Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
466/16.7GBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: SANÇÃO ACESSÓRIA
OBTENÇÃO DE TÍTULO DE CONDUÇÃO POSTERIOR À PRÁTICA DOS FACTOS
Nº do Documento: RP20250514466/16.7GBAMT.P1
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No caso das infracções estradais, a aplicação da sanção acessória ao respectivo responsável reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação grave ou muito grave, razão pela qual a entidade decisória, na respectiva decisão, caso o responsável seja pessoa individual não habilitada com título de condução (ou pessoa colectiva), substitui a inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo.
II - A circunstância de posteriormente à prática da contra-ordenação estradal o infractor ter obtido título de condução não pode ter por efeito a alteração da sanção acessória de apreensão do veículo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 466/16.7GBAMT.P1

Comarca do Porto Este
Juízo Local Criminal de Amarante

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1. O arguido AA veio interpor recurso do despacho proferido em 05.12.2024 que ordenou a notificação do arguido para proceder à entrega da carta de condução (assim como todos os outros títulos habilitantes à condução que possua) para cumprimento da pena acessória em que foi condenado nos presentes autos.
*
I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)
“A - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, supra tecida, sem prejuízo das de conhecimento oficioso;
B – O recorrente foi condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de quatro meses, que nos termos do artigo 147º da CE, se substitui, na ausência de carta de condução, e no pressuposto de que o veículo que conduzia é de sua propriedade, pela apreensão efetiva desse veículo por igual período de 4 meses
C- Tal sanção resulta de sentença datada de 08 de Junho de 2017.
D – A douta sentença que se faz referência transitou em julgado em 01/09/2017
E – Posteriormente, estes autos foram cumulados com o processo ..., tendo sido aplicada a pena única de 14 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação.
F – Ora, e analisando tal sentença cumulatória não se vislumbra qualquer referência à sanção acessória imposta no processo nº466/16.7GBAMT.
G- Isto posto, teremos de ter como referência legal e temporal a sentença que aqui já se fez referência, isto é, a sentença do processo 466/16.7GBAMT, datada de 08 de Junho de 2017 e transitada em julgado em 01/09/2017.
H- Nos termos do disposto no artigo 189º do Código da Estrada as sanções acessórias prescrevem passados dois anos do trânsito em julgado da sentença.
I- Ou seja, já estaria prescrita no momento de cúmulo das penas principais dos autos supra referidos, razão pela não existe qualquer menção a tal na decisão cumulatória.
J- Assim a sanção acessória prescreveu em 01/09/2019.
L- Não assiste assim qualquer legitimidade ao ordenado no despacho que aqui se põe em crise, extraindo-se daí as legais consequências.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida, dando-se sem efeito o ordenado no despacho posto em crise.
*
I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência e manutenção do despacho recorrido, concluindo nos seguintes termos (transcrição integral):
“1. O arguido ora Recorrente esteve privado da sua liberdade de 28-11-2017 a 27-02-2024, em cumprimento de pena de prisão em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e segundo informação obtida do IMT, o mesmo passou a ser detentor da carta de condução com o número ... em 01-03-2024.
2. à semelhança do que sucede com a pena acessória de “proibição de conduzir veículos com motor”, prevista no art. 69º do Código Penal, e por força do seu nº 8, também no cálculo da sanção acessória “inibição de conduzir veículos motorizados”, prevista no art. 147º do Código da Estrada, não deve contar o período durante o qual o arguido esteja privado de liberdade.
3. Do prazo de prescrição, esse começa a correr na data do trânsito em julgado da decisão – in casu, a saber em 01-09-2017 -, tendo-se suspendido com o início de cumprimento de várias penas privativas da liberdade por parte do arguido ora recorrente, e retomado o seu curso no passado dia 27-02-2024 (data em que o arguido retornou à liberdade).
4. Portanto, não se mostra ultrapassado o prazo normal de prescrição, que é de 2 anos – cfr. artigo 189º do Código da Estrada.”
*
I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer pugnando pela rejeição liminar do recurso por entender ser irrecorrível o despacho posto em causa nos termos do disposto no artigo 400º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal e, caso assim não se entenda, pela improcedência do recurso.
Tendo a questão relativa à irrecorribilidade sido apreciada aquando da admissão do recurso, nesta parte nada mais há a apreciar.
*
I.4. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo sido apresentada resposta ao parecer.
*
I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões da recorrente a única questão que importa apreciar e decidir é a de saber se ocorreu a prescrição da sanção acessória aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância.
**
II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Como se promove.”
**
II.3. Factos e ocorrências processuais relevantes
Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os elementos factuais e as ocorrências processuais que constam dos autos:
i) Por sentença proferida em 08.06.2017 e transitada em julgado em 01.09.2017, foi decidido:
“1.º Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão efectiva.
2.º Condenar o arguido pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 4.º, n.º 1 e 3, do Código da Estrada, na coima de € 500 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, que nos termos do art.º 147.º, n.º 3, do CE, se substitui, na ausência de carta de condução, e no pressuposto de que o veículo que conduzia é de sua propriedade, pela apreensão efectiva desse veículo por igual período de 4 meses.”
ii) Na referida sentença a apreciação e qualificação jurídico-penal da matéria de facto foi efectuada nos seguintes termos (transcrição da parte com relevo para apreciação do recurso):
“Da contra-ordenação:
Ao arguido vem igualmente imputada a prática da contra-ordenação prevista no art.º 4.º, 1 e 3, do Código da Estrada, que prevê a aplicação de uma coima entre € 500 e € 2500.
Por seu turno, esta contra-ordenação pode e deve ser apreciada no âmbito deste processo criminal nos termos previstos no art.º 134.º do Código da Estrada.
Considerando a factualidade que resultou provada, dúvidas não subsistem que o arguido cometeu a infracção estradal imputada e, por isso deve ser condenado pela sua prática.
De acordo com o disposto no art.º 146.º al. l) do Código da Estrada trata-se de uma contra-ordenação muito grave, punida com coima e sanção acessória nos termos do art.º 138.º do mesmo diploma legal.
Assim, sendo esta a primeira contra-ordenação que vemos ser imputada ao arguido, julgamos que ela deve ser fixada pelo mínimo legal e, nessa medida, fixa-se a coima em € 500.
Acresce à condenação em coima a sanção acessória de inibição de conduzir que nos termos do art.º 147.º, 1 e 2 é sancionada com 2 meses a 2 anos e de acordo com o n.º 3, caso não tenha carta de condução, prevê-se a apreensão do veículo por igual período da inibição, caso o veículo pertença ao arguido.
Ponderando os factores determinantes e as razões subjacentes à aplicação da sanção acessória, julgamos adequada fixá-la em 4 meses, dando lugar à apreensão do veículo de sua propriedade por igual período.
Em face do exposto, decide-se condenar o arguido, pela prática da contra-ordenação prevista no art.º 4.º, n.º 1 e 3 do Código da Estrada na coima de € 500 (quinhentos euros) e, ainda, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, a substituir pela apreensão do veículo que seja de sua propriedade por igual período, nos termos previstos no n.º 3 do art.º147.º, n.º 3, do Código da Estrada.”
iii) Em 14.09.2017 foi aberta conclusão com a seguinte informação:
“Por sentença datada de 08/06/2017, a folhas 141 a 155, foi o arguido condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, substituída, na ausência de carta de condução, pela apreensão do veículo que conduzia, que seria de sua propriedade. Efectuada a pesquisa do referido veículo, de matrícula ..-QF-.., constata-se que o arguido já não é proprietário do mesmo - cfr. fls 169 e 170.
Assim, levo ao conhecimento de V.Exª a fim de ordenar o que tiver por conveniente.”
iv) Na sequência dessa informação, em 14.09.2017, foi proferido o seguinte despacho:
“Ao Ministério Público”.
v) Em 18.09.2017, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Fls. 173 – Promovo se notifique o proprietário registral do veículo para vir aos autos esclarecer se o veículo efectivamente lhe pertence ou se pertence ao arguido.”
vi) Em 09.10.2017, foi proferido o seguinte despacho:
“Como se promove.”
vii) Em 18.11.2017 o arguido iniciou o cumprimento da pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3.1.
viii) Em 22.11.20147, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Fls. 181 – Promovo se solicite à A... que informe se o veículo lhe pertence. Mais promovo se averigúe novamente a titularidade do veículo no registo.
*
Fls. 183
O arguido AA foi condenado nos presentes autos por sentença transitada em julgado, na pena de 10 meses de prisão.
Não são conhecidos períodos de detenção que devam ser descontados nos termos do art.º 80º do Código Penal.
Assim, ao abrigo do preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 61.º e 80.º do Código Penal e 477.º, n.º 2 e 479.º do Código de Processo Penal, promovo liquidação da pena de AA nos seguintes termos:
Pena aplicada = 10 meses de prisão
Período a descontar = 0
Início de cumprimento = 18 de Novembro de 2017
Meio da pena (6 meses) = 18 de Maio de 2018
Fim da pena = 18 de Setembro de 2018
*
Caso se concorde com a contagem efectuada, promovo se remetam certidões ao Tribunal de Execução de Penas, ao Estabelecimento Prisional e à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais da presente contagem da pena e da douta decisão que sobre a mesma recair tendo em vista dar cumprimento ao disposto no art.º 477º do Código de Processo Penal.
*
*
Mais se promove, tendo em vista dar cumprimento ao art.º 80º do Código Penal, se solicite ao arguido, à sua Ilustre Advogado e à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que informem todos os períodos de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação a que o arguido tenha estado sujeito à ordem de outros processos.”
ix) Em 24.11.2017, foi proferido o seguinte despacho:
“Por concordar integralmente com a liquidação de pena que antecede, decido homologá-la nos seus precisos termos.
Emita as certidões requeridas e cumpra o demais prescrito no art.º 477.º do CPP.
No mais, como se promove.
Notifique.”
x) Em 15.12.20147, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Fls. 204 – Uma vez que o veículo em causa não pertence ao arguido não é passível de ser apreendido nos termos decidido na sentença proferida nos autos, afigura-se-nos.”
xi) Em 10.01.2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 204: na sentença proferida nos autos foi determinada a apreensão do veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-QF-...
Foi junta documentação registral, constando que o referido veículo pertence à “B...”, e não ao arguido.
Assim sendo, e uma vez que na própria sentença é referido que a apreensão do veículo deve ser efetuada se o arguido for o proprietário do veículo, não pertencendo tal veículo ao arguido não se determina a sua apreensão.
Notifique.”
xii) Em 19.04.2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Relatório:
O arguido AA foi condenado, por sentença datada de 08/06/2017, transitada em julgado em 01/09/2017, na pena de 10 meses de prisão efectiva.
O arguido iniciou o cumprimento da pena de prisão efectiva no dia 18/11/2017, sendo o término da pena no dia 18/09/2018, atingindo o meio da pena no dia 18/05/2018, conforme liquidação de pena devidamente homologada a fls. 186 e 189.
Veio o arguido, por requerimento de 05/02/2018, constante de fls. 219 e seguintes, requerer, por força da entrada em vigor da lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, requerer a aplicação da Lei mais favorável ao arguido, pedir o cumprimento do remanescente da pena em Regime de Permanência na Habitação com meios de Controlo à Distância. No mesmo requerimento presta o seu consentimento.
Foi designada data para interrogatório do arguido e inquirição das testemunhas por si arroladas.
Foi solicitado relatório sobe a viabilidade do cumprimento da pena em regime de permanência na Habitação, que consta de fls. 235 a 237, acompanhada da declaração de consentimento da companheira do arguido para a instalação do equipamento de vigilância electrónica para fiscalização da permanência na habitação (fls. 237).
Foi junto o CRC do arguido, de acordo com o qual após a condenação nos presentes autos, o arguido não voltou a ser condenado pela prática de qualquer outro crime.
O Ministério Público sufraga o entendimento de que perante os antecedentes criminais do arguido, este denota sérias dificuldades em interiorizar o desvalor das suas acções e tem resistência em manter um comportamento normativo, pelo que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação não é suficiente para responder às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir. Contudo, perante a postura do arguido assumida no interrogatório, designadamente, na parte em que manifestou vontade de prosseguir com a sua actividade profissional, a fim de apoiar a mulher que tem problemas de saúde, e ter verbalizado vontade de obter a carta de condução, com o propósito de se permitir a ressocialização do arguido, admite que possa vir a ser deferida a pretensão do arguido.
Notificado o arguido do relatório, o mesmo veio manter a posição assumida no requerimento inicial.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Fundamentação:
O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
- Por acórdão proferido em 11/07/1989, transitado em julgado, proferida no processo colectivo n.º …, da extinta 4.ª Secção do tribunal de Círculo de Penafiel, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado.
- Por acórdão proferido em 11/10/1989, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º …, da extinta 4.ª Secção do Tribunal de Círculo de Penafiel, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por 4 anos, com a condição de se subordinar ao cumprimento dos seguintes deveres: a) não frequentar salas de jogos; b) não acompanhar pessoas de reputação duvidosa; c) tentar manter ocupação estável; d) contribuir para as despesas do agregado familiar em que está inserido; e) aceitar o acompanhamento do IRS que elaborará relatórios sobre o seu comportamento e adesão às medidas impostas;
- Por acórdão proferido em 08/02/1990, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º …/89, da extinta 4.ª Secção do Tribunal de Círculo de Penafiel, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena única de 22 meses de prisão, suspensa por 4 anos, com a condição de se subordinar ao cumprimento dos seguintes deveres: a) não frequentar salas de jogos; b) não acompanhar pessoas de reputação duvidosa; c) tentar manter ocupação estável; d) contribuir para as despesas do agregado familiar em que está inserido; e) aceitar o acompanhamento do IRS que elaborará relatórios sobre o seu comportamento e adesão às medidas impostas; neste processo foi englobada a pena imposta no processo …;
- Por acórdão proferido em 17/05/1990, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º …, da extinta 4.ª Secção do Tribunal de Círculo de Penafiel, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 4 anos; por despacho de 12/11/90 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão; esta pena veio a ser englobada no processo …;
- Por acórdão proferido em 11/10/90, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º …, da extinta 4.ª Secção do Tribunal de Círculo de Penafiel, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, cometido em 06/06/1990, na pena de 20 meses de prisão; esta pena veio a ser englobada no processo …;
- Por sentença proferida em 26/10/90, transitada em julgado, proferida no processo n.º …, da extinta 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de introdução em casa e um crime de furto, cometido em 05/03/1988, na pena de 8 meses de prisão;
- Por acórdão proferido em 03/04/1991, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º … foi o arguido condenado na pena única de 4 anos, em cúmulo jurídico que englobou as penas dos processos …, …, …, …, … e …; por despacho de 22/07/1991 foi perdoado um ano desta pena;
- Por acórdão proferido em 30/04/1991, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º …, da extinta 3.ª Secção do Tribunal Judicial de Felgueiras, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, cometido em 12/08/89, na pena de 1 ano de prisão; por despacho de 11/07/1991 foi a pena perdoada;
- Por acórdão proferido em 02/07/91, transitado em julgado, proferido no processo colectivo n.º … (actual …), da extinta 3.ª Secção do Tribunal Judicial de Felgueiras, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto e um crime de introdução em casa alheia, na pena única de 3 anos de prisão, por acórdão proferido neste processo a 10/03/1991, transitado em julgado, foi efectuado cúmulo jurídico que englobou as penas dos processos …, …, …, …, …, … e …, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; por despacho de 10/07/1991, foi declarado perdoado um ano de prisão; por despacho de 13/05/1994 foi declarada perdoada a restante pena aplicada ao arguido;
- Por sentença proferida em 18/11/1998, transitada em julgado, proferida no processo comum singular n.º … (antigo proc.º n.º 133/97), do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, cometido em 14/12/1996, na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 1.500$00, num total de 45.000$00; por despacho de 07/06/1999 foi a pena julgada extinta por amnistia;
- Por sentença proferida em 27/09/1999, transitada em julgado, proferida no processo comum singular n.º …, do extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro, cometido em 26/09/99, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 600$00, num total de 84.000$00; por despacho de 26/09/2000 foi revogada a pena de trabalho a favor da comunidade e ordenado o cumprimento de pena de prisão subsidiária; por despacho de 18/01/2001 foi a pena julgada extinta pelo pagamento da multa;
- Por sentença proferida 29/06/2000, transitada em julgado em 18/09/2000, proferida no processo sumário n.º …, do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro, cometido em 17/06/2000, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; por despacho de 30/11/01 foi a pena julgada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal.
- Por acórdão proferido em 20/03/2002, transitado em julgado em 15/04/2002, proferido no processo colectivo n.º …, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- Por sentença proferida 16/01/2003, transitada em julgado em 11/11/2002, proferida no processo comum singular n.º …, do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, cometido em 10/09/2001, na pena de 7 meses de prisão; por sentença de 11/04/2003, transitada em 15/05/2003, foi efectuado cúmulo jurídico, que englobou também a pena do processo …, tendo o arguido sido condenado na pena única de 3 anos e 5 meses.
- Por sentença proferida 24/06/2003, transitada em julgado, proferida no processo comum singular n.º …, do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de marco de Canavezes, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de furto qualificado, cometido em 30/04/1995, na pena de 1 ano de prisão efectiva; por despacho de 24/06/2003 foi perdoado um ano de prisão; por despacho de 28/03/2007 foi a pena julgada extinta pelo cumprimento;
- Por sentença proferida em 05/07/2005, transitada em julgado em 20/07/2005, proferida no processo abreviado n.º …, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, foi o arguido condenado pela prática de um crime de difamação agravada, cometido em 07/08/2003, na pena de na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, decisão que cumulou as penas dos processos …, …; por despacho de 03/03/2006 foi a pena julgada extinta pelo cumprimento.
- Por sentença proferida 09/12/2008, transitada em julgado em 21/01/2009, proferida no processo comum singular n.º …, do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro, cometido em 28/12/2007, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; por despacho de 21/05/2010 foi a pena julgada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal;
- Por acórdão proferido em 22/03/2010, transitado em julgado em 20/04/2010, proferido no processo comum colectivo n.º ..., do extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de 2 crimes de ameaça agravada, 1 crime de desobediência, 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, 1 crime de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e 2 crimes de injúria agravada, cometidos em 28/06/2008, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva, suspensa na sua execução pelo período de um ano; por despacho de 30/11/01 foi a pena julgada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal.
- Por sentença proferida 16/03/2011, transitada em julgado em 13/04/2011, proferida no processo comum singular n.º ..., do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro, cometido em 13/02/2010, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 750;
- Por sentença proferida 16/03/2011, transitada em julgado em 13/04/2011, proferida no processo comum singular n.º ..., do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de execução pelo período de um ano; por despacho de 30/11/01 foi a pena julgada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal.
- Por sentença proferida 16/03/2011, transitada em julgado em 13/04/2011, proferida no processo comum singular n.º ..., do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro, cometido em 13/02/2010, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 750;
- Por sentença proferida 16/03/2011, transitada em julgado em 13/04/2011, proferida no processo comum singular n.º ..., do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2898, de 3 de Janeiro e de um crime de condução perigosa, cometidos em 29/01/2010, na pena de 300 dias de prisão, substituída por 300 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 1.500;
- Por acórdão proferido em 23/05/2011, transitado em julgado em 29/06/2011, proferido no processo comum colectivo n.º …, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada e um crime de violação, cometidos em 23/09/2008, na pena única de 3 anos de prisão efectiva; por acórdão cumulatório proferido neste processo, datado de 15/07/2013, transitado em julgado em 12/08/2013, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 1 mês de prisão efectiva e na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5, num total de € 750, que englobou as penas dos processos ..., ..., ...; por despacho de 03/07/2012 foi a pena de multa convertida em 100 dias de prisão subsidiária, que foi declarada extinta por despacho de 17/04/2015; por despacho de 17/04/2015 foi a pena de prisão julgada extinta pelo seu cumprimento;
- Por sentença proferida 05/02/2014, transitada em julgado em 12/03/2014, proferida no processo comum singular n.º ..., do Juízo Local Criminal de Amarante, da Comarca de Porto Este, foi o arguido condenado pela prática de um crime de burla informática nas comunicações, 2 crimes de detenção de arma proibida e 1 crime de furto qualificado, cometidos em 30/07/2009, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa e na pena de 550 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 3.025.
De facto, os antecedentes criminais do arguido revelam-nos uma personalidade avessa ao comportamento normativo. O arguido foi condenado por vários crimes, em várias penas, de multa, de prisão suspensa, de trabalho a favor da comunidade e cumpriu penas de prisão efectiva antes de cometer o crime destes autos.
Estes factos demonstram que o arguido continua sem compreender que o seu comportamento é irresponsável e contra as regulares vivências da sociedade, tem falta de consciência acerca do desvalor das suas condutas.
Se não adquiriu essa consciência com o cumprimento de penas efectivas de prisão, então, será legítimo concluir que o arguido não adquirirá essa consciência com o cumprimento em regime de permanência na habitação.
Em sede de interrogatório, disse que antes de ser preso estava a trabalhar e que auferia € 800 mensais, tendo € 450 de despesas mensais. A mulher do arguido é pessoa doente e aufere o rendimento mínimo. Tem o 6.º ano de escolaridade.
Salientou que após o cumprimento da pena de prisão vai continuar a exercer a sua actividade profissional de electricista da construção civil, na empresa “C..., Lda.”, onde já trabalhava antes de ser preso, pois tem como prioridade ajudar e acompanhar a mulher nos seus problemas de saúde. Mostrou motivação para cumprir a pena em casa e assegurou que vai finalmente tirar a carta. Assumiu que está determinado a cumprir estes objectivos pois está a passar mal na cadeia. Pediu esta oportunidade, manifestando séria intenção de se ressocializar.
Apesar do contexto das anteriores condenações e do estilo de vida que o arguido vem mantendo nos últimos anos, considerando a postura assumida pelo mesmo em sede de interrogatório, reveladora de algum, ainda que ténue, reconhecimento de que não pode deixar de adoptar comportamentos conformes com o direito, julgamos que atenta a natureza do crime aqui em causa, é ainda possível ao arguido ressocializar-se, sendo este o objectivo primeiro da aplicação de uma pena.
De acordo com o relatório social da DGRSP, estão reunidas as condições sociais, materiais e familiares para cumprimento da pena remanescente na habitação, sendo que a companheira do arguido já deu o seu consentimento escrito para a instalação do equipamento de vigilância electrónica. Na verdade, durante o período da reclusão do arguido, único sustento da casa, o agregado tem sido apoiado pela Segurança Social e tem merecido também o apoio do filho e da nora do arguido. Também resulta do relatório social que o arguido é uma pessoa ajustada no relacionamento interpessoal com os elementos da comunidade, não existindo qualquer rejeição no meio social de residência. Conclui-se naquele documento que estão reunidas as condições logísticas básicas e de apoio familiar.
Cremos, por tudo o que foi dito, em face das reunidas e demonstradas circunstâncias, que o arguido está em condições de beneficiar da nova lei, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, constituindo esta uma oportunidade para o arguido passar a adoptar um comportamento normativo, sendo certo que um qualquer incumprimento imporá a revisão do modo de cumprimento desta pena.
Estão assim reunidos os pressupostos para a aplicação do novo regime, sendo certo que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação responde, caso o arguido venha efectivamente a dar execução aos objectivos positivos que verbalizou, de forma adequada às finalidades da punição.
*
Decisão:
Em conformidade com todo o exposto, decide-se:
Determinar que o arguido AA cumpra o remanescente da prisão, que tem término em 18/09/2018, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Mais se determina que em caso de incumprimento grave, nomeadamente saída ilegítima do condenado da habitação, a Equipa de Vigilância Electrónica de imediato informe o OPC competente, com vista à sua detenção e apresentação a juízo
Sem custas.
Notifique e deposite.
Após trânsito:
- Remeta boletim ao registo criminal.
- Comunique à DGRSP para que com urgência providencie pelo início do cumprimento da pena, devendo logo comunicar ao processo a data em que for instalado o equipamento.
- Dê conhecimento ao EP e ao TEP.”
xiii) Em 09.05.2018, na sequência do despacho aludido em xii), o arguido foi colocado em regime de permanência na habitação até 04.06.2018, data em que foi desligado e colocado à ordem do processo ....
xiv) Entre 04.06.2018 e 22.03.2019 o arguido esteve a cumprir pena de prisão à ordem do processo ....
xv) Entre 23.03.2019 e 11.06.2019 o arguido esteve colocado em regime de permanência na habitação em cumprimento de pena de de prisão à ordem do processo ....
xvi) Entre 11.06.2019 e 26.12.2019 o arguido esteve a cumprir pena de prisão à ordem do processo ....
xvii) Entre 26.12.2019 e 22.07.2020 o arguido esteve a cumprir pena de prisão à ordem do processo ....
xviii) Entre 22.07.2020 e 15.08.2020 o arguido esteve à ordem do processo ... em prisão preventiva.
ix) Entre 15.08.2020 e 16.03.2023 o arguido esteve a cumprir pena de prisão à ordem do processo ....
xx) Entre 16.03.2023 e 28.03.2023 o arguido esteve a cumprir pena de prisão à ordem do processo ....
xxi) Por sentença proferida em 28.03.2023, transitada em julgado em 28.03.2023, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos presente autos e no processo n.º ..., tendo sido fixada a pena única de 14 (catorze) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, sem prejuízo da autorização para que o Arguido possa frequentar escola de condução e submeter-se a exames.
xxii) Em 28.03.2023 o arguido foi de novo colocado à ordem dos presentes autos permanecendo em regime de permanência na habitação até 27.02.2024.
xxiii) Em 06.10.2023, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Tendo a sentença transitado em julgado em 1 de Setembro de 2017 e tendo o arguido estado ininterruptamente preso desde 8 de Novembro de 2017, verifica-se não ter ainda decorrido o período de cumprimento da sanção acessória de inibição de condução pelo período de 4 meses, afigura-se-nos, devendo a sanção acessória ser liquidada quando o arguido for definitivamente libertado.”
xxiv) Em 10.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Aguardem os autos pela libertação do arguido para efeitos de liquidação da pena acessória de proibição de conduzir.”
xxv) Em 09.04.2024, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Promovo se declare extinta a pena de prisão, cumprida em regime de permanência na habitação, a que o arguido foi condenado nos termos do art.º 475º do Código de Processo Penal, atento o seu integral cumprimento.
Promovo que a Secção consigne se a carta de condução do arguido esteve apreendida à ordem destes autos e em que período.”
xxvi) Em 15.04.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Por decisão proferida nos presentes autos, já transitada em julgado, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 14 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância.
Decorrido o período de execução da pena, veio a DGRSP dar conta de que a 27/02/2024 foram desativados e desinstalados/retirados os equipamentos de vigilância eletrónica.
Em vista, o Ministério Público promoveu a extinção da pena, nos termos e com os argumentos aduzidos na douta promoção que antecede.
Decorrido que está o período fixado para a execução da pena de prisão aplicada ao condenado, declaro extinta a referida pena de prisão (artigo 475.º do Código Processo Penal).
*
Remeta o boletim à DSIC, nos termos do artigo 6.º, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio.
Notifique e comunique em conformidade.
*
No mais, como se promove.”
xxvii) Em 17.04.2024 foi aberta vista com a seguinte informação:
“consignando que a carta de condução do arguido nunca esteve apreendida á ordem destes autos, pois o mesmo não é detentor da mesma - fls 173,181,204 e 211.”
xxviii) Em 22.05.2024, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Promovo se averigue se o arguido é titular de carta de condução e bem assim se é titular do veículo automóvel de matrícula ..-QF-.., atento o decidido por sentença em 6 de Junho de 2017.”
xxix) Em 28.05.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Como se promove”.
xxx) O arguido é titular de carta de condução desde 01.03.2024.
xxxi) Em 18.11.2024, o Ministério Público promoveu o seguinte:
“Promovo que seja o arguido notificado para proceder à entrega da carta de condução (assim como todos os outros títulos habilitantes à condução que possua) para cumprimento da pena acessória em que foi condenado nos presentes autos.”
xxxii) Na sequência dessa promoção, em 05.12.2024 foi proferido o despacho recorrido.
**
II.4. Apreciação do recurso
§1. O recorrente sustenta que a sanção acessória aplicada na sentença proferida em 08.06.2017 já prescreveu por ter decorrido dois anos desde o trânsito em julgado da sentença ocorrido em 01.09.2017.
Cremos que lhe assiste razão.
*
§2. O artigo 147º do Código da Estrada (doravante CE), sob a epígrafe “Inibição de conduzir”, estabelece o seguinte:
1 – A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.
2 – A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contra-ordenações graves ou muito graves, respectivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.
3 – Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa colectiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo, por período idêntico de tempo que àquela caberia.”
Nesta norma o legislador definiu, para as contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar, a sanção acessória (que consiste na inibição de conduzir), a sua duração (período de tempo distinto consoante a categoria da contra-ordenação), o âmbito de aplicação (refere-se a todos os veículos a motor) estabelecendo ainda um regime de excepção, no qual impôs a substituição da inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo, em duas situações que particularizou (caso de o responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave ser pessoa singular não habilitada com título de condução ou pessoa colectiva).
Constata-se assim que o legislador impôs a substituição da inibição de conduzir pela apreensão do veículo nos dois casos excepcionais mencionados - pessoa singular não habilitada com título de condução e pessoa colectiva.
Solução lógica porque a inibição de conduzir é inócua no caso de pessoa singular não habilitada com título de condução e inoperante no caso de pessoa colectiva que obviamente não conduz veículos motorizados.
Como é sabido, a sanção acessória de inibição de conduzir “visa a prevenção especial, através de uma actuação directa sobre o agente da infracção para que no futuro não pratique infracções idênticas, no caso apreensão do veículo interveniente na infracção, quando aplicada a pessoa colectiva, que não exerce obviamente a condução de veículos, prossegue-se uma finalidade necessariamente diferente, qual seja a de, actuando indirectamente, sobre o proprietário do veículo - e não sobre o condutor infractor - evitar que fiquem impunes situações de infracção pelo facto de não ser identificado o condutor, e dessa forma desincentivar condutas que por essa via pudessem frustrar a finalidade que o legislador visa prosseguir com a inibição de conduzir. Só indirectamente a apreensão do veículo, enquanto sanção acessória, poderá atingir a mesma finalidade de prevenção especial que se visa com a inibição de conduzir.” (veja-se o acórdão do TRC de 25.10.2006, relatado por Freitas Vieira, disponível em www.dgsi.pt).
Repare-se que se trata de regime especial previsto no âmbito da legislação rodoviária, regime esse que não tem paralelo no domínio do direito penal clássico, concretamente no que se refere à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º do Código Penal, a qual não é passível de substituição.
Na verdade, a pena acessória “proibição de conduzir veículos com motor” e a sanção contra-ordenacional “inibição de conduzir veículos motorizados” são, pois, diferentes na sua natureza.
Como discorre António Latas (em A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, Rev. Sub judice, nº 17, p. 76-78), “no que respeita à natureza jurídica e caracterização, pode afirmar-se desde logo, de forma aparentemente redundante, que a proibição de conduzir veículos motorizados é uma verdadeira pena, distinguindo-se, não só na sua designação e inserção sistemática, mas sobretudo do ponto de vista dogmático e de política criminal, quer dos meros efeitos das penas, quer das sanções administrativas e medidas de segurança, de natureza judicial ou administrativa, de idêntico conteúdo material”.
O autor procede depois à análise paralela das duas reacções, a penal e a contra-ordenacional, identifica as diferenças que vai retirando do quadro legislativo, para concluir que “é clara a distinção entre a pena acessória de proibição de conduzir e a sanção acessória de inibição de conduzir, quer porque são diversos os pressupostos em que assentam, quer porque existem diferenças claras em diversos aspectos de regime ou conteúdo material de ambas as sanções”.
*
§3. Estabelece o n.º 1 do artigo 2º do CE que as penas são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto.
Donde, se a pessoa singular responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave não for habilitada com título de condução à data da prática da infracção estradal, a sanção acessória aplicável de inibição de conduzir terá que ser substituída pela apreensão do veículo nos termos do n.º 3 do artigo 147º do CE.
Ora, a circunstância de entretanto o infractor ter adquirido aquela habilitação não pode ter por efeito a alteração da sanção acessória de apreensão do veículo.
Em primeiro lugar, se fosse possível essa alteração seria o mesmo que punir qualquer pessoa por factos integradores de crimes, praticados quando ainda era inimputável do ponto de vista criminal, em função da idade, mas que entretanto se tornou imputável. Violar-se-ia o princípio da irrectroactividade da lei penal estabelecida também no artigo 2º do CE e com consagração constitucional no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
Em segundo lugar, o legislador não distinguiu a possibilidade (razoável e perfeitamente previsível) de, entre o momento da prática da contra-ordenação grave ou muito grave e o momento da decisão, o infractor obter título de condução.
Conforme refere o acórdão do TRP de 14.11.2007, relatado por Maria do Carmo S. de Menezes da Silva Dias (acessível em www.dgsi.pt), “se o legislador não distinguiu, nem quis prever essa situação, é porque não quis agravar a situação do agente que supervenientemente obtém título de condução.
Com efeito, não se compreenderia diverso tratamento em função da maior ou menor rapidez da decisão, quando o momento em que a mesma é proferida é independente da vontade do infractor.
De resto, até podia suceder que a entidade decisora já tivesse aplicado o disposto no artigo 147º nº 3 do CE (ou seja, tivesse substituído a inibição de conduzir pela apreensão de veículo) e, no período do trânsito dessa decisão, ou mesmo depois do trânsito, o agente obtivesse o título de condução.”
Assim, a única interpretação do n.º 3 do artigo 147º do CE que respeita o princípio da legalidade é a de se interpretar no sentido de que a imposição contida no referido preceito legal de substituição da inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo, no caso do responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave ser pessoa singular sem habilitação de título de condução (tal como sucede no caso do responsável, nesse caso, ser uma pessoa colectiva) reporta-se sempre ao momento da prática da respectiva contra-ordenação, sendo por isso independente da circunstância de, posteriormente à sua prática, o respectivo infractor vir a obter título de condução (neste sentido, o citado acórdão do TRP de 14.11.2007 e, ainda, o acórdão do TRP de 12.07.2006, por Pinto Monteiro e o acórdão do TRC de 24.05.2017, relatado por Isabel Valongo, acessíveis em www.dgsi.pt).
Em terceiro lugar, a natureza da “apreensão do veículo” prevista no n.º 3 do artigo 147º do CE constitui, ela própria, uma sanção acessória como se decidiu no acórdão do TRC de 04.12.2013, relatado por Maria José Nogueira (acessível em www.dgsi.pt), “Não obstante já a termos visto «caracterizada» como «sanção acessória substitutiva» [cf. Francisco Marques Vieira, “Direito Penal Rodoviário”, Universidade Católica, 2007, pág. 212] temos dificuldade em encarar tal perspectiva por se nos afigurar que a sanção acessória de substituição, tal como a pena de substituição, pressupõe que a sanção acessória substituída possa ser aplicada ao agente, o que nunca pode suceder com uma pessoa colectiva já que esta não só não pode ser titular de licença de condução, como não pode conduzir qualquer veículo. É certo que o mesmo já não se passa com a pessoa singular não habilitada com título de condução, mas isso será mais uma, de entre outras – bastas vezes evidenciadas no âmbito do direito rodoviário -, manifestação da falta de harmonia entre o regime da pena acessória do artigo 69º do Código Penal e o regime da sanção acessória do artigo 147º do Código da Estrada.
Isto dito, mal-grado a letra da lei – não cuidando de distinguir a pessoa singular não habilitada com título de condução da pessoa colectiva [cf. n.º 3 do artigo 147º do CE] – no segmento «a sanção de inibição de conduzir é substituída», afigura-se-nos que a «apreensão do veículo» prevista no n.º 3 do dito artigo 147º reveste a natureza de uma verdadeira sanção acessória e não uma forma de execução da inibição de conduzir [sanção acessória], o que é incontornável pela própria natureza das «coisas» quanto à pessoa colectiva, sendo que o legislador – podendo fazê-lo – não distingue, para o efeito, entre a pessoa singular não habilitada para a condução e a pessoa colectiva.”
*
§4. Revertendo ao caso dos autos, na data da prática dos factos, não tendo o arguido habilitação legal para conduzir, a sanção aplicável ao caso, em substituição da inibição de conduzir, seria a estabelecida no n.º 3 do artigo 147.º do CE.
Foi precisamente o que aconteceu no caso dos autos.
À data dos factos em apreço o arguido não tinha carta de condução e, como tal, o Tribunal a quo condenou o arguido/recorrente na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, que foi substituída pela apreensão do veículo que conduzia por igual período de 4 meses nos termos do artigo 147.º, n.º 3, do CE, no pressuposto de que esse veículo é de sua propriedade [cfr. pontos i) e ii) do segmento II.3.]
Em cumprimento dessa decisão, após o seu trânsito em julgado ocorrido em 01.09.2017, o Tribunal a quo diligenciou pela concretização da apreensão do referido veículo [cfr. pontos iii), iv), v), vi) e viii) do segmento II.3.]
Ora, no decurso dessas diligências o Tribunal a quo concluiu que o veículo em causa não pertencia ao arguido/recorrente e, nessa sequência, decidiu em 10.01.2018 não determinar a sua apreensão [cfr. ponto x) do segmento II.3.]
Sucede que o recorrente esteve privado da liberdade ininterruptamente durante o período compreendido entre 18.11.2017 a 27.02.2024 à ordem de vários processos (incluindo o dos presentes autos) [cfr. pontos vii) xiii), xiv), xv), xvi), xvii), xviii), ix), xx) e xxii) do segmento II.3.]
Após a sua libertação ocorrida em 27.02.2024 o Tribunal a quo começou por averiguar se a carta de condução do arguido esteve apreendida à ordem dos presentes autos e prosseguiu com diligências com vista a averiguar se o arguido é titular de carta de condução e se é titular do veículo automóvel de matrícula ..-QF-.. [cfr. pontos xxv), xxvi), xxvii), xxviii) e xxix) do segmento II.3.].
No decurso dessas diligências constatou-se que o arguido é titular de carta de condução desde 01.03.2024 [cfr. ponto xxx) do segmento II.3.].
Nessa sequência, em 15.12.2024, foi proferido o despacho recorrido que determinou a notificação do arguido para proceder à entrega da carta de condução (assim como todos os outros títulos habilitantes à condução que possua) para cumprimento da pena acessória em que foi condenado nos presentes autos (cfr. pontos xxxi) e xxxii) do segmento II.3.].
*
§5. Constando a sanção acessória aplicada pelo tribunal a quo da previsão do Código da Estrada (artigos 4º, n.ºs 1 e 3, 138º, 146º. al. l) e 147º, n.ºs 1, 2 e 3), o prazo da respectiva prescrição é o que consta do seu artigo 189.º: dois anos, contados a partir do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença.
Assim, tendo a sentença proferida nos autos transitado em julgado no dia 01.09.2017, a sanção acessória aplicada ao arguido prescreveu no dia 01.09.2019.
Na verdade, não sendo o arguido titular de carta de condução à data dos factos e tendo obtido esse título apenas após a sua libertação, a privação da liberdade do arguido não impediu o cumprimento da sanção acessória na vertente da inibição de conduzir veículos motorizados.
Por outras palavras, mesmo que o arguido estivesse em liberdade o cumprimento da sanção acessória na vertente da inibição de conduzir veículos motorizados não seria possível precisamente por o arguido não ser titular de carta de condução (situação que perdurou desde a data dos factos até 01.03.2024).
Aliás, nos casos em que o arguido não é titular de carta de condução à data dos factos, conforme já referimos, o Código da Estrada impõe a substituição pela sanção acessória da apreensão do veículo em causa (cfr. artigo 147º, n.º 3 do CE).
Ora, no momento temporal adequado (logo após o trânsito em julgado da sentença) o Tribunal a quo tentou de facto cumprir a decisão nos termos previstos no citado preceito legal.
De facto, o tribunal a quo diligenciou pela apreensão do veículo em causa, não tendo a sanção acessória sido cumprida em virtude de ter concluído que o veículo não pertencia ao arguido/recorrente.
Em face dessa impossibilidade, não pode agora o Tribunal a quo a pretexto de o arguido ter estado privado da sua liberdade desde 18.11.2017 até 27.02.2024 e ter entretanto obtido a carta de condução em 01.03.2024 determinar a sua entrega para cumprimento da pena acessória.
Note-se que, depois de o arguido ter sido colocado em liberdade (ou seja, passados mais de 6 anos após o trânsito em julgado da sentença), não se compreende a que título o tribunal voltou novamente a averiguar se o arguido é titular do veículo automóvel aqui em causa, numa altura em que já há muito havia decorrido o respectivo prazo de prescrição.
E também não se compreende a que título altera a sanção acessória após ter tido conhecimento que o arguido passou a ser titular de carta de condução após a sua libertação e determine a entrega do respectivo título.
Uma nota para esclarecer que a presente situação, ao contrário do que defende o Ministério Público na sua resposta ao recurso, não se enquadra de todo no n.º 8 do artigo 69º do CP que estabelece que “Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.”
De facto, por um lado, conforme acima explicitado, entendemos que não existe fundamento que justifique um tratamento diverso, consoante o responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave obtém, posteriormente à prática dessa infracção, título de condução.
No caso das infracções estradais, a aplicação da sanção acessória ao respectivo responsável reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação grave ou muito grave, razão pela qual a entidade decisória, na respectiva decisão, caso o responsável seja pessoa individual não habilitada com título de condução (ou pessoa colectiva), substitui a inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo (cfr. n.º 3 do artigo 147º do CE).
Por outro lado, a situação dos autos não se pode equiparar à situação prevista no n.º 8 do artigo 69º do CE desde logo por o arguido, durante a privação da liberdade, nunca ter sido titular de carta de condução.
Donde, a razão de ser do n.º 8 do citado artigo 69º - acautelar e garantir o cumprimento efectivo e integral da pena acessória de proibição de condução – não subsiste na situação que nos ocupa dada a ausência de carta de condução no período de privação da liberdade.
*
§6. Resta concluir que tendo em conta que o prazo de prescrição da sanção acessória começa a correr no dia em que transitou em julgado a decisão que a aplicou (artigo 189º do CE) e que não ocorreu quaisquer circunstâncias que determinem a suspensão da prescrição (cfr. artigo 30º do D.L. 433/82, de 27.10 ex vi artigo 132º do CE), já tinha sido ultrapassado o prazo de 2 anos de prescrição da sanção acessória aplicada nestes autos ao arguido/recorrente quando foi proferido o despacho recorrido.
Consequentemente, declara-se extinta, por prescrição, a sanção acessória a que o recorrente foi condenado nos presentes autos.
Pelo exposto, importa revogar o despacho recorrido, dando-se sem efeito o ordenado.
Procede o presente recurso.
***
III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente:
i) Declara-se extinta, por prescrição, a sanção acessória a que o recorrente foi condenado nos presentes autos.
ii) Revoga-se a decisão recorrida, dando-se sem efeito o ordenado.
*
Sem custas criminais.
*
Porto, 14.05.2025
Maria do Rosário Martins
Maria Ângela Reguengo da Luz
Paulo Costa