura pública de venda a realizar.

3- Deliberar e autorizar o pagamento de suprimentos aos sócios, AA e DD, no valor de € 100,000 (cem mil euros) a cada um.”

20. O imóvel cuja venda se ia deliberar é precisamente onde se situa a sede da Sociedade Requerida.

21. A atividade desenvolvida pela Sociedade e o armazenamento de todos os equipamentos para o efeito utilizados centram-se no imóvel cuja alienação se pretende.

22. Não foi feita qualquer prévia avaliação ao sobredito imóvel.

23. No dia 29 de março de 2023, os sócios reuniram em Assembleia Geral, estando presentes o sócio DD, a título pessoal e em representação da sócia BB, e a sócia Requerente devidamente representada.

24. Os sócios entraram na discussão do ponto três da ordem de trabalhos, tendo a Requerente votado favoravelmente a proposta de restituição, a cada um dos sócios, do montante de 100.000,00 Euros (cem mil euros), realizados a título de suprimentos, sendo que ao presente momento nada foi pecuniariamente entregue à aqui requerente.

25. A Requerida vem sucessivamente apresentando razões várias para se furtar à restituição do valor em dívida à requerente.

26. A Requerida é locatária do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., ... ..., registado na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da dita União de Freguesias e Concelho, que corresponde à sua sede.

27. A Requerida não outorgou com FF qualquer contrato-promessa e/ou contrato de compra e venda do imóvel mencionado em 26, sendo que a Requerente aceitou nos autos principais a que este arresto está apenso a confissão dos Réus de que não foram outorgados o contrato promessa de compra e venda nem contrato de compra e venda do imóvel.


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C- Fundamentação Jurídica

A primeira nota que importa realçar é que não vem impugnada a matéria de facto fixada na sentença recorrida.

Por outro lado, e na decorrência dessa falta de impugnação, pode considerar-se pacífico, porque indiciariamente demonstrado, que a Requerida não é proprietária do imóvel que foi arrestado, mas antes apenas sua locatária.

Ainda assim, a Requerente insiste na manutenção do arresto decretado, visto que a expetativa de aquisição, do seu ponto de vista, pode ser igualmente apreendida e, por outro lado, tanto o seu crédito como o justo receio de perder a correspondente garantia patrimonial estão indiciariamente demonstradas.

Na sentença recorrida, no entanto, não se considerou verificado este último pressuposto.

E é em razão disso que vem interposto o presente recurso.

Como resulta do disposto nos artigos 391.º, do CPC, só o “credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.

Esse receio, portanto, a par da provável existência do crédito, é um pressuposto de cuja verificação depende o decretamento do arresto (cfr. ainda artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 392.º, n.º 1, do CPC). Mas, enquanto para este último requisito, é entendimento generalizado na doutrina e jurisprudência que para o seu preenchimento basta a “aparência do direito”; isto é, a prova sumária de que esse direito existe[1], relativamente ao segundo, exige a lei que o receio do requerente seja passível de ser objetivado e justificado; ou seja, que esse sentimento de receio seja provocado por factos que determinariam idêntica reação numa pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias. “[P]ode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo) […] ou os transfira para o estrangeiro […], ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito […]. Não é o caso quando apenas se alegue que o devedor pretende ausentar-se para país estrangeiro […]; mas é-o quando o devedor emite cheques que não obtêm provisão e cessa a sua actividade comercial, só tendo como rendimentos os do seu trabalho […], ou quando a sociedade devedora se encontra em situação económica difícil e se prepara para encerrar a sua actividade, pretendendo os sócios constituir nova sociedade, não pagando aos credores, como já duas vezes fizeram anteriormente […]”[2]/[3].

Em suma, o receio de perda da garantia patrimonial não pode traduzir-se numa mera suspeita do credor, mas, ao invés, para ser considerado justo, há-se assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação (factos, atitudes ou, pelo menos, certa maneira de ser) que denunciem uma disposição do devedor de subtrair o património à ação dos credores[4].

Ora, aplicando estas noções ao caso em apreço, temos para nós que, como se decidiu na sentença recorrida, este pressuposto não está verificado.

Com efeito, se nos cingirmos, como devemos, à factualidade provada, facilmente verificamos que nela não há qualquer facto que aponte para a perda de garantia patrimonial de que a Requerente se queixa.

Não sabemos, desde logo, qual a situação financeira e patrimonial da Requerida, presentemente. A Requerente alega que a Requerida reconhece que está numa situação de insolvabilidade, mas os factos provados (que, repetimos, não foram impugnados) não nos dão conta dessa realidade.

Por outro lado, se é certo que a Requerente alegou que a Requerida se preparava para alienar o imóvel arrestado, a verdade é que, por um lado, só se veio a apurar que a mesma é apenas locatária desse imóvel e, por outro lado, a projetada venda não veio a ser realizada, nem sequer prometida. O que, de resto, a Requerente também aceitou nos autos principais.

Não há ainda nenhum negócio ou ato de gestão demonstrado que justifique o receio alegado.

E, se é certo que a Requerente se queixa do atraso no pagamento do crédito de que se arroga titular e de a Requerida se esquivar a realizá-lo, a verdade é que o arresto não é, em si mesmo, do ponto de vista jurídico [que não necessariamente ponto de vista prático], um meio de coação ao cumprimento. É antes um meio (cautelar) de garantia patrimonial para o credor que tem justificado receio de dissolução ou ocultação de bens por parte do devedor[5]. Atitudes que, no caso, como já dito, não se podem julgar ainda que indiciariamente demonstradas.

Daí que, o presente recurso só possa ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.


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III- Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.


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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pela Apelante – artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


Porto, 10/7/2024
João Diogo Rodrigues
Lina Batista
Alexandra Pelayo
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[1] Não, necessariamente, que é líquido e exigível – Neste sentido, entre outros, o Ac. RC de Processo n.º 1243/08.4TBCBR-A.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3ª ed., Almedina.
[3] No mesmo sentido se pronunciam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, pág. 466.
[4] Cfr. por exemplo, Ac. STJ de 03/03/1998, C.J., STJ, Ano 6.º, Tomo I, pág. 116 e Ac RC de 06/03/2018, Processo n.º 1833/17.4T8FIG.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL, pág. 598, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2012, Almedina, pág.80.