Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA FONSECA | ||
Descritores: | DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS APROVAÇÃO DE CONTAS | ||
Nº do Documento: | RP202407102166/19.7T8PNF.P2 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | A deliberação da assembleia de condóminos que aprova contas que não registam com exatidão o valor dos recursos imediatamente disponíveis para efetuar pagamentos não contraria a lei ou o regulamento do condomínio, pelo que se trata de deliberação não anulável. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. 2166 19 7T8PNF P2 Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… Relatora: Teresa Fonseca 1.º adjunto: Manuel Fernandes 2.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida I - Relatório Acordam no Tribunal da Relação do Porto AA e BB propuseram ação de anulação de deliberação da assembleia de Condomínio ..., sito na Avenida ..., em Penafiel, de 24/5/2019, referente à aprovação das contas dos exercícios de 2017 e 2018. Alegaram ser donos de fração autónoma desse edifício, correspondente a uma loja comercial, e não se conformarem com as contas aprovadas no tocante às receitas e aos saldos. Propuseram a ação contra CC, DD, EE, FF, “Banco 1..., S.A.” e GG, representados pela Administração do Condomínio .... O condomínio, representado pela sua administradora, contestou. O processo prosseguiu os seus termos, vindo a ser proferida decisão que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade, absolvendo o R. condomínio da instância. Esta decisão foi objeto de recurso, tendo sido decidida a revogação da decisão recorrida, substituindo-se esta por outra que declarou a nulidade de todo o processado ulterior à petição inicial e que determinou a realização dos atos que sucedem à entrada da petição em juízo. Determinou-se a citação dos condóminos identificados como RR. na petição inicial representados pelo administrador. Foram habilitados HH, II, JJ, KK e LL na qualidade de mulher e de filhos e netas do falecido A. BB. Houve lugar a habilitação de herdeiros de MM, NN, OO e PP, na qualidade de viúva, filhos e neto do falecido R. FF, entretanto falecido. * Citados os RR. com advertência da cominação legal, não houve lugar a contestação tida como válida, pelo que foram considerados confessados os factos alegados.Julgados verificados os pressupostos processuais, a ação foi julgada totalmente improcedente. * Inconformados, os AA. interpuseram o presente recurso, formulando as conclusões que se seguem.I - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que absolveu os RR dos pedidos formulados. II - A Recorrente e marido intentaram a presente ação contra os RR, condóminos, através da qual peticionaram a anulação das deliberações que aprovaram as contas referentes aos exercícios dos anos 2017 e 2018. III - Compulsados os autos, constata-se que os RR, apesar de regularmente citados, não contestaram a presente ação. IV - Por despacho proferido em sede de audiência prévia, foram considerados confessados os factos alegados pela Recorrente, de harmonia com o preceituado no art.º 567.º, n.º 1 do CPC. IV - Proferida a sentença aqui em crise, e não obstante o despacho que considerou confessados os factos articulados pelos AA, certo é que o Tribunal a quo, fazendo errada interpretação deste e uma manifesta aplicação do direito, entendeu absolver os RR dos pedidos formulados pelos AA. V - A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, porquanto apenas consta do corpo desta 12 factos provados e o direito, olvidando-se, certamente por lapso, dos factos que entendeu não provados (uma vez que julgou improcedente a ação), assim como a análise crítica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. VI - Ora, não se compreende a sentença aqui em crise, nomeadamente, o elenco dos factos provados, quando, por força do despacho supra transcrito, foram todos os factos alegados pelos AA considerados confessados, inexistindo qualquer referência na sentença quanto a factos não provados e, consequentemente, a respetiva análise critica das provas, designadamente, da prova documental que instruiu a presente ação. VIII - Diga-se ainda que não se verifica qualquer uma das exceções previstas no art.º 568.º do CPC. IX - Assim, forçoso é concluir que, face aos factos articulados pelos AA e considerados confessados pelo Tribunal a quo, a fundamentação da sentença está em manifesta oposição com a decisão proferida - art.º 615.º, n.º, al. c) do CPC, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos. X - No mais, verifica-se que, apesar de os mesmos terem sido considerados confessados, o Tribunal a quo não os valorou, o que irremediavelmente veio a culminar numa errada interpretação e aplicação do direito. XI - Em primeiro lugar, porque não resulta dos autos qualquer alegação dos AA que demonstre que os mesmos entendam que quotas dos restantes condóminos são iguais às suas. XII - Aliás, essa ilação nem poderá ser cogitada em função dos factos alegados e confessados. XIII - Toda a alegação foi suportada na prova documental junta aos autos e matematicamente apurada. XIV - Como bem sabe a Recorrente, a sua quota não é igual às dos restantes condóminos, nem poderia ser, com base na permilagem de cada uma das frações que compõem o condomínio. (como aliás foi alegado) XV - Os cálculos apresentados assentam precisamente no orçamento anual aprovado em cada um dos exercícios, na receita apurada e nas dívidas resultantes das contas apresentadas. XVI - Resultando por demais evidente que, que as contas apresentadas e aprovadas são, no mínimo questionáveis, e resultam numa indiscutível violação do disposto no art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil. XVII - Face ao exposto, não poderia o Tribunal a quo ter julgado a ação improcedente, absolvendo os RR dos pedidos formulados. XVIII - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas constantes do art.º 1424º do CC e 607º, n.º 4 do CPC, 567.º, n.º 1, 615.º, n. º1, al * II - Questões a dirimir:a - se a sentença é nula por oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos; b - se deve haver lugar à anulação das deliberações que aprovaram as contas referentes aos exercícios dos anos de 2017 e 2018. * III - Fundamentação de facto constante da sentençaFactos provados 1. Os aqui Autores são possuidores e legítimos proprietários de uma loja comercial que corresponde a uma fração autónoma identificada pela letra “C”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ......, conforme resulta do doc. n.º 1. 2. A administração do Condomínio ... encontra-se adstrita à empresa de gestão de condomínios denominada “A...” desde 25 de maio de 2019. 3. No dia 24 de maio de 2019, pelas 20h30, reuniu a assembleia geral do Condomínio ..., com o objetivo de deliberar sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos, a saber: - Discussão e votação das contas de gerência do ano de 2017 e 2018; - Eleições para a nova administração de condomínio. 4. Na sobredita assembleia geral estiveram presentes os condóminos das frações BM, BH, BO, BU, BB, BD, BE, BR, AA, AB, AN, AQ, AR, AS, AX, AV, CC, CB, CF, CO, CP, CT, CQ, CU, D, R, T, S, U, X, 1, 2, 4, 5, 30, 17, 20, 39, 39A, 39B, 40, 36, 37, 31, 35, 9, e representados os condóminos das frações AF, P, Z, BP, 8, AM, G, CN, BA, 21, 22, 23, B, C, BK, 6, F e K, conforme resulta da cópia da ata junta como doc. n.º 3. 5. Iniciada a discussão dos vários pontos da ordem de trabalhos, e colocados à votação, foram os mesmos aprovados. 6. O Administrador CC, apenas logrou apresentar as contas referentes aos exercícios dos anos 2017 e 2018, em meados de 2019. 7. A Administração apresentou as contas de gestão referentes ao ano de 2018, apurando receita no valor de 55.130,85€ (cinquenta e cinco mil cento e trinta euros e oitenta e cinco cêntimos). 8. No mesmo ano, apurou despesa no valor global de 54.083,52€ (cinquenta e quatro mil oitenta e três euros e cinquenta e dois cêntimos). 9. De acordo com informação prestada no decurso da assembleia realizada em 24/05/2019, os condóminos que apresentam dívida ao Condomínio, são as frações “C” “R” e “N”, num total de 14.330,29€ (catorze mil trezentos e trinta euros e vinte e nove cêntimos), referentes a quotas ordinárias vencidas e não pagas. 10. A que acrescem, quotas extraordinárias aprovadas na assembleia de 25/11/2017, no valor global de 852,80€ (oitocentos e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos). 11. Atualmente está a ser cobrada aos aqui Autores, uma quota mensal no montante de 271,00€ (duzentos e setenta e um euros), a que corresponde a um valor global anual de 3.256,80€ (três mil duzentos e cinquenta e seis euros e oitenta cêntimos). 12. A fração dos Autores apresenta uma permilagem de 39,48. * IV - Fundamentação jurídicaa - Da nulidade da sentença Os apelantes referem que a sentença padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 607.º/4 e 615.º/1/c do C.P.C., porquanto apenas constam do corpo desta 12 factos provados e o direito, olvidando-se, certamente por lapso, dos factos que entendeu não provados (uma vez que julgou improcedente a ação), assim como, a análise crítica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Não colhe a crítica de que o tribunal não indicou os factos não provados, nem a fundamentação da convicção. Efetivamente, foram julgados confessados todos os factos alegados pelos AA. por ausência de contestação, em conformidade com o preceituado no art.º 567.º/1 do C.P.C.. Assim, não há factos não provados a tomar em consideração. Tampouco está em falta análise crítica das provas, já que os factos foram dados como assentes por confissão tácita ou ficta. Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Lê-se no ac. do S.T.J, de 3-3-2021 (proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Leonor Cruz Rodrigues): há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma»). Relativamente à alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. a própria alegação dos recorrentes afasta a existência da nulidade. Os apelantes sustentam que o tribunal, apesar de ter dado como confessada determinada factualidade, não a levou em linha de conta para efeitos decisórios. Assim sendo, o tribunal decidiu em função dos factos que tomou em consideração. O que os apelantes criticam é a circunstância de o tribunal não ter relevado parte da matéria confessada. O tribunal decidiu, porém, em função dos factos por si tidos em consideração e em consequência da argumentação jurídica que desenvolveu. Não se verifica, por conseguinte, um erro de ordem lógica, esse sim, conducente à nulidade. Questiona-se, afinal, o mérito da decisão, o que não se confunde com a nulidade da sentença, pelo que improcede o pedido de declaração de nulidade da sentença. * b - Do erro de mérito da decisão: da anulabilidade das deliberaçõesO pedido da presente ação consiste na anulação das deliberações que aprovaram as contas referentes aos exercícios dos anos de 2017 e 2018. Vejamos, antes de mais, qual a matéria a atender para efeitos decisórios. O efeito da revelia absoluta do réu traduz-se na chamada confissão tácita ou ficta, não dependente de qualquer declaração nesse sentido, bastando para tal a própria inércia do demandado. Equiparam-se os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os arts. 352.º e ss. do C.C.. O art.º 567.º/2, do C.P.C. consagra o efeito do cominatório semipleno (cf. a este propósito o ac. da Relação de Lisboa de 28-9-2021, proc. 1336/20.0T8FNC.L1-7 José Capacete). Sem embargo da confissão assim ficcionada, e apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, nada impede que o juiz absolva o réu da instância ou julgue a ação total ou parcialmente improcedente, contanto que julgue verificados os pressupostos do sentido decisório por si escolhido. Nos termos do preceituado no art.º 662.º/1 do C.P.C., a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Esta alteração impõe-se sempre que à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito e tendo em conta o objeto do recurso, um certo núcleo factual seja necessário para dar suporte a uma dessas soluções. Isto independentemente da solução que venha a ser perfilhada. No caso vertente, contudo, não está em causa alteração, mas apenas a transcrição de matéria fáctica dada por confessada, já que se verifica que o juiz, nem transcreveu parte dos factos alegados, nem os teve em consideração na sentença. Não há, porém, dúvidas de que os mesmos foram julgados confessados. Referimo-nos à seguinte materialidade retirada dos arts. 11.º e 25.º a 33.º da petição inicial: - do art.º 11º: nos dois últimos anos de exercício (2017 e 2018) faltam do caixa cerca de 37.824,32€ e 21.741,70€. - do art.º 25º: considerando a permilagem da fração dos Autores e a quota paga, constata-se que os restantes condóminos teriam necessariamente que pagar um total de quotas no valor global de 79.235,60€, referente a quotas ordinárias, assim calculadas: Fração C 39,48 ____ quota anual de 3.256,80€ Restantes 960,52 ____ X = 79.235,60€ + 3.256,40€ = 82.492,40€ - do art.º 26.º: no exercício de 2018, a Administração do Condomínio ... arrecadou em receita a quantia de 79.070,06€, apurada em função dos cálculos supra, e da dedução dos valores em dívida das frações “C” e “R”, nos montantes de 3.256,80€ e 165,00€, respetivamente. Do art.º 27.º: no que respeita à receita arrecadada no ano de 2018, encontram-se em falta no caixa cerca de 21.740,70€ Valor em caixa real => 22 840,32 Valor de caixa apresentado em assembleia: 1 098,62 Valor em falta: 21 741,70 2018 Dos arts. 28.º e 29.º: o mesmo se verifica quanto às contas apresentadas do exercício de 2017. Do art.º 30.º: o orçamento é o mesmo do ano de 2018. Do art.º 31º: a despesa cifra-se em 39.828,57€ - cfr. doc. nº 6. Dos arts. 32º e 33.º: neste exercício é possível apurar uma divergência no valor do caixa em cerca de 37.824,32€. Fração C Permilagem 39,48 Quota mensal 271,40 Quota Anual 3 256,80 Contas apresentadas de 2017 foram de € 40 927,19 Caixa deveria ter 41 565,21 Dívida das duas frações mencionadas na reunião: Fração C 3 256,80 Fração R 165,81 Valor em caixa real => 38 142,60 Valor de caixa apresentado em assembleia 318,28 Valor em falta 37 824,32 Assim, os factos a atender, adicionalmente aos elencados pela 1.ª instância são os que se vem de enunciar. Atente-se ainda em que consta da matéria alegada que as quotas tinham em atenção a permilagem das frações. Não obstante, lê-se na sentença: os Autores partem da sua quota, calculada com base na sua permilagem e calculam o valor global de receitas totais do condomínio para o ano de 2017 e 2018, partindo da premissa que todas as quotas dos restantes condóminos são iguais à sua. Ora, entendemos que tal raciocínio não se mostra correto, porquanto cada fração tem a sua permilagem (como facilmente se depreende do documento junto como n.º 5 com a petição inicial), em função da qual será calculado o valor da sua quota de condomínio, nos termos do citado artigo 1424.º. Já se viu, porém, que os AA. realçam a existência de pagamentos de quotas de condomínio em função das permilagens. A sentença parte, assim, de erróneo pressuposto quanto à motivação dos AA. relativamente ao modo de cálculo das contribuições de cada condómino. Acresce que, como já se deixou antever, a fundamentação jurídica da sentença não tomou em consideração parte dos factos que julgou confessados, assinaladamente, as quantias em caixa. Caixa, em contabilidade, é a denominação de uma conta que registra o valor dos recursos imediatamente disponíveis, para efetuar pagamentos. A conta registra, de maneira ordenada, montantes recebidos e pagos. O caixa de uma empresa pertence ao grupo do ativo circulante, ou seja, nele estão os saldos em caixa, saldos em bancos, aplicações financeiras de liquidez imediatas e numerárias em trânsito (cf. Borges, António e outros, Elementos de Contabilidade geral, 25.ª ed., Almedina). O art.º 1433.º do Código Civil estabelece uma disciplina específica para as deliberações tomadas em assembleias de condóminos. Efetivamente, prevê o n.º 1 do deste art.º que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado - isto sem prejuízo de poderem ser inexistentes, nulas ou ineficazes em sentido estrito. As deliberações da assembleia de condóminos são suscetíveis dos vícios da anulabilidade, da nulidade e da ineficácia (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, pp. 447-448 e Jorge Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, pp. 176-177). Consideram-se anuláveis as deliberações contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado, mas também as deliberações afetadas por vícios formais (cf. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, 2002, pp. 253 e ss.). As contas apresentadas relativamente aos anos de 2017 e 2018 não se mostram corretamente elaboradas porquanto faltam no caixa € 37.824,32, relativos ao ano de 2017, e € 21.741,70, relativos ao ano de 2018. Efetivamente, em face da confissão operada por ausência de oposição, é forçoso concluir pela incorreção contabilística, pelo erro, das contas apresentadas. Esta desconformidade, todavia, não conduz à procedência da pretensão dos recorrentes. O erro contabilístico, a desconformidade entre as receitas e as despesas, vertida nas contas do condomínio, não conduz à anulação da deliberação da assembleia de condóminos que aprova as contas que enfermam de tal irregularidade. Os vícios das deliberações das assembleias de condóminos reconduzem-se à nulidade, à ineficácia e à anulabilidade. Pela sua pertinência, reproduzimos o seguinte trecho (in Vítor Fernandes Rodrigues, Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal. Os Direitos e Deveres dos Condóminos, 2013, pp. 73-74): (…) o art. 1433.º, n.º 1 do C.C., declara anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados. Ao passo que o n.º 2 do artigo citado, faculta aos condóminos presentes que votaram contra e aos condóminos ausentes a possibilidade de exigirem ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes. Assim, são nulas as deliberações tomadas em reunião dos condóminos que infrinjam normas de caráter imperativo, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, como exemplo as deliberações que violem o art. 1421.º, 1422.º do C.C. entre outros. A deliberação cujo conteúdo colida com a norma imperativa é nula. Em caso de nulidade este vício poderá ser suscitado por qualquer interessado, condómino ou não, sem dependência do prazo (art. 286.º do C.C.). Deste modo, são anuláveis as deliberações da assembleia que, recaindo sobre o objeto que são da sua competência, incidam sobre as partes comuns do condomínio, ou seja, as normas que violem preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis a regulamentos que se encontram em vigor. Em conjunto das deliberações nulas e anuláveis temos ainda as deliberações ineficazes, cujo objeto dos assuntos excedem a esfera da competência da assembleia dos condóminos, seja porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário, seja porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fração autónoma. Também serão ineficazes, por exemplo, as deliberações que admitem aos condóminos o direito de preferência na alienação de outras frações (art. 1423.º do C.C.); as que autorizem inovações nas partes comuns do edifício que lesem a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como as das comuns (art. 1425.º, n.º 2 do C.C.); as privem um condómino do uso privativo de uma coisa, como tal considerada no título constitutivo da propriedade horizontal; as que exijam obstar a que um condómino dê à sua fração qualquer utilização lícita, desde que o título constitutivo não conste o fim específico a que a mesma se destina; as que sujeitam ao regime das coisas comuns, sem ou contra a vontade do respetivo titular, uma parte do prédio, pertencente em exclusividade a um condómino, ainda que se trate de uma parte secundária da habitação, como seja, por ex., uma arrecadação ou arrumo, em lugar de parqueamento ou uma garagem. No caso concreto o vício destacado é o da anulabilidade, mas, como se viu, este não se verifica. O erro apontado apenas poderia ter sido atacado no âmbito das próprias contas, já que se trata de vício destas. Não contamina, porém, a deliberação que as aprovou, uma vez que esta, em si mesma, consistente na mera aprovação das contas, não contraria a lei ou o regulamento do condomínio. Assim, ainda que com motivação diversa, deve ser mantida a sentença sob recurso. * V - DispositivoNos termos sobreditos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida * As custas serão suportadas pelos recorrentes, por terem soçobrado na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).* Porto, 10-7-2024Teresa Fonseca Manuel Domingos Fernandes Fernanda Almeida |