Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALBERTO TAVEIRA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE ALEGAÇÃO CONTRATO DE EMPREITADA VÍCIOS DA COISA DENÚNCIA DOS DEFEITOS DA OBRA PAGAMENTO DO PREÇO | ||
Nº do Documento: | RP20240710105960/21.9YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A recorrente tem que observar os requisitos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil quando pretende recorrer da matéria de facto: indicar qual o facto sobre o qual pretende que o tribunal de recurso tome conhecimento e por outro lado, indicar/apontar a decisão, que no seu entender, deve ser proferida sobre os factos em causa. II - O dono da obra face à existência dos vícios da obra, não a aceitando, não está obrigado ao pagamento do preço. Contudo, é pressuposto que ocorra a denúncia dos defeitos e que expressamente interpele a outra parte de que não iria prestar a sua obrigação, pagamento do preço, enquanto não fossem “reparados” os defeitos. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | PROC. N.º[1] 105960/21.9YIPRT.P1 * Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9
RELAÇÃO N.º 152 Relator: Alberto Taveira Adjuntos: Márcia Portela Artur Dionísio Oliveira * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO * I - RELATÓRIO. AS PARTES A.: A..., SA R.: B... Unipessoal, Lda * A A. intentou injunção contra a R., peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia 31.008,25 euros, a título de capital, acrescida do valor de juros de mora vencidos no valor de 1.936,95 euros e dos que se vencerem até integral pagamento. Invoca para tanto que no exercício da sua actividade celebrou com a R contrato de empreitada, prestou os serviços e facturou. A R. não procedeu ao pagamento do preço constante da factura.
A R., contestou, defendendo-se por impugnação, invocando a existência de defeitos, razão pela qual a obra não foi aceite.
A A. respondeu à matéria de exceção alegada pela ré peticionando a sua improcedência e a procedência do seu pedido. ** * Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente procedente a demanda, nos seguintes termos: “Pelo exposto, decido julgar a ação totalmente procedente e, em consequência condeno a ré a pagar à autora a quantia de 31.008,25 euros (trinta e um mil e oito euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora contados desde a 31/1/2021 e contabilizados as sucessivas taxas legais estabelecidas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, até integral pagamento.“. * DAS ALEGAÇÕES A R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte: “Nestes termos e nos mais de Direito, que V.es Ex.es mui Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, por via disso, admitindo-se e julgando-se procedente o recurso interposto pelo Recorrente de FACTO e de DIREITO, absolvendo-se o Recorrente do pedido formulado na P.I. decidindo deste modo, V.s. Exes. farão, como sempre a costumada justiça”. * A recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES: “1. A Ré, ora Recorrente, com todo o respeito pela Douta Instância Recorrida que é, naturalmente, muito ficou absolutamente atónita com o teor da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente procedente a ação intentada pela Autora, ora Recorrida II. Isto porque, considerando o alegado pelas partes, a prova produzida, os documentos juntos aos autos e, bem assim, a matéria considerada PROVADA E NÃO PROVADA, outra decisão impunha-se: a decisão de improcedência total do pedido formulado pela Autora. III. Isto porque, dúvidas não existem que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de empreitada, pelo contrato celebrado, "o primeira Autora) obriga-se a executar para o segundo [a Ré] os trabalhos fornecimento e montagem de caixilharia em aluminio conforme mapa de quantidades anexo ao contrato (orçamento n.º ..." - cfr. cláusula primeira contrato de empreitada celebrado. IV. Mais ficou estipulado que a Autora era responsável perante a Ré pelos trabalhos cfr. cláusula quinta do contrato de empreitada realizados pelos subempreiteiros celebrado. V. Vejam-se, aliás, os factos dados como provados n.ºs 3" No desenvolvimento da sua atividade comercial e a 3/9/2020 a autora acordou com a ré a execução de trabalhos de fornecimento e montagem de caixilharia em aluminio, pelo valor de 35.000,00 euros acrescido de IVA à taxa legal em vigor" e "6. O primeiro vão da caixilhario apresento 1 dos vidros "picado" na parte exterior e nos vidros virados para a piscina, na sua parte exterior, existe 1 vidro riscado no vão do meio e caixilho do meio, 2 vidros riscados no vão da esquerda - 1 no primeiro caixilho e outro no caixilho do meio" - cfr. sentença recorrida. VI. Também PROVADO resultou que a Recorrente comunicou à Recorrida a existência. de defeitos nas caixilharias (dos vícios descritos no facto provado 6), "em data não concretamente apurada, mas anterior a 14/6/2021" (facto provado n.º 7), ou seja, a Recorrente interpelou a Recorrida para a reparação dos problemas existentes em data anterior à carta remetida descrita no facto provado n.º5. VII. Ou seja, é inquestionável que a caixilharia aplicada pela Recorrida no cumprimento do contrato de empreitada padecia de problemas (facto provado 6), sendo facto essencial para o litigio sub judice aquilatar da origem e da culpa da sua produção. VIII. A prova produzida em audiência de discussão e julgamento, especialmente a prova pericial (relatório pericial e esclarecimentos do Senhor Perito) foram claras ao enunciar que os vidros fornecidos e aplicados pela Recorrida padeciam de defeitos/patologias/vícios. IX. Nos quesitos formulados pela Ré, respondeu o Sr. Perito, existirem riscos e, também, que "o primeiro vão de caixilharia, indicado ao perito no local, apresenta um dos vidros "picado" aparentemente por limalha produzida por máquina de corte de metais, do tipo rebarbadora (...)"-cfr. relatório pericial. X. Também confirmou o senhor perito que as duas janelas basculantes "não funcionavam de forma correta, isto é, não consegue abrir, uma vez que depois de aplicadas, o azulejo de revestimento da envolvente do vão impede a suo mobilidade "Questionado o Sr. Perito para a origem dos problemas (quem os provocou) respondeu o Senhor Perito o seguinte: (...) Não sendo possível por perícia determinar como é que tal possa ter acontecido e quando" - cfr. mail de 11.04.2023. XI. Em audiência confirmou o Senhor Perito acrescentou nos seus esclarecimentos que os problemas que verificou eram "Riscos inaceitáveis para uma obra nova (2m13s dos esclarecimentos prestados em audiência) e que, provavelmente, "O picado foi mais uma rebarbadeira que próxima dos vidros a cortar limalhas e as limalhas espetaram-se al" (3m14s dos esclarecimentos prestados em audiência). XII. Colocou-se a questão de se saber se os problemas em alguns dos vidros advinham da limpeza dos vidros e não da sua produção ou aplicação (mas não em relação a todos os problemas, conforme relatório pericial quanto aos vícios produzidos por máquina de corte de metais, tipo rebarbadora), sem que, contudo, tenha a Autora demonstrado, em momento algum, que os vidros foram bem concebidos, bem aplicados e que, no final dos trabalhos, a obra foi entregue sem qualquer defeito e que a mesma foi aceite sem qualquer reserva. XIII. Essa prova não foi produzida pela Autora, sendo que da Douta sentença recorrida resulta, de forma inequívoca, que ficou "a dúvida sobre a origem dos ricos e "picado nos vidros e que foi essa dúvida que determinou o julgamento da decisão nos termos em que foi proferida, o que não se aceita porquanto trata-se de um julgamento errado. XIV. Isto porque de acordo com o art. 1225.º n.º 1 do Cód. Civil "o dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência de defeitos, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas portes se exceder aquele (cfr. entre outros, Acórdãos do STJ, de 26-10-2010, Pr. 571/2002.P1.51, (Relator: Urbano Dias) e de 15-11-2012, Pr:25106/10.4T2SNT.L1.S1 (Relator: Granja da Fonseca), ambos in www.dgsi.pt. XV. Sobre a questão da empreitada e do ónus da prova em juízo fazemos nossas as palavras dos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra: "(...) 4.- Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obro, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, beneficia da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos actos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC). 5. Para afastar tal presunção o empreiteiro teria que provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra (...) cfr. Ac. do TRC de 17.12.2014, processo n.º 157/12.8TBALD.C1 em www.dgsi.pt. XVI. A responsabilidade civil contratual, em que se move a causa de pedir da acção, assenta no princípio fundamental da presunção de culpa do devedor, segundo o qual Incumbe a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, nos termos das disposições combinadas dos artigos 799º, nº 1 e 342º, nº 2, do CC, sob pena de sobre si recair a respectiva presunção de culpa. XVII. Porém, cabendo ao devedor, na responsabilidade contratual, na hipótese de falta de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação, demonstrar que estes factos não procedem de culpa sua, sob pena de recair sobre si a respectiva presunção de culpa, já é ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento ou, tratando-se de cumprimento defeituoso, a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização (cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 1974, 97.).. XVIII. Ora, ficaram demonstrados os defeitos (facto provado 6) das caixilharias fornecidas pela Autora e por esta aplicadas sendo que a alegação do defeito foi deduzida na Contestação da Ré e, outrossim, havia sido comunicada pela Recorrente à Recorrida nos termos melhor descritos no facto provado 7. XIX. Não poderia, por isso, o Tribunal recorrido ter julgado nos termos em que julgou na medida em que a dúvida sobre a origem/produção dos danos e a sua culpa tem que ser julgada a favor da Ré e não da Autora por aplicação dos citados normativos legais. XX. E, em consequência, válida é a alegação da exceção de não cumprimento (art. 428.9 do Cód. Civil) invocada pela Ré/Recorrente, dona da obra, para a recusa em proceder ao pagamento de uma quantia decorrente de trabalhos que foram deficientemente executados pelo empreiteiro. XXI. Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal recorrido violou, entre outros, os arts. 342.9 n.92, 799.0 n.º 1, 800.º n.º 1 e 1225.º n.º 1, todos do Cód. Civil, pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente ação, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.”. * A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Acaba por concluir do seguinte modo. “I. Veio a Recorrente intentar o presente recurso de apelação, sustentando o mesmo no facto dos serviços prestados pela Recorrida padecerem de vícios/defeitos/patologias e como a Autora não demonstrou que a existência dos referidos vícios/defeitos precederam de culpa da Recorrente teria o tribunal que decidir a favor da Recorrente nos termos do disposto no art. 1225.º do Código Civil. II. E como tal, a sua condenação constitui erro de julgamento. III. No entanto, não assiste qualquer razão à Recorrente não merecendo a douta sentença proferida pelo Juiz 9 do Juízo Local Cível do Porto qualquer reparo devendo ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, desde logo porque a Recorre para além de não ter cumprido o ónus a que se encontrava obrigada, os argumentos veiculados na matéria recurso padecem de fundamentação. IV. No que concerne ao ónus a Recorrente não cumpriu com o mesmo porquanto, a matéria recursiva pela Recorrente apresentada é omissa no que diz respeito à enumeração dos concretos pontos que considera incorretamente julgados e à decisão que no seu entender deve ser proferida, o que viola claramente o número 1 do artigo 640º. Do Código de Processo Civil e consequente leva à rejeição liminar do recurso apresentado vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1 de 09-06-2021 e o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 556/19.4T8PNF.P1.S1 de 15-09-2022: V. Desta feita, dúvidas certamente não subsistirão de que a Recorrente não cumpriu com o ónus que lhe era imposto e que o recurso por si apresentado deverá ser rejeitado liminarmente, com as demais consequências legais. Sem embargo, e caso assim não se entenda, VI. A Recorrente nas suas alegações, pretende fazer crer junto de Vexa(s) Venerando(s) Juíz(es) do Tribunal da Relação do Porto que os defeitos apontados pela Recorrente não precederam de culpa da Recorrida, indicando partes dos depoimentos das testemunhas, cirurgicamente escolhidas, sem a devida contextualização, numa tentativa vã de sustentar a sua ‘teoria’. VII. Porém, a prova produzida e analisada de forma atenta e entusiasta derruba veementemente o alegado, uma vez que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento de forma clara e inequívoca demonstra que os indicados defeitos não foram causados pela Autora/Recorrida. VIII. A este propósito, cumpre-nos ab initio referir que ardilosamente sustenta o Recorrente na sua alegação que a Recorrida não logrou provar que os vidros fornecidos haviam sido “bem concebidos”, numa tentativa de por essa via proceder a uma qualquer inversão do ónus da prova para aqui Recorrida. IX. Contudo, olvidou-se a Recorrente que tal inversão para os devidos efeitos legais não pode proceder, porquanto é a Recorrente que por exceção alega a existência de defeitos/ vícios/ patologias nos aludidos vidros e como tal os “defeitos/vícios/ patologias” têm de ser demonstrados pela Recorrente e não pela Recorrida, uma vez que foi a mesma que os invocou. X. Assim, atendendo que cumpre à Recorrente demonstrar os aludidos defeitos deverá improceder a inversão do ónus de prova que a Recorrente pretende impor nas suas alegações mormente nos pontos 32 e 33. XI. Ademais, e para além da tentativa da inversão do ónus, as alegações apresentadas pela Recorrente concentram-se em subverter a realidade dos factos e as declarações prestadas em sede de julgamento pelo perito. XII. Contudo, a recorrente para fazer valer a sua “convicção” indicou apenas partes dos depoimentos das testemunhas, sem a devida contextualização, olvidando-se de toda a prova produzida que evidencia a ausência de responsabilidade da Recorrida, mormente o relatório pericial, as declarações do Perito (na sua totalidade) e a restante prova testemunhal. XIII. Contrariamente ao que refere a Recorrente, a obra foi por si aceite sem reservas, através de auto de medição - também ele aceite e assinado pela Recorrente-, no qual aquela atesta a conformidade da obra. XIV. Por outro lado do relatório pericial requerido pela ora Recorrente resulta que as patologias encontradas nos vidros vendidos e aplicados são resultado de uma ação externa. XV. Sendo certo que, segundo o referido relatório e ainda das declarações do Sr. Perito, os riscos parecem ter resultado de algum processo de limpeza em que utilizaram algum produto abrasivo. XVI. Produto esse que não foi utilizado pela Requerida mas sim pelo serviço de limpeza realizado pela Recorrente conforme referiu o Ex Funcionário da Recorrente, AA, ( nos Minuto 3:50m- 4:19m) e sustentado pela testemunha BB que referiu no relatório que a responsabilidade pelos danos em apreço não pode ser imputada nem ao instalador nem ao fabricante, porquanto, a forma, dimensão e densidade dos riscos verificados não é compatível com eventuais danos provocados durante o processo de instalação/colocação dos vidros em questão. XVII. Acresce ainda que, da prova testemunhal foi possível aferir que os alegados defeitos não poderiam ter sido realizados pela aqui Recorrida não só pelos motivos já explanados como também pela assertividade das declarações prestadas pela testemunha BB que demonstrou perante o Tribunal o seu elevado conhecimento experiência e referenciou que tais danos não poderiam ser causados pela instalação dos vidros (Minutos 6.03m – 8.02m). XVIII. Quanto às janelas basculantes cumpre à aqui Recorrida referir que a mesma não foi responsável, na obra, pelo revestimento das janelas. XIX. Em bom rigor - algo que, com o devido respeito, parece não assistir à Recorrente-, qualquer defeito/anomalia existente nas janelas basculantes precede de culpa da própria Recorrente porquanto o azulejo de revestimento foi por si colocado. XX. Conforme perentoriamente afirmou a testemunha CC em sede de audiência de discussão de julgamento, conforme se alcança através do seu depoimento, supra transcrito. XXI. Assim, de toda a prova produzida resulta que não houve lugar a qualquer incumprimento por parte da Autora do contrato de empreitada, uma vez que não foi possível apurar/ concluir que o material vendido e aplicado apresentava quaisquer defeitos da sua responsabilidade. XXII. Nessa senda e atendendo a todo o exposto, o Recurso do Recorrente não poderá colher qualquer provimento, sendo desprovida de qualquer sentido toda a argumentação apresentada pelo Recorrente. XXIII. Devendo ser julgado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso interposto.” * Foi a recorrente, R., notificado quanto a eventual rejeição do recurso da matéria de facto, “ausência da concreta e especifica factualidade que pretende ver apreciada e o sentido da almejada decisão que este Tribunal poderia tomar”. A recorrente veio aos autos veio aos autos declarar: *** * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte: Aplicação do direito aos factos – cumprimento/incumprimento do contrato de empreitada; existência de defeitos/vícios na obra; excepção de não cumprimento. ** * A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade. “A) Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos: 1. A autora é uma sociedade que se dedica ao fabrico de estruturas de construções metálicas, portas, janelas e elementos similares em metal, artigos de plásticos para construção, construção civil e engenharia civil; construção de pontes e túneis, instalação e manutenção de máquinas e equipamentos para a construção civil; revestimentos de pavimentos e de paredes, pintura e colocação de vidros; promoção, gestão e execução de empreendimentos imobiliários; compra e venda de imóveis para revenda e seu arrendamento, gestão de patrimónios e imobiliário; outras atividades de serviços prestados principalmente às empresas na área da construção civil; aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil; Aluguer de veículos automóveis ligeiros. 2. Por seu turno, a ré dedica-se à construção civil e obras públicas. 3. No desenvolvimento da sua atividade comercial e a 3/9/2020 a autora acordou com a ré a execução de trabalhos de fornecimento e montagem de caixilharia em alumínio, pelo valor de 35.000,00 euros acrescido de IVA à taxa legal em vigor. 4. Em 31/1/2021 a autora emitiu a favor da ré a fatura n.º ..., com vencimento na mesma data, no montante de 31.008,25 euros, a qual foi remetida à autora, respeitante ao valor dos trabalhos realizados na obra na sequência da execução do acordo referido em 3. 5. A autora solicitou à ré a liquidação da quantia referida em 4., por carta registada com aviso de receção remetida a 27/7/2021 e recebida pela ré a 2/8/2021. 6. O primeiro vão da caixilharia apresenta 1 dos vidros “picado” na parte exterior e nos vidros virados para a piscina, na sua parte exterior, existe 1 vidro riscado no vão do meio e caixilho do meio, 2 vidros riscados no vão da esquerda – 1 no primeiro caixilho e outro no caixilho do meio. 7. A ré comunicou à autora o referido em 6., em data não concretamente apurada, mas anterior a 14/6/2021. * B) Factos não provados. 1. Os factos alegados nos art.ºs 4.º (A obra não foi aceite pelo dono da obra), 5.º (Parte dos caixilho e vidros fornecidos e colocados em obra apresentam amolgadelas - quanto aos caixilhos e a todos os restantes vidros com exceção dos referidos no ponto 6 dos factos provados), 6.º (Detetados os defeitos, a R. prontamente reclamou junto da A, solicitando a reparação dos defeitos - quanto ao “prontamente”) e 7.º (A A. comprometeu-se a rectificar os defeitos) da contestação. 2. Que os riscos existentes nos vidros tenham sido provocados pela autora.“. ** * Aplicação do direito aos factos – cumprimento/incumprimento do contrato de empreitada; existência de defeitos/vícios na obra; excepção de não cumprimento. Argumenta a apelante não ter a A. logrado provar que a sua prestação foi devidamente cumprida, ie, que os trabalhos que a A. efectuou, foi sem qualquer defeito e que a obra foi aceite pela R. (apelante) sem reserva. Ficou provado no ponto 6, que as caixilharias apresentam defeitos. Que na responsabilidade contratual se presume a culpa do devedor. Em consequência deverá ser procedente a pretensão da R., da procedência da excepção de não cumprimento. Vejamos se procede a pretensão da apelante. A sentença ora recorrida fundamentou a sua decisão do seguinte modo: “A autora prestou os serviços no valor de 31.008,25 euros. A ré não liquidou a quantia devida pelos serviços prestados, nem demonstrou os factos que a eximiriam do cumprimento da sua obrigação.”
A responsabilidade contratual distingue-se da responsabilidade por actos ilícitos, sobretudo, pela natureza do acto ilícito que, naquela constitui a violação de uma obrigação, e pelas regras de distribuição do ónus da prova já que ali é imposta ao devedor a prova de que agiu sem culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto na responsabilidade aquiliana cabe a lesado a prova da culpa do lesante (artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil), sendo a culpa, em qualquer caso, apurada com base num critério abstracto, pela “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Deve considerar-se como responsabilidade contratual a violação de deveres impostos pela boa fé em consequência da constituição de uma relação jurídica derivada de entrada em negociações contratuais. A responsabilidade contratual em sentido restrito emerge da falta de cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor, supondo o incumprimento do contrato que este seja um contrato válido, apto a produzir os correspondentes efeitos. Assim incumbe ao devedor a prova da falta de culpa pela verificação de danos resultantes do incumprimento. Os factos são claros e de fácil percepção. Após conclusão da obra, o empreiteiro, aqui A. e recorrida, tem o dever acessório de a colocar à disposição do dono da obra, R. apelante, de maneira possibilitar que esta a possa examinar, com o fito de a verificar – artigo 1218.º, n.º 1 do Código Civil. Posta à disposição do dono da obra, este tem de a examinar, dispondo do prazo usual para esse acto ou dentro de um prazo razoável – artigo 1218.º, n.º 2 do Código Civil. Após a aceitação da obra o dono da obra tem de efectuar tal exame, tendo este o ónus de comunicar os resultados deste – artigo 1218.º, n.º 4 do Código Civil. De igual modo, esta comunicação terá que ser feita dentro de um prazo usual para esse acto ou dentro de um prazo razoável. Não cumprindo o dono da obra tais ónus, a consequência acarreta a perda da possibilidade de exercer os direitos que a lei lhe confere – artigo 1218.º, n.º 5 do Código Civil. Se o dono da obra detecta defeitos tem a obrigação de comunicar e informar o empreiteiro da sua existência. Esta circunstância – comunicação de defeitos – pode motivar uma recusa do recebimento da obra ou a sua aceitação com reservas, podendo aceitá-la ou não. Caso não seja aceite a obra, nos termos do artigo 1211.º, n.º 2 do Código Civil, a obrigação de pagamento do preço não se vence. Estes ónus de verificação da obra e de comunicação de aceitação ou não da obra, com eventual indicação de defeitos, como se deixou dito, tem um prazo. O não cumprimento de tal prazo, acarreta a sanção prevista na Lei, somente em caso de incumprimento definitivo. Neste sentido JOÃO CURA MARIANO, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da Obra, 2004, páginas 67 e seguintes e PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, páginas 435/437.
Retornemos, então, ao caso dos autos. Como se referiu supra e que resulta claramente dos factos provados, não ocorreu qualquer acto entre R. e A. que se possa qualificar de recepção e aceitação da obra e muito menos de qualquer reclamação de defeitos. O que temos provado é a emissão da factura a 31.01.2021 correspondente ao valor dos trabalhos efectuados pela A. à R.. Mais ficou provado que a A, insistiu no pagamento a 27.07.2021, ie, cerca de seis meses depois. Quanto a uma eventual reclamação, temos como provado que, em data anterior a 14.06.2021, a R. comunicou à A. a existência de um vidro picado e de três outros riscados. Nada mais resulta dos factos provados. Face a esta factualidade, há que concluir que a obra foi efectuada em momento anterior à emissão da factura de 31.01.2021. Com a emissão da factura, tal como alegado pela A. foi a obra entregue à R.. Esta realidade não está em causa nos autos. De facto, consta da factura emitida pela A.: “valor dos trabalhos realizados na vossa obra, conforme auto de medição n.º 1 em anexo”. Portanto, haverá que concluir por a obra ter sido entregue e aceite pela R.. Caso tivesse ocorrido denúncia de defeitos e feito pedido da sua eliminação ou de construção de nova obra, o artigo 1222.º do Código Civil atribui ao dono da obra o direito de resolver o contrato, com fundamento na existência de defeitos. Ora, nos autos não foi isso que a R. optou por fazer. Mais. A R. não demonstrou nos autos haver interpelado a A. para denúncia de defeitos, de pedido de reparação, ou de pedido de indemnização, pedido de redução do preço, p. ex:. Ainda assim, argumenta a apelante/R., que face à factualidade dada como provada não está obrigado ao pagamento do preço dado que a A. não cumpriu a sua prestação – realização da obra sem defeitos. Nos termos da Lei, o dono da obra que dada a existência dos vícios da obra, não a aceitando, não está obrigado ao pagamento do preço. Contudo, era pressuposto ter a R. denunciado os defeitos e expressamente interpelado a A. de que não iria prestar a sua obrigação, pagamento do preço, enquanto não fossem “reparados” os defeitos. Não foi essa a atitude da R., tal como resulta dois factos provados. “A excepcio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretendia exercer, salvo o direito de resolução, cujos efeitos não são compatíveis com aquele meio de dilacção do pagamento. “, JOÃO CURA MARIANO, ob. cit, pág. 126. Deste modo se terá que julgar totalmente improcedente a apelação. *** * Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil). * Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Alberto Taveira Márcia Portela Artur Dionísio Oliveira _________________ [1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria. |