Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
145622/23.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
COMPROVATIVO
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
AÇÃO DECLARATIVA
RECUSA DA SECRETARIA
Nº do Documento: RP20240710145622/23.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O artigo 20.º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setemnro, aplica-se aos procedimentos de injunção, mas não às acções declarativas, especiais ou comuns, em que aqueles procedimentos se transmutam na sequência da apresentação de oposição ou da frustração da citação; estas acções declarativas regem-se, no que concerne ao cumprimento das obrigações tributárias, pelas disposições do CPC e do RCP.
II – Tendo os autos sido remetidos à distribuição como acção comum, em virtude da apresentação de oposição ao procedimento de injunção, a secretaria não pode rejeitar a petição inicial ao abrigo do artigo 558.º, n.º 1, al. f), do CPC.
III – Exceptuando a situação prevista no artigo 552.º, n.º 10, do CPC, cuja solução equivale à referida recusa da petição inicial, nenhuma norma habilite o juiz a determinar o imediato desentranhamento da petição inicial por falta de pagamento, total ou parcial, da respectiva taxa de justiça.
IV – Nos demais casos em que o autor não comprova o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, impõe-se aplicar o regime previsto no artigo 570.º, por remissão do artigo 145.º, n.º 3, do CPC ou, entendendo-se que a remissão operada por esta norma não tem esse alcance, por aplicação analógica ao caso omisso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 145622/23.0YIPRT.P1






Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, intentou contra B..., Lda., com sede na Zona Industrial ..., Lote ......, ..., ... ..., ..., procedimento de injunção, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, para cobrança da quantia de 33.500,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 4.120,00 €, e vincendos, bem como da quantia de 250,00 € realtiva a despesas administrativas suportadas pela requerente.
Tendo sido apresentada oposição pela requerida, os autos foram remetidos à distribuição como processo comum, o que foi notificado às partes, com a seguinte advertência no que concerne à autora:
Tem o prazo de 10 dias, a contar da data da distribuição, para efectuar, já na qualidade de Autor, o pagamento, por autoliquidação, da taxa de justiça devida, cujo valor equivale à diferença entre o valor da taxa de justiça correspondente à acção declarativa e o valor da taxa de justiça já paga pela apresentação do requerimento de injunção (artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com as alterações da Lei 7/2012 de 13/02).
(…)
Efectuado esse pagamento, deverá juntar o respectivo documento comprovativo ao processo distribuído no tribunal acima identificado, pois, se o não fizer, a peça que formulou o pedido será desentranhada do processo, não produzindo qualquer efeito (artigo 20.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
A autora não comprovou nos autos, no referido prazo, o pagamento da taxa de justiça em falta, razão pela qual, em 26.0.2024, foi proferido despacho a determinar o desentranhamento dos autos do requerimento de injunção.
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Inconformada, a autora apelou desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
«A. No caso dos autos o valor da ação é de: 37.870€.
B. No que concerne à concreta questão do valor da ação e da forma de processo que a ação declarativa subsequente à dedução de oposição ao requerimento de injunção deve seguir, parece claro que o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, se transmuta em processo declarativo.
C. Este processo declarativo revestirá a forma especial ou comum, em função do valor.
D. Da conjugação do disposto nos artigos 7º, nº 4 e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, com os artigos 145º e 570º, do CPC, resulta que a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça por parte do requerente em procedimento de injunção se rege pelo disposto no citado artigo 570º, do Código de Processo Civil, só sendo processualmente viável o desentranhamento previsto no n.º 6 deste preceito e no artigo 20º do regime anexo ao decreto-lei nº 269/98, de 01/09, depois de lhe ser dada a oportunidade prevista no n.º 5 normativo em referência.
E. O artigo 570º do Código de Processo Civil comporta dois momentos correspondentes a duas sanções tributárias, cumulativas: i) Constatando-se a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, a secretaria deve notificar oficiosamente a requerente para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC (n.º 3); ii) persistindo a requerente na omissão do pagamento da taxa de justiça e multa, cabe ao juiz cominar a sanção tributária agravada, prevista no n.º 5 do normativo, proferindo despacho-convite ao suprimento da omissão, com o pagamento da taxa de justiça devida, da multa prevista no n.º 3 e da multa acumulada, de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC..
F. Só depois haverá lugar ao desentranhamento do articulado nos termos do disposto n.º 6 deste artigo 570º do CPC e artigo 20.º do regime do procedimento de injunção.
G. Em suma, perfilha-se a jurisprudência de que não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada. – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
H. Ao invés, por aplicação devidamente adaptada do regime do artigo 570º do CPC em obediência ao princípio de que terá de dar-se tratamento igualitário a situações em tudo semelhantes, deve dar-se a oportunidade ao requerente para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
I. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação ou aplicação, além do mais, o disposto nos artigos 10º do DL 62/2013, 3º, 5º e 20º do DL 269/98, 7º, nº 6 do RCP e 570º do CPC, além dos artigos4º, 6º, 7º, do CPC e princípios gerais a eles inerentes».
Terminou pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por outra que ordene à autora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da multa prevista no n.º 3 do art.º 570.º do CPC (após prévia liquidação do montante da mesma pela secretaria) e de em igual prazo juntar nos autos comprovativo do seu pagamento.
Não foi apresentada resposta a esta alegação.
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II. Fundamentação
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, consiste em saber se o tribunal a quo deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 570.º, n.º 4, do CPC, em vez de ordenar o desentranhamento do requerimento de injunção.
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Em síntese, são os seguintes os argumentos esgrimidos na decisão recorrida para fundamentar a não aplicação do disposto no artigo 570.º do CPC à omissão da autora:
- A inserção deste artigo 570.º no capítulo da contestação, reveladora de que o legislador quis distinguir as cominações previstas para a omissão de pagamento da taxa de justiça pelo autor e pelo réu (argumento sistemático);
- A revogação do regime único de cominação para a falta de pagamento da taxa de justiça prevista do Código das Custas Judiciais e a inexistência, desde então, da previsão de quaisquer multas para a omissão de pagamento de taxa de justiça pelo autor (argumento histórico);
- A actual previsão do 145.º, n.º 3, do CPC, que apenas refere expressamente a contestação e o requerimento de interposição do recurso, ressalvando as disposições relativas à petição inicial (argumento literal), o que afasta a existência de alguma lacuna que justifique o recurso à aplicação analógica de outro regime e conduz à conclusão de que, no caso da petição inicial, a falta de pagamento da taxa de justiça se impõe o seu imediato desentranhamento;
- A diferente consequência do desentranhamento para o autor e para o réu – o primeiro pode propor uma nova acção, ao passo que o segundo vê irremediavelmente comprometido o seu direito de defesa –, que justifica a diferença de tratamento sem beliscar o princípio da igualdade (material) das partes;
- O artigo 20.º do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, que prevê expressamente o imediato desentranhamento do requerimento de injunção, ou, caso se entenda que esta norma não tem aplicação à acção declarativa em que se transmuta o procedimento de injunção após a apresentação da oposição, o artigo 552.º, n.º 3, do CPC (parecendo estar a referir-se à redacção vigente antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho, que corresponde ao actual artigo 552.º, n.º 7).
Começando a nossa análise pelo último dos argumentos esgrimidos na decisão recorrida, cremos ser largamente maioritário na jurisprudência, e tem a nossa adesão, o entendimento de que o âmbito de aplicação do artigo 20.º do regime anexo ao DL n.º 269/98 se cinge aos procedimentos de injunção, não sendo esse normativo aplicável às acções declarativas, especiais ou comuns, em que se transmutam aqueles procedimentos na sequência da apresentação de oposição ou da frustração da citação.
Tal decorre, desde logo, da inserção sistemática daquela disposição legal, que integra o Capítulo II do referido diploma legal, dedicado ao procedimento de injunção, e é precedida pelo artigo (19.º) que se refere à entrega do requerimento de injunção. Acresce que a norma do artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) – nos termos da qual, nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4 –, para além de colocar as partes em pé de igualdade no que respeita às suas obrigação tributárias, visa sujeitá-las aos trâmites da acção declarativa. Na verdade, a referência que ali se faz aos “termos gerais do presente Regulamento” convoca, necessariamente, o n.º 1, do artigo 13.º, do RCP, onde se remete genericamente para o CPC no que respeita à definição das regras do pagamento da taxa de justiça. Nestes termos, as referidas acções declarativas em que se metamorfoseiam os procedimentos de injunção regem-se, no que concerne ao cumprimento das obrigações tributárias, pelas disposições do CPC e do RCP. Neste sentido vide, a título de exemplo, o ac. do TRG, de 20.03.2014 (proc. n.º 132117/13.0YIPRT.G1) e os ac. do TRC, de 11.10.2017 (proc. n.º 31321/17.2YIPRT.C1) e de 27.04.2021 (proc. n.º 75109/20.3YIPRT.C1), citados pela recorrente. No mesmo sentido, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª edição, 2008, pp. 294-295.
Sem prejuízo desta remissão para o CPC e o RCP, não vemos como se possa aplicar aqui o regime da rejeição da petição inicial previsto no artigo 558.º, n.º 1, al. f), do CPC (e no artigo 560.º do mesmo código para os casos em que não seja obrigatória a constituição de mandatário judicial e a parte não esteja patrocinada).
Os fundamentos da recusa da petição inicial são os elencados nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 558.º, do CPC. A sua verificação é efectuada pela secretaria quando não seja tecnicamente possível fazê-lo pelo sistema de informação e suporte à actividade dos tribunais e sempre que a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c), do n.º 7, do artigo 144.º, do CPC.
Em qualquer caso, esta verificação é efectuada no momento da apresentação daquele articulado (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, p. 621), precedendo a citação do réu. Havendo recusa do recebimento da petição inicial, a instância nem sequer chega a iniciar-se, como decorre do disposto no artigo 259.º, n.º 1, do CPC, tudo se passando como se aquele articulado não tivesse sido apresentado, isto é, como se a acção não tivesse sido instaurada (cfr. ob. cit., p. 623).
Ora, nas situações como a dos autos, quando o processo é distribuído, o réu já está citado e já foi deduzida oposição, pelo que já não se revela possível a recusa do requerimento inicial pela secretaria, a qual apenas poderia ter tido lugar nos termos previstos no artigo 11.º, n.º 1, al. f), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Mas também não vislumbramos no direito processual civil qualquer que norma habilite o juiz a determinar o imediato desentranhamento da petição inicial por falta de pagamento, total ou parcial, da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, mesmo nos casos em que a secretaria podia ter rejeitado a petição inicial, mas não o fez, avançando com a citação oficiosa do réu.
O artigo 145.º, n.º 3, do CPC, ao ressalvar as disposições relativas à petição inicial, está a ressalvar, precisamente, o regime de recusa da petição inicial acabado de descrever. Cremos que esta conclusão é sufragada pelo acórdãos do TRP, de 09.03.2020 (proc. n.º 2227/19.2YIPRT.P1) e de 6.01.2012 (proc. n.º 105250/11.5YIPRT.P1), embora aí se coloque o acento tónico na circunstância de a (anterior) redacção do artigo 560.º do CPC permitir sempre ao autor a possibilidade de apresentar uma nova petição ou de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça dentro dos 10 dias subsequentes à recusa (possibilidade que a actual redacção daquele norma reserva para os casos em que não seja obrigatória a constituição de mandatário e a parte não esteja patrocinada).
Julgamos não ser outra a interpretação a dar ao primeiro destes acórdãos, quando aí se escreve o seguinte:
«Em suma, perfilha-se a jurisprudência de que não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada. – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
Ao invés, por aplicação devidamente adaptada do regime do artigo 570º do CPC em obediência ao princípio de que terá de dar-se tratamento igualitário a situações em tudo semelhantes, deve dar-se a oportunidade ao requerente para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
Efectivamente, não recusando a secretaria o recebimento da petição e não sendo rejeitada a sua distribuição, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade do requerente lançar mão do benefício estabelecido no artigo 560º, sendo que o mesmo não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria, conforme expressamente disposto no artigo 157º, nº 6 do CPC – vide acórdãos desta Relação do Porto, de 23/5/2006, 0622181, de 9/10/2006, processo 0654628 e de 23-11-2017, processo 5087/15.9T8LOU-A.P1, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, processo 2288/09.2TBTVD.L1-1, acórdão da Relação de Coimbra de 16-10-2014, processo 73/14.1TTCBR-A.C1, todos em www.dgsi.pt».
Note-se que os n.ºs 7 e 8 do artigo 552.º do CPC, à semelhança do anterior n.º 3 do mesmo artigo (citado na decisão recorrida), se limitam a prever a comprovação do pagamento prévio da taxa de justiça como um requisito da petição inicial, sem estatuir qualquer sanção ou consequência para o seu incumprimento.
A primeira dessas consequências está prevista no artigo 207.º do CPC – a recusa da distribuição por falta dos requisitos externos previstos na lei, cuja verificação é efetuada através de meios eletrónicos, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º do mesmo código.
Não havendo lugar a esta verificação electrónica e à subsequente recusa da distribuição, a falta de pagamento, total ou parcial (cfr. artigo 145.º, n.º 2, do CPC) da taxa de justiça devida deve dar lugar à rejeição da petição inicial, nos termos dos já citados artigos 558.º a 560.º, mas cujo regime não é aplicável nestes autos, nos termos já expostos.
Estas situações têm em comum a circunstância de a instância ainda não se ter iniciado, o que, na óptica do legislador, justifica a solução de rejeição da petição inicial. Para além destas, a lei apenas prevê o imediato desentranhamento da petição inicial na situação prevista no artigo 552.º, n.º 10, do CPC, o que não chega a representar um desvio à solução adotada nas duas situações antes analisadas.
Com efeito, nos casos em que ao autor é permitido juntar com a petição inicial apenas o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário (cfr. artigo 552.º, n.º 9, do CPC) e este vem a ser indeferido, o não pagamento da taxa de justiça no prazo previsto no n.º 10, do mesmo artigo 552.º (10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário), apenas dá lugar ao desentranhamento da petição inicial se o indeferimento do pedido de apoio judiciário tiver sido notificado antes de estar efetuada a citação do réu, equivalendo este desentranhamento à recusa da petição inicial (neste sentido, vide o já citado ac. do TRC, de 11.10.2017, e, na doutrina, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, aí citados).
Nos demais casos em que o autor não comprova o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, cremos que o próprio artigo 145.º, n.º 3, do CPC nos remete para o regime previsto nos artigos 570.º e 642.º do CPC. Ainda que estes, pela sua redacção e inserção sistemática, tenham sido pensados para a contestação e para o requerimento de interposição do recurso, a remissão operada pelo artigo 145.º, n.º 3, torna-os aplicáveis às demais situações em que não seja paga a taxa de justiça devida e em que não tenha lugar a aplicação “das disposições relativas à petição inicial” antes analisadas.
Uma dessas situações é, precisamente, a falta de pagamento, pelo autor, do complemento da taxa de justiça, nos termos e no prazo previsto nos artigos 7.º, n.º 6, do RCP.
Caso se entenda que a remissão operada pelo artigo 145.º, n.º 3, do CPC não tem este alcance, não abrangendo a falta de pagamento da taxa de justiça devida com a apresentação da petição inicial, teremos de concluir que estamos perante uma lacuna, cujo suprimento deve ser suprido mediante recurso à norma aplicável aos casos análogos, conforme preceitua o artigo 10.º, n.º 1, do CC, havendo analogia, nos termos do n.º 2, deste artigo, sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
Ora, as razões justificativas do regime processual previsto para a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação ou do requerimento de interposição do recurso – designadamente o propósito de obstar a preclusões de natureza processual, em particular as decorrentes do incumprimento de obrigações tributárias, e de as fazer operar apenas a partir de determinados limites considerados insustentáveis – procedem igualmente nas situações de falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, quando esta já foi distribuída e não foi recusada ou essa recusa já não é possível. Em qualquer destas situações estamos perante uma instância já iniciada, em que a proposição da acção já produziu os seus efeitos em relação ao faltoso, estando apenas por pagar os tributos devidos ao Estado para que a instância possa prosseguir os seus termos.
Esta é, na verdade, a via seguida pela maior parte da jurisprudência e da doutrina.
Num caso ou noutro – por remissão do artigo 145.º, n.º 3, do CPC, ou por aplicação analógica – a solução será a que resultar do artigo 570.º ou do artigo 642.º do CPC. Mas a opção por uma ou outra destas normas não é inócua. Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (cit., p. 174), «no caso da contestação, antes do respectivo desentranhamento (art. 570.º, n.º 6), são concedidas ao réu duas oportunidades, com o inerente agravamento da multa da primeira oportunidade (art. 570.º, n.ºs 3 e 4) para a segunda (art. 570.º, n.º 5). No caso de recurso, há apenas uma oportunidade para o recorrente ou o recorrido (art. 642.º, n.º 1), seguindo-se o desentranhamento da peça respectiva (art. 642.º, n.º 2, in fine)».
A diferença de regime não se baseia na diferente posição processual do faltoso, pois, como vimos, o artigo 642.º aplica-se, de forma directa, ao recorrente e ao recorrido indistintamente. Também não parece basear-se na severidade das consequências do desentranhamento: se o desentranhamento da contestação preclude a defesa, com todas as suas implicações, o desentranhamento do requerimento de interposição do recurso impede a reapreciação da decisão por um tribunal superior, conduzindo ao trânsito em julgado de uma decisão que, pelo menos em parte, é desfavorável ao recorrente.
A diferença parece assentar apenas na distinta fase processual, mostrando-se a lei mais tolerante relativamente aos articulados – por via dos quais as partes expõem os factos e as questões em que baseiam o pedido e a defesa e que, por isso, vão condicionar toda a discussão da causa – e mais exigente relativamente à alegação de recurso e à respectiva resposta – por via das quais as partes tomam posição perante a decisão já proferida.
Por outro lado, como já aludimos anteriormente, o artigo 7.º, n.º 6, do RCP coloca em pé de igualdade o autor e o réu no que respeita ao cumprimento das suas obrigações tributárias.
Acresce que a necessidade de dispensar igual tratamento às partes, maxime nas situações, como a dos autos, em que está em causa o pagamento da taxa de justiça na sequência da transmutação de um procedimento de injunção em acção declarativa, especial ou comum, vem sendo realçada pela jurisprudência maioritária para justificar a aplicação analógica do artigo 570.º do CPC.
Assim, somos levados a concluir que é o regime previsto nesta norma, e não o regime previsto no artigo 642.º do CPC, que deve ser aplicado no caso dos autos.
Neste sentido, escreve-se o seguinte no já citado acórdão (desta mesma secção) do TRP de 09.03.2020: «A jurisprudência deste Tribunal da Relação tem sido constante em afirmar que da conjugação do disposto nos artigos 7º, nº 4 e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, com os artigos 145º e 570º, do CPC, resulta que a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça por parte do requerente em procedimento de injunção se rege pelo disposto no citado artigo 570º, do Código de Processo Civil, só sendo processualmente viável o desentranhamento previsto no n.º 6 deste preceito (…) depois de lhe ser dada a oportunidade prevista no n.º 5 normativo em referência».
Nestes termos, importa julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e determinar que a secretaria notifique autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do CPC.
Não obstante a procedência do recurso, as respectivas custas serão suportadas pela recorrente, por ser que do mesmo tirou proveito, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão
Pelo exposto, os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgam procedente a apelação, revogam a decisão recorrida e determinam que a secretaria do tribunal a quo notifique autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do CPC.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.



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Porto, 10 de Julho de 2024
Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Maria Eiró