Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4169/23.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
LESÃO GRAVE
DIFÍCIL REPARAÇÃO DO DIREITO
Nº do Documento: RP202409094169/23.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que se mostrem preenchidos os pressupostos do procedimento cautelar comum, previsto no art.º362ºCPC,- provável existência do direito e fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito -, basta, em relação ao primeiro, um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade.
II - Inexiste fundamento para decretar a providência quando os factos não revelam a gravidade da lesão, nem a difícil reparação do direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procedimento Cautelar-Comum-4169/23.8T8PRT.P1

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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

No presente procedimento cautelar comum, em que figuram como:

- REQUERENTE: AA, advogado, solteiro, portador do documento de identificação n.º ..., NIF ..., com domicílio profissional na Avenida ..., ..., 1.º, ... Vila Nova de Gaia e cédula profissional n.º 59541p; e

- REQUERIDO: BB, portador do cartão de cidadão n.º..., NIF ..., residente na Rua ..., ..., R/C, ... Porto,

veio o requerente formular o seguinte pedido: “ser ordenada a proibição /abster-se de:

a) por qualquer meio remeter ao Tribunal e/ou ao Proc. n-8525/22.0T8PRT do Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto qualquer comunicação escrita ou verbal cujo conteúdo seja injurioso para a pessoa do Requerente;

b) por qualquer meio remeter comunicação escrita ou verbal cujo conteúdo seja difamatório para a pessoa do Requerente;

c) caso se considerem inexequíveis as providências anteriores requer-se que seja imposto ao Requerido a obrigação genérica de se abster de qualquer comportamento violador do direito à honra, reputação, bom nome e integridade física e moral do Requerente;

Requer-se que seja ordenada ao Requerido:

d) Que seja obrigado a requerer o desentranhamento dos requerimentos enviados por si ao Proc. n.º8525/22.0T8PRT do Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6 do Tribuna Judicial da Comarca do Porto datados de 13 de fevereiro de 2022 e de 18 de fevereiro de 2022, sob pena de não fazendo ser condenado a pagar a quantia de 100,00€/dias ao Requerente desde a data em que tal for ordenado.”.

Alegou, para tanto, que o requerido constituiu o requerente seu mandatário e exercido o mandato em representação daquele no âmbito do Proc. n.º8525/22.0T8PRT que corre termos no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6, após renunciar ao mandato em 12 de Outubro de 2022, veio a tomar conhecimento que o requerido dirigiu dois requerimentos ao processo nos quais imputou ao requerente conduta e teceu considerações ofensivas do seu bom nome pessoal e profissional enquanto advogado em início de carreira.

Considera que o bom nome e consideração têm tutela judicial e que o requerido com a conduta descrita e por si prometida atenta de forma grave o requerente quanto à honra, bom nome, consideração pessoal, dignidade profissional e o bom exercício da sua profissão, para além de colocar em causa o seu brio, qualidades e deveres que são próprios de qualquer Advogado.

Mais considera verificado o fundado receio de lesão do direito porque os requerimentos se fazem acompanhar de conteúdos difamatórios e ofensivos da imagem do requerente, nomeadamente, que em conluio com outro ex-mandatário do requerido o preparava para lesar em €300.000,00 (trezentos mil euros); que lhe mentiu e que se eximiu de praticar atos processuais ao estado em que o processo se encontrava, algo que não corresponde minimamente à verdade.

O requerido agiu sabendo que os factos que imputava ao requerente contra o seu bom nome e honra seriam profundamente atingidos, nomeadamente, perante a estrutura judiciária que integra o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sito no Palácio da Justiça, Campo dos Mártires da Pátria, ... Porto, em especial todos os que têm contacto com o Proc. n.º 8525/22.0T8PRT do Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

As pessoas que lessem os requerimentos apresentados pelo requerido e as imputações que formulou relativamente ao requerente, se nelas acreditassem, total ou parcialmente, teriam de concluir que o requerente era um advogado desonesto, consequência que o requerido representou e quis e com a qual se conformou.

Alegou que sente angústia e amargura por causa das acusações feitas pelo requerente, anda inquieto e nervoso. O requerente está em início de carreira pelo que as acusações contra ele deduzidas podem ter prejuízos reputacionais, dado que atentam contra o núcleo central da sua intimidade profissional e pessoal e lhe imputa a tentativa de apropriação de uma quantia elevada e coloca em causa a forma como exercer a sua profissão de advogado.

Tais comportamentos são notoriamente premeditados e refletidos estando o Requerido inteiramente ciente dos danos extensivos que está a causar à pessoa do Requerente. Considera, ainda, que face ao teor dos requerimentos se verifica o risco de continuar a praticar tais atos e uma vez violados tais direitos, não são os mesmos passiveis de reconstituição não sendo possível restituir a situação anterior à sua violação ou reparar os danos resultantes da violação dos mesmos.

Requereu a dispensa de citação prévia.


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Proferiu-se despacho liminar que indeferiu a dispensa de contraditório prévio.

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O requerido foi pessoal e regularmente citado.

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Após promoção do incidente de concessão de apoio judiciário, com nomeação de patrono, que não foi concedido, não veio deduzir oposição.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, julgo improcedente o presente procedimento cautelar e inferido a providência requerida.

Custas a cargo do requerente.

Fixo o valor da providência em 30.000,01€”.


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O requerente veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida (ref.ª 452216109), mediante a qual o Tribunal a quo julgou improcedente o procedimento cautelar e indeferiu a providência requerida por considerar que não se encontrava preenchido o pressuposto do periculum in mora.

B. A douta sentença recorrida não decidiu corretamente ao não deferir o procedimento cautelar requerido pelo Recorrente.

C. O Requerido intentou diversos Requerimentos ao Proc. n.º 8525/22.0T8PRT, que corre termos no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, mediante os quais mencionou que o Recorrente não agiu diligentemente e não defendeu os seus interesses legítimos.

D. O Requerido, referiu, clara e expressamente, que o Recorrente, em conluio com ex-mandatários, se preparava o lesar num montante superior a €300.000,00 (trezentos mil euros), que lhe mentia e se absteve de praticar atos processuais ao estado em que o processo se encontrava.

E. O Tribunal a quo refere que “(…) qualquer profissional forense (juiz, advogados, funcionários judiciais, …), mesmo sem grande experiência, percebe que o Requerente atuou de forma correta e diligente, nada se lhe podendo apontar do ponto de vista do pontual exercício do mandato em face do que lhe é retratado nos autos”.

F. Porém, entendemos que os requerimentos impetrados não só colocam em causa o

brio, retidão e caráter do Recorrente no exercício das suas funções, mas também a consideração pessoal que lhe é devida.

G. Pese embora seja evidente que o Recorrente atuou diligentemente as acusações infundadas e caluniosas dirigidas contra si, em razão da sua gravidade, atingem, diretamente, a honra e o bom nome e são suscetíveis de causar um prejuízo sério ao Recorrente.

H. O Requerido agiu sabendo que os factos que imputava ao Recorrente e que atingiam a sua honra e bom nome seriam profundamente atingidos não só na comunidade jurídica, mas também na comunidade em geral.

I. Tanto basta para que se possa concluir que estamos perante lesões continuadas da honra e bom nome profissional, urgindo prevenir a continuação ou a repetição de tais atos lesivos.

K. A desconfiança do Requerido e a sua falta de conhecimento não podem ser utilizados como forma de atenuar os efeitos negativos que os requerimentos por ele impetrados têm na esfera profissional e pessoal do Recorrente.

L. Assim, está preenchido, no caso sub judice, o pressuposto do periculum in mora.

M. Pelo que, a sentença em crise viola as disposições conjugadas dos artigos 362º, 363º, 368º, n.º1 do Código de Processo Civil, 70º do Código Civil, 26º da Constituição da República Portuguesa e 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Termina por pedir que o recurso seja julgado procedente, com revogação da sentença e sua substituição por outra que decrete o procedimento cautelar conforme peticionado no requerimento inicial.


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Após promoção de novo incidente de apoio judiciário, o requerido veio responder ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. A sentença recorrida apresenta-se clara, bem fundamentada, ancorada na prova

documental junta aos autos, não merecendo qualquer reparo.

II. Uma vez que ninguém coloca em causa a existência de um direito universal ao bom nome e reputação, cumpre, essencialmente, aferir se o comportamento do Recorrido tem como consequência a produção de um dano na esfera do Recorrente e se esse dano se afigura suficientemente grave e de difícil reparação.

III. Ora, quanto à primeira comunicação enviada pelo Recorrido, cumpre esclarecer que a mesma foi escrita em tom de desabafo e desespero, nunca tendo a intenção de ofender quem quer que fosse, sendo manifesto esse tom de angústia, quando termina o seu texto pedindo uma audiência ao Magistrado titular do processo, não sabendo a quem mais havia de recorrer.

IV. Por outro lado, o Recorrido não faz referência a nomes concretos, referindo-se apenas a dois advogados com os quais teve contacto, tendo o Recorrente assumido, de forma algo precipitada, que o texto se referia a si.

V. Portanto, quanto a este texto, o Recorrente não é diretamente visado, não se vislumbrando em que medida a sua reputação tenha sido afetada.

VI. No que concerne à segunda comunicação remetida ao mesmo processo, pela mesma via, relativa a uma suposta omissão processual da parte do Recorrente, mais uma vez se esclarece que o Recorrido o fez em tom de desabafo e desespero, nunca tendo a intenção de ofender a honra e consideração de alguém.

VII. Sabemos que os processos de inventário são morosos, provocam emoções muitas vezes explosivas e desproporcionais, uma vez que estão em causa bens de elevado valor patrimonial ou sentimental, razão pela qual não pode deixar de se contextualizar a forma como os interessados na partilha, por vezes, se expressam.

VIII. Quanto à conduta do Recorrido, Ilustre Advogado, o Tribunal a quo já teve a oportunidade de mencionar o essencial, que aqui se transcreve: “Ora qualquer profissional forense (juiz, advogados, funcionários judiciais…), mesmo sem grande experiência, percebe que o requerente atuou de forma correta e diligente, nada se lhe podendo apontar do ponto de vista do pontual exercício do mandato em face do que é retratado nos autos”.

IX. Daí que o texto do Recorrido se afigura inapto para lesar, de alguma forma, o bom nome pessoal e profissional do Recorrente.

X. Ainda que, do ponto de vista jurídico, as considerações do Recorrido, leigo em Direito, sejam destituídas de qualquer sentido, ou que os visados discordem do seu conteúdo, aquele tem direito à sua liberdade de expressão, consagrada legal e constitucionalmente, não podendo ser limitado no exercício desse direito.

XI. Acresce que os requerimentos em questão foram enviados há cerca de um ano, pelo que não mais o Recorrido voltou a fazê-lo, pelo que, mesmo que considerássemos a existência de uma lesão à honra e consideração do Recorrente, essa lesão faria parte do passado, inexistindo perigo de continuidade da mesma.

XII. Com o devido respeito, o Recorrente labora em cenários hipotéticos e conjeturas futuristas, antecipando uma lesão e um prejuízo impossíveis de acontecer e, portanto, insuficientes para demonstrar um perigo na demora e, assim, uma urgência que justifique o decretamento de uma providência cautelar.

XIII. Por fim, atento o caráter excecional do procedimento cautelar, se o Recorrente entende que foi lesado nos seus direitos de personalidade, poderá recorrer à ação judicial comum ou mesmo ao processo-crime, sem que da demora advenha qualquer prejuízo na sua esfera jurídica.

Termina por pedir que se julgue improcedente o recurso interposto, por não provado, mantendo-se a sentença proferida.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Dispensaram-se os vistos.

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Cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

A questão a decidir consiste em apurar se está verificado o receio fundado de leão grave e dificilmente reparável do direito, pressuposto necessário para deferir a providência cautelar comum.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1) No dia 1 de Julho de 2022, o requerido outorgou procuração a favor do requerente mediante a qual o constituiu como seu mandatário forense.

2) O requerente apresentou a procuração outorgada nos autos de inventário que correm termos com o n.º8525/22.0T8PRT no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6.

3) No âmbito do referido inventário, o requerido assume a função de cabeça-de-casal.

4) O co-interessado apresentou reclamação à relação de bens em 30 de Setembro de 2022.

5) Com a reclamação apresentada, foi cumprida a notificação eletrónica desta peça entre mandatários.

6) O aqui requerente dirigiu ao processo o requerimento em 11 de Outubro de 2022 pelo qual requereu que fosse ordenado o cumprimento do disposto no art.º1105, n.º1, do nCPC.

7) O requerente renunciou ao mandato por requerimento dirigido ao processo e datado de 12 de Outubro de 2022.

8) O requerido remeteu ao processo referido em 2) um requerimento, no dia 13 de Fevereiro de 2023, por mensagem de correio eletrónica, com o seguinte teor:

Venho dar a saber a este Tribunal e ao Exmo. Sr. Doutor Juiz encarregado deste Processo supra identificado, eu já fui enganado por 2 advogados! Preparavam-se para me lesar a rondar os 300 000 euros, com uma oposição longe da verdade. As provas que tenho indicam que foi algo premeditado. Meu irmão é traficante, está detido e desde que apareceu tem tentado me passar a perna.

(…)

Eu sou uma pessoa sozinha, trabalhadora. Já fui enganado por 2 advogados, além isso, 3 advogados recusaram pegar no processo. A minha atual advogada tem agido de forma estranha (como só me passar recibo de pagamento de prestação de contas só no dia 09/02/2023)! Peço ajuda a este Tribunal e ao Exmo. Sr. Doutor Juiz encarregado deste processo nº 8525/22.08PRT, que me ajudem. Só peço uma audiência com Exmo. Sr. Doutor Juiz, para explicar o que realmente está acontecendo, antes que consigam me enganar. Por favor, já não sei a quem recorrer mais!”.

9) O requerido remeteu ao processo referido em 2) um requerimento, no dia 20 de Fevereiro de 2023, por mensagem de correio eletrónica, com o seguinte teor:

Escrevi a este Tribunal e ao Exmo. Senhor Juiz encarregado deste processo supra identificado, a pedir ajuda, uma audiência! Mencionei ter provas que indicam uma possível premeditação e que já tinha sido enganado por 2 advogados!

Dia 30/09/2022 uma sexta-feira Doc.01, o Advogado da outra parte deu entrada da oposição ao inventário. Por lei, eu tinha de responder à oposição. O meu mandatário da altura é notificado eletronicamente dia 03/10/2022 segunda-feira, Doc.01. Várias vezes, pergunto-lhe se já tinha sido notificado, só obtendo silêncio da parte dele! Dia 11/10/2022, recebo um email do meu ex-mandatário a informar-me que ainda não tinha sido notificado Doc. 2, isto passado 8 dias de ter sido notificado.

Este mesmo email, mostra que meu ex-mandatário está a mentir-me e que prepara-se para não responder. Se eu não respondesse, consentia com tudo que a outra parte tinha mencionado. Depois de ver a oposição da outra parte, uma oposição absurda e outra coisas mais. Tudo mentira. Indica algo de muito estranho. Como escrevi anteriormente, o meu irmão está detido no estabelecimento prisional, eu sou uma pessoa trabalhadora e sozinha, penso ser essa a razão de eu estar a passar tanta dificuldade em resolver este problema. Tento o inventário desde janeiro de 2022.

(…)

Depois do que tenho passado com os meus advogados desde janeiro de 2022 até agora, não sei a quem mais recorrer! Vou no meu 4º advogado”.

10) O requerente instruiu o requerimento referido em 9) com um documento, que constitui uma mensagem de correio eletrónico enviado pelo requerente ao requerido em 11 de outubro de 2022, com o seguinte teor:

Artigo 1105.º - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Tramitação Subsequente

1-Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada. …

Quando for notificado informo, tal como já lhe transmiti várias vezes.”.


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Consignou-se, ainda:

Não resultaram provados quaisquer outros factos dos alegados que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado, meros factos conclusivos, repetições dos factos relevantes e matéria de direito.


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3. O direito

O apelante insurge-se contra a decisão recorrida, por entender que os factos alegados e provados justificam o decretamento da providência, porque comprovam o periculum in mora.

A decisão recorrida indeferiu a providência por entender que não estavam reunidos todos os pressupostos para o seu decretamento, porque apesar de indiciada a existência do direito, não resulta demonstrado o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito.

A questão que se coloca consiste em determinar se estão reunidos os pressupostos para decretar a providência requerida ao abrigo do art. 362º CPC.

Dispõe o art. 362º CPC:

“[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.

Os pressupostos para decretar a providência são fundamentalmente dois:

- que o requerente seja titular de um direito;

- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.

Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade[2].

O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, representa a manifestação do “periculum in mora”, requisito comum a todas as providências.

Como refere TEIXEIRA DE SOUSA “[a] necessidade de composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada”[3].

O receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da ação como na sua pendência e a medida requerida será a mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal se pretende ver reconhecido ou satisfeito.

Apenas a lesão grave e dificilmente reparável constitui fundamento para ser decretada a providência. Como observa ABRANTES GERALDES: “a gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”[4].

Por outro lado, apenas merecem a tutela provisória as lesões graves e que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação.

Acresce que o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, o que significa que deve ser “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”[5].

Como observa ABRANTES GERALDES “[n]ão bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões”[6].

LEBRE DE FREITAS considera “[q]uanto ao receio do requerente, ele há de ser objetivo, apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente”[7].

Na integração do conceito de gravidade da lesão refere-se no Ac. Rel. Lisboa de 13 de julho de 2023, Proc. 12234/21.0T8LSB.L1-7: “[q]uanto à característica da gravidade, a mesma reporta-se a uma caraterística quantitativa. «A gravidade da lesão mede-se em função da dimensão dos danos que ela possa provocar. Apenas a lesão que possa vir a desencadear danos de montante considerável deverá ser considerada grave. Sendo os danos de montante reduzido, a lesão não se poderá subsumir neste conceito. / Esta análise da gravidade da lesão, todavia, deverá obedecer a uma ponderação concreta, que tenha em conta a relevância concreta do dano na esfera jurídica do requerente”.

Prosseguindo no mesmo douto aresto observa-se, ainda, a respeito da “difícil reparação do direito” que: “[…] aqueles direitos cujo conteúdo, por natureza, não são suscetíveis de avaliação pecuniária, como são os direitos de personalidade, «estarão naturalmente sujeitos a sofrer lesões dificilmente reparáveis. A lesão destes direitos apenas poderá ser economicamente compensada, nunca reparando integralmente os danos, mesmo que sob a forma de um sucedâneo pecuniário, dada a natureza não patrimonial dos bens objeto deste tipo de direitos”. Em conclusão, afirma-se:” [e]m suma, e acompanhando Rita Lynce de Faria, Op. Cit., p. 163, «(…) em linhas gerais e quanto à delimitação da lesão dificilmente reparável, pode afirmar-se que, como ponto de partida, deverá adotar-se uma posição que se baseie na qualificação do tipo de lesão em função das formas de reparação de que possa ser suscetível. Esta análise inicial deverá posteriormente ser temperada com alguns elementos concretos, que podem introduzir a nota da dificuldade em prejuízos que seriam à partida reparáveis. Ou seja, em última instância, a qualificação de uma lesão como dificilmente reparável não pode ser efetuada em abstrato e apenas poderá ser resultado de uma avaliação concreta da situação controvertida. / Assim, podem considerar-se dificilmente reparáveis aquelas lesões que não sejam suscetíveis de reintegração específica ou cuja reintegração in natura seja difícil, nomeadamente, porque a valoração dos danos é muito difícil ou porque, devido à situação económica do lesante, não é possível obter a reconstituição no caso concreto”.

Cumpre ainda salientar que a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado deve ser atual, o que leva a excluir da proteção cautelar comum as lesões de direitos inteiramente consumadas, mas que não exclui a tutela cautelar face a situações de lesões ainda não inteiramente consumadas, continuadas ou repetidas[8].

A verificação dos pressupostos da providência constitui matéria cujo ónus de alegação e prova recai sobre o requerente da providência, nos termos do art.º 365º/1 e 368º/1 CPC.

No caso concreto, não se questiona a natureza do direito ameaçado, como sendo o direito ao bom nome e consideração profissional do requerente (art.º 70º CC).

Contudo, analisando os factos (alegados e provados), é de considerar que não se alegaram factos que permitam aferir da repercussão dos atos praticados pelo requerido na esfera jurídica do requerente, sob o ponto de vista da sua atividade profissional e que permitam aferir da gravidade da lesão e do caráter difícil da sua reparação, quando sobre tal matéria tem que se verificar um juízo de certeza idêntico ao que se exige para a decisão definitiva.

Com efeito, não se mostra alegado nem resulta apurado em que medida os atos praticados afetaram a reputação profissional do requerente no meio judiciário[9] em que se insere, como seja, diminuição de clientes, revogação de procurações ou distanciamento em relação aos seus pares e por isso, não se pode considerar que assumiu o grau de gravidade que a lei exige para ser decretada uma medida cautelar e que a decisão a obter na ação definitiva não se mostra só por si idónea a tutelar o direito.

Aliás, como se observa na fundamentação da decisão recorrida, qualquer operador judiciário em contacto com o processo facilmente se aperceberia da falta de fundamento dos requerimentos formulados pelo requerido, porque a resposta à reclamação de bens pressupõe a notificação para esse efeito, o que não teria ocorrido no caso concreto. Acresce que consta do próprio processo a resposta do ilustre advogado à comunicação eletrónica que o requerido lhe dirigiu onde dá nota, citando a lei, da necessidade de aguardar a notificação (ponto 10 dos factos provados).

Não resulta dos factos alegados e provados que os requerimentos formulados pelo requerido afetaram o desempenho profissional do requerente no exercício da sua atividade profissional ou que se indicie a continuidade da conduta do requerido, com repercussões na atividade profissional do requerente.

A lesão grave e dificilmente reparável a que se refere a lei deve representar um ato notável, importante para o exercício do direito.

Acresce que pretendendo o apelante instaurar uma ação para compensação dos danos sofridos, não decorre dos factos provados que o requerido não tem condições económicas para satisfazer tal compensação ou indemnização, porque nada se alegou sobre o efetivo direito que pretende exercer, nem ainda, factos que revelem qualquer impossibilidade ou especial dificuldade do requerido em compensar os eventuais danos sofridos pelo requerente.

Constata-se que o requerente/apelante fez uma apreciação subjetiva dos factos, sendo certo que os pressupostos devem ser analisados em função de elementos objetivos que não resultam dos factos apurados.

Conclui-se que não resulta demonstrado o fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação do direito, ou seja, o periculum in mora um dos pressupostos da providência cautelar e por esse motivo não merece censura a decisão recorrida que não decretou a providência.

Pelo exposto improcedem as conclusões de recurso.


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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.


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Custas a cargo do apelante.

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Porto, 09 de setembro de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art. 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida
José Eusébio Almeida
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 682-683; JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 6.
[3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, Lisboa 1997, pág. 232.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum, vol. III (4ª edição revista e atualizada), Almedina, Coimbra, janeiro 2010, pág.102.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum, ob. cit., pág. 108.
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum, ob. cit., pág. 108.
[7] JOSÉ LEBRE DE FREITAS. ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, julho 2017, pág.8.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, vol. I, Almedina, Coimbra, setembro 2018, pág. 420.
[9] Cf. a título de exemplo o Ac. Rel. Lisboa 04 de dezembro de 2012, Proc. 1515/12.3TVLSB-A.L1-7 (acessível em www.dgsi.pt).