Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
107/24.9YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20240618107/24.9YRPRT
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano da privação do uso do veículo, danificado em consequência de um acidente de viação, é imputável ao responsável até ao momento em que seja concluída a reparação ou, em caso de perda total, quando seja disponibilizado o valor de substituição do veículo.
II - Na falta de elementos fácticos seguros que nos permitam fixar o valor diário do uso de um veículo similar, devemos recorrer à equidade, norteados pela justiça relativa de decisões proferidas sobre esta problemática.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 107/24.9YRPRT

Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunto: Fernando Vilares Ferreira

Adjunto: Ramos Lopes


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

“A..., Lda.” intentou a presente acção arbitral contra “B...-Companhia de Seguros, SA.”, alegando, em síntese, que no dia 18-10-2022, pelas 16:55 horas, na rua..., em ..., em Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-QN-.., propriedade da A. e conduzido por AA, e o de matrícula XC-..-.., propriedade e conduzido por BB, com responsabilidade civil transferida para a reclamada mediante contrato de seguro titulado pela apólice n .... Pretende ser indemnizada pela quantia de €50.000,00 por conta da perda total do seu veículo automóvel e pelo dano de privação do uso do veículo, totalizando a quantia de €67.850,00.

Na contestação a Ré impugnou a perda total do veículo QN, pois encontra-se a ser reparado bem como o valor da privação do veículo.


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Proferiu-se sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente ação arbitral e, consequentemente, condenou a reclamada a pagar à reclamante a quantia de €3.165,00, a título de indemnização pelo dano da privação do uso do veículo.

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Inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso com as seguintes

Conclusões

1.Com o presente recurso, pretende a Reclamante, ora Recorrente, a revogação da sentença proferida pelo Mmo. Juiz Árbitro a quo, na parte em que absolveu a Reclamada do pagamento à Reclamante, ora Recorrente, do montante de Euros 28.845,00, a título de indemnização pelo dano da privação do uso do veículo da Reclamante, ora Recorrente.

2.É fundamento do presente recurso a errónea apreciação da matéria de facto e de direito, pelo que pretende a Recorrente, nos termos do disposto no artigo 662. 2, do C.P. Civil, que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada.

3.Tem, por isso, o presente recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, bem como a matéria de direito!

4."O Juiz aprecia livremente as provas (...) a livre apreciação não abrange os factos (...) que estejam plenamente provados, quer por documentos" (art. 607.º, n.º 5, do cpc).

5.In casu, o Mmo. Juiz a quo não cuidou de cumprir aquele preceito legal, pois que, ao consignar valor diário de € 15,00, fê-lo contrariando a factualidade provada nos autos!

6.De facto não apreciou/valorou, como se impunha, todos os elementos de prova carreados para os autos, mormente o doc. n.º 2, do requerimento da aqui Recorrente de 25-05-2023, do qual faz parte um print da rent-a-car, denominada de sixt.pt, onde constam os preços de mercado de aluguer de veículos, da mesma gama e características do veículo da, aqui, recorrente, cujo custo mínimo diário ascende à quantia de € 313,74 e máximo de € 334,69.

7.Sobre os factos constantes do referido documento não foi produzida prova em contrário! É, por isso, um facto, provado por documento, que, se impunha ter sido levado, ao elenco dos factos provados na sentença a quo!

8.Mal andou o Mmo. Juiz a quo na sentença sub judicie ao ignorar os factos que constituem o teor e conteúdo do referido documento, o que a inquina de vício, por erro na apreciação e valoração da prova carreada para os autos!

9.Relevando da prova produzida, mormente a prova documental, nomeadamente o referido doc. 2 do requerimento do dia 25-05-2023, é mister concluir e reapreciar a matéria de facto dada como provada, fazendo dela constar que o preço locativo, de mercado, de um veículo automóvel, com idênticas características às do veículo ..-QN-.., marca Audi, modelo ..., de 07 lugares, diesel, com 3000cm3, ascende, à data do sinistro, à quantia diária do valor mínimo de € 313,74 e máximo de € 334,69;

10.O preço locativo, de mercado, de um veículo automóvel, com idênticas características às do veículo ..-QN-.., marca Audi, modelo ..., de 07 lugares, diesel, com 3000cm3, deduzidos o lucro do locador e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc., ascende, à data do sinistro à quantia diária de € 150,00.

11.Tais factos revestem-se de relevo à boa decisão da causa, desde logo, porque a sentença a quo elege por fundamento os valores praticados habitualmente no mercado diga-se, da prova carreada para os autos em valor superior ao valor diário, peticionado, nos autos.

12.Não constando tal matéria do elenco dos factos provados, merece, aqui, censura a sentença a quo, que importa a sua revogação, no que à matéria de facto concerne!

13.A sentença a quo não resulta de uma análise atenta, crítica e objectiva, por parte do Mmo. Juiz Árbitro a quo, dos elementos carreados para os autos pela Reclamante, ora Recorrente.

14.Viola, pois, a douta sentença em recurso o disposto no art. 607 2 do CPCivil e, por esse facto, não merece ou pode manter-se no ordenamento jurídico!

15.Repete-se que a sentença a quo ao consignar valor diário de € 15,00 de indemnização pela privação de uso do veículo automóvel da recorrente, fê-lo contrariando a factualidade provada nos autos!

16.Segundo Paulo Mota Pinto «o dano da privação do uso deverá ser quantificado em valor que pode ser obtido de uma das duas formas: ou (como de cima para baixo) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas depurados ..., excluído o lucro do locador e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc.», concretizando que «no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos do aluguer normalmente praticados; ou (como de baixo para cima), designadamente, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex. os custos necessários para constituir uma reserva de um bem, como o que está em causa)» - (Paulo Mota Pinto, «Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo», vol. l, Almedina, pág. 592).

17. A matéria dada por provada em 8, 10, 12, 13 e 18 dos Factos Provados em conjugação com a matéria que acima se defende, deveria ter sido dada como provada, impunha que, o Mmo. Juiz a quo proferisse sentença recorrida, no sentido da procedência total da pretensão da Recorrente, pois que, atento os elementos probatórios de natureza documental juntos aos autos pela Reclamante, ora Recorrente, e enunciados supra, fica demonstrado de forma clara que o valor de aluguer de uma viatura automóvel no mercado da mesma cilindrada e mesmo combustível e/ou n. 2 de lugares" equivalente à viatura automóvel sinistrada importava o pagamento do valor de Euros 313,74, por dia.

J.De facto, atento os valores de mercado para locação de veículo automóvel, com as mesmas características do veículo da Recorrente e cumprido o entendimento da Jurisprudência, com fundamento na Doutrina acima transcrita, o valor, médio/dia apurado, cifra-se no valor médio/diário de € 150,00, peticionado pela Recorrente, Já excluído o lucro do locador e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc."

19.Em conformidade deveria ter sido proferida sentença nesses termos nos autos e, não foi!

20.Acresce que, buscando a sentença a quo fundamento aos valores praticados habitualmente no mercado..." impunha-se que tal critério presidisse na atribuição do valor diário por privação de uso, e em conformidade deveria ter sido proferida sentença nesses termos nos autos e, não foi!

21.O valor diário arbitrado na sentença a quo, além de jurídica e factualmente infundado, mostra-se completamente desfasado da realidade do mercado, o que ofende as regras da experiência e do conhecimento geral e o princípio da equidade, previsto no art. 566 2 do C. Civil!

22.A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exacto com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade (STJ 21-3-19, 4966/17 e STJ 3-2-09, 08A3942."[5]

23.A esse propósito cita-se também Henrique Sousa Antunes, em anotação ao art. 566 2 do CC, que entende que "a conjugação entre o artigo 566 2 n.º 3 e o artigo 609 2 nº 2 do CPC parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos. Neste sentido, por ex., os Acs. STJ 20.11.2012 e RL 06.04.2017. Lê-se no último: “Com efeito, sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exata quantia que uma das partes deveria ser condenada a responder perante a outra e, a considerar o Tribunal que havia possibilidade de averiguar em momento ulterior, o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, teria, por certo, de relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, fixando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.»"[6]

24.Ora, in casu, a Recorrente logrou provar os pressupostos de facto necessários à condenação reclamada! Fez prova do valor exato do dano, como supra se refere, pelo que, atenta a natureza subsidiária da apreciação equitativa, se dispensava o recurso à equidade, de que se valeu a sentença a quo!

25.Todavia, ainda que se considere não poder "... ser averiguado o valor exato dos danos" e, por isso mesmo, a teoria da diferença não puder ser aplicada, 'to tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados" (art. 566. n. 2 3, do CC) e, a prova, in casu, conduz inelutavelmente ao valor diário peticionado nos autos!

26.Viola, pois, a sentença a quo o art. 566.º do C.Civil e 607 2 do CPC!

27. Padece, assim, a sentença a quo de vício, por falta de fundamento, também, de Direito que a sustente! Há erro de julgamento!

28. Impõe-se, por justiça e em nome da verdade material, a revogação da sentença em recurso, na parte objeto da presente apelação!


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II—Delimitação do Objecto do Recurso

A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, para além da pretendida alteração da matéria de facto, consiste em reapreciar a questão do cálculo da indemnização do dano correspondente à privação do uso do veículo na vertente do quantum diário adequado a ressarcir esse dano.


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Da Modificabilidade da decisão de facto

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.

A Recorrente pretende que seja aditado, ao elenco dos factos provados, o valor do aluguer de veículos, da mesma gama e características do seu veículo, cujo custo mínimo diário ascende à quantia de € 313,74 e máximo de € 334,69 com base num print da rent-a-car, denominada de sixt.pt.

Salvo o devido respeito, consideramos que o meio de prova apresentado para convencer o tribunal do valor de aluguer de um veículo similar ao dos autos não é suficiente para esse efeito atendendo a que, naturalmente, existem preços não coincidentes nesse segmento de mercado, pelo que essa alegação deverá ter resposta negativa.

Consequentemente, deverá ser incluído esse facto no elenco da fundamentação, mas com uma resposta em sentido oposto ao preconizado pela Recorrente.


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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1. No dia 18-10-2022, pelas 16:55, na rua..., em ..., em Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-QN-.., propriedade da reclamante e conduzido por AA, e o de matrícula XO-..-.., propriedade e conduzido por BB, responsabilidade civil transferida para a reclamada mediante contrato de seguro titulado pela apólice n ...;

2, A reclamada assumiu a responsabilidade civil pelo sinistro;

3.O veículo da reclamante ficou impedido de circular;

4.A reclamada ordenou à empresa "C..." que peritasse o veículo automóvel da reclamante;

5.A empresa "C..." peritou o veículo da reclamada, apurou danos no valor de €20,780,61 e fixou o valor da reparação em €25.560,15;

6.A reclamante e a reclamada concordaram com a peritagem e acordaram a reparação do veículo automóvel daquela;

7.O veículo foi reparado e a reclamada pagou o custo da reparação;

8.A reclamante ficou privada do seu veículo automóvel no período de 18-10-2022 a 7-11-2022;

9.No período de 18-11-2022 a 02-12-2022 a reclamada disponibilizou à reclamante um veículo de substituição;

10.O veículo da reclamante entrou na oficina da entidade reparadora para ser reparado no dia 05-12-2022;

11.O perito da empresa "C..." fixou o prazo de reparação em oito dias;

12.A reparação só foi concluída em 30-05-2023;

13.Nesta data o veículo automóvel foi entregue à reclamante;

 14.A reparação foi realizada pela empresa "D..., Lda." ("E...");

15.A reclamante era cliente desta empresa antes do sinistro;

16.A reclamante concordou que a reparação se realizasse naquela empresa;

17.A reclamante não alugou um veículo de substituição nos períodos em que esteve privado do seu veículo automóvel;

18.A reclamante ficou privada durante o período em que o seu veículo estava a ser reparado.

Não provado:

O aluguer de um veículo similar ao da Autora custaria a esta um mínimo diário que ascende à quantia de € 313,74 e máximo de € 334,69.


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IV-DIREITO

A única questão que cumpre reapreciar sobre o dano da privação do uso do veículo sinistrado consiste em saber se o quantum diário atribuído pelo tribunal se mostra adequado para o ressarcir.

Cabe ao lesante, responsável pelo embate, indemnizar o lesado dos danos decorrentes do mesmo, por forma a reconstituir a situação que existiria se o evento não se tivesse verificado-- v. artigos 483.º e 562.º do C.Civil.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado—dano emergente, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão—lucro cessante; e na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis mas se não forem determináveis, essa fixação será remetida para decisão ulterior—v. art. 564.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.

Sempre que a reconstituição não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização, prescreve o artigo 566.º, n.º 1 do C.Civil, é fixada em dinheiro.

A interpretação conjugada das referidas normas permite concluir, segundo Menezes Leitão, que o legislador deu primazia à reconstituição in natura.[1]

Prevalecendo a remoção[2] do dano real ou dano concreto, acrescentam estes autores, que importa proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação.

Neste sentido Júlio Vieira Gomes[3] é muito explícito: (…)Ora, neste quadro, indemnizar – e indemnizar será sempre suprimir um dano – significa proporcionar ao lesado (restaurar na esfera dele) a utilidade perdida por via desse mesmo dano, sendo que este se materializa aqui na impossibilidade de utilizar a viatura, quando esta é usada como meio de transporte (não, por exemplo, como objecto de colecção). É assim que indemnizar não se trata aqui, propriamente, de fixar –rectius, não coincidirá sempre com… – o valor do bem em si mesmo, correspondendo a realidades distintas (e um carro é quase um exemplo paradigmático disto) o valor do bem e a concreta utilidade por ele propiciada, através dele alcançada, sendo esta utilidade, e não tanto  o valor do bem, que expressa o verdadeiro dano e, consequentemente, o real “objecto” indemnizatório: “a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, como diz o artigo 562º do CC.”

A qualificação da indemnização do dano da privação do uso de veículo, como dano patrimonial autónomo, é actualmente praticamente pacífica[4], apesar de ter suscitado controvérsia no passado, como espelham várias decisões proferidas nas instâncias sobre esse assunto.

Assim, a ideia consolidada sobre esta matéria é a de que a privação do uso de um veículo constitui um dano patrimonial, emergente[5], de avaliação abstracta, não sendo, por isso, exigível a alegação e prova de concretas despesas nomeadamente a utilização de meios de transporte alternativos, as quais já seriam integráveis no designado dano de cálculo (correspondente à diminuição patrimonial causada pela lesão).

Ora, como se esclarece no Acórdão da Relação de Coimbra, de 15/02/2022[6] “Nessas circunstâncias, o lesado em acidente de viação tem o direito de exigir a efectiva reparação do veículo danificado, tal como tem o direito de exigir a indemnização dos danos que sofra em consequência da privação do seu uso até ao momento em que a coisa lhe seja entregue devidamente reparada. (…) Poder-se-á, portanto, dizer que o dano de privação do uso do veículo danificado é imputável ao responsável pelo acidente até ao momento em que essa privação cesse por via da entrega do veículo devidamente reparado ou, em caso de perda total, quando seja disponibilizado o valor de substituição do veículo.”

Do Quantum Diário

Na petição inicial a Autora entendeu ajustado, para ser ressarcida do dano da privação do uso do veículo, o valor diário de € 150,00, tendo como referência o preço de aluguer de um veículo de idêntica classe.

No entanto, o tribunal arbitral fixou o valor de 15€ euros fundamentando que o valor peticionado “revela-se totalmente desadequado face aos valores praticados habitualmente no mercado, sendo que estes se cifram, em média, no valor diário de €15,00.”

A Recorrente não se conforma com a decisão considerando reduzido o valor arbitrado, e nesse sentido argumentou indicando o preço de aluguer praticado por uma empresa de aluguer de veículos automóveis.

Como explica Abrantes Geraldes[7] os prejuízos podem assumir alguma variação de acordo com as circunstâncias que puderem ser consideradas nomeadamente com o grau de utilização que efectivamente seria dado ao veículo no período de imobilização caso não ocorresse o evento lesivo.

Acrescentando que não é despicienda, por exemplo, a quantia necessária para proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes às do sinistrado (mesmo na ausência de prova de aluguer efectivo) como elemento a atender, com recurso à equidade (sem contar, nesta hipótese, com o preço comercial que envolve as despesas de exploração e o lucro da actividade de aluguer).

Neste sentido Paulo Mota Pinto[8]aponta, como um dos critérios de quantificação do dano de privação do uso, o custo de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, subtraído do lucro do locador e dos custos de manutenção da frota.

Esse é um critério meramente orientador do julgador, que, eventualmente, poderá ser atendido em articulação com outras circunstâncias relevantes que tenham sido alegadas e provadas no processo.

Ora, na falta de elementos fácticos seguros que nos permitam fixar o valor diário do uso de um veículo similar, devemos recorrer à equidade.

Com efeito, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, como acontece no caso sub judice relativamente ao dano de privação do uso, o tribunal deve socorrer-se da equidade, dentro dos limites que tiver por provados—n.º 3 do citado art. 566.º do C.Civil.

O valor diário que tem sido atribuído na maioria das decisões judiciais, considerado adequado para os casos normais de utilização do veículo pelo agregado familiar, é de 10 euros por dia.[9]

No caso por nós relatado,[10] e em que se provou a utilização do veículo “na actividade profissional e pessoal e como meio de transporte para conduzir um paciente a tratamentos de hemodiálise bem como as características do veículo” foi atribuído o valor de 15€ euros, fixado na decisão arbitral, como ajustado a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as mencionadas necessidades de transporte.

No caso concreto, desconhece-se a utilização que a Recorrente dava ao veículo sinistrado, pelo que não se justifica o aumento do valor do dano resultante da privação do seu uso, reclamado pela Recorrente.

De harmonia com o art. 8.º, n.º 3 do C.Civil “Nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito”.

Assim, a indemnização pelo dano da privação do veículo, à razão de 15 euros diários, não deve ser alterada para um valor superior, devendo, por isso, ser confirmada a decisão.


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V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão.

Custas pela Recorrente.

Notifique.


Porto, 18/6/2024
Anabela Miranda
Fernando Vilares Ferreira
João Ramos Lopes
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[1] Cfr. Direito das Obrigações, vol. I, 12.ª edição, pág. 362
[2] Cfr. ob. cit., pág. 582.
[3] Cfr. Cadernos, págs. 61 e 62.
[4] Cfr. entre outros Ac. STJ de 25/09/2018 disponível em www,dgsi.pt
[5] Neste sentido v. Rocha, Francisco Rodrigues, Do Princípio Indemnizatório no Seguro de Danos, Almedina, pág. 207, citando Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, pág. 751 e Ac. Rel Porto de 15.05.2012.
[6] Disponível em www.dgsi.pt
[7] Temas da Responsabilidade Civil, 3.ª edição, Almedina, pág. 86.
[8] Cfr. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. I, 2008, pág. 592, nota 1699.
[9] Cfr. entre outros Acs. TRP de 10/01/2022 e 14/12/2022, TRC de 03/06/2012 e de 02/06/2018, TRL de 30/03/2023 disponíveis em www.dgsi.pt
[10] Proferido em 07/11/2023 (Processo n.º 252/23.8YRPRT.P1) disponível em www.dgsi.pt.