Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PLANO DE REVITALIZAÇÃO NÃO HOMOLOGAÇÃO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES INSOLVÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RP202407102316/23.9T8OAZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Na hipótese de não homologação do plano de recuperação votado favoravelmente, sucedida de parecer de se identificar uma situação de insolvência, com oposição da requerente do PER, o legislador não só não veio afirmar a necessidade de se aguardar pelo trânsito em julgado daquela decisão, como impôs uma solução diferente: o nº 9 do art. 17º-F determina a observância do disposto nos nºs 3 a 9 do art. 17º-G. Então, segundo tal regime, irá o administrador ouvir a empresa e os credores e emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência (nº 3); concluindo que não se verifica uma situação de insolvência, o processo será encerrado (nº4); no caso contrário, a empresa é ouvida (nº5); se a empresa se opuser, o processo é encerrado; se não se opuser, a insolvência é decretada em 3 dias úteis. II - Ofende o princípio da igualdade entre credores um plano de recuperação que confere o mesmo tratamento a um crédito comum do IAPMEI que a um crédito garantido por penhor e hipoteca e que, simultaneamente, confere um tratamento menos favorável a outro credor comum que o votou negativamente, que ficaria privado de juros e sujeito a prazos de pagamento mais dilatados. III - A natureza do IAPMEI e a circunstância de a cobrança coerciva dos seus créditos ocorrer no âmbito de processos de execução fiscal não altera a categoria desses créditos, se comuns, nem proporciona de per si uma circunstância objectiva que justifique o respectivo tratamento privilegiado. IV - Cabe ao credor que o invoque o ónus da prova de que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, podendo o juiz nomear perito para realizar tal avaliação. V - Cabe ao requerente do PER a demonstração de que o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, designadamente por via da comprovação da credibilidade do prognóstico que apresente sobre a evolução da sua condição económica e financeira. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | PROC. Nº 2316/23.9T8OAZ.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis- Juiz 2 REL. N.º 885 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juíza Desembargadora Anabela Andrade Miranda 2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Eiró * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO1 – RELATÓRIO * No processo especial de revitalização que se desenvolveu a requerimento de A..., S.A., foi proferida a seguinte decisão: “Nos presentes autos de processo especial de revitalização, em que é requerente “A..., S.A.”., não tendo sido homologado o plano de revitalização, cumprido que se mostra o previsto no art. 17º-G nºs 1 e 3 do CIRE, opondo-se a devedora à declaração de insolvência, em conformidade com o previsto no artigo 17º-G n.º 4 e 17º-J, n.º 1, al. b) do CIRE, determina-se o encerramento do processo.” Esta decisão culminou um despacho prévio, que constava do seguinte: “Ao contrário do referido pela devedora, o parecer apresentado pelo Sr. AJP não é intempestivo, nem teria o Sr. AJP de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão de não homologação proferida nos autos. Conforme refere o art. 17º-F n.º 9 do CIRE, caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto nos n.ºs 3 a 9 do artigo 17.º-G. Decorre da conjugação do disposto no art. 17º-F n.º 9 com o n.º 3 do art. 17º-G do CIRE que, notificado da decisão de não homologação, deve o Sr. AJP emitir parecer sobre se a devedora se encontra ou não em situação de insolvência. Por outro lado, prevê o art. 17º-G nºs 5 e 6 do CIRE que, quando o administrador judicial provisório concluir pela insolvência da empresa, a secretaria do tribunal notifica a empresa para, em cinco dias, se opor, por mero requerimento, e que, caso a empresa se oponha, o juiz determina o encerramento e arquivamento do processo, que acarreta a extinção de todos os seus efeitos. Já o art. 17º-J do CIRE determina que o processo especial de revitalização se considera encerrado após o cumprimento do disposto nos n.ºs 1 a 7 do artigo 17.º-G nos casos em que não tenha sido aprovado ou homologado plano de recuperação. Em nenhum deste normativos se fala em decisão de não homologação transitada em julgado. (…)” * Previamente, como se infere do antes referido, fora proferida decisão de recusa de homologação do plano de recuperação, do qual se extrai o seguinte excerto:É manifesto que o plano aprovado trata de forma diversa os diferentes credores. Prevê o pagamento integral dos créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social I.P. e à Fazenda Nacional, sem qualquer período de carência, independentemente de serem créditos de natureza comum ou privilegiada. Aí está previsto o pagamento em 52 prestações apenas do capital relativo aos créditos privilegiados dos trabalhadores. Trata da mesma forma os créditos garantidos (por hipoteca e penhor mercantil) e os créditos comuns reconhecidos ao IAPMEI, com pagamento de 100% de capital e juros vencidos e vincendos, de acordo com o plano prestacional supra-referido, sem período de carência. Já quanto aos demais créditos comuns reconhecidos, prevê-se apenas o pagamento do capital, em 120 prestações, após um período de carência de 12 meses. Sendo certo que o pagamento integral das dívidas fiscais e à Segurança Social decorre de imposição legal e que se justifica um diferente tratamento entre os credores privilegiados e/ou garantidos face aos credores comuns e subordinados, afigura-se-nos que não se mostra devidamente justificado que seja dado o mesmo tratamento ao crédito comum reconhecido ao IAPMEI que ao crédito garantido reconhecido à B..., S.A. e, muito menos, que se justifique um tratamento tão distinto do crédito reconhecido ao IAPMEI face ao tratamento previsto para os demais créditos comuns. Do que acabamos de referir resulta, para nós, que o plano de revitalização apresentado é violador do princípio da igualdade, verificando-se, por isso, uma violação não negligenciável de regras procedimentais. Por outro lado, afigura-se-nos que o credor B..., S.A. logrou demonstrou que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano. Considerando que o crédito da B..., S.A.1 se encontra garantido por hipoteca e penhor mercantil, o valor pouco significativo dos créditos privilegiados reconhecidos - € 106.397,72 – e que a devedora refere que os seus activos fixos tangíveis têm um valor de € 16.867.853,542, B..., S.A. obteria, num cenário de liquidação, o pagamento da totalidade do crédito que lhe foi reconhecido em menos tempo do que o previsto no plano de revitalização. Finalmente, não se podendo afirmar, sem mais, que a sociedade devedora se encontra em situação de insolvência, mormente por não se poder dar como assente o referido em 15. a 19., afigura-se-nos que os pressupostos de rendimentos e gastos, os balanços previsionais, a demonstração dos resultados previsionais e a demonstração previsional dos fluxos de caixa juntos com o plano de revitalização não são credíveis, nos termos referidos pelo credor B..., S.A. nos pontos 22. a 26. do requerimento refª 47294237. Em resposta ao afirmado pelo credor B..., S.A., a devedora veio apenas referir que as projecções são credíveis porquanto só agora concluiu a sua unidade industrial e irá começar a facturar. Ora, esse facto por si só não sustenta que esteja projectada, para o primeiro ano de funcionamento, uma facturação superior a 26 milhões de euros e um lucro de mais de quase € 5.700.000,00, não tendo sido juntos aos autos quaisquer outros documentos de suporte, nomeadamente notas de encomenda, etc. O parecer apresentado pelo Sr. AJP é bastante superficial a este respeito, concluindo que a sociedade devedora não se encontra em situação de insolvência, porquanto os seus capitais próprios são positivos. Daí que não se possa concluir que o plano de recuperação apresenta perspectivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.”* De tais decisões, veio a requerente interpor recurso (atentando-se naquele em que condensou a impugnação de ambos os segmentos da decisão transcrita supra), que terminou formulando as seguintes conclusões (aperfeiçoadas, após cumprimento de despacho nesse sentido: “DO DESPACHO QUE DETERMINOU O ENCERRAMENTO DOS AUTOS A – Os autos terminam com o trânsito em julgado da decisão que põe termo aos mesmos. B – O despacho de recusa de homologação do plano aprovado pelos credores, e objeto de parecer positivo do AJP (nos termos do art. 17º-F, nº 4), enquanto potencial causa determinante do encerramento dos autos, nos termos do consignado no artigo 17º-F (nº 9 e nº 10) e 17.º-G (nº 3 a nº 9), do CIRE, pressupõe, necessariamente, que o mesmo despacho tenha transitado em julgado; C – O mesmo sucede com o despacho que ordena o encerramento e arquivamento dos autos. D – Como tal, o encerramento e arquivamento dos autos apenas ocorre com o trânsito em julgado da decisão de recusa de homologação do plano aprovado pelos credores e do despacho que (após parecer do AJP) ordena o encerramento e arquivamento dos autos. E - Não tendo ocorrido o trânsito em julgado, não podem os autos ser encerrados e arquivados. F – O facto de a letra da lei não se referir expressamente a trânsito em julgado, não implica que não seja necessário aguardar pelo trânsito em julgado. G – Interpretar uma lei com recurso exclusivo ao elemento literal, contraria, de forma clara, o consignado no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, quando impõe que a interpretação normativa não deve cingir-se à letra da lei; H – Aliás, essa conduta hermenêutica, que consubstancia uma interpretação normativa conjuntada das disposições supra referidas, de modo a destas retirar que os autos se consideram encerrados e sujeitos a arquivamento independentemente do trânsito em julgado dos doutos despachos supra referidos (aliás, desconsiderando a questão do trânsito em julgado), viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consignado no artigo 20.º da CRP, sendo esta interpretação normativa inconstitucional, devendo ser revogada a sentença e proferido douto Acórdão que determine que as referidas decisões estão sujeitas a prazo de trânsito em julgado, com todas as legais consequências. I – Do que resulta que a interpretação do despacho recorrido se traduz em verdadeira obliteração do direito ao recurso, o – O que, também por isto, implica a sua nulidade, por violação do artigo 627.º, n.º 1, do Código de processo Civil. J - Devendo ser revogada a douta decisão ora em crise, por nula, e por violação da CRP, com todas as legais consequências. DO DESPACHO QUE RECUSOU A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DOS ERROS E VÍCIOS DA SENTENÇA K - Uma sentença que se funda em determinados argumentos teórico-jurídicos e no seu oposto, é nula por obscura e ininteligível, o mesmo sucedendo com uma sentença na qual ocorre contradição entre a decisão prolatada e a respetiva fundamentação; L – No caso, e por um lado, assevera a sentença (pág. 14) que o plano não implica a violação não negligenciável de regras procedimentais, limitando-se a citar e fazer referência a Doutrina e Jurisprudência desde a pág. 6, sem se ter referido a qualquer facto; M – Por outro, depois de concluir que o plano não implica a violação não negligenciável de regras procedimentais, é que, em clara contradição – pág. 17 -, vem invocar a violação não negligenciável de regras procedimentais, consistente na circunstância dos credores serem tratados de forma diversa – sem ligação com a Doutrina e Jurisprudência a que, previamente, lançou mão. N – O mero tratamento de credores de forma diversa não constitui – só por si – uma violação não negligenciável de regras procedimentais, que justifique a não homologação de um plano aprovado pelos credores e objeto de parecer positivo do AJP. O - O mero tratamento de credores de forma diversa não constitui – só por si – uma violação do princípio da igualdade e, mesmo que constituísse, não justificava – só por si - a não homologação de um plano aprovado pelos credores e objeto de parecer positivo do AJP. P – Assim, ao fundar a recusa de homologação em argumentos que, conforme decorre da sentença, não existem, é a sentença nula por contradição entre os fundamentos e a decisão e, ainda, por ser obscura e ininteligível, por ambiguidade - Artigo 615.º, n.º 1, al. C) do CPC - o que deverá ser declarado com todas as consequências legais. DA PUTATIVA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Q - O Facto de, no CIRE, os créditos serem classificados face à sua relação com as garantias do devedor (garantia geral e garantias especiais) e ao regime legal de ordenação dos pagamentos, não significa que não existam outras diferenças juridicamente relevantes entre créditos que integram uma mesma categoria insolvencial ou, mesmo, diferentes categorias. R – O IAPMEI tem natureza jurídica de Instituto Público, cuja configuração depende, em exclusivo da Lei (Decreto-Lei N.º 266/2012, de 28 de dezembro), matéria que é de S – Os créditos do IAPMEI podem ser cobrados coercivamente através do processo de execução fiscal, sendo créditos dotados de interesse público, ou seja, créditos da comunidade; T – Podendo os créditos do IAPMEI ser cobrados através do processo de execução fiscal, beneficiam de um regime especial que os diferencia de todos os créditos comuns – ou seja, são diferentes entre si. U – A sentença recorrida – na esteira do Ac. Do STJ de 14.12.16 – reconhece que o princípio da igualdade contempla exceções assentes em “diferenciações justificadas por razões objetivas”, aceitando que situações diferentes justificam tratamento diverso, considerando que só ocorre a violação do dito princípio, quando a desigualdade detetada for excessiva, desproporcionada, desrazoável; V – Mas depois, ignora as especificidades diferenciadoras do credor IAPMEI e dos créditos do mesmo, quando conclui pela violação do dito princípio; W – Daqui decorrendo – na esteira da fundamentação da decisão recorrida – que o tratamento dado ao crédito do IAPMEI não se traduziu em qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto um crédito do IAPMEI não é igual aos demais créditos comuns, devendo ser tratado na medida dessa diferença, ou seja, sendo autonomizado face aos demais créditos comuns. X – O crédito do IAPMEI é diferente de todos os créditos comuns e mesmo dos garantidos, aproximando-se mais a um crédito privilegiado da Autoridade Tributária sujeição ao regime da execução tributária), e afigurando-se similar a um crédito garantido, atendendo à circunstância de o órgão de execução fiscal (que promove a respetiva cobrança) poder – ab initio - constituir hipotecas legais ou penhores para incremento da eficácia do procedimento de cobrança; Y – O Tribunal errou – em concreto - ao considerar existir uma violação do princípio da igualdade, tratando o diferente de modo igual, em clara contradição com o que é defendido – - em teoria – pelo Tribunal em matéria de princípio da igualdade, devendo ser revogada a decisão e substituída por outra favorável à homologação do plano. Z – Cresce que também aqui os fundamentos estão em contradição com a decisão, o que constitui causa de nulidade da mesma, nos termos do consignado no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, cuja declaração se requer, com as consequências legais imanentes; DA ASSERÇÃO DE QUE A B... OBTERIA, NUM CENÁRIO DE LIQUIDAÇÃO, O PAGAMENTO DA TOTALIDADE DO CRÉDITO AA- Encontrando-se a devedora a cerca de um mês da entrada em funcionamento da sua unidade industrial, o que gerará receitas, deve ser tomada em consideração a previsão de receitas com a unidade industrial em funcionamento, e não a previsão de receitas sem a unidade industrial em funcionamento. AB - O ónus da prova de que a situação de um credor ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, cabe a esse credor (Acórdão da Relação de Coimbra de 26.02.19). AC – Os factos relevantes, cujo ónus corre pelo credor, necessários para permitir efetuar um juízo comparativo entre as duas situações hipotéticas são: (1) o valor previsível de liquidação da devedora; (2) o valor previsível da empresa em funcionamento; por sua vez, ambos os valores devem ser ainda concatenados com os prazos previsíveis de pagamento no caso de liquidação e no caso da empresa permanecer em funcionamento. AD – Não tendo o credor invocado e provado estes valores, não podia proceder a sua pretensão de não homologação do plano – com este fundamento - aprovado pelos credores e objeto de parecer positivo do AJP. AE – Aliás, alegando um credor que o seu crédito é de €6.000.000,00 e que o ativo da devedora é de €2.000.000,00, devia de imediato ter a pretensão sido julgada improcedente porque, face ao alegado pelo credor, não é possível concluir que a sua situação ao abrigo de um plano que assegura o pagamento integral da dívida (€6.000.000,00), mesmo que ao longo de um prazo de seis anos, é pior do que a proporcionada pela liquidação, porquanto, neste caso, não se obteria mais de €2.000.000,00. AF – O Tribunal não se pode limitar a avaliar os ativos fixos tangíveis da devedora em €16.867.853,54 e, atender que a B... tinha o referido crédito garantido por hipoteca e penhor, para concluir que a o crédito obteria o pagamento integral em menos de 6 anos, porquanto desconsidera o valor das dívidas da Massa Insolvente (pagas, com preferência, em relação a todas as demais), bem como, a profunda desvalorização a que o procedimento de liquidação judicial sujeita os ativos fixos tangíveis das entidades declaradas insolventes, e desconsidera a proximidade para a data de entrada em funcionamento da unidade industrial da devedora. AG – O Tribunal não pode desconsiderar que parte do crédito da B... (€ 690.529,22), não se encontra garantido por hipoteca, sendo comum; AH – O Tribunal não pode confundir ativos fixos tangíveis com bens concretamente objeto da hipoteca ou penhor mercantil; AI – Não abrangendo as garantias constituídas a favor do credor a totalidade dos ativos fixos e tangíveis deve o juízo de comparação das situações hipotéticas do credor tomar em consideração a sua parte efetivamente garantida e a sua parte comum. AJ – O valor contabilístico não pode ser considerado como valor de liquidação. AK – Isto posto, mesmo que os bens objeto da hipoteca e do penhor tivessem um valor contabilístico de € 16.867.853,54, ainda assim não seria possível concluir que o respetivo valor de liquidação permitiria o pagamento integral do crédito da B...; AL – Não integrando o estabelecimento equipamentos essenciais ao funcionamento da fábrica, nem a propriedade intelectual sobre programas informáticos e processos de produção, deve este facto ser tomado em consideração no juízo de comparação entre a situação do credor com e sem a execução do plano. AM – Num caso em que o principal ativo do devedor é uma fábrica quase a entrar em funcionamento, a prova do seu valor de liquidação ou do valor em funcionamento deve ser demonstrado por avaliação pericial. AN - Num caso destes, deve o Tribunal devia ter determinado competente avaliação efetuada por peritos, salvo se fundamentar com conhecimentos específicos que lhe permitam aferir – neste caso em concreto – qual o valor de liquidação da fábrica antes de entrar em funcionamento (sem a propriedade industrial e diversos equipamentos), o valor de liquidação da fábrica em funcionamento (sem a propriedade industrial e diversos equipamentos), e o valor dos resultados a libertar pela fábrica em pleno funcionamento (de acordo com o plano aprovado). AO – Bem se percebendo, portanto, que o Tribunal errou ao considerar que a situação do credor, ao abrigo do plano, seria menos favorável do que o verificado num cenário de liquidação, tendo aplicado mal o artigo 17.º - F, n.º 7, al. e) do CIRE; AP – E, mais uma vez, os fundamentos estão em contradição com a decisão que, nessa medida, é nula, nos termos do consignado no artigo 615. n.º 1, alínea c), do CPC, cuja declaração, com as consequências legais, se requer; AQ – Devendo, pois, ser revogada a decisão de não homologação, porquanto errou na aplicação do regime contabilístico, errou na determinação do objeto e limites das garantias de que a B... beneficia, errou na fixação da comparação entre o resultado para o credor, com e sem a aprovação do plano. DA ASSERÇÃO DE QUE O PLANO NÃO APRESENTA PERSPETIVAS RAZOÁVEIS DE EVITAR A INSOLVÊNCIA DA EMPRESA OU DE GARANTIR A VIABILIDADE DA MESMA AR – Encontrando-se a fábrica da devedora (e seu principal ativo) quase a entrar em funcionamento após a construção, não pode o Tribunal limitar-se a tomar em consideração os resultados passados (sem a fabrica a laborar e com todos os custos de construção), e considerar que, face aos resultados passados, não são credíveis os valores indicados pelo devedor que são fundados em previsões para a fábrica a funcionar. AS – Considerando o devedor uma projeção, para o primeiro ano de funcionamento, faturação superior a 26 milhões de euros e lucro de mais de quase € 5.700.000,00, e tendo os credores aprovado este plano e o mesmo merecido parecer positivo do AJP, não pode o Tribunal limitar-se dizer que o mesmo não é credível e que não existem notas de encomendas. AT - O facto de um Senhor Juiz ficar incrédulo com valores desta ordem não pode fundamentar a não homologação do plano, quando os credores – alguns do mesmo setor de atividade – não ficaram incrédulos, tendo aprovado o plano, tendo o mesmo sucedendo com o AJP. AU – Quando um devedor recorre a um PER porque o atraso da entrada em funcionamento de uma fábrica assim o exigiu, não pode o Tribunal decidir como se a futura entrada em funcionamento da fábrica fosse irrelevante, assim contrariando os credores que aprovaram o plano. AV – O juízo que cabe ao tribunal é um juízo estrito de legalidade e nunca um juízo técnico referente à gestão da devedora e à respetiva viabilidade financeira; AW – Resulta, pois, evidente que a decisão recorrida viola, para além do mais, o artigo 17.º F, n.º 7, alínea g) do CIRE; AX – A decisão recorrida – globalmente considerada -, sem prejuízo das nulidades invocadas, viola, entre outras, as seguintes disposições legais: artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil; artigo 627.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, artigos 17.º F, n.º 7, alíneas e) e g), 17.º G, n.º 6, 215.º e 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE e 20.º, n.º 1, da CRP. Termos em que revogando o despacho ora recorrido, farão, como sempre, JUSTIÇA.”* Não foi oferecida qualquer resposta ao recurso. O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Cumpre apreciá-lo. * 2- FUNDAMENTAÇÃONão podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso. No caso, identificam-se as seguintes questões: Quanto ao despacho que determinou o encerramento dos autos: 1 – Se o processo não podia ser encerrado por não ter transitado o despacho de recusa de homologação do plano aprovado pelos credores; 2 – Se a decisão de encerramento antes do trânsito viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consignado no artigo 20.º da CRP; Quanto ao despacho que recusou a homologação do plano: 3 – Se a sentença é nula, por intrinsecamente contraditória; 4 – Se não ocorre violação do princípio da igualdade entre os credores, em razão da solução prevista para o crédito do IAPMEI, apesar da sua natureza de crédito comum; 5 – Se a sentença incorre em incongruência, ao analisar a situação desse crédito; 6 – Se devem improceder as razões invocadas pelo credor B..., segundo as quais, em caso de liquidação, obteria a satisfação do seu crédito em melhores condições. 7- Se a decisão é nula, por incongruente, também nesta parte; 8 – Se não é sustentável o juízo de que o plano não apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma. 9- Se deve ser aprovado o plano de revitalização em questão. * A primeira questão a decidir é a da alegada necessidade de trânsito em julgado do despacho de não homologação do plano de recuperação, para que seja decretado o encerramento do processo de insolvência.Tal questão não é meramente formal porquanto são significativos os efeitos desse encerramento, designadamente no caso dos autos, em que o administrador judicial provisório concluiu pela insolvência da empresa, com a oposição desta: nos termos do nº 6 do art. 17º-G extinguem-se todos os efeitos do processo, nomeadamente a suspensão de acções executivas ou a prevenção de instauração de novas acções, incluindo uma eventual acção de insolvência (art. 17º-E). De resto, o legislador atentou expressamente na necessidade de consolidação da decisão judicial, para alguns efeitos. Assim é que, no art. 17º-J, nº1, al. a) dispôs que, em caso de homologação do plano de recuperação, o encerramento do processo opera após o trânsito em julgado da correspondente decisão. Noutra situação, embora em sentido diferente, em atenção à diferente condição das empresas, também no caso da homologação de um plano de insolvência o legislador dispôs expressamente sobre a questão, definindo que a sentença homologatória produz alguns efeitos de imediato, ainda que dela seja interposto recurso (nº 5 do art. 217º do CIRE). Todavia, para a situação que nos ocupa – de não homologação do plano de recuperação votado favoravelmente, sucedida de parecer de se identificar uma situação de insolvência, com oposição da requerente do PER – o legislador não só não veio afirmar a necessidade de se aguardar pelo trânsito em julgado daquela decisão, como impôs uma solução diferente: o nº 9 do art. 17º-F determina a observância do disposto nos nºs 3 a 9 do art. 17º-G. Então, segundo tal regime, irá o administrador ouvir a empresa e os credores e emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência (nº 3); concluindo que não se verifica uma situação de insolvência, o processo será encerrado (nº4); no caso contrário, a empresa é ouvida (nº5); se a empresa se opuser, o processo é encerrado; se não se opuser, a insolvência é decretada em 3 dias úteis. Em qualquer caso, em atenção às circunstâncias que se verificam e que induzem a conclusão, verificada judicialmente, de que não será aprovado qualquer plano de recuperação para a empresa, quer se indicie ou não a existência de uma situação de insolvência na perspectiva do administrador judicial provisório, o que deixa de se justificar é a paralisação das relações entre a empresa e os seus credores, que se quedavam inibidos de promover a cobrança dos seus créditos durante a pendência do processo de revitalização. Pelo contrário, entendeu-o o legislador, essa situação excepcional de paralisação deixa de ter fundamento. De resto, pretender, como pretende a apelante, que a decisão de encerramento do processo aguardasse o trânsito em julgado da decisão de recusa de homologação do plano de recuperação tinha como pressuposto que o recurso desta decisão tivesse efeito suspensivo (dos respectivos efeitos). Porém, inexiste fundamento para a atribuição de efeito suspensivo a tal recurso, atento o disposto no art. 14º e 17º-A, nº 3 do CIRE. E não se diga, como afirma a apelante, que a solução em causa é ofensiva do direito constitucionalmente garantido de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20º da CRP. Pelo contrário, o legislador consagrou a solução adequada, na ponderação equilibrada entre a tutela dos interesses da empresa devedora e a tutela dos interesses dos seus credores, titulares de direitos de cujo exercício foram temporariamente inibidos, num determinado quadro de circunstâncias que deixou de se verificar. Acresce que o decretamento do encerramento do processo nem sequer prejudica a tutela jurisdicional dos direitos do devedor que, no âmbito de um processo que continua a tramitar com urgência, não deixa de poder obter a sindicância da decisão de não homologação do plano de recuperação. Porém, o que deixa de haver é justificação para que tudo se passe como se o processo se mantivesse pendente, em ordem à obtenção de um plano de recuperação que uma decisão judicial já teve por inviável. Improcedem, por isso, as razões da apelante a propósito das 1º e 2º questões supra identificadas, cabendo manter a decisão impugnada pelo recurso que era dirigido à decisão de encerramento do processo e extinção de todos os seus efeitos. * Em qualquer caso, a decisão que antecede, como dela própria resulta, não prejudica a apreciação do recurso oposto à ali pressuposta decisão de recusa de homologação do plano de recuperação. Tal decisão assentou nas seguintes premissas: - O IAPMEI é titular de créditos garantidos (por penhor e hipoteca) e comuns; todos eles serão pagos por inteiro, sem período de carência, com juros vencidos e vincendos; porém, outros créditos comuns de outros credores serão pagos em 120 prestações e após um período de carência de 12 meses; - Essa solução é igual à prevista para o crédito da B...,S.A., apesar de este ser garantido; - A situação de B..., S.A., ao abrigo do plano, é previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano, isto é, num cenário de liquidação, por via do qual obteria o pagamento da totalidade do crédito que lhe foi reconhecido em menos tempo do que o previsto no plano de revitalização; - Os pressupostos de rendimentos e gastos, os balanços previsionais, a demonstração dos resultados previsionais e a demonstração previsional dos fluxos de caixa juntos com o plano de revitalização não são credíveis, não sendo credível que, tendo sido só agora concluída a unidade industrial e preparando-se para começar a funcionar, venha a alcançar no primeiro ano uma facturação superior a 26 milhões de euros e um lucro de mais de quase € 5.700.000,00; No recurso, a apelante impugna a realidade de cada uma destas premissas, além de alegar que, ao afirmá-las, a decisão recorrida entrou em contradição com os seus próprios termos. Para analisar tais questões, interessa ter presentes os elementos que o processo proporciona, sobre a situação económica da apelante, o conteúdo do plano de recuperação e a sua avaliação pelo administrador provisório e pelos credores, aos quais já acima se aludiu. Assim: 1º - A 7/11/2023 foi apresentado Plano de Recuperação para a A..., S.A., onde consta, entre o mais que aqui se dispensa reproduzir, que “A SOCIEDADE tem por objeto social o “desenvolvimento, fabricação e comercialização de biomassa torrificada, carvão vegetal e seus derivados para a produção de energia, metalurgia, compostos absorventes, medicinais e químicos diversos, através da investigação e conceção de tecnologias como pirólise, gasificação e outras”. A SOCIEDADE tem cerca de 10 anos desde a sua fundação com o propósito de iniciar a instalação de uma unidade industrial altamente inovadora na produção de biomassa torrificada com origem vegetal - pellets torrificados. A empresa tem 10 anos de experiência em testes laboratoriais, com produto aprovado por potenciais compradores, sendo que os administradores da empresa têm uma larga experiência no setor; A empresa possui um elevado profissionalismo e confirmado potencial comercial; A empresa possui grande organização e Know-how que lhe permite dar resposta às necessidades especificas de cada cliente, constituindo-se como uma clara alternativa aos produtos presentes no mercado; testes variados com diferentes matérias-primas; A empresa possui um produto inovador a nível mundial; 2 º - Do Plano constam as seguintes medidas: I) – Redução dos créditos por perdão e moratória, nos seguintes termos: A. Autoridade Tributária e Aduaneira - A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir; - Nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03, concretamente o n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados, serão liquidados em regime prestacional, concretamente até 52 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta; - A primeira prestação vence-se no mês seguinte da data da decisão de aprovação e homologação do Plano; - Manutenção das garantias existentes nos termos do n.º 13 do artigo 199.º do CPPT. B. Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social - Pagamento da totalidade da dívida através de acordo prestacional em 52 prestações mensais, iniciando-se os pagamentos no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação; - Dispensa de prestação de garantais adicionais; - Os eventuais processos executivos para cobrança de dívida não são extintos, mantêm-se apenas suspensos, enquanto os acordos vigorarem, até efetivo e integral pagamento da dívida; C. Credores Privilegiados - Pagamento de 100 % do capital em dívida em 52 prestações mensais iguais e sucessivas; - A primeira prestação terá vencimento no mês seguinte ao do trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação; - Perdão de juros vencidos e vincendos; D. Credores Garantidos e IAPMEI - IAPMEI - Capitalização dos juros vencidos até à data de 30/04/2024, sendo liquidados conjuntamente com o capital; - Pagamento em prestações mensais, iguais e sucessiva, de 25% do capital em dívida nos 3 primeiros anos, nos seguintes termos: 1. 3,75% durante o 1.ª ano; 2. 8,25% durante o 2.ª ano; 3. 13% durante o 3.ª ano; - Pagamento da dívida, correspondente a 50% do capital em dívida, em prestações mensais, iguais e sucessivas até 30 de novembro de 2030; - O pagamento remanescente, correspondente a 25% bullet a ultima prestação em 31 de dezembro de 2030; - A taxa de juro corresponde a uma taxa composto de Euribor a 6 meses (à data que for definida, acrescida de um spread de 1,75%, com revisão da taxa à data do início de cada semestre. Na eventualidade de a TAN resultante da aplicação da referida Euribor acrescida do spread de 1,75% resultar negativa, fica definido como floor mínimo uma TAN de 0%; - A primeira prestação terá vencimento em 30 de abril de 2024; - Possibilidade de reembolso antecipado, total ou parcial sem qualquer penalização; - CREDORES GARANTIDOS - Capitalização dos juros vencidos até à data de 30/04/2024, sendo liquidados conjuntamente com o capital; - Pagamento em prestações mensais, iguais e sucessiva, de 25% do capital em dívida nos 3 primeiros anos, nos seguintes termos: 1. 3,75% durante o 1.ª ano; 2. 8,25% durante o 2.ª ano; 3. 13% durante o 3.ª ano; - Pagamento da dívida, correspondente a 50% do capital em dívida, em prestações mensais, iguais e sucessivas até 30 de novembro de 2030; - O pagamento remanescente, correspondente a 25% bullet a ultima prestação em 31 de dezembro de 2030; - A taxa de juro corresponde a uma taxa composto de Euribor a 6 meses (à data que for definida, acrescida de um spread de 1,75%, com revisão da taxa à data do início de cada semestre. Na eventualidade de a TAN resultante da aplicação da referida Euribor acrescida do spread de 1,75% resultar negativa, fica definido como floor mínimo uma TAN de 0%; - A primeira prestação terá vencimento em 30 de abril de 2024; - Possibilidade de reembolso antecipado, total ou parcial sem qualquer penalização; E. Credores Comuns - Período de carência de 12 meses contabilizado após a data do trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação; - Pagamento de 100 % do capital em dívida em 120 prestações mensais iguais e sucessivas; - A primeira prestação terá vencimento no mês seguinte ao do término do período de carência; - Perdão de juros vencidos e vincendos; F. Credores Subordinados - Perdão de juros vencidos e vincendos; - Pagamento de 50% do total da dívida subordinada em 120 prestações mensais iguais e sucessivas desde que já tenha sido pago pelo menos 50% da divida total de todos os outros credores em conjunto; - Os 50% remanescentes dos créditos subordinados serão pagos após o pagamento integral dos restantes credores. Credores Não Identificados no Processo: Os créditos que não se encontrem reconhecidos e que venham a ser reconhecidos, judicialmente ou extrajudicialmente, serão liquidados nas mesmas condições da respetiva natureza do crédito; Créditos Sob Condição Os créditos reconhecidos sob condição, verificando-se a condição a que estão sujeitos, serão pagos nas mesmas condições da respetiva natureza do crédito. Cessão de Créditos É concedida às instituições de Crédito, Financeiras e Sociedades de Garantia Mútua Autorização irrevogável e incondicional para: - Negociarem, proporem a venda, alienarem ou cederem a terceiro, total ou parcialmente, os créditos (vencidos ou não vencidos) dos Bancos / Instituições Financeiras detidos sobre a A..., S.A. emergentes de qualquer facilidade de crédito contratada com os Bancos / Instituições Financeiras, bem como a transmissão das garantias e outros acessórios dos créditos, incluindo sem limitar os emergentes do Contrato de Reestruturação Financeira, de contratos de empréstimo ou de mútuo, contratos abertura de crédito, descobertos de conta de depósitos à ordem (contratados ou não contratados), contratos de locação financeira, contratos de factoring e garantias bancárias prestadas, e/ou . Negociarem, proporem a transmissão e transmitirem, sem restrições, a terceiro a sua posição contratual em qualquer contrato de crédito, designadamente nos elencados na anterior subalínea - Autorização, expressa e sem reservas, da A..., S.A., nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 79.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, revelar, prestar ou transmitir, direta ou indiretamente, aos potenciais cessionários mencionados na alínea anterior, todas e quaisquer informações, contratos, documentos ou o conteúdo, total ou parcial, dos mesmos, independentemente do meio de transmissão, respeitantes às relações creditícias que os Bancos /Instituições Financeiras mantém com a A..., S.A. Âmbito: As alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (n.º 1 do artigo 217.º do CIRE). Nos termos do artigo 209.º, n.º 3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem. 3º - Para essas soluções foi apresentado o seguinte fundamento: “O plano de recuperação apresenta-se de acordo com o princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. A norma coloca em revelo a observância do princípio da igualdade consubstanciado na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, na proporção da desigualdade, sem prejuízo da ponderação das circunstâncias de cada situação poder justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O presente plano de recuperação prevê propostas diferentes para a satisfação das obrigações para as diferentes categorias de créditos e credores. In casu, foi derrogado o princípio da igualdade no que concerne à forma distinta de pagamento dos créditos reconhecidos mediante natureza privilegiada (créditos do Estado) em relação aos demais créditos, atenta a existência de legislação própria. De referir que relativamente a estes créditos não pode deixar de se atender ao facto de as regras de pagamento dos créditos detidos pelo Estado (Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social, Autoridade Tributária) serem ditadas por normas legais imperativas de direito público não derrogáveis (princípio da indisponibilidade dos créditos tributários). O que não sucede com as demais, que podem ser derrogadas, com respeito pelos créditos do CIRE, e que por isso o plano de recuperação pode prever providências com incidência no passivo da devedora diversas para os restantes credores. Foi igualmente derrogado o princípio da igualdade no que concerne à forma distinta de pagamento dos créditos garantidos face aos demais credores comuns atenta a existência de garantias já constituídas. No que concerne ao pagamento dos créditos privilegiados detidos pelos trabalhadores, prevendo-se o pagamento integral num período de tempo substancialmente inferior aos restantes credores, pelo que estará, assim, assegurada a sua capacidade de sobrevivência.” 4º - Foram relacionados créditos no valor de 20 332 763,12 €, tendo votado o plano de recuperação credores cujos créditos ascendem a € 19.238684,12 / 94,62% dos credores reconhecidos e tendo sido obtidos votos favoráveis representativos de 60,80%, dos quais 5,35% subordinados, desfavoráveis representativos de 33,82% (€ 6.875.879,22), com 5,38% de abstenções. 5º - Consequentemente, o administrador judicial provisório teve o plano de recuperação por aprovado, ao abrigo do art. 17º-F, nº 3, al. b) do CIRE. 6º - Entre outros, votaram contra os credores B..., S.A., com um crédito garantido de 6.446.899,85€, e a Banco 1..., com um crédito comum de 282.686,47 €, tendo votado favoravelmente, entre outros, o IAPMEI, com um crédito comum de 8.310.711,45 €, e C... S.A., com um crédito comum de 2.722.298,39 €, tudo conforme Mapa junto com a acta de votação, juntos aos autos em 28/11/2023. 7ª – Emitindo parecer sobre o Plano, nos termos do nº 6 do art. 17º- F do CIRE, o administrador judicial provisório pronunciou-se nos seguintes termos: A\ Análise dos últimos três exercícios de atividade da devedora (2019-2021): Após análise das IES referentes aos últimos três exercícios, verifica-se que a devedora apresentou os seguintes resultados líquidos de exercício: - 2019: -408.107,83€ - 2020: -842.524,82€ - 2021: -30.047,97€. Sendo que, em igual período, os capitais próprios da devedora se mantiveram positivos: - 2019: 3.487.725,75€ - 2020: 2.645.200,93€ - 2021: 2.615.152,96€. Com efeito, o valor do capital próprio representa a diferença entre o Ativo e o Passivo, pelo que se verifica que a devedora possui ativos consideravelmente superiores ao valor do seu passivo. De facto, a devedora instalou uma unidade industrial altamente inovadora na produção de biomassa torrificada com origem vegetal (pellets torrificados) e única a nível mundial, cuja operacionalidade se atrasou quer pela deflagração da pandemia do “Covid-19” que, mais recentemente, pelo deflagrar da guerra na Ucrânia. Não obstante, a devedora concluiu a sua unidade industrial e produtiva e encontra-se em condições de desenvolver a sua atividade num mercado cada vez mais carente de fontes alternativas de energia e de descarbonização da industria e substituição dos combustíveis fósseis. B\ Quanto às perspetivas de viabilidade da devedora: Resulta dos elementos facultados pela devedora que a sua situação económica irá ser invertida já no ano de 2024, que marca o início do desenvolvimento da sua atividade na sua plenitude. Com efeito, os rendimentos gerados pela devedora serão absorvidos pelas depreciações/amortizações (que não configuram um custo monetário mas meramente um custo contabilístico decorrente do desgaste dos ativos) e pelos juros a liquidar aos credores no âmbito da execução do plano, ou seja, a atividade da devedora permitirá com que a mesma consiga fazer face ao pagamento das despesas correntes (salários e encargos, impostos, fornecimentos e serviços externos), permitindo ainda um excedente para suportar os pagamentos previstos no plano de recuperação (bem como os juros associados aos mesmos). A devedora também prevê um aumento sustentado e gradual no volume de negócios, de modo a permitir que sejam gerados cash-flows suficientes para cumprir o plano aprovado e desse modo evitar entrar em situação de insolvência, sem ter de recorrer a novos financiamentos ou injeções de capital por parte dos sócios. No que concerne aos gastos, verifica-se que as rúbricas de maior expressão são os Fornecimentos e serviços externos e Gastos com Pessoal, os quais se prevê que vão aumentando ao longo do período de execução do plano, decorrentes do normal aumento dos preços ao longo do tempo devido à inflação, sendo que o custo dos juros irá gradualmente diminuindo fruto das amortizações de capital efetuadas pela insolvente. Atendendo ao exposto, o signatário é do parecer que a devedora é uma empresa economicamente viável – veja-se que vem apresentando sempre resultados positivos e não está tecnicamente insolvente por apresentar capitais próprios positivos -, que apenas necessitava de uma reestruturação do passivo com vista a manter a sua atividade e gerar riqueza, pelo que entende que os pressupostos nos quais assenta o plano de recuperação são verificáveis, podendo a devedora manter a sua atividade e fazer face aos pagamentos previstos no plano.” * Dispõe o art. 215º do CIRE, aplicável por remissão do art. 17º-F, nº 7 que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano (…) no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, (…).Entre as normas aplicáveis ao respectivo conteúdo sobressai a regra do art. 194º do CIRE, que impõe a observância do princípio de igualdade entre os credores. Trata-se, como se sabe, de um princípio basilar para a configuração de soluções de recuperação de empresas, encontrando-se essa matéria exposta desenvolvidamente na decisão recorrida, de tal forma que aqui se dispensa qualquer análise complementar. Assim, é igualmente aceite sem controvérsia que um plano de recuperação que não incorpore tal princípio não deve ser homologado, sem prejuízo da relevância da aceitação dos credores afectados negativamente. De resto, é em homenagem a este princípio que se desenvolvem os requisitos que o plano deve expressar, descritos nas als. b) a d) do nº 7 do já citado art. 17º-F: “b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;” No caso, o tribunal concluiu haver um efectivo tratamento desigual entre credores. Esse tratamento desigual ocorreria com diferenciação positiva para com os créditos reconhecidos à Segurança Social e à Autoridade Tributária. Porém, dado o enquadramento legal do regime de satisfação de tais créditos, considerou o tribunal ser justificada a solução prevista (pagamento integral dos créditos reconhecidos, sem qualquer período de carência, independentemente de serem créditos de natureza comum ou privilegiada). Diferentemente, entendeu o tribunal ser injustificado o tratamento dado ao crédito comum reconhecido ao IAPMEI, designadamente em face da solução prevista para os créditos garantidos por hipoteca e penhor, da B..., e para os demais créditos comuns. Assim, o crédito da B..., garantido por hipoteca e penhor (6.446.899,85€), seria pago integralmente, com capitalização dos juros vencidos até 30/04/2024, sendo liquidados conjuntamente com o capital; o pagamento ocorreria em prestações mensais, iguais e sucessiva, de 25% do capital em dívida nos 3 primeiros anos, nos seguintes termos: 3,75% durante o 1.ª ano; 8,25% durante o 2.ª ano; 13% durante o 3.ª ano; Pagamento da dívida, correspondente a 50% do capital em dívida, em prestações mensais, iguais e sucessivas até 30 de novembro de 2030; pagamento remanescente, correspondente a 25% bullet a ultima prestação em 31 de dezembro de 2030. O crédito do IAPMEI (8.310.711,45 €), apesar de comum, haveria de ser pago nos mesmos termos. Outros créditos comuns, designadamente o do Banco 1... (282.686,47€), estarão sujeitos a condições distintas: período de carência de 12 meses contabilizado após a data do trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação; pagamento de 100 % do capital em dívida em 120 prestações mensais iguais e sucessivas; perdão de juros vencidos e vincendos. Recorde-se que o referido credor votou contra a aprovação do plano, pelo que não pode ter-se por aceite por si o tratamento conferido ao respectivo crédito. Poderá aceitar-se que o tratamento do crédito da B..., apesar de garantido, tenha o mesmo tratamento que o crédito comum do IAPMEI e que, sendo o crédito do Banco 1... igualmente comum, tenha um tratamento diferenciado do do IAPMEI, ficando sujeito a um perdão de juros vencidos e vincendos e a um período de carência? Cumpre reconhecer que a solução prevista do plano de recuperação sob análise ofende frontalmente o disposto na al. c) do nº 7 do art. 17º-F do CIRE: o crédito garantido da B... não recebe um tratamento mais favorável do que o crédito do IAPMEI, apesar de este ser de categoria inferior (cfr. art. 17º-C, nº3, al.d) do CIRE, quanto à categorização dos créditos). Além disso, ofende igualmente o disposto na al. b) daquela norma, pois trata diferentemente o crédito do IAPMEI e de outros credores comuns, designadamente contra a vontade expressa de um destes: a Banco 1.... Em qualquer caso, admitimos (em linha com a jurisprudência (v.g. Ac. TRC de 28.06.2017) que “…tal como decorre do segundo segmento do nº 1 do citado artº 194º do CIRE, o princípio da igualdade nele plasmado não configura para os credores um direito absoluto, podendo, num regime de exceção, e em casos de situações objetivamente justificáveis, sofrer de afrouxamentos ou restrições, e permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores. Desse modo, a violação desse princípio terá que ser aferida na ponderação global de cada caso concreto, devendo a homologação do plano ser recusada sempre que a vinculação de algum credor a ele se revele claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável.” Cumpre, por isso, descortinar no Plano, as razões que possam justificar este tratamento. Porém, na fundamentação apresentada apenas vem justificado o tratamento favorável dos créditos do Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social e da Autoridade Tributária, por razões legais condensadas na invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. Ali se alude também aos créditos garantidos e aos créditos privilegiados dos trabalhadores. Acontece que, quanto a tais créditos e respectivo tratamento, nenhuma questão se coloca. Quanto às especificas questões acima referidas, nada consta do Plano que esclareça as razões para a solução anormalmente formulada: nem a razão de se não assegurar um tratamento melhor para o crédito da B... do que para o do IAPMEI, apesar de aquele ser de categoria superior, por ser garantido, nem a razão de que este crédito comum do IAPMEI obter um tratamento claramente mais favorável do que o dos restantes credores comuns, designadamente o do Banco 1.... Acresce que se os valores dos créditos da B... e do IAPMEI são próximos (6.446.899,85€ e 8.310.711,45€, respectivamente), é certo que o do Banco 1... é muito inferior. Mas mesmo assim tem uma dimensão relevante (282.686,47€) e não será a sua importância relativa a justificar um tratamento tão diferenciado como o que resulta da perda de juros, de um período de carência e de um fraccionamento em prestações durante 10 anos. Por outro lado, na solução prevista, de nada adianta à B... ter garantias de pagamento do seu crédito, pois que o do IAPMEI, sendo comum, logrará obter pagamentos nos mesmos precisos termos. Foi, como se disse, desde logo por estas razões que o tribunal recorrido rejeitou a homologação do Plano em causa. Alega, todavia, a apelante que créditos devidos ao IAPMEI são passíveis de cobrança em processo de execução fiscal, constituindo título executivo a certidão de dívida emitida pelo IAPMEI, I.P., acompanhada de cópia dos contratos ou outros documentos a ele referentes. Então, se o interesse da eficácia da cobrança do crédito do IAPMEI o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor. “Como tal, nos termos da Lei, não sendo homologado o plano, o IAPMEI pode iniciar de imediato uma ação executiva, obtendo hipoteca legal sobre os imóveis e penhor sobre os móveis. Tudo, a par da necessidade de prestar garantia para suspender a execução, nos termos da CPTF. (art. 52º das alegações). Assim, sustenta a apelante que o regime legal de cobrança dos créditos do IAPMEI justifica o seu tratamento com uma solução diferenciada da de um crédito comum, Além disso, invoca o interesse colectivo prosseguido pelo IAPMEI, o que justifica, a sue ver, a derrogação dos interesses individuais dos credores. É certo, como alega a apelante que constitui título executivo para cobrança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEI a certidão de dívida por si emitida, acompanhada de cópia dos contratos ou outros documentos a ele referentes. Nos termos do nº 2 do artº 15º nº 1 do DL nº 140/2007. Todavia, o avanço para a constituição de hipoteca legal ou penhor, nos termos do art. 195º do CPPT, a propósito de tal execução, “… constitui um acto administrativo em matéria tributária sujeito a fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP, a qual terá que traduzir um juízo sobre a necessidade da constituição deste tipo de garantia para assegurar a eficácia da cobrança da dívida, ou seja, a Administração Tributária terá que alegar (fundamentação formal) e demonstrar (fundamentação substancial) que o crédito dificilmente será assegurado sem essa medida cautelar. Fora do excepcional circunstancialismo referido, não é admissível a constituição de penhor sem que esteja decorrido o prazo de pagamento voluntário, para deduzir Oposição Judicial ou requerer a dispensa de prestação de garantia, sob pena de serem postergados os direitos que lealmente estão reconhecidos aos Executados e de violação dos princípios da legalidade e boa-fé norteadores da actividade administrativa em geral.” (Ac. do STA de 07-04-2021, proc. nº 01666/20.0BEBRG, em dgsi.pt). Em circunstâncias paralelas, um credor comum que disponha de um título executivo (como é típico dos créditos bancários, como é o caso do da Banco 1...) pode igualmente iniciar uma expedida acção executiva e obter rapidamente a penhora dos bens necessários à cobrança do seu crédito, em condições processuais que não são marcadamente diferentes das da referida execução fiscal. Por isso, não é em razão deste argumento que se justifica o tratamento preferencial dado, no Plano de recuperação apresentado, ao crédito do IAPMEI. Por outro lado, por referência aos mesmos interesses, nada justifica a equiparação desse crédito ao de um credor que, esse sim, já dispõe de garantias reais sobre o património da devedora. Estando numa categoria superior, inexiste razão para um idêntico tratamento, que oblitera a vantagem da garantia com base na qual esse credor decidira conferir crédito ao devedor, assegurando-se de que haveria de ser pago com precedência sobre outros que não beneficiassem de idêntica garantia. Contra isto, por fim, não se invoque o interesse público subjacente á criação e actuação do IAPMEI. Esse interesse, que é óbvio, não permite conferir, de per si, qualquer prevalência aos respectivos créditos. O Estado não é parco a proteger os seus interesses de crédito, por via do estabelecimento de privilégios creditórios e, em determinadas situações, por via da tutela contra-ordenacional e criminal que lhes confere. Quando os respectivos créditos, titulados não pela administração central, mas por entidades que integram a administração indirecta do Estado (como é o caso do IAPMEI) não estão legalmente dotados de uma tal tutela, a mesma não lhes deve ser estendida por meras razões conceptuais. A satisfação dos interesses do IAPMEI é, no máximo, tão importante como a satisfação dos interesses de outros credores do devedor, sejam da área financeira e serviços, da área comercial ou industrial, em ordem a que se garantam tanto quanto possível condições para o funcionamento da economia, onde a actuação desses outros credores é igualmente relevante. Assim, o privilegiamento de créditos por o seu titular ser uma entidade pública não pode ocorrer se qualquer forma de privilégio não lhes foi legalmente conferida. No caso, não é por o IAPMEI ser um instituto da administração indirecta do Estado, prosseguindo necessariamente fins de interesse público, e por o Estado ter conferido a competência para a cobrança dos respectivos créditos a um outro serviço público – a autoridade tributária – que tais créditos passam a integrar uma categoria diferente, destacando-se dos demais créditos comuns e equiparando-se a créditos garantidos ou privilegiados. É, por isso, errada a afirmação constante do art. 60º das alegações do recurso, nos termos da qual “… na solução adotada, o crédito do IAPMEI recebe um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior.” Pelo contrário, na solução do Plano, o crédito do IAPMEI seria promovido à categoria superior, a par do crédito garantido da B... ao qual, por isso, na concorrência com este, de nada serviria essa superioridade; e seria destacado de outros créditos comuns, cujos titulares não teriam a mesma oportunidade de satisfação do seu crédito (ver-se-iam privados de juros, ao contrário do IAPMEI), nem os poderiam ver satisfeitos no mesmo prazo. Em suma, por via do Plano em causa, o crédito do IAPMEI obteria um tratamento privilegiado que o próprio legislador jamais lhe assegurou. De resto, cumpre afirmar ser impertinente a citação, pela apelante, do Ac. do STJ de 25/3/2014, no proc. nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (em dgsi.pt), do qual extraiu apenas a ideia de que “a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.” Com efeito, esta afirmação destina-se a justificar, ali, o melhor tratamento dado pelo legislador a créditos da Segurança Social em relação a um crédito laboral. O pressuposto da afirmação é, pois, radicalmente distinto da situação jurídica sob apreciação. Ali afirma-se, afinal, a justificação do legislador para a consagração da indisponibilidade de créditos fiscais e da segurança social. Oque, no caso em apreço, não está em questão e nada tem de análogo com o crédito do IAPMEI, para o qual o mesmo legislador não previu qualquer tratamento privilegiado. Por outro lado, resulta do já exposto que não se descortina qualquer razão que torne uma tal violação do princípio par conditio creditorum adequada e proporcional. Com efeito, o que sobressai desse Plano é que, devido ao seu peso relativo, foi essencial assegurar a votação favorável do IAPMEI. E, para isso, concedeu-se-lhe um tratamento de favor que a própria lei lhe não reservava. Porém, é precisamente esse o fito do referido princípio: garantir o tratamento igual aos créditos da mesma categoria, independentemente da sua importância relativa. Ora, no caso, inexiste qualquer razão objectiva – além da importância relativa do crédito – que justifique o tratamento conferido ao crédito do IAPMEI. Nestes termos, é inevitável concordar com o juízo proferido pelo tribunal recorrido, nos termos do qual o Plano em causa consubstancia uma violação relevante das normas aplicáveis ao seu conteúdo, maxime as estabelecidas nas als. b) e c) do nº 7 do art. 17º-F e 194º, do CIRE. Consequentemente, só pode concluir-se pelo acerto da decisão recorrida, ao recusar a homologação do Plano com um tal fundamento. Resta referir, a este propósito, que não se identifica que, ao afirmá-lo, a sentença recorrida tenha incorrido em qualquer incongruência, que determinaria a sua nulidade por ofensa ao disposto no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC. Assim, se é certo que. na pág. 14 da sentença o tribunal afirmou “Tendo em conta o que se vem de referir, afigura-se-nos que o alegado nos pontos 9. a 13 do requerimento refª 47294237 se mostra insuficiente para se concluir pela existência de violação não negligenciável de regras procedimentais” isso não exclui que, numa fase seguinte, em relação ao próprio Plano o tribunal tenha concluído que este redundava numa violação não negligenciável de regras aplicáveis ao conteúdo do Plano, designadamente as relativas à tutela do princípio de igualdade entre credores. São, obviamente, afirmações diferentes, mas tendo por objecto questões diferentes. Inexiste, pois, com tal fundamento ou qualquer outro, que não se identifica, uma contradição entre os fundamentos da decisão e o seu dispositivo. Improcedem, por isso, nesta parte, as razões da apelante. * O que vem de expor-se resulta por si só na confirmação da decisão de recusa de homologação do Plano de Recuperação proposto para a devedora A..., S.A., ora apelante e, por isso, na improcedência da apelação, tornando inútil a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, designadamente em relação a outros fundamentos usados na sentença e conducentes ao mesmo resultado.Com efeito, qualquer que seja a decisão quanto a tais outras questões suscitadas, tudo resulta na confirmação da decisão de rejeição do Plano, com os fundamentos supra expostos. Por tal motivo, referiremos apenas brevemente tais questões. Considerou o tribunal outros dois fundamentos para a decisão negativa que proferiu: a) que o credor B..., S.A. logrou demonstrou que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano b) que os pressupostos de rendimentos e gastos, os balanços previsionais, a demonstração dos resultados previsionais e a demonstração previsional dos fluxos de caixa juntos com o plano de revitalização não são credíveis. A propósito do fundamento referido na al. a), disse o tribunal: “Considerando que o crédito da B..., S.A. se encontra garantido por hipoteca e penhor mercantil, o valor pouco significativo dos créditos privilegiados reconhecidos - € 106.397,72 – e que a devedora refere que os seus activos fixos tangíveis têm um valor de € 16.867.853,54 , afigura-se-nos como crível que o credor B..., S.A. obteria, num cenário de liquidação, o pagamento da totalidade do crédito que lhe foi reconhecido em menos tempo do que o previsto no plano de revitalização.” Alega a apelante que um tal juízo não se mostra fundamentado devidamente, pelo que não poderia ser aceite. Se tal fosse relevante, tenderíamos a concordar com o apelante. Com efeito, a conclusão enunciada pelo tribunal é-o apenas perfunctoriamente, sem que a factualidade provada evidencie com um mínimo de segurança e precisão quais os termos e prazos em que o crédito da B... obteria pagamento em caso de liquidação do património da apelante, designadamente em concorrência com outros créditos privilegiados, para assim se poderem comparar com as condições de satisfação do mesmo crédito previstas no Plano de Recuperação em causa. A conclusão do tribunal pela verificação de um tal fundamento, em relação à B..., não poderia prescindir, no mínimo, da realização de uma avaliação pericial, nos termos do nº 8 do art. 17º-F, designadamente no que respeita à avaliação do seu património na hipótese de liquidação, cujo valor dificilmente coincidirá – presumivelmente - com o registado contabilisticamente Todavia, como antes se referiu, a hipótese perdeu qualquer relevância, não se justificando uma tal actividade instrutória, face às demais circunstâncias do caso. Quanto ao fundamento constante da al. b), e perante uma distribuição oposta do ónus da prova, teria de ser a própria devedora A... a demonstrar a razoabilidade e credibilidade dos pressupostos de rendimentos e gastos, os balanços previsionais, a demonstração dos resultados previsionais e a demonstração previsional dos fluxos de caixa juntos com o plano de revitalização. A situação actual da devedora provem de um reconhecido insucesso de um anterior Plano de Recuperação. A devedora, ora apelante, invocou diversas razões que motivaram o insucesso do Plano e impuseram a necessidade de sujeição a um novo Plano. Constam do seu requerimento inicial do presente procedimento: - os constrangimentos pandémicos que se estenderem por mais de 2 anos impuseram um atraso substancial na conclusão da unidade produtiva detida pela requerente; - anormal dificuldade em contratar pessoal com a competência técnica indispensável ao cumprimento do aludido desiderato; - o deflagrar da guerra na Europa impôs um aumento exponencial do preço das matérias-primas, dificultando, de sobremaneira, o acesso às mesmas, o que, naturalmente, também contribuiu para agudizar o atraso verificado na edificação e instalação da referenciada unidade produtiva; - atraso significativo na entrega de equipamentos imprescindíveis à plena operacionalidade da unidade produtiva - as vistorias realizadas aos equipamentos já instalados e montados, denotaram a imperiosa necessidade de reparar alguns e de substituir outros, também, numa dimensão muito superior ao imaginável quer a nível temporal, quer a nível de custo/Investimento final; - a insolvência de muitas das empresas que prestavam apoio aos fornecedores da requerente, tanto no plano da prestação de serviços como no de fornecimento de equipamentos; - a generalidade das licenças detidas pela requerente - que se afiguravam imprescindíveis à prossecução do objeto social – entretanto, caducaram. Perante um tal cenário, afirmou a A... que está agora em condições de “activar” a sua unidade produtiva, afirmando esperar logo no primeiro ano uma facturação superior a 26 milhões de euros e um lucro de mais de quase € 5.700.000,00. Porém, como refere a sentença, não promoveu a ora apelante qualquer prova sobre a credibilidade de tão optimísticas previsões, sejam notas de encomenda para a sua produção, sejam acordos de fornecimento, seja, sequer, a demonstração de tudo ter pronto para, no imediato, começar a produzir e a facturar para poder alcançar os citados resultados. Como se referiu, competia à devedora o ónus da prova de que o plano de recuperação apresenta perspectivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma. Ora, a contrario do que alega, da simples adesão da maioria dos credores – onde sobressai a posição do IAPMEI, como acima se referiu – à aprovação do plano não pode inferir-se a credibilidade dos pressupostos de rendimentos e gastos, os balanços previsionais, a demonstração dos resultados previsionais e a demonstração previsional dos fluxos de caixa juntos com o plano. E o mesmo se diga do parecer do administrador judicial, que não opera qualquer análise de tais elementos, em ordem a que se possa concluir que neles acreditou e a eles aderiu. Em concordância com o juízo do tribunal recorrido, a análise de tais elementos aparece como um simples lançamento de valores, sem que a ora apelante, acessoriamente, tenha demonstrado a probabilidade da sua realidade. Assim, a questão não se coloca por não haver termo de comparação entre volumes de facturação anteriores e os esperados, pois que o não desenvolvimento de qualquer actividade produtiva anterior prejudica a aquisição daqueles elementos. A questão põe-se em relação ao volume de facturação e de lucros que o Plano pressupõe, apesar de a actividade produtiva haver ainda de ser iniciada, com toda a problemática que o arranque de qualquer unidade industrial e de qualquer actividade naturalmente comporta. Nestas circunstâncias, faltou à ora apelante convencer que poderá efectivamente começar a produzir a curto prazo, colocando o elevado volume de produto no mercado, que os valores de facturação e de lucro anunciados sempre careceriam para se concretizarem. Em suma, se se deve concordar com a apelante ao afirmar que “O aumento de faturação e de proveitos da empresa são facilmente explicáveis com o arranque da fábrica” (art. 181º das alegações de recurso), isso não significa que se possam ter por demonstrados e, assim, por adquiridos, os elementos acima referidos e que seriam essenciais para se concluir que o plano de recuperação apresenta perspectivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, designadamente que “Um lucro de cerca de €5.7 milhões constitui uma estimativa conservadora” (art. 188 do articulado de recurso). Resta afirmar que tal conclusão não procede de qualquer incapacidade compreensiva do tribunal, mas de um assinalável deficit instrutório da devedora, ora apelante a propósito desta matéria, tanto mais que não se pode reconhecer validade ao seu argumento nos termos do qual os seus credores, conhecedores do mercado, aderiram massivamente ao Plano. Com efeito, contra ele, além da B..., manifestaram-se o Banco 1... e D..., S.A.. Votando a favor ( isto é, sem atentar nas abstenções), além do crédito do IAPMEI e de um outro crédito comum da JLC Investments, S.A., este no valor de 2.722.298,39 €, além dos créditos da AT e da Segurança Social,, os credores que votaram favoravelmente o plano são poucos e surgem como portadores de créditos com valores bem menos significativos. Ou seja, de forma alguma se pode concordar com a apelante ao afirmar que a credibilidade dos elementos supra referidos se pode alicerçar na posição dos credores, conhecedores das circunstâncias por serem actores no mesmo mercado. Também por esta razão, assim, se concorda com a sentença recorrida, na improcedência das razões da apelante. * Decorre, de todo o exposto, que inexistem as incongruências apontadas à decisão recorrida, que assim não incorre nas nulidades invocadas, que se subsumiriam à al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC. E, bem assim, ser irrelevante, a final, a discordância supra enunciada em relação a um dos fundamentos invocadas para a rejeição do plano de recuperação, designadamente o relativo a uma provável melhor solução para o crédito da B..., por via da liquidação, do que a que lhe adviria do Plano.* Resta, por todo o exposto, negar provimento ao presente recurso de apelação, na confirmação integral de ambas as decisões recorridas, quer quanto ao encerramento do processo, quer quanto à não homologação do Plano de Recuperação proposto para a devedora A..., S.A.* Sumário:……………………………… ……………………………… ……………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso, na confirmação integral de ambas as decisões recorridas, quer quanto ao encerramento do processo, quer quanto à não homologação do Plano de Recuperação proposto para a devedora A..., S.A. Custas pela apelante. Registe e notifique. * Porto, 10 de Julho de 2024Rui Moreira Anabela Miranda Maria Eiró |