Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2940/24.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO
DANO APRECIÁVEL
Nº do Documento: RP202407102940/24.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Podem ser objecto do procedimento cautelar de suspensão da deliberação da assembleia de condomínio, as deliberações que não se mostrem totalmente executadas ou enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável.
II - A deliberação da assembleia de condomínio que nomeou o administrador do condomínio pode ser objecto do procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condomínio se o administrador nomeado se mantiver em exercício de funções, na data da instauração do procedimento. Enquanto o administrador nomeado continuar a exercer as suas funções, a deliberação que o nomeou ainda não esgotou todos os seus efeitos pois é dessa deliberação que advém a legitimidade daquele para exercer as suas funções.
III - O dano apreciável, requisito do procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condomínio tem de resultar da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade ou a inexistência da deliberação.
IV - A exigência legal da alegação e demonstração de que a execução da deliberação pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir, não apenas, da existência dos prejuízos, mas, também, da correspondente gravidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2940/24.2T8PRT.P1






Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeiro Adjunto: Desembargador Jorge Martins Ribeiro

Segundo Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes

I - Relatório

A requerente A... S.A. intentou, ao abrigo do artigo 383.º do Código de Processo Civil, o procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos, contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO ...  e os CONDÓMINOS DO EDIFÍCIO ... - AA e BB (proprietários da fracção C); CC (proprietário das fracções D e F); DD, EE e FF (proprietários da fracção E);  GG  e HH (proprietários da fracção G) -, representados pela sociedade administradora do condomínio, B..., LDA, pedindo que seja decretada a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 29-01-2024.

Alegou, em síntese, que:

_ A Requerente é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras A e B do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., e na Rua ..., ..., da cidade do Porto;

_ O prédio em causa é composto por casa de cave, rés-do-chão e três andares, com pátio, dividido em 7 (sete) fracções autónomas, sendo as fracções autónomas, designadas pelas letras C a G, propriedades dos condóminos Requeridos;

_ A administração do Condomínio do prédio foi entre 02 de Agosto de 2019 e 12 de Dezembro de 2023, exercida pela sociedade comercial B..., Lda.;

_ Durante esse período, as relações com a Requerente pautaram-se por uma “completa falta de transparência, lisura, correcção e de informação, sem prejuízo das inúmeras assembleias de condóminos que aquela ficcionou, as quais foram objecto de impugnação judicial”;

_ As deliberações que pretende ver declaradas ineficazes, nulas e /ou anuladas respeitam às tomadas no seio da assembleia de condóminos, realizada a 29 de Janeiro de 2024, que “a subsistirem implicarão a produção de danos na esfera jurídica da Requerente”.

Para fundamentar a “anulabilidade das deliberações” tomadas na assembleia de 29 de Janeiro de 2024, alegou, em síntese, que:

_ No dia 12 de Dezembro de 2023, foi realizada uma assembleia extraordinária no seio da qual foram tomadas as seguintes deliberações: destituição “com justa causa” da sociedade B..., Lda, como administração do condomínio; eleição de nova administração; revogação das procurações outorgadas a favor do Dr. II e da Dra. JJ; e, criação de uma divisória entre o acesso das fracções destinadas ao comércio e serviços e as destinadas à habitação;

_ No dia 29 de Janeiro de 2024, foi realizada uma assembleia extraordinária no âmbito da qual foram revogadas todas as deliberações mencionadas no ponto anterior, revogação que ocorreu “contra a lei e o regulamento do condomínio”  por tais deliberações não serem passíveis de revogação/anulação mediante a mera realização de uma assembleia extraordinária com essa finalidade, mas, apenas, mediante impugnação através dos meios previstos no artigo 1433.º do Código Civil, o que implica a “ilegalidade da assembleia de 29-01-2024 e, reflexivamente, das deliberações aí tomadas”;

_ A anulação/revogação de qualquer deliberação de condóminos deve estar alicerçada “em motivos válidos e justificativos de uma eventual invalidade”, não tendo sido invocada, no caso das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada a 12-12-2023, qualquer causa de nulidade e/ou anulabilidade, nem as mesmas foram impugnadas;

_ A Requerente solicitou todos os elementos preparatórios para a sua participação na assembleia, incluindo as informações referentes aos motivos justificativos de tal anulação, em momento prévio à assembleia e no próprio acto, no entanto, os condóminos nunca prestaram quaisquer esclarecimentos, violando, desse modo, o direito de informação que assiste à Requerente, consubstanciando a violação do direito de informação que lhe assiste, na qualidade de condómina, uma causa de invalidade das deliberações tomadas na assembleia de 29/1/2024;

_ Caso se entenda que é possível a revogação de deliberações em sede de assembleia extraordinária em preterição dos meios impugnatórios, tal anulação é “ineficaz, nula e/ou anulável” na medida em que foi efectuada “no âmbito de uma assembleia irregularmente convocada e totalmente inválida face aos vários vícios procedimentais que lhe são subjacentes;

_ no dia 18 de Janeiro de 2024,  a  Requerente recepcionou uma convocatória para a assembleia geral extraordinária de condóminos a realizar-se no dia 29-01-2024 cuja autenticidade impugna, nos termos e para os efeitos do artigo 372.º e segs. do CC, bem como da acta, com fundamento em “sérias duvidas que a convocatória tenha sido assinada pelos condóminos ali identificados e/ou que aqueles que não dominam a língua português tenham tido consciência do que assinaram por desconhecerem eventualmente as circunstâncias prévias à elaboração de tal documento”;

_ os proprietários das fracções autónomas D, F e G tem residência habitual em país estrangeiro e raramente se encontram em território nacional, pelo que, não crê a Requerente que aqueles estivessem em Portugal ou que tenham vindo exclusivamente para proceder à assinatura da aludida convocatória, concluindo “parece-nos óbvio que a convocatória não foi assinada pelos condóminos CC, HH e GG, tendo sido minutada em conluio por parte dos restantes condóminos, numa tentativa de alcançar a permilagem legal e regulamentarmente necessária para convocar uma assembleia de condóminos”;

_ na hipótese de as assinaturas apostas na convocatória virem a ser demonstradas como verdadeiras, a convocatória é igualmente inválida dado que todos os condóminos, à excepção dos proprietários da fracção E, “certamente não compreenderiam o seu conteúdo, visto que, não falam português”;

_ Concluiu, assim, que “a convocatória da assembleia extraordinária do dia 29 de Janeiro de 2024 é ineficaz, em virtude, da falsidade das assinaturas dos condóminos CC, HH e GG” e consequentemente a assembleia foi “convocada por condóminos que não compunham a permilagem necessária” e “as deliberações aí tomadas são igualmente ineficazes”;

_ Na hipótese de as assinaturas apostas à convocatória serem verdadeiras, a convocatória não deixa de ser inválida em virtude “do facto dos condóminos estrangeiros terem procedido à assinatura sem estarem elucidados do seu conteúdo e alcance, mormente, a finalidade a que a mesma se destinava”;

_ Caso assim não se entenda, as “deliberações revogatórias não deixam estar viciadas” por serem “falsas” as procurações  outorgadas pelos condóminos  faltosos (os proprietários das fracções C, E, F, E G) a KK, o mesmo dizendo das assinaturas atribuídas aos proprietários das fracções, igualmente impugnadas nos termos dos artigos 374 e segs. do CC., invocando que “não se deslumbra a possibilidade de todos aqueles condóminos terem outorgado procurações a favor do Sr. KK, visto que não se alcança qualquer relação entre os condóminos e o alegado procurador “, existindo, sim, “uma eventual ligação entre o Sr. KK e a sociedade comercial B..., Lda.” e com esse fundamento invoca a existência de conflito de interesses;

_ Com fundamento na falsidade das procurações, conclui que as deliberações tomadas na assembleia de 29/1/2024 são anuláveis por falta de quórum necessário à sua aprovação pois, a única condómina presente, BB (proprietária da fracção autónoma C) que votou em sentido favorável as deliberações tomadas, não representa a permilagem necessária para aprovar quaisquer deliberações;

_ Caso se entenda que as assinaturas são verdadeiras, as procurações outorgadas não deixam de ser inválidas em virtude da preterição de requisitos legais essenciais: (i) omissão do local onde foram assinadas; (ii) os condóminos GG, HH e CC não têm nacionalidade portuguesa e as procurações encontram-se redigidas em língua portuguesa, o que não pode acontecer, dado que aqueles não compreendem essa língua, tendo, assim, assinado um documento com total desconhecimento do seu conteúdo e alcance;  (iii) as procurações deviam estar redigidas em inglês,  traduzidas para a língua portuguesa (com tradução certificada por entidade com poderes para o acto) e  autenticadas e/ou apostiladas, pelo que estão feridas de nulidade e/ou ineficácia e, consequentemente, ferem de anulabilidade as deliberações tomadas por falta de representação;

_ Caso se entenda que as procurações são verdadeiras e válidas, as deliberações tomadas na assembleia de 29 de Janeiro de 2024 são anuláveis por falta de representação:
a. por violação do regulamento do condomínio: nos termos do artigo 23.º do Regulamento do Condomínio, “Cada mandatário não poderá receber mais do que três delegações de voto” e o Sr. KK representava os condóminos CC (proprietário das fracções D e F), EE e FF (proprietários da fracção E), GG e HH (proprietários da fracção G), isto é, representava, simultaneamente, quatro fracções autónomas, e seis condóminos;
b. Por falta de poderes para presidir à mesa de assembleia: as procurações não conferem poderes ao procurador KK, para presidir à assembleia e ao fazê-lo, extravasou os poderes que (alegadamente) lhe foram conferidos e, consequentemente feriu as deliberações de nulidade;
c. Na hipótese de terem sido conferidos poderes para presidir à assembleia, as deliberações são  ineficazes, nulas e/ou anuláveis  por violação da alínea a) do artigo 14.º do Regulamento de Condomínio do Regulamento de Condomínio que atribui competência ao Administrador do condomínio para presidir às assembleias de condóminos, não sendo o Sr. KK o administrador do condomínio em causa, nem sequer condómino, logo nunca poderia ter presidido à assembleia;

_ As deliberações tomadas são anuláveis em virtude do patente conflito de interesses existente:
a. a pessoa que secretariou a assembleia em causa, ou seja, o Dr. LL, é Advogado na sociedade C... Advogados, sociedade que representa (indevidamente) a sociedade comercial B..., Lda. (administradora destituída) e o condomínio no âmbito de processos em que são parte, conflito exacerbado tendo em consideração que, naquela assembleia foi anulada a revogação da procuração forense outorgada a favor do Dr. II, e o secretário da assembleia exerce a sua profissão na mesma sociedade, isto é, na sociedade C... Advogados, tendo portanto total interesse em que se mantenha aquele patrocínio;
b. estava (indevidamente) presente a alegada Mandatária da sociedade B..., Lda., sem ter apresentado/exibido qualquer procuração, o que atesta o conluio subjacente a toda a assembleia de condóminos;

_As deliberações são ainda nulas e/ou anuláveis por “serem abusivas e por violarem os mais basilares princípios do boa-fé”, visto que os condóminos tentam “ilegalmente, dar carta branca à B... para que esta possa fazer, com a sua anuência, uma gestão danosa do condomínio que só olha aos interesses privados do mesmo e que extravasam a competência legal que à administração do condomínio é atribuída”;

_ As deliberações tomadas na assembleia de 29 de Janeiro de 2024 são anuláveis, por violação do regulamento do condomínio porquanto, a acta da assembleia cuja falsidade foi igualmente invocada, é omissa quanto ao teor das declarações de votos e questões suscitadas pelos Mandatários da Requerente, conforme impõe o nº2 do artigo 24.º do Regulamento, nomeadamente a oposição à nomeação do Sr. KK para Presidente da Mesa; a posição da Requerente face aos condóminos presentes terem pretendido a manutenção dos mandatos outorgados ao Dr. II; a oposição à não elaboração e assinatura da acta da Assembleia no próprio momento; a acta encontra-se redigida de forma incorrecta, incompleta e/evasiva;

_ As deliberações tomadas consubstanciam “uma usurpação de poderes, ofensivas dos bons costumes, na medida em que demonstram uma clara tentativa de retirar o poder decisório relativo a questões do condomínio aos respectivos condóminos” econfiguram abuso de direito, para além de continuarem a legitimar a actuação de uma administração do condomínio que grosseiramente viola os seus deveres e trata de questões do foro privado tentando impor deliberações e decisões na propriedade privada dos condóminos, entre os quais a Requerente, quando apenas lhe compete regular e administrar as partes comuns”.

Com tais fundamentos, pretende a anulabilidade das seguintes deliberações, tomadas na assembleia de condóminos, realizada no dia 29-01-2024:

• Anulação da destituição da anterior Administradora do Condomínio;

• Revogação da nomeação sociedade D..., Lda., como Administradora do Condomínio;

• Anulação da revogação dos mandatos conferidos aos Drs. II e JJ;

• Anulação da deliberação de criação de uma divisória entre o acesso às fracções destinadas ao comércio e as destinadas à habitação.

Nos artigos 72º a 109º do Requerimento inicial indicou os danos provocados por tais deliberações, caso não sejam suspensas as deliberações impugnadas:
a. implica a repristinação da eleição da B... como Administradora de Condomínio, validando, assim, a sua legitimidade para continuar a extravasar as suas competências, a exercer uma gestão danosa e grosseira do condomínio, em prejuízo e com claros danos expressivos para a Requerente e para com os demais condóminos.
b. a B... irá continuar a querer violar o direito de propriedade (e os direitos de condómina) da Requerente, tentando-lhe impor uma proibição para a qual não tem competência, nem poderes, podendo pôr em causa com as suas acções – a manter-se como administração de condomínio - a execução do contrato de arrendamento que possui para a exploração do gastrobar (num valor mensal de 3.000,00€) e até mesmo pôr em causa o negócio com esse inquilino que, face a todas as adversidades, poderá entretanto desistir do arrendamento e do negócio e exigir-lhe o pagamento do avultado investimento que teve em obras de adaptação do espaço (em valor superior a 50.000,00€).
c. A inércia, na resolução dos problemas de infiltração e a passividade quanto às demais questões associadas às partes comuns relacionadas com a outra fracção, que é igualmente uma loja, também podem pôr em causa esse arrendamento que permite à Requerente auferir mensalmente o valor de €5.230,06.
d. A B... continua, todos os dias, a exigir novos valores exorbitantes à Autora, que não são devidos, com a descrição genérica de “contencioso”, continuando a querer que a mesma pague para contestar acções de que é parte e/ou para suportar actos que nem deliberados foram.
e. Continuam a surgir “despesas” de carácter dúbio para todos os condóminos, em claro prejuízo económico de valor expressivo, sem que haja qualquer esclarecimento aos emails enviados para o efeito, transparência e/ou prestação de contas, podendo com a manutenção da B... existir o risco elevado de existirem mais acções executivas (ou até mesmo cíveis) infundadas (sem citação prévia, com penhoras abusivas até prestação de caução, como aconteceu no processo supra mencionado), mais cobrança indevida de quantias monetárias e acima de tudo o protelar de uma gestão danosa, lesiva, de índole criminal e civil, que poderá no futuro até pôr em causa a sustentabilidade do próprio condomínio.
f. Também se antevê mais assembleias indevidamente convocadas – em que só a Autora misteriosamente não recebe as cartas enviadas para morada que não existe – e/ou fantasmas a tentar impor mais proibições de índole ridícula e invasiva dos direitos de propriedade da Autora e dos seus direitos enquanto condómina (como o de fumar nos pátios privados das suas fracções, conforme já foi deliberado numa das assembleias impugnadas ou a obrigação de fechar sempre o portão, único acesso ao estabelecimento comercial da Autora onde vai ser explorado o gastrobar), mais uma vez com danos irreparáveis para a mesma.
g. A impugnação judicial das assembleias implica custos à Requerente, entre eles, os referentes ao patrocínio forense e taxas de justiças, aos quais somam-se os custos tidos com as traduções que a Requerente tem de realizar em virtude da nacionalidade dos restantes condóminos. Em seis meses já existem três acções de impugnação, acrescida desta e de outra providência cautelar.

Pediu a inversão do contencioso.

I.1_ Citados, os Requeridos deduziram oposição.

Alegaram, em síntese, que:

_ B... é administradora do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., e Rua ..., ..., da cidade do Porto, tendo sido designada para o cargo na assembleia geral dos condóminos realizada em 26/10/2022;

_ Até à assembleia de condomínio de 25.07.2023, nunca a Requerente tinha comparecido em qualquer assembleia de condomínio. Nessa Assembleia, “por unanimidade foi deliberado contratar-se o Dr. II, Advogado, para avançar com uma providência cautelar e acção judicial contra a empresa A... S.A.”;

_ A partir de tal assembleia de condomínio e da consequente entrada em juízo da providência cautelar intentada pelo Condomínio, a aqui Requerente decidiu impugnar todas as assembleias de condomínio convocadas pela Administração ou pelos outros Condóminos, que se realizaram posteriormente a essa data, tendo intentado acção de anulação das deliberações tomadas nas assembleias de 25/07/2023, de 29/09/2023 e de 13/10/2023;

_ No fundo, a Requerente pretende forçar a abertura de um restaurante no prédio em questão nos autos, contra a vontade dos demais condóminos e ao arrepio do estabelecido na respectiva propriedade horizontal.

Pronunciando-se sobre as deliberações tomadas na Assembleia de 29/1/2024, alegaram, em síntese, que:

_ A Requerente realizou a assembleia extraordinária de 12/12/2023, na qual apenas a própria esteve presente. Nessa assembleia, à revelia de todos os restantes condóminos, os quais não receberam qualquer convocatória para a mesma, foi deliberado o seguinte:

i. Destituição com justa causa da Administradora do Condomínio, B..., Lda;

ii. Eleição de nova Administração de Condomínio, sendo eleita, a sociedade D..., Lda;

iii. Criação de uma divisória entre o acesso às frações destinadas a comércio e serviços e as destinadas à habitação.

_ As fracções A e B representam apenas 33,82% do capital investido, sendo, consequentemente, inferior a dois terços. Como tal, não podia a Requerente, proprietária das frações A e B, única presente na assembleia, aprovar por unanimidade as deliberações tomadas na mesma, como sucedeu, pelo que devem ser consideradas ineficazes/nulas as deliberações tomadas na Assembleia de 12/12/2023.

_ A Assembleia de Condomínio de 29/01/2024 foi convocada por todos os condóminos do prédio, com excepção da Requerente, e iniciou-se pelas 10h00, com a seguinte ordem de trabalhos: “Anulação de todas as deliberações tomadas na assembleia geral realizada no dia 12 de dezembro de 2023, pelas 16:00, em que esteve presente apenas a condómina proprietária das frações A e B.”. Nessa assembleia, estiveram presentes/representados todos os condóminos do prédio em questão e por decisão da maioria dos condóminos presentes/representados, designadamente dos condóminos proprietários das fracções C, D, E, F e G, presidiu e secretariou a mesa da referida assembleia, respectivamente, KK e LL.

_ Os condóminos, proprietários das fracções D, E, F e G foram devidamente representados por KK, que apresentou, no dia da referida assembleia, as procurações devidamente outorgadas para o efeito.

_ A assembleia de condomínio do dia 29.01.2024 realizou-se nos exactos termos consignados na respetiva acta, tendo sido devidamente convocada, impugnando os artigos 14.º a 26.º do requerimento inicial, invocando o disposto no artigo 1433.º do Código Civil para o recurso à convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas e ineficazes.

_ Não houve qualquer violação dos direitos e interesses do Requerente ou de terceiros durante o processo de deliberação.

_ Em assembleia de condóminos, realizada no dia 25.07.2023, face às acções interpostas pela Requerente, foi deliberada a contratação do Advogado subscritor da oposição, escolhido com base em diversos critérios, designadamente a competência e experiência. Ao invés de participar nas assembleias para as quais foi convocada, podendo pronunciar-se, discutir os assuntos e votar nas propostas feitas da forma que entendesse, a Requerente optou por nunca comparecer, ignorando a existência do condomínio, limitando-se a propor acções judiciais com o propósito de impugnar toda e qualquer deliberação tomada em assembleia, com o único intuito de forçar os demais condóminos a aceitarem as ilegalidades por si cometidas e de tentar impor a sua vontade, contra a de todos os demais condóminos.

_ A Requerente, enquanto condómina, tem obrigatoriamente de comparticipar, na proporção da sua permilagem, em todas as despesas comuns do condomínio, estando obviamente nas mesmas incluídas as despesas relacionadas com processos judiciais contra o Condomínio, tendo tais despesas sido provocadas pela própria Requerente, através das inúmeras acções por si interpostas contra o Condomínio.

_ Relativamente à fissura junto a uma parede na fracção designada pela letra B, a Requerente não juntou qualquer documento que demonstre que a mesma foi comunicada à Requerida ou que esta teve conhecimento desse mesmo problema de infiltração, não podendo, desta forma, diligenciar pela resolução da mesma.

_ A Requerida B..., na qualidade de Administradora do Condomínio, sempre se mostrou, e continua a mostrar, cumpridora dos deveres legais que lhe foram incumbidos, designadamente os plasmados no artigo 1436.º, n.º 1 do Código Civil. A título de exemplo, a Requerida B..., enquanto Administradora do Condomínio, envia não só as actas e convocatórias através de correio registado, como também através de e-mail.

Sustentam, ainda, que as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 29/.01.2024 são de execução imediata, pelo que o presente procedimento cautelar carece de fundamento legal.

Por último, invocam a ausência de factos concretos que demonstrem que há efectivamente um dano apreciável, para a Requerente, decorrente das deliberações tomadas na referida assembleia, concluindo no sentido da verificação da ineptidão, por falta de causa de pedir, do Requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 186.º do Código do Processo Civil.

Pugnaram pelo indeferimento do pedido de inversão do contencioso, fundamentado na complexidade dos temas em discussão e na necessidade de uma instrução não compatível com a que se verifica numa providência cautelar.

I.2_ A Requerente apresentou resposta à oposição.

I.3_ Por despacho de 20/3/2024, foi admitida a resposta apresentada pela Requerente e convidadas as partes para, nos termos do artigo 3º, nº 3, do CPC, se pronunciarem, querendo, quanto à eventual verificação da excepção dilatória de ilegitimidade relativamente aos “Condóminos do Edifício ...” , aludidos no ponto B) da parte inicial do requerimento inicial.

I.4_ Requerente e Requeridos pronunciaram-se sobre a excepção.


I. Em 10/4/2024, o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do dispositivo:

III - Pelo exposto:

- Determino a absolvição da instância dos requeridos AA e BB; CC; EE e FF; e GG e HH, por verificação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva; e

- Julgo improcedente, na parte relativa ao requerido “Condomínio do Edifício ...”, o presente procedimento cautelar, indeferindo a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 29-1-2024.


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As custas ficam a cargo da requerente (art. 527º nºs 1 e 2, do CPC).

*

Fixo ao presente procedimento cautelar o valor de 30 000,01€, dada a não oposição dos requeridos quanto à indicação constante do requerimento inicial e nos termos dos arts. 304º, nº 3, al. c), e 296º, nº 1, do CPC)".

I.6_ Inconformada, a Requerente interpôs recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões:

“I – O presente recurso incide sobre a sentença, datada de 10-04-2024, com a referência Citius 458804154, proferida no âmbito do processo n.º 2940/24.2T8PRT, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 1,que julgou improcedente na parte relativa ao requerido “Condomínio do Edifício ...”, o procedimento cautelar, indeferindo a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada em 29-01-2024, quando, salvo melhor opinião, se impunha decisão em sentido contrário.

II – Primeiramente importa salientar que em causa não está o desacordo da Requerente/Recorrente quanto à manutenção em funções da administradora do condomínio, antes pelo contrário, está em causa sim, os danos decorrentes do exercício dessas funções pela sociedade B..., Lda., na esfera jurídica da Recorrente, dos restantes condomínios e no condomínio em si.

III – Ora, contrariamente ao entendimento do douto Tribunal a quo a Recorrente alegou, concretamente, nos artigos 72.º a 109.º do articulado que deu origem aos presentes autos, e que aqui se deu por integralmente reproduzidos, danos concretos decorrentes do exercício das funções de administradora do condomínio pela sociedade B....

IV – Os artigos 73.º a 77.º, a Recorrente alega e prova documentalmente, a constante violação do direito de informação e prestação de contas, bem como, a aprovação de  despesas de avultados montantes com base em assembleias ficcionadas pela administradora do condomínio, pelo que as imputações não são genéricas e vagas, antes pelo contrário, são individuais e concretas e os factos ali alegados são demonstrativos da conduta incumpridora, ilícita e danosa da administração do condomínio levada a cabo pela sociedade B..., Lda. E nos artigos 99.º a 105.º, são alegados factos (concretos) imprudente e ruinosa administração exercida pela sociedade B..., Lda., nomeadamente, as sucessivas interpelações para pagamento de despesas que não foram aprovadas por assembleia.

V – Logo, os factos ali alegados constituem violação dos deveres do administrador, nomeadamente o previsto na alínea l) do n.º 1 do artigo 1436.º do Código Civil e, por conseguinte, lesivos dos direitos dos condóminos, designadamente da aqui Recorrente, passiveis de compensação. E ainda, constituem danos patrimoniais na medida em que a sociedade B..., Lda., enquanto administradora do condomínio, exige aos condóminos valores a título de despesas não aprovadas e em valores que não correspondem ao praticados no mercado nacional, ou seja, inflacionados, em claro prejuízo do património dos condóminos.

VI – De seguida, o Tribunal a quo entende que a deliberação tomada em assembleia de condóminos de 25-07-2023 visto que, alegadamente foi tomada pelos condóminos e nessa medida não é imputável à administradora, não é atendível para efeito de verificação de dano considerável resultante da manutenção do exercício da sociedade B... enquanto administradora.

VII – Sucede que, a deliberação em questão não foi regularmente tomada, mas foi antes tomada numa assembleia ficcionada pela administradora e segundo os interesses dessa, visto que foi “convocada” na sequência de uma notificação judicial avulsa remetida à aqui Recorrente à revelia dos condóminos, conforme está oportunamente alegado.

VIII – A deliberação em causa constituiu violação do direito de propriedade sob as partes próprias e o destino a dar-lhes, questões que estão expressamente vedadas à discussão e apreciação pela assembleia de condóminos e execução pela administradora.

IX – A conduta ilegal da administração ao executar uma deliberação, que se prende  com questões que não dizem respeito às partes comuns, impedindo dessa forma, o início da actividade e, consequentemente, o contracto de arrendamento celebrado pela Recorrente, está causa danos patrimoniais equivalentes ao valor da renda (€ 3.000,00) por cada mês em que o gastrobar não labora, mesmo estando pronto para tal.

X – Assim, não se compreende como pode o douto Tribunal recorrido entender que a manutenção do exercício de uma administração que executa uma deliberação ilegal, que causa danos à Recorrente em valor elevado, não é suficiente para afirmar que se verificam danos considerável, somente se equaciona tal apreciação se entende que € 3.000,00 por mês não é um valor considerável.

XI – O Tribunal a quo não concebe como da manutenção em funções da sociedade B..., Lda enquanto administradora do condomínio, sem prejuízo da inércia demonstrada na resolução dos danos gerados por infiltrações na fracção propriedade da Requerente, advém dano relevante para a aqui Recorrente.

XII – Sem prejuízo, não se concebe tal entendimento por parte do douto Tribunal visto que, qualquer administração de condomínio competente e diligente não manifestaria uma atitude igual à manifestada pela sociedade B... e, se assim não fosse tais danos já se encontrariam solucionados.

XIII – Pelo que, a manutenção da sociedade B..., Lda, enquanto administradora do condomínio na medida em que não cumpre os seus deveres, viola os direitos dos condomínios e, mais grave ainda, o direito de propriedade sob as partes próprias, consubstanciam danos consideráveis que implicam a suspensão da deliberação que revogou a sua destituição.

XIV – Reforce-se, aliás, que a Recorrente não obstante ser condómina, não é responsável pelas despesas do condomínio com processos judiciais quando configura como contraparte, sob pena de estar a financiar as duas partes em juízo e virtualmente ser autora/requerente e/ou ré/requerida na mesma acção, apenas se deslumbrando a eventual responsabilidade da Recorrente em sede de custas de parte.

XV – Com efeito, a administradora do condomínio, sociedade B..., ao imputar despesas das quais a Recorrente não é responsável causa danos patrimoniais à Requerente.

XVI – Mais, é falso que a administração do condomínio a cargo da sociedade comercial B... se demonstrou cumpridora exemplar dos deveres legais que lhe foram incumbidos, primeiramente, não é verdade que envia as convocatórias e as actas das assembleias por correio registado, pois só as remeteu por via electrónica em clara violação da lei.

XVII – E é falso que não teve conhecimento da existência da fissura na fracção B, porque, e sem prejuízo de interpelações por via telefónica e por correio electrónico que nunca respondeu, a sociedade B... foi notificada da Notificação Judicial Avulsa (cfr. doc. 21 junto com o Requerimento Inicial), pelo que se não diligenciou no sentido de resolver a infiltração foi porque não quis, sendo expectável que esta inércia se mantenha se aquela permanecer no exercício das funções de administradora e, em consequência, a Requerente sofra danos, para além dos já verificados.

XVIII – Estamos, por isso, manifestamente perante danos apreciáveis, resultantes de deliberações que são de execução duradoura, existindo, por isso, fundamento para a apresentação do presente procedimento cautelar.

XIX – Caso assim não se entenda, o que não se admite e apenas se equaciona por mera hipótese académica, sempre existiria fundamento legal para a dedução do procedimento de suspensão das deliberações das assembleias de condomínio mesmo que as deliberações fossem de execução instantânea dado que se verifica a produção de efeitos danosos duradouros, persistentes e prolongados no tempo.

XX – Logo, temos necessariamente de considerar que a Recorrente, ao contrário do que vem decidido, alegou factos que permitem afirmar a verificação do apontado “dano apreciável” decorrente da deliberação tomada em 29-01-2024, estando preenchidos todos os requisitos legais, nos termos do artigo 380.º do CPC, para que se possa apreciar a pretensão deduzida pela Recorrente.

XXI – Em suma, e atento o supra exposto, deve ser revogado a douta Sentença ora em  crise e ser a mesma substituída por outra que, que determine o prosseguimento dos autos para julgamento com as demais consequências legais, por considerar alegados e verificados todos os pressupostos legais para que se possa conhecer do mérito da acção.

Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença, ora em crise, nos termos supra expostos, e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos para julgamento…”.

I.7_ Por despacho de 28/5/2024, foi admitido o recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II_ Questão a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, perante as conclusões apresentadas pela Recorrente as questões a apreciar  consistem em saber se a matéria de facto alegada permitir concluir pela verificação do pressuposto de “dano apreciável” decorrente da não suspensão, durante a pendência da acção de impugnação, das deliberações tomadas na assembleia de 29/1/2024 e se tais deliberações podem fundamentar o recurso ao procedimento cautelar previsto no artigo 383º do CPC.


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III. Fundamentação de facto

Os factos a considerar, relevantes para a decisão são os que decorrem do relatório supra, sem prejuízo dos mais que se ponderarão na apreciação do objecto do recurso.


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III. Fundamentação de direito

Dissente a Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, sustentando que nos artigos 72.º a 109.º do requerimento inicial, alegou danos concretos decorrentes do exercício das funções de administradora do condomínio pela sociedade B..., sendo as deliberações objecto deste procedimento de “execução duradoura”, pelo que existe “fundamento para a apresentação do presente procedimento cautelar “.

Invoca como danos concretos a “constante violação do direito de informação”, a não prestação de contas, quando solicitada; a “aprovação de  despesas de avultados montantes com base em assembleias ficcionadas pela administradora do condomínio”; a inclusão nas despesas a suportar pela Requerente, as quantias respeitantes a custas e honorários decorrentes da pendência das acções de impugnação e da propositura dos procedimentos cautelares, nos quais é parte, os alegados nos artigos 99.º a 105.º,  demonstrativos da “imprudente e ruinosa administração exercida pela sociedade B..., Lda., nomeadamente, as sucessivas interpelações para pagamento de despesas que não foram aprovadas por assembleia” e “em valores que não correspondem ao praticados no mercado nacional, ou seja, inflacionados, em claro prejuízo do património dos condóminos”; a “violação do direito de propriedade sob as partes próprias e o destino a dar-lhes” pela deliberação tomada em assembleia de condóminos de 25-07-2023 e a execução dessa deliberação; e a inércia demonstrada na resolução dos danos gerados por infiltrações na fracção propriedade da Requerente e os danos daí decorrentes para esta, face ao arrendamento dessa fracção.

Dissente, ainda, do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo de que a deliberação tomada em assembleia de condóminos, realizada em 25/07/2023, não é imputável à administradora mas aos condóminos e, consequentemente, não é atendível para efeito de verificação de dano considerável resultante da manutenção do exercício da sociedade B... enquanto administradora. Advoga que esta deliberação constituiu violação do seu direito de propriedade sobre a fracção e do direito que lhe assiste a determinar qual o destino a dar-lhe, questões que estão expressamente vedadas à discussão e apreciação pela assembleia de condóminos e à execução pela administradora. É ilegal a conduta da administração ao executar tal deliberação, impedindo o início da actividade na fracção da Requerente e o contracto de arrendamento celebrado por esta, o que lhe causa danos patrimoniais equivalentes ao valor da renda (€ 3.000,00) por cada mês em que o gastrobar não labora, não compreendendo o entendimento de “que € 3.000,00 por mês não é um valor considerável”. Conclui, assim, que contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, a manutenção do exercício de uma administração que executa uma deliberação ilegal e que causa danos à Recorrente em valor elevado, é suficiente para afirmar que se verificam danos consideráveis.

Conclui, assim, que a  manutenção da sociedade B..., Lda, enquanto administradora do condomínio na medida em que não cumpre os seus deveres, viola os direitos dos condomínios e, mais grave ainda, o direito de propriedade destes sob as partes próprias, consubstanciam danos consideráveis que implicam a suspensão da deliberação que revogou a sua destituição, solução que se impõem mesmo que fossem de execução instantânea as deliberações em causa dado que se verifica a produção de efeitos danosos duradouros, persistentes e prolongados no tempo.

Cumpre apreciar e decidir.

A Requerente intentou a presente providência cautelar especificada de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos, prevista no artigo 383º do Código de Processo Civil, pedindo que seja decretada a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de condóminos, realizada no dia 29/01/2024.

Resulta dos autos que no dia 12 de Dezembro de 2023, foi realizada uma assembleia extraordinária no seio da qual foram tomadas as seguintes deliberações: destituição “com justa causa” da sociedade B..., Lda, como administração do condomínio; eleição de nova administração; revogação das procurações outorgadas a favor do Dr. II e da Dra. JJ; e, criação de uma divisória entre o acesso das fracções destinadas ao comércio e serviços e as destinadas à habitação.

No dia 29 de Janeiro de 2024, foi realizada uma assembleia extraordinária no âmbito da qual foi deliberado (documento nº 4 junto com o requerimento de 9/2/2024):

« “a. Destituição com justa causa da Administradora do Condomínio, B..., Lda”  - Deliberar a anulação da referida deliberação e, consequentemente, confirmar a manutenção no exercício de funções como Administradora do Condomínio da sociedade comercial B..., Lda”, mantendo as condições actuais.

“b. Eleição de nova administração do condomínio” – Deliberar a anulação da referida deliberação e, consequentemente, dar sem efeito, com efeitos retroactivos, a nomeação como Administradora do Condomínio da sociedade D..., Lda.

“c. Discussão sobre o ponto de situação das acções judiciais em curso” - Deliberar a anulação das deliberações tomadas em sequência da discussão do referido ponto, designadamente, dar sem efeito, com efeitos retroactivos, a revogação dos mandatos conferidos aos Exmos Srs. Drs. II e da JJ e, bem assim, revogar todos os mandatos que possam ter sido conferidos no âmbito da Assembleia de 12/12/2023.

“d. Discussão sobre a criação de uma divisória entre o acesso às fracções destinadas a comércio e serviço e as destinadas a habitação” – Deliberar a anulação da deliberação de criação de uma divisória entre o acesso às fracções destinadas a comércio e serviço e as destinadas a habitação”.

Em suma, a Requerente invoca a anulabilidade das seguintes deliberações, tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 29-01-2024:

• Anulação da destituição da anterior Administradora do Condomínio;

• Revogação da nomeação sociedade D..., Lda., como Administradora do Condomínio;

• Anulação da revogação dos mandatos conferidos aos Exmos. Senhores Drs. II e JJ;

• Anulação da deliberação de criação de uma divisória entre o acesso às fracções destinadas ao comércio e as destinadas à habitação.
A suspensão das deliberações da assembleia de condóminos constitui procedimento cautelar especificado ao qual, por força do disposto no artigo 383.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, se aplica o regime processual definido nos artigos 380.º a 383.º do referido diploma.

Nos termos do artigo 380º, nº 1, do CPC, “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”.

São requisitos, cumulativos, da suspensão da execução de deliberações da assembleia de condóminos:
i) a aprovação de deliberação contrária à lei, estatutos ou contrato;
ii) a justificação da qualidade de condómino;
iii) a alegação que da execução da deliberação anulável pode decorrer dano apreciável.

Dispensamo-nos de repetir as considerações jurídicas feitas na decisão recorrida a propósito dos pressupostos da presente providência porquanto, tratam-se de fundamentos jurídicos que, em rigor, não se questionam.

Já não partilhamos, no entanto, do entendimento do Tribunal a quo quanto à deliberação da assembleia de condóminos que procedeu à eleição da administração do condomínio não assumir dimensão executiva, mas meramente deliberativa e, consequentemente, não implicar qualquer tipo de urgência que imponha a sua suspensão imediata.

Como referido na decisão recorrida, à administração do condomínio incumbe, nos termos do artigo 1436º, nº 1, al. h), do CC,  executar as deliberações da assembleia de condomínios que não tenham sido objecto de impugnação, ou seja, tem funções de natureza executiva e é na sequência da deliberação da sua eleição que a administração tem legitimidade para exercer tais funções. Consequentemente, a deliberação de nomeação da administração não tem dimensão meramente deliberativa.

Em anotação ao artigo 380º do Código de Processo Civil, refere Miguel Teixeira de Sousa [1]“[a] finalidade da providência de suspensão é evitar que a deliberação continue ou venha a produzir efeitos até à decisão final da acção principal (n.º 1) (Lobo Xavier (1978), 44 ss.). O que releva são os efeitos práticos que a deliberação esteja a produzir ou possa vir a produzir, não os efeitos jurídicos que a deliberação esteja a produzir ou possa vir a produzir. É por isso que nada obsta a que possam ser suspensos os efeitos de uma deliberação nula ou inexistente, desde que a mesma esteja a produzir ou possa vir a produzir efeitos práticos.  A suspensão dos efeitos da deliberação proíbe que o destinatário pratique qualquer acto que dê continuidade à produção desses efeitos ou que inicie a produção desses efeitos”.

Miguel Teixeira de Sousa considera que “só não podem ser objecto do procedimento de suspensão as deliberações em relação às quais tenha ocorrido uma execução consumptiva, ou seja, uma execução que esgota os efeitos da deliberação”, integrando nas deliberações que podem ser objecto do procedimento de suspensão, “as deliberações cuja execução é constitutiva de efeitos duradouros que se mantêm no momento da instauração do procedimento de suspensão”, acrescentando “[p]. ex.: a circunstância de o administrador designado ter tomado posse não pode impedir a suspensão da deliberação que o designou se, no momento da instauração do procedimento de suspensão, o administrador ainda continuar a exercer funções.”.

Sobre o objecto deste procedimento cautelar, refere António Santos Abrantes Geraldes[2] , “[e]xige-se a actualidade do perigo, excluindo-se as deliberações executadas ou que já esgotaram todos os seus efeitos” .

Ensina António Santos Abrantes Geraldes [3] , “[p]ara além dos efeitos antecipatórios que algumas providências cautelares comportam, a sua função primária está ligada ao impedimento de danos futuros que podem resultar de comportamentos activos ou omissivos de outrem, através da conservação da situação existente. Também à suspensão de deliberações sociais não escapa a consideração de que, mais do que restaurar provisoriamente situações pregressas, interessa prevenir danos futuros.

Esta condição negativa não se encontra expressa em qualquer norma reguladora do procedimento de suspensão. Apesar disso, a denominação específica da providência (“suspensão”), a par da aplicação supletiva das regras do procedimento cautelar comum e da natureza e objectivos da tutela cautelar, impõem a restrição às deliberações ainda não executadas.

Quanto às outras, ou seja, quanto às deliberações executadas antes da instauração do procedimento, a negação da providencia cautelar é resultado da falta de verificação de uma condição de [procedência]”.

Salienta, no entanto, que “nem sempre  as circunstâncias são conformes com a formulação de um juízo reducionista a respeito das deliberações susceptíveis de suspensão”, podendo “surgir situações que, escapando ao simplismo da execução imediata ou instantânea das deliberações inválidas, se projectam no tempo, através da repetição dos actos executivos ou da persistência dos seus efeitos, ou que se traduzem num encadeamento de actos que se prolongam. Pode aliás, asseverar-se que as deliberações de execução complexa, duradoura ou de defeitos prolongados predominam sobre as que se revelam através de actos de execução instantânea”.

E conclui que “[p]or isso, mais uma vez torna-se legítimo questionar se, relativamente ao mencionado requisito negativo, devem ponderar-se os efeitos que se vão produzindo ou repetindo, bastando a sua constatação para justificar o decretamento da medida cautelar solicitada, ou se, pelo contrário, deve usar-se um critério mais rígido e impeditivo da suspensão de deliberações que, de algum modo, já foram executadas e produziram efeitos”.

A esta questão, a jurisprudência e doutrina têm respondido sem uniformidade. Privilegiando a função instrumental do direito, como sistema que deve responder às exigências da vida, dando maior realce aos efeitos práticos, para justificar a utilidade da medida, conclui António Santos Abrantes Geraldes que “[i]sso permite formular a conclusão de que a suspensão da deliberação social não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se  à paralisação dos efeitos jurídicos que seja susceptível de produzir.

Nesta base, enquanto não estiver totalmente executada ou enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, directos, laterais, secundários ou reflexos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável, será viável obter a suspensão da sua execução através da específica providência causada pelo legislador”.

Escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], “[n]os tribunais, a questão tem-se posto, com particular insistência, quanto às deliberações de destituição de gerente e de nomeação de gerente, que, embora constituindo atos de execução instantânea, produzem efeitos continuados no tempo”. Após indicação de jurisprudência que admitiu tais deliberações como susceptíveis de suspensão, enquanto se mantiver o afastamento do gerente destituído ou o exercício do gerente nomeado, “recorrendo a um conceito lato de execução permanente ou à ideia de  que a deliberação pode ser suspensa enquanto continuar a produzir efeitos danosos, ainda que indiretos, laterais ou até reflexos”; bem como de jurisprudência que negou essa possibilidade, distinguindo “o efeito suspensivo da execução da deliberação em si, único de que tratariam as providências cautelares em causa, e a suspensão dos outros efeitos dela derivados, considerados como estando além do fim da providência”; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que “[a]pelando aos interesses em jogo e às finalidades da tutela cautelar, Lobo Xavier demonstrou que no procedimento de suspensão de deliberação social não está apenas em causa suspender a eficácia executiva da deliberação social (…) mas toda a sua eficácia, tratando-se assim antes de uma suspensão de eficácia, que  abrange efeitos indiretos (…), laterais ou secundários (…) e reflexos  do que duma mera suspensão de execução propriamente dita”

Perfilha este tribunal o conceito lato de execução pois, como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “[a]tendendo a que a providência cautelar visa garantira eficácia da decisão definitiva a proferir, obstando ao seu comprometimento pela duração do processo, só este conceito lato de execução se coaduna com essa sua função”.

Revertendo aos presentes autos, a deliberação que nomeou administradora do condomínio a sociedade “B...” ainda produz efeitos jurídicos porquanto, é dessa decisão tomada pelos condóminos, na assembleia de 29/1/2024, que advém a legitimidade daquela para exercer as suas funções na qualidade de administradora do condomínio.

Assim, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a deliberação que elege a administração do condomínio pode constituir fundamento para o recurso à providência cautelar de suspensão de deliberações, desde que verificados os demais pressupostos.

Impõe-se, assim, aferir se pela Recorrente foram alegados factos concretos que permitam aferir da existência de prejuízos decorrentes das deliberações de 29/1/2024 e da correspondente gravidade.

Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[5] que “os factos de que resulta a ilegalidade da deliberação e os que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão.”.

No domínio do Código de Processo Civil de 1939, ensinava José Alberto dos Reis[6], «[definimos a figura geral da providência cautelar como uma decisão provisória destinada a antecipar o efeito jurídico duma providência definitiva, em atenção ao “periculum in mora”, isto é, ao dano jurídico que pode resultar da necessidade de que a decisão definitiva seja o termo dum longo percurso processual; e vimos que a apreciação jurisdicional de que emerge a providência cautelar ou preventiva se traduz em dois juízos: 1.º Um juízo de simples probabilidade (verificação de que o requerente é titular dum direito aparente); 2.º Um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito forte (verificação da ameaça de dano jurídico). A providência é decretada em defesa do direito aparente e para impedir que o dano se produza.

Ora, os dois requisitos exigidos pelo artigo 403º correspondem exactamente aos caracteres que acabamos de assinalar. Com efeito:
a) A apreciação da ilegalidade da deliberação equivale ao reconhecimento do direito do requerente…
b) A demonstração de que, se a deliberação for executada, daí resultará dano apreciável, implica a existência do periculum in mora, isto é, a iminência de dano jurídico, que a suspensão se propõe evitar”.

O risco de dano apreciável é o risco de prejuízos significativos. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[7], o “dano apreciável” é algo que fica aquém da “lesão grave e dificilmente reparável” que se exige no âmbito dos procedimentos comuns; tem de ser um dano significativo ou relevante.

 Todavia, não bastam meras hipóteses, possibilidades, previsões ou suposições sobre o que poderá acontecer. A afirmação da probabilidade desse risco depende da demonstração de factos que, analisados com objectividade, revelem ou indiciem o perigo das consequências que se querem evitar.

Por último, o “dano apreciável” tem de resultar da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade ou a inexistência da deliberação”.[8]

Como refere o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 8/11/2011[9], “O dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo”.

Importa, então, analisar a factualidade alegada pela Recorrente e aferir se da mesma constam prejuízos concretos decorrentes da não suspensão das deliberações acima mencionadas, tomadas na Assembleia de 29/1/2024, e se consubstanciam danos irreparáveis.

Desde já se adianta que nenhum prejuízo foi invocado relativamente à execução da deliberação que anulou a deliberação de criação de uma divisória entre o acesso às fracções destinadas ao comércio e as destinadas à habitação. O mesmo sucede relativamente à deliberação de revogação da procuração.

Analisando, então, o requerimento inicial, no seu artigo 72º, a Requerente fez constar, apenas, meras conclusões.

Advoga a Recorrente que nos artigos 73.º a 77.º do Requerimento inicial consta a alegação da “constante violação do direito de informação e prestação de contas, bem como, a aprovação de  despesas de avultados montantes com base em assembleias ficcionadas pela administradora do condomínio, pelo que as imputações não são genéricas e vagas, antes pelo contrário, são individuais e concretas e os factos ali alegados são demonstrativos da conduta incumpridora, ilícita e danosa da administração do condomínio levada a cabo pela sociedade B..., Lda.”.

No que tange à violação do direito de informação, não existe, no artigo 73º do requerimento inicial, a concretização de qualquer pedido de informação dirigido pela Requerente à administração. O mesmo sucede com o conteúdo do artigo 75º do Requerimento inicial, no qual a Requerente alega que há vários anos que não consegue obter qualquer esclarecimento “claro” e/ou resposta às suas questões atinentes ao funcionamento do condomínio.

 O alegado envio “constante” de cartas pela Requerente, não se encontra minimamente concretizado, quer no tempo, quer quanto ao conteúdo pois, “questões menos transparentes ou sem nexo/lógica” são meros conceitos abstractos. O mesmo sucede com os esclarecimentos prestados perla administração e que a Recorrente não considera “claros”.

A exigência legal da alegação e demonstração de que a execução da deliberação pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir, não apenas, da existência dos prejuízos, mas, também, da correspondente gravidade. Não basta a mera alegação, genérica, à existência de pedidos de informação sobre “questões menos transparentes ou sem nexo/lógica” ou sobre “o funcionamento da administração” aos quais não foi dada resposta ou que obtiveram resposta mas o esclarecimento prestado não foi, pela Recorrente, considerado “claro”, para se concluir que se trata de um dano significativo.

Assim, relativamente à violação do direito de informação, não foram alegados, pela Recorrente, os pertinentes factos para preenchimento do requisito da verificação de dano apreciável.

No artigo 74º do Requerimento inicial, a Requerente limita-se a alegar que quando solicitado que prestasse contas, a administradora do condomínio recusou-se a fazê-lo ou remeteu-se ao silêncio. Mais uma vez, trata-se de uma afirmação genérica. Destes factos não se extrai a possibilidade de “danos apreciáveis" resultantes da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade das deliberações de 29/1/2024. O mesmo sucede com a alegação, no artigo 75º e no primeiro segmento do artigo 76º do Requerimento inicial, de ausência de esclarecimento “claro” e/ou resposta às suas questões atinentes às despesas que lhe vão sendo exigidas/imputadas sem qualquer deliberação e/ou sem que sejam recolhidos os três orçamentos que a lei exige. Quais as despesas que foram imputadas sem deliberação e quando? Quais as despesas que lhe foram imputadas sem a prévia recolha de três orçamentos?

Percorrendo o requerimento inicial, constata-se que as únicas despesas mencionadas pela Recorrente respeitam às custas e honorários decorrentes das acções de impugnação propostas pela Recorrente contra o Condomínio e do procedimento cautelar proposto pelo segundo contra a primeira; e às despesas que constituem a quantia exequenda do processo executivo n.º 13836/23.5T8PRT que corre seus termos nos Juízos de Execução do Porto, intentado contra si, constando do artigo 88º do requerimento inicial, afirmações conclusivas e genéricas, tais como “foram aprovadas alegadas despesas que (…) configuram meros caprichos dispendiosos para proveito próprio de alguns condóminos em claro prejuízo da Requerente, desde logo, a despesa referente à instalação de um sistema informático/digital no portão de entrada do edifício”, “sabendo que aquela não iria tirar qualquer proveito das mesmas (e que são verdadeiras inovações nos termos constantes do CC)”.

Não estão em causa prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação. Dito de outro modo, da factualidade alegada não resulta o risco da utilidade prática da sentença de anulação das deliberações caso não seja decretada a suspensão da execução destas. Ainda que assim não fosse, sem indicação do valor concreto da despesa imputada e da sua origem, não se vislumbra como seja possível considerar que estamos perante um dano significante para fundamentar a suspensão da execução de uma deliberação.

No artigo 76º, invoca a Requerente a adjudicação de obras desnecessárias e voluptuárias e/ou serviços a empresas do mesmo grupo (ou dos mesmos sócios) da B..., por preços inflacionados e que não são de mercado,  preços que os demais condóminos parecem aceitar por não terem qualquer conhecimento dos preços de mercado praticados em Portugal e por estarem habitualmente habituados a preços mais altos nos respectivos países de origem (Estados Unidos da América, Reino Unido, etc.)”. Não existe um facto concreto neste artigo, mas meras afirmações conclusivas e recurso a conceitos.

No artigo 77º do Requerimento inicial, a Recorrente alega que ao longo dos vários anos, a sociedade B... nunca a convocou “regularmente” que não é mais do que uma conclusão. Alegou a existência de actas efectuadas com “a convivência” dos restantes condóminos, com “decisões em prol dos seus interesses comerciais e dos interesses desnecessários dos demais condóminos (“deliberando” obras sem nexo que eram do interesse destes), sem qualquer concretização de tais afirmações.

No artigo 78º do Requerimento inicial, alega a Requerente que era tensa a relação entre si e a administração do condomínio e que a situação se agravou com o procedimento cautelar proposto por esta, em execução da deliberação de 25/7/2023.

Insurge-se a Recorrente com a decisão do Tribunal a quo ao considerar que essa “deliberação foi tomada pelos condóminos – e não pela administração do condomínio - [e] a administração ter-se-á limitado a executar tal deliberação. Assim, o dano que daí tenha advindo à requerente não é imputável à administradora do condomínio…”.

Semelhante raciocínio foi feito pelo Tribunal a quo relativamente às deliberações mencionadas nos artigos 83º a 88º, referindo que se trata de “deliberações tomadas – pelos condóminos e não pela administradora – noutras assembleias de condóminos.

Salvo o devido respeito, não pode merecer acolhimento o fundamento invocado pelo Tribunal a quo. As deliberações são tomadas pelos condóminos e não pela administração. Significa que as deliberações executadas pela administração do condomínio que venham a ser objecto de providência cautelar de suspensão das deliberações são sempre da responsabilidade dos condóminos. Em segundo lugar, o artigo 380º do Código de Processo Civil não exige que a deliberação seja da responsabilidade da administração mas, apenas, que a aprovação da deliberação seja contrária à lei, estatutos ou contrato.

Todavia, isso não significa que dos factos alegados se verifiquem os pressupostos especificados no artigo 380º do CPC. A situação factual relatada nos artigos 78º a 82º do requerimento inicial respeitam à execução da deliberação de 25/7/2023, no âmbito da qual foi tomada uma decisão sobre as alterações no uso da fracção A, propriedade da Requerente, introduzidas por esta; bem como a uma outra deliberação anterior a 29/1/2024. Na assembleia de 25/7/2023, foi tomada a deliberação de proibir o exercício da actividade de gastrobar, na fracção da Requerente e, ainda, a instauração de uma acção judicial para obstar a que tal actividade fosse exercida, com todos os custos judiciais a serem imputados aos condóminos, incluindo a Autora. Alega a Recorrente que na sequência dessa duas deliberações, o Condomínio intentou uma providência cautelar, ainda pendente.

A não suspensão das deliberações tomadas na Assembleia de 29/1/2024 em nada interfere com a prossecução ou o desfecho do procedimento cautelar intentado pelo Condomínio contra a Requerente. Dito de outro modo, não se vislumbra, da factualidade alegada, a possibilidade de “danos apreciáveis" para a Requerente, resultantes da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade das deliberações de 29/1/2024: decretada, ou não decretada, a  suspensão das deliberações tomadas em 29/1/2024, prosseguirá os seus ulteriores termos a providência cautelar instaurada contra a Requerente que tem por objecto o uso dado à sua fracção A e permanecerá a proibição de dar a essa fracção a utilização para o exercício da actividade de gastrobar, deliberada em Julho de 2023 e não em 29/1/2024.

O mesmo sucede com a deliberação mencionada no artigo 85º do requerimento inicial e com a acção executiva mencionada nos artigos 87º a 89º do requerimento inicial. Decretada, ou não decretada, a suspensão das deliberações tomadas em 29/1/2024, prosseguirá os seus ulteriores termos a acção executiva, bem como a acção de impugnação, mencionada no ponto 85 do requerimento.

Em suma, não estão em causa prejuízos que advenham da execução das deliberações tomadas na assembleia de 29/1/2024 pois, o não exercício de funções pela administradora B... não tem como consequência a paralisação do procedimento cautelar intentado contra a Recorrente ou a suspensão da deliberação de Julho de 2023 que proibiu a mesma de utilizar a fracção A para a actividade comercial por esta pretendida.

No que tange à alegada fissura – artigos 90º e 91º do requerimento – existente na fracção autónoma designada pela letra B da qual a Requerente é proprietária, da matéria de facto alegada não é possível extrair que a responsabilidade pela reparação dessa patologia recai sobre o condomínio, sobre a Requerente ou sobre outro condómino, sendo meramente conclusivo o conteúdo do artigo 94º do requerimento. Consequentemente, dos factos articulados não se extrai a possibilidade de “danos apreciáveis" resultantes da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade das deliberações de 29/1/2024. Importa ter presente que entre 12 de Dezembro de 2023 e 29 de Janeiro de 2024, a administração do condomínio não esteve atribuída à sociedade nomeada na assembleia de 29/1/2024 e não consta da matéria de facto alegada que a Requerente tenha visto alterada a sua situação.

Como refere o Tribunal a quo, a Requerente “poderá ver assegurado o seu direito à reparação dos danos através da instauração da competente acção judicial (e/ou do respectivo procedimento cautelar, caso tal se justifique)”.

Da alegada não entrega da documentação, referida no ponto 97º do requerimento inicial, não decorre a possibilidade de danos resultantes da demora na obtenção de uma tutela definitiva sobre a invalidade das deliberações de 29/1/2024, nem que tais danos sejam relevantes.

O ponto 99º do requerimento inicial é meramente conclusivo, constando do mesmo a B... continuou “a tudo fazer para levar à frente a sua gestão danosa e grosseira, feita de interesses próprios, em prejuízo da Autora, mas também, na verdade, dos demais condóminos que continuam, por inércia, desconhecimento e até uma questão cultural e de falta de noção/adaptação, a liquidar quantias/despesas “inventadas”, despropositadas, ou, se necessárias por valores bem superior aos dos mercado, a empresas associadas ou ligadas à B... (empresa jardinagem, elevadores, limpeza, etc.)”.

Os pontos 100º a 102º respeitam ao procedimento cautelar intentado em execução de deliberações anteriores a 29/1/2024. A míngua de factos é de tal ordem que a Requerente, no ponto 102º do requerimento inicial, avançou com a hipótese de o “inquilino, face a todas as adversidades, poderá entretanto desistir do negócio”, sem existir qualquer facto alegado que indicie ser essa a postura do arrendatário. O mesmo sucede com o conteúdo do artigo 103º do requerimento. Reitera-se, no entanto, que a proibição de exercício da actividade comercial, prevista no contrato de arrendamento, celebrado pela Recorrente, não decorre de qualquer deliberação tomada em 29/1/2024, sendo a propositura do procedimento cautelar a mera execução da deliberação de 25/7/2023 e não de deliberação tomada em 29/1/2024.

No que tange às despesas com custas e honorários, decorrentes da propositura de acções e procedimentos cautelares, já propostos e eventualmente a propor, será a Requerente reembolsada, no termo desses procedimentos, em caso de ver reconhecida as suas pretensões, nos termos que se encontram processualmente previstos. Dito de outro modo, não está em causa o “periculum in mora”, a necessidade de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação das deliberações tomadas em 29/1/2024.

As expressões “despesas de carácter dúbio” e de “valor expressivo”, “risco elevado” e “gestão danosa, lesiva, de índole criminal e civil”, constantes do artigo 105º do requerimento são meramente conclusivas.

Quanto à alegação que a administradora poderá levar a cabo outras acções que implicarão a necessidade de instaurar acções judiciais, concorda-se com o Tribunal a quo: “ tal dano é meramente potencial, pois desconhece-se se, efectivamente, a administração tomará decisões contrárias ao interesse da A.” e “ainda que tal venha a ocorrer, a. poderá reagir judicialmente e a título cautelar contra o concreto acto que entenda prejudicial aos seus interesses, alegando, nesse caso, o dano que daí lhe advirá. Aqui se inclui quer a deliberação da assembleia de condóminos que vier a provocar directamente tal dano, quer, eventualmente, o acto de execução que venha a ser tomado pela administração do condomínio”.

Como se referiu, para a verificação do requisito do “dano apreciável” não bastam meras hipóteses, possibilidades, previsões ou suposições sobre o que poderá acontecer. A afirmação da probabilidade desse risco depende da demonstração de factos que, analisados com objectividade, revelem ou indiciem o perigo das consequências que se querem evitar.

Em suma, ainda que a factualidade alegada pela Requerente fosse integralmente demonstrada, a mesma não permitiria ao Tribunal decretar a providência requerida.

Pela sua relevância para os autos, permitimo-nos citar o Acórdão de 12/5/2009, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, mencionado pelo Tribunal a quo : «a exigência legal relativa à ocorrência de “dano apreciável” decorrente da deliberação impugnada tem em vista “obviar à paralisação da vida e actividade do Condomínio e isso não se compadece com as usuais querelas dos seus membros que amiúde pontuam as respectivas reuniões. (…) [Sabendo a lei, como sabe, da existência frequente de tais desacordos, se permitisse suspender facilmente as deliberações das respectivas assembleias – onde pautam amiúde os desacertos entre os membros –, estava a abrir caminho à mais completa paralisação da actividade social ou associativa. E isso nem pode a lei permitir, nem deve o intérprete deixar de acautelar”.

Nessa senda, conclui: “Por isso é que a lei prevê a ponderação de interesses no artigo 397.º, n.º2 do Código de Processo Civil [ora, art. 381º, nº 1] quando estabelece que “ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da execução”. Tudo vai no sentido de proteger a instituição contra os seus próprios associados e os seus respectivos interesses particulares.».

Assim, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Custas

No artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.

No caso, as custas do recurso, atento o decaimento, são a cargo da Recorrente.


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V_ Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância.

Custas pela Recorrente - cfr. artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil.


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Sumário:

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Porto, 10/7/2024.

Anabela Morais

Jorge Martins Ribeiro

Manuel Domingos Fernandes


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[1] Miguel Teixeira de Sousa, BLOG CPC, https://drive.google.com/file/d/1G81Ib08M2RdFFnxiRZhXube8DWMUc1F2/view.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, vol. iv, 2ª ed. revista e actualizada, pág.95.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, vol. iv, 2ª ed. revista e actualizada, págs. 76 a 79.
[4]José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2001, págs. 108  e109.
[5]José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4ª ed., vol. II, 2001, pág. 91.
[6] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora – Coimbra, vol. I, págs. 677 e 678.
[7] Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, https://drive.google.com/file/d/1G81Ib08M2RdFFnxiRZhXube8DWMUc1F2/view.
[8] Acórdão de 21/6/2022, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo nº 15502/21,7T8LSB.L1, acessível em www.dgsi.pt. Nesse Acórdão pode ler-se: “Também Vasco da Gama Lobo Xavier assim o diz: “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos de concessão de providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção preferida.”
[9] Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 8/11/2011158/10.0T2AVR-A.C2