Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16390/04.3TJPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO DE DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
DEVOLUÇÃO
Nº do Documento: RP2025011416390/04.3TJPRT-C.P1
Data do Acordão: 01/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Atendendo a que: a sentença do tribunal administrativo que declarou a nulidade do ato administrativo de expropriação não condenou o expropriado a devolver a indemnização à expropriante; que os efeitos desta nulidade se projetam nos presentes autos de expropriação; e ainda ao pedido formulado nestes autos, pela entidade expropriante, de devolução das quantias depositadas a título de indemnização do expropriado, pedido solicitado no presente processo judicial de expropriação, em consequência de ação administrativa paralela que declarou a nulidade do ato expropriativo, concluímos que não estamos perante um pedido em ação executiva, mas constitui um pedido no âmbito do processado de pagamento de indemnização nos termos do artº 67º do C. EXP, constituindo o contrário daquele pagamento como tal da competência deste tribunal.
II - Assim o pedido tal como se encontra formulado determina a competência do tribunal comum tal como se decidiu na decisão sumária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 16390/04.3TJPRT-C.P1
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Acordam em conferência no tribunal da relação do Porto
Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária /singular:
Recurso próprio, admitido no efeito devido nada obstando ao conhecimento de mérito.
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Decisão proferida ao abrigo do disposto nos artigos 652º, nº1C), 656º e 6º do CPC.
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Requerimento com a. nº 35611636:
A MUNICÍPIO ... veio requerer que, por força da declaração de nulidade da Deliberação da Assembleia Municipal ... de 27.12.2002, os Expropriados sejam notificados para proceder ao depósito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º ..., a qual ascende ao montante de € 713.046,26.
Os Expropriados opuseram-se à pretensão do MUNICÍPIO ..., invocando a desadequação do meio processual utilizado face ao que se peticiona no Requerimento e a incompetência absoluta deste douto Tribunal para conhecer/decidir a devolução indemnizatória que vem peticionada.
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Cumpre apreciar e decidir.
Em primeiro lugar, importa referir que, conforme resulta do despacho datado de 23 de Outubro de 2022, a obrigação de os Expropriados procederem ao deposito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º ..., estava intrinsecamente ligada à pretensão de ser determinado o cancelamento do registo predial do prédio a que se reportam os presentes autos. Porém, os Expropriados desistiram de tal pretensão.
Acresce que que a decisão judicial que anulou a declaração de utilidade pública desta expropriação foi proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 17.05.2018, pelo que compete a jurisdição administrativa a execução dessa anulação, nomeadamente quanto à devolução do montante recebido a título de indeminização, como resulta, expressamente, do art. 157º, nº 1, do CPTA.
Pelo exposto, considera-se este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão formulada pelo MUNICÍPIO ....
Custas a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc.
Notifique.
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MUNICÍPIO ..., Entidade Expropriante, apelou desta decisão concluindo nas suas alegações:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho datado de 31.10.2023, com a referência. º 452271715, por via do qual o Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pretensão formulada pelo MUNICÍPIO ....
B. Contudo, a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 157.º, n.º 1 do CPTA e 51.º do CE.
C. É entendimento do Recorrente que a decisão recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
D. Calcorreada a fundamentação da decisão sub judice, são dois os (parcos) argumentos que o Tribunal a quo se sustentou para indeferir o pedido de devolução da justa indemnização paga aos Recorridos nos presentes autos, a saber:
25 Isto é, determinar a devolução paga aos Recorridos, a título de justa indemnização, na sequência da declaração de nulidade da Declaração de Utilidade Pública.
i. O despacho prolatado pelo Tribunal a quo 24.10.2022, no qual foi determinada a notificação dos Recorridos para depositarem à, à ordem dos presentes autos, o montante pago a título de justa indemnização, decorreu de um pedido inicial de cancelamento do registo formulado pelos mesmos e estaria deste dependente;
ii. Compete à jurisdição administrativa a decisão de devolução do montante recebido a título de justa indeminização, como resulta do disposto no artigo 157.º, n.º 1 do CPTA.
E. Porém desconhece-se por que razão é que, no entendimento do Tribunal a quo, a devolução do montante pago a título de justa indemnização depende, anteriormente, de um pedido de cancelamento de registo da propriedade da parcela expropriada.
F. De facto, é impossível ao Recorrente alcançar o motivo pelo qual não é legalmente admissível requerer a devolução da quantia relativa à justa indemnização, sem que, anteriormente, tenha sido requerido o cancelamento o registo da propriedade da parcela expropriada a favor do mesmo por parte dos Recorridos,
G. Quando, além do mais, quer o cancelamento do registo da propriedade, quer a devolução do montante da justa indemnização, afiguram-se como consequências legais e naturais do evento que se verificar em primeiro lugar.
H. O Tribunal a quo demite-se de explicar a razão pela qual o n.º 1 do artigo 157.º do CPTA, poderá ser aplicado ao presente caso quando o mesmo, face ao seu teor literal, apenas e aplica à execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos contra entidades públicas.
I. De igual forma, e seguindo de perto aquilo que parece ser o silogismo percorrido pelo Tribunal a quo, é legítimo questionar por que razão é que o mesmo considera que o pedido de cancelamento de registo pode ser formulado e atendido perante a jurisdição comum, quando, tal cancelamento, decorre, igualmente, da decisão judicial – proferida na jurisdição administrativa - que declarou a nulidade da Declaração de Utilidade Pública. Porém, o Tribunal a quo exime-se de fundamentar o(s) motivo(s) pelos quais tratou iguais situações de forma díspar.
J. Sem prescindir, ainda a este propósito, sempre se dirá que o Tribunal a quo também não discorreu de especificar os motivos pelos quais concluiu que - não obstante ter sido nos presentes autos que foi depositada a justa indemnização e as normas legais aplicáveis em matéria de competência da jurisdição administrativa -, é que deverá ser perante aquela jurisdição que deverá o Recorrente exigir a devolução do montante relativo à Indemnização aos Recorridos.
K. Aqui chegados, é mister concluir que a decisão recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que aqui se invocada para os devidos e legais efeitos porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam o sentido decisório e, ainda, afigura-se ambígua e ininteligível, quando comparando com a sua decisão de 24.10.2022.
Caso assim não se entenda, o que de forma alguma se concede,
L. Estabelece o artigo 51.º do CE que é da competência dos Tribunais comuns julgar os processos de expropriação litigiosa, na fase que tem por objeto a fixação do valor global da justa indemnização, dirimindo o litígio existente entre o expropriante e o expropriado sobre tal matéria.
M. O ato de declaração de utilidade pública, constituindo o elemento-chave da expropriação, é um ato administrativo e, como tal, está sujeito a recurso contencioso de
26 Mormente, as previstas no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), previsto na Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. anulação da competência dos tribunais administrativos, hoje configurada como ação administrativa.
N. Por sua vez, a apreciação judicial no que respeita à existência, validade e subsistência da relação jurídica expropriativa, maxime, quanto à nulidade ou inexistência da declaração de utilidade pública, está reservada aos tribunais administrativos.
O. Saliente-se, porém que, como resulta do artigo 51.º, n.º 5 do CE, a declaração de utilidade pública não transfere a propriedade dos bens expropriados para a entidade beneficiária da expropriação, competindo a mesma ao Juiz do tribunal comum.
P. No entanto, este ato de transferência de propriedade não constitui um ato judicial, sob o ponto de vista material, pois o juiz do tribunal comum não tem qualquer poder de julgamento ou da apreciação da legalidade ou da ilegalidade da expropriação, procedendo, tão só, ao simples controlo da regularidade formal do procedimento expropriativo.
Q. É perante a jurisdição comum, encarregue como se viu, de controlar a regularidade formal do procedimento expropriativo, que a Entidade expropriante, por força do disposto nos artigos 52.º, n.º 4, 66.º, n.º 3 e 71.º, todos do CE, é notificada para depositar à ordem dos autos o valor correspondente ao valor da justa indemnização.
R. Razão pela qual, é possível concluir que o Tribunal de jurisdição comum – porque, reitere-se, foi perante este e ao abrigo das normas do CE que foi depositada as quantias relativas à justa indeminização - detém a competência para determinar a devolução de tal quantia quando o Tribunal da jurisdição administrativa declare a invalidade da Declaração de Utilidade Pública no qual se alicerçou a expropriação.
Com vista à impugnação do ato administrativo.
S. Destarte, não obstante a anulação judicial da Declaração de Utilidade Pública projetar, necessariamente, os seus efeitos no processo expropriativo, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que é em sede de execução da sentença que declarou a invalidade da Declaração de Utilidade Pública que o Recorrente verá a sua pretensão satisfeita.
T. Como é bom de ver - adensando-se, assim, o erro de julgamento de Direito imputado à decisão recorrida - com o endorsment da jurisprudência citada ao longo do presente recurso, torna-se inequívoco que os efeitos decorrentes da anulação da Declaração da Utilidade Pública, no que concerne ao procedimento expropriativo formal, tramitam perante os Tribunais de jurisdição comum.
U. De igual forma, revela-se cristalino a inexistência de qualquer norma legal, consagrada no CE ou no ETAF, que disponha que a jurisdição administrativa é a competente conhecer dos pedidos decorrentes dos efeitos projetados no processo expropriativo por força da invalidade da Declaração de Utilidade Pública.
Sopesa ainda que,
V. Como já referido, entendeu (erradamente) o Tribunal a quo que é ao abrigo do artigo 157.º, n.º1 do CPTA, i.e., em sede de execução do aresto de 17.05.2018, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que o aqui Recorrente deverá requerer a devolução do montante da justa indemnização. Contudo, tal conclusão é manifestamente errada, porquanto as normas consagradas nos artigos 157.º e seguintes do CPTA, não instituem o meio processual admissível para tal efeito.
W.O processo administrativo executivo e, bem assim, os três tipos de execução elencados nos artigos 157.º e seguintes do CPTA, está dirigido às situações em que se verifica o incumprimento da Administração de decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são desfavoráveis.
X. Em comentário ao n.º 1 do artigo 157.º do CPTA, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha o seguinte: “Com efeito, o regime que nele se estabelece só respeita, como estabelece o n.º 1, a execuções movidas "contra entidades públicas", com exclusão das execuções movidas "contra particulares", a que se refere o n.º 5, remetendo, na ausência de legislação especial, para a lei processual civil.”
Y. E para que aniquilem qualquer tipo de dúvidas que possam surgir, sempre se diga que, no caso sub judice, não tem aplicabilidade o disposto no n.º 5 do artigo 157.º do CPTA.
Z. Porquanto, em primeiro lugar, a decisão judicial que declarou a invalidade da Declaração de Utilidade Pública nunca poderia fundamentar uma execução movida contra os aqui Recorridos, uma vez que os efeitos decorrentes da mesma – rectius, a invalidade do ato – apenas incumbe ao aqui Recorrente, que terá de reconstruir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.
AA. Por outro lado, o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.20218, não pode ser entendido como um “título executivo produzidos no âmbito de relações jurídico-administrativas que careçam de execução jurisdicional”.
BB. Destarte, encontra-se legalmente vedada a hipótese ao Recorrente de, nos termos do disposto nos artigos 157.º e seguintes do CPTA e no âmbito da jurisdição administrativa, executar a sentença que declarou a invalidade da Declaração de
28 Nos casos em que o incumprimento é da banda dos particulares, aplica-se o processo executivo comum, previsto no CPC, conforme dispõe o artigo 157.º, n.º 5 do CPTA. Cfr. artigo 173.º, n.º 1 do CPTA.
Utilidade Pública, e, por via disso, exigir a devolução recebida pelos Recorridos a título de justa indemnização.
CC. Tudo visto, deverá concluir-se que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 157.º, n.º 1 do CPTA, e no artigo 51.º do CE, devendo, por tal motivo, ser o presente recurso julgado procedente, por provado, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes, nomeadamente, revogando o despacho recorrido e, em consequência, determinando a devolução ao Recorrente do montante pago aos Recorridos (Expropriados), conforme requerido.
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Por fim, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 646.º do CPC, o Recorrente indica que as peças do processo de que pretende certidão para instruir o recurso são as seguintes:
a. Requerimento de 12.05.2023, com a referência n.º 35611636;
b. Despacho de 31.10.2023, com a referência n.º 452271715;
c. Despacho de 23.10.2022, com a referência n.º 440950391.
TERMOS EM QUE,
Deverá o Tribunal ad quem julgar o presente recurso procedente, por provado, com o que será feita sã e costumeira
JUSTIÇA!

Os expropriados contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso.
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Os factos provados são os constantes do relatório.
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O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado.
A questão a decidir neste recurso consiste em saber se, anulado o ato expropriativo, a restituição da quantia paga pela entidade expropriante deverá ser pedida neste processo como pretende o apelante ou é da competência da jurisdição administrativa.
Consiste ainda em saber se a decisão padece do vício de falta de fundamentação nos termos do artº 615º, nº 1, b) do CPC.
Comecemos por este ponto. A decisão recorrida fundamentou de forma sucinta, mas é escorreita e clara. Não ocorre o apontado vício.
Vejamos o 2º ponto.
Para a decisão desta questão vamos citar o acórdão do STJ que nos parece elucidativo, “…a expropriação por utilidade pública reveste dois aspectos: um, que se prende com o Direito administrativo, e o outro, que se prende com o Direito civil. O primeiro é o que se revela nos procedimentos destinados à elaboração da declaração de utilidade pública da expropriação e à concretização desta, que terá lugar mesmo contra a vontade do expropriado, forçado, por motivos de interesse público, a submeter-se aos poderes de autoridade da Administração, que o pode privar, por tais motivos, do seu direito de propriedade; nessa fase encontramo-nos, na verdade, no domínio das relações jurídicas administrativas, isso mesmo se revelando nos termos do nº2 do art. 10º, até ao art. 20º, do Código das Expropriações de 1991, que procuram abreviar a fase conducente à investidura administrativa na posse dos bens. Atingido, porém, esse desiderato, isto é, efectuada a posse administrativa, como se vê do art. 21º do mesmo diploma, passa-se à fase seguinte, que é a da determinação do montante concreto da indemnização; e esta tem de ser a indemnização justa, como se refere nos art.s 1º e 22º desse Código, o que só por si já demonstra que não nos encontramos então perante uma relação jurídica administrativa... Quer dizer: no tocante à extinção do direito de propriedade sobre os bens que lhe pertenciam e ao nascimento do direito de propriedade da entidade expropriante sobre eles, está o expropriado sujeito aos poderes de autoridade da Administração, que actua precisamente no exercício desses poderes, pelo que nos encontramos então no domínio das relações jurídicas administrativas; mas já não o está quanto ao aspecto da determinação concreta do montante indemnizatório, em que a Administração actua despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular no litígio judicial destinado à fixação daquele montante, pelo que, nessa fase, já não nos encontramos no domínio das relações jurídicas administrativas. É esta a hipótese dos autos, que apenas foram remetidos ao Tribunal da comarca para determinação do valor da indemnização por falta de acordo quanto a este, sendo que os expropriados não tinham que se sujeitar ao valor que a Administração lhes pretendia pagar precisamente por, a este respeito, não serem reconhecidos à Administração poderes de autoridade. Daí que se entenda não estarmos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa… conduzindo à competência em razão da matéria do Tribunal da comarca …” - Ac. STJ de 30-4-2002, in www.dgsi.pt.
O processo de expropriação comporta duas fases, a primeira de carácter administrativo, da competência dos tribunais administrativos, a segunda referente à fixação da justa indemnização da competência dos tribunais comuns como dispõe o artº 38º, nº 1 do C. Expropriações – cfr. artigos 51º e 52º do mesmo diploma.
Na segunda fase do processo expropriativo, que visa a fixação da indemnização, a Administração age despida da sua veste autoritária ocupando posição de igualdade perante o particular.
Assim sendo, perante o art. 38º nº 1 do CE, temos de concluir que os tribunais comuns são competentes, para a fixação do valor da indemnização, e todos os incidentes com ela correlacionados, uma vez que a administração atua sem o seu jus imperii.
O conhecimento do incidente referente à restituição do valor em consequência da anulação do ato administrativo é da competência dos tribunais comuns.
Na procedência das alegações de recurso revoga-se a sentença recorrida e declara-se competente para conhecer do incidente de restituição da indemnização ao expropriante o tribunal comum.
Custas pelos apelados.”
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Os apelados/expropriados vieram em alegações requerer que sobre esta decisão recaia acórdão no sentido de ser confirmada a decisão de 1ª instância.
Nos presentes autos foi declarada a nulidade do ato administrativo de expropriação na competente ação administrativa. A expropriante veio nesta ação solicitar ao tribunal a notificação dos expropriados para proceder ao depósito da indemnização recebida como contrapartida da parcela expropriada. A decisão recorrida e expropriados entendem que a competência para alcançar tal desiderato é dos tribunais administrativos.
O acórdão do tribunal administrativo que declarou a nulidade do ato expropriativo, não condenou o expropriado a devolver á entidade expropriante a quantia recebida a título de indemnização, pelo que neste processo administrativo não se constituiu o título executivo correspondente ao pedido de devolução que a entidade expropriante formula nestes autos a título de incidental.
De acordo com o acórdão do STJ de 15-04-2015“a nulidade da declaração de utilidade pública de um prédio produz efeitos retroactivos que se projectam em todo o processo de expropriação, sem exclusão sequer do despacho de adjudicação do direito de propriedade, embora tais efeitos possam ser impedidos ou atenuados em determinadas circunstâncias, designadamente quando seja convocado o princípio geral da intangibilidade da obra pública.”
A retroactividade da declaração de nulidade da declaração de utilidade pública acarreta também a falta de produção de efeitos de todos os actos já praticados quer no procedimento administrativo de expropriação, quer no processo judicial de expropriação litigiosa, extinguindo-se a sujeição à expropriação que impendia sobre o bem por ela atingido e desaparecendo o direito à indemnização contravalor dos bens a expropriar - neste sentido os acórdãos do STJ de 29-04-2008.
Constitui jurisprudência pacífica que: "a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados" (vide Ac. do STJ, de 14.05.2009).
Em sede de averiguação de competência citamos o Ac. do Tribunal de Conflitos 2018-09-27, in www.dgsi.pt. “É, pois, a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente ação.
E, nos termos do art. 4º do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2003 de 19 de fevereiro, e aqui aplicável, veio o legislador indicar exemplificativamente os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, assim como aqueles que dela se encontram excluídos.”
Este acórdão concluiu que intentada ação de reivindicação com vista à devolução da parcela expropriada em consequência de nulidade do ato administrativo, o tribunal comum é competente para o efeito conforme o seguinte sumário:
I. As ações de reivindicação são ações reais, que não se confundem com as ações obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.
II. Assim, a «reivindicativo» não cabe na previsão do art. 4.º, n.º 1, al g), do ETAF.
III. E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as ações de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual [cfr. art.66.º do anterior CPC e atual art. 64.º do CPC/2013, art. 18.º da LOTJ e atual art. 40.º, n.º 1, da LOSJ."
Não havendo no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de ações de reivindicação a competência para conhecer da presente ação de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns.
Atendendo a que: a sentença do tribunal administrativo que declarou a nulidade do ato administrativo de expropriação não condenou o expropriado a devolver a indemnização à expropriante; que os efeitos desta nulidade se projetam nos presentes autos de expropriação; e ainda ao pedido formulado nestes autos, pela entidade expropriante, de devolução das quantias depositadas a título de indemnização do expropriado, pedido solicitado no presente processo judicial de expropriação, em consequência de ação administrativa paralela que declarou a nulidade do ato expropriativo, concluímos que não estamos perante um pedido em ação executiva, mas constitui um pedido no âmbito do processado de pagamento de indemnização nos termos do artº 67º do C. EXP, constituindo o contrário daquele pagamento como tal da competência deste tribunal.
Assim o pedido tal como se encontra formulado determina a competência do tribunal comum tal como se decidiu na decisão sumária.
Atento o exposto não se atende a reclamação mantendo-se a decisão singular.
Custas pelo reclamante – artº 527º do CPC.

Sumário:
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Porto, 14/1/2025
Maria Eiró
João Diogo Rodrigues
Maria da Luz Seabra