Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
562/22.1GAVGS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: TIR
NOVA MORADA
COMUNICAÇÃO
CORREIO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RP20240619562/22.1GAVGS-A.P1
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: A indicação de nova morada, por correio eletrónico, sem assinatura certificada digitalmente, não cumpre os requisitos previstos na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, e por isso não tem a virtualidade necessária para afastar os efeitos do termo de identidade e residência validamente prestado na morada anteriormente indicada, onde deverá o arguido continuar a ser notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º3 e 196.º, n.º2 e 3, alínea c) do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 562/22.1GAVGS-A.P1



Relator: Paulo Costa.
Adjuntos: José Quaresma.
Donas Botto






Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto



I – Relatório
No âmbito do processo comum que sob o n.º 562/22.1GAVGS-A corre termos Juízo de Competência Genérica de Vagos, Comarca de Aveiro, por despacho foi decidido: “Do teor da comunicação dirigida pelo arguido sob a refª. Eletrónica n º 15034956, cremos se poder extrair que indicou nova morada, em Inglaterra, para efeitos de ulteriores notificações no âmbito dos presentes autos, razão pela qual será nela notificado do teor do presente despacho, por carta rogatória.”
Contra este despacho se insurgiu o Ministério Público, dele interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que “condensou” nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
“III. CONCLUSÕES:
a) Entendeu o douto tribunal a quo por despacho que recebeu a acusação pública que o email junto aos autos com a referência eletrónica n.º 15034956 - enviado dia 15-09-2023, pelas 09:34, do endereço eletrónico ..........@....., veio pessoa que se apresenta como AA, aqui arguido informar que:“…Bom dia, (…) Sendo meu direito a minha morada prevalecerá em Inglaterra podendo facultar a mesma no parágrafo abaixo: ..., - corresponde à comunicação, pelo arguido, de uma nova morada, para efeitos das ulteriores notificações no âmbito dos presentes autos, ordenando, assim, que o arguido fosse notificado do teor desse despacho e, consequentemente, dos demais, por carta rogatória, em vez de por via postal simples, com prova de depósito, na morada onde o mesmo prestou termo de identidade e residência e nos termos e com os efeitos previstos no artigo 196.º, n.º1 e 2 do CPP.
b) Ora, é deste último despacho, que considera válida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 196.º, n.º3, alínea c), parte final, do Código de Processo Penal, a comunicação de nova morada, por correio eletrónico/email, não assinado eletronicamente pelo arguido, que o Ministério Público muito respeitosamente discorda e que, por isso, a impugna por recurso.
c) Isto porquanto a prestação de termo de identidade e residência é um ato processual de suma importância, atenta a vinculação pessoal do arguido a tal morada e para o cabal exercício da sua defesa, na medida em que o arguido passa a ser notificado via postal simples, com prova de depósito, em tal morada.
d) Por tal, também a comunicação de alteração dessa morada, para tal efeito e com vista às suas notificações futuras, demanda o cumprimento de um formalismo concreto, previsto na lei, mais concretamente na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, que esclarece que o arguido será notificado nessa morada, exceto se “…comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”, não estando assim prevista em tal normativo a comunicação de nova morada, por correio eletrónico [pese embora o uso do correio/comunicações eletrónicas ser já frequente há vários anos, ainda antes das alterações ao artigo 196.º do Código de Processo Penal, operadas pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, pela Lei n.º 94/2021, de 21/12 e pela Lei n.º 13/2022, de 01/08], desde logo atenta a incerteza daí decorrente, nomeadamente quanto à identidade do seu remetente.
e) Assim, não poderá bastar a mera comunicação pelo arguido, por qualquer meio e forma, de que mudou de morada, e que pretende ser notificado em nova morada, para que o mesmo deixe de ser notificado na morada anteriormente prestada como termo de identidade e residência, afastando assim os efeitos do mesmo.
f) Posto isto, e sem prejuízo do arguido ser também e cumulativa notificado por carta rogatória, entende o Ministério Público que a comunicação pelo arguido de nova morada, por mera mensagem de correio eletrónico, sem assinatura eletrónica certificada, não cumpre os requisitos previstos na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, e por isso não tem a virtualidade necessária para afastar os efeitos do termo de identidade e residência validamente prestado na morada anteriormente indicada, onde deverá o arguido a ser, além do demais, também notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º3 e 196.º, n.º2 e 3, alínea c) do CPP.
g) Em suma, entende o Ministério Público que o douto tribunal a quo errou na interpretação extensiva que fez da parte final, da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, ao admitir, sem albergue na letra da lei, a possibilidade da comunicação de alteração de morada pelo arguido ser realizada por mera mensagem de correio eletrónico, vulgo email.
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Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis que Vs. Exas. Doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso farão V. Exas. inteira e sã Justiça, ao (1) revogar a decisão de que se recorre, na parte que admite como válida e operante para os efeitos previstos na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, a comunicação pelo arguido de alteração de morada prestada como termo de identidade e residência por mensagem de correio eletrónico, sem assinatura certificada, e, subsequente, ao (2) ordenar, em sua vez, que as notificações subsequentes, sem prejuízo do demais, sejam realizadas por via postal simples, com prova de depósito, na morada indicada como termo de identidade e residência, até que validamente comunicada uma outra, pessoalmente na secretaria deste tribunal ou por via postal registada, conforme impõe tal normativo.
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O recurso foi admitido e cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal não houve resposta pelo arguido.
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Já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concordou com o M.P a quo, pugnando pela procedência do recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.



II - Fundamentação

São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, a delimitar o objeto do recurso e a fixar os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj).[1]


Inoperância da comunicação de nova morada do arguido pelo email junto aos autos com a referência eletrónica n.º 15034956, enviado dia 15-09-2023, pelas 09:34, do endereço eletrónico ..........@....., para efeitos de alteração da morada oportunamente indicada no TIR que o arguido prestou nos autos e para efeitos do ordenado na decisão recorrida, a saber a notificação por carta rogatória.
I) DO HISTÓRICO PROCESSUAL E DO OBJECTO DO RECURSO
- Os presentes autos têm origem numa certidão do processo 562/22.1GAVGS.
- Nesse processo, foi proferido o seguinte despacho judicial:
O Tribunal é competente.
O processo é o próprio.
O Ministério público tem legitimidade para a ação penal.
Inexistem nulidades, exceções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, e que obstem ao conhecimento de mérito da ação penal.
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Autue como processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular.
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Inexistindo, nos termos do artigo 311.º, nºs. 2 e 3 do CPP, causas de rejeição e/ou não aceitação da acusação, recebo a acusação pública deduzida pelo Ministério Público, sob a refª.: eletrónica n.º 129050829 contra:
AA, com sinais nos autos, pelos factos e qualificação jurídico-penal constantes da acusação pública, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, e que integram a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 alínea b) e nº 2, alínea a), do Código Penal, ao qual são ainda aplicáveis as penas acessórias previstas nos nºs 4 e 5 do mesmo artigo; e de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º n.º 1, do Código Penal.
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O arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de Termo de Identidade e Residência, já prestada, nos termos dos artigos 191.º a 193.º e 196.º, todos do Código de processo Penal.
Do teor da comunicação dirigida pelo arguido sob a refª. eletrónica n.º 15034956, cremos se poder extrair que indicou nova morada, em Inglaterra, para efeitos de ulterioras notificações no âmbito dos presentes autos, razão pela qual será nela notificado do teor do presente despacho, por carta rogatória.(sublinhado nosso)
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Solicite, com nota de urgência, avaliação de risco da vítima atualizada, nos termos do artigo 34.º-A, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
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Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil nos autos, notifique o arguido com a advertência de que poderá vir a ser arbitrada quantia para reparação dos danos prejuízos sofridos pelo lesado, nos termos do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal.
No mais, notifique a ofendida para que, em 5 dias, declare nos autos se se opõe à fixação de quantia pecuniária a título de reparação pelos danos sofridos, com a advertência de que nada dizendo se presume o seu assentimento à fixação de tal quantia.
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O arguido já tem defensora nomeada.
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Notifique o arguido, com cópia da acusação pública, nos termos e para os efeitos do artigo 311.º-A e 311.º-B, ambos, do Código de Processo Penal.
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Alarme o prazo concedido e após abra conclusão.
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Da autuação do presente processo identifique e faça constar o respetivo n.º de páginas dos seguintes elementos processuais: Acusação pública; nomeação de defensor; e TIR e nova morada indicada.
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Vejamos.
O M.P a quo sustenta que :
- a prestação de termo de identidade e residência é um ato processual de suma importância, atenta a vinculação pessoal do arguido a tal morada e para o cabal exercício da sua defesa, na medida em que o arguido passa a ser notificado via postal simples, com prova de depósito, em tal morada;
- por tal, também a comunicação de alteração dessa morada, para tal efeito e com vista às suas notificações futuras, demanda o cumprimento de um formalismo concreto, previsto na lei, mais concretamente na parte final da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP, que esclarece que o arguido será notificado nessa morada, exceto se “…comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”;
- a comunicação de nova morada, por correio eletrónico [pese embora o uso do correio/comunicações eletrónicas ser já frequente há vários anos, ainda antes das alterações ao artigo 196.º do Código de Processo Penal, operadas pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, pela Lei n.º 94/2021, de 21/12 e pela Lei n.º 13/2022, de 01/08], desde logo atenta a incerteza daí decorrente, nomeadamente quanto à identidade do seu remetente.
Foi violada a norma do artigo 196º, nº 3 do CPP e, por isso, sem prejuízo do arguido ser também e cumulativamente notificado por carta rogatória, pugna-se no sentido de que a comunicação por mera mensagem de correio eletrónico, sem assinatura eletrónica certificada, não tem a virtualidade necessária para afastar os efeitos do termo de identidade e residência validamente prestado na morada anteriormente indicada, onde deverá o arguido continuar a ser notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º 3 e 196.º, n.ºs 2 e 3, alínea c) do CPP.

Do TIR prestado pelo arguido nos autos e das regras que regulam o conteúdo e os efeitos do termo de identidade e de residência, constantes do artigo 196º do CPP, inequivocamente decorre que a comunicação de nova morada tem de ser realizada pela forma ali prevista.
A prestação de termo de identidade e de residência é um ato pessoal.
As obrigações que emergem da al. b) do nº 3 do artigo 196: indicação do local onde possa ser encontrado e comunicação de alteração de morada anteriormente indicada têm, por conseguinte, que ser prestadas pelo próprio.
Considerando as consequências decorrentes do incumprimento daquelas obrigações que vão desde a consideração da regularidade da notificação para todos os efeitos até à possibilidade de alteração do estatuto coativo, o legislador exige que a comunicação de alteração da morada seja feita através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria. Tem de se garantir que a proveniência da declaração de alteração seja do próprio arguido. Trata-se de uma declaração pessoal e, por isso e vistos os seus efeitos, tem de ser assinada pelo arguido ou por terceiro munido de procuração com poderes para o efeito.
Como se afirma em anotação ao artigo 196º do CPP no Comentário Judiciário do Código Penal – Tomo III, 2ª edição, pág. 139 «…a imperatividade da lei vertida na al. c) do nº 3 procura prosseguir o interesse público de uma tramitação contínua, célere e ágil, visando um avanço sequencial até ao trânsito em julgado da decisão final e, mesmo após esta, até à extinção da pena.»
Tratando-se da medida de coação menos gravosa, poderá dizer-se que limita de forma suave a liberdade ambulatória do arguido, obrigando-o a comunicar ao tribunal o seu atual paradeiro e sua fácil localização, tendo em vista os contactos e notificações futuras para efeitos processuais. Sendo uma consequência automática e obrigatória da assunção da qualidade de arguido, tratando-se de uma obrigação legal.
As consequências do não cumprimentamos pelo arguido dos deveres que lhe forem impostos pela prestação do TIR, concretamente o dever de se manter contactável pelo tribunal, têm como consequência grave, a prescisão legal da sua presença nos atos processuais para que tenha sido regularmente convocado e não tenha comparecido e a sua representação por defensor oficioso o constituído.
O preâmbulo do D/L n º 320-C/2000 de 15.12 fundamenta assim “ (…) como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coação, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registadas à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.”
Prescreve o artigo 196.º do Código de Processo Penal que “…1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.”
Da prestação de termo de identidade e residência decorre que o arguido seja notificado, por via postal simples, com prova de depósito, na morada por este indicada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º5, considerando-se o mesmo notificado, para todos os efeitos, no quinto dia posterior à data do depósito.
A prestação de termo de identidade e residência é um ato pessoal, próprio do arguido, que se vincula a tal morada, sem prejuízo da sua posterior alteração. Ato que apenas pode ser prestado perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, como decorre do artigo 196.º, n.º1 do Código de Processo Penal.
Assim, corresponde a um ato pessoal do arguido, que não pode ser substituído no mesmo por terceiro ou pelo seu Defensor, mesmo que constituído, a não ser que munido de procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada no termo de identidade e residência.
É, assim, um ato processual de suma importância, atenta a vinculação do arguido a tal morada, onde será notificado das decisões judiciais e, subsequentemente, para o cabal exercício da sua defesa.
Por esse motivo, também a comunicação de uma outra morada, para tal efeito e com vista às notificações futuras, demanda o cumprimento de um formalismo concreto, previsto na lei, mais concretamente na parte final da aliena c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, que esclarece que o arguido será notificado nessa morada, exceto se “…comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;”
O arguido que pretenda não mais ser notificado na morada indicada no termo de identidade e residência terá de se deslocar pessoalmente à secretaria onde se encontrem a correr os autos e indicar uma nova morada, ou o fazer por via postal registada.
Em tal normativo, não está prevista a indicação de nova morada por correio/comunicação eletrónica, muito menos quando este não possui assinatura certificada eletronicamente, desde logo atenta a incerteza daí decorrente, designadamente quanto à identidade do seu remetente.
Não poderá bastar a mera comunicação pelo arguido, por qualquer meio e forma, de que mudou de morada e que pretende ser notificado em nova morada, para que o mesmo deixe de ser notificado na morada anteriormente prestada como termo de identidade e residência, afastando assim os efeitos do mesmo.
Tanto assim é que, ao contrário do que sucede quanto à forma e meio de junção dos demais requerimentos e exposições do arguido (no geral, previstos no artigo 98.º do CPP), o legislador impôs que, neste caso, o requerimento fosse “entregue” na secretaria ou junto por requerimento, mas neste caso, por via postal registada, e já não simples, por correio eletrónico.
Note-se que o uso de correio eletrónico é já frequente e meio de comunicação habitual dos cidadãos há longos anos, sendo que as alterações mais recentes, operadas ao artigo 196.º do Código de Processo Penal, designadamente pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, pela Lei n.º 94/2021, de 21/12 e pela Lei n.º 13/2022, de 01/08, não cuidaram de proceder à alteração de tal normativo.
Quanto à necessidade do estrito cumprimento do formalismo previsto no artigo 196.º, n.º3, alínea c) do CPP, para se desconsiderar o termo de identidade e residência anteriormente prestado, veja-se, relativamente à possibilidade do arguido ser substituído pelo seu Defensor, o acórdão do tribunal da Relação de Évora de 07-02-2023 (Proc. n.º 882/20.8GBLLE.E1; Relatora: Beatriz Marques Borges), que afirma que “… IV. A comunicação da mudança de residência constante do TIR só pode ser efetuada: pelo arguido – pessoalmente, na secretaria do tribunal, ou por via postal registada; ou por terceiro, conquanto munido de uma procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada no TIR (artigo 196.º/3- c) CPP).” Também assim o acórdão do tribunal da Relação de Évora de 11-10-2022 (Proc. n.º 80/19.5PAABT.E1; Relatora: Beatriz Marques Borges).
Relativamente à comunicação da alteração da morada pelo arguido, veja-se ainda o defendido no Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 13-07-2011 (Proc. n.º1704/07.2TBBGC.P1; Relator: Moisés Silva), que “….A comunicação da mudança de residência que consta do TIR só pode ser efectuada: i. Pelo arguido – pessoalmente, na secretaria do tribunal, ou por via postal registada -; ii. Por terceiro, desde que munido de uma procuração que refira expressamente o poder de comunicar a mudança de residência que o arguido indicou quando prestou TIR.”
“… O art.º 196.º n.º 3 al. c) é bem incisivo quanto à pessoalidade da comunicação da mudança de residência do arguido após ter prestado TIR, ao prescrever que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada que indicou, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.
A norma jurídica acabada de citar deixa bem claro que o acto de comunicar a mudança de residência que consta do TIR tem de ser efectuado pelo arguido: ou pessoalmente através da entrega na secretaria de requerimento com a nova morada, ou pela via postal registada.
A residência constante do TIR assume uma importância ímpar no desenrolar da dinâmica processual, no que às notificações diz respeito.
A comunicação da alteração de residência constante do TIR só pode ser efectuada pelo próprio arguido ou através de outra pessoa com poderes especiais para o acto. Ou seja, se a comunicação for efectuada por um terceiro, este tem de estar munido de uma procuração que refira expressamente o poder de comunicar a mudança de residência do arguido que este indicou quando prestou TIR.
Face ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, não podemos deixar se interpretar a alínea c) do n.º 3 do art.º 196.º do CPP de outro modo que não seja a equivalência da comunicação da alteração da residência constante do TIR à capacidade representativa exigida pela lei para receber as notificações. Para o recebimento destas em pessoa diferente do arguido, torna-se necessário que este indique pessoa certa e determinada, nos termos do art.º 113.º n.º 8 do CPP.
A mudança de residência tem efeitos muito gravosos na esfera jurídica do arguido, se este não cumprir com as formalidades impostas pela lei, pois continua a considerar-se notificado na morada que indicou quando prestou TIR. Este acto de comunicação de mudança de residência deve ser objecto de especiais cautelas, uma vez que estão em causa direitos fundamentais do arguido. Daí que, em nosso entender, dentro do princípio da boa fé processual, deve o arguido, após ter indicado uma residência para ser notificado e sabendo que de futuro todas as notificações serão efectuadas para aquele endereço, ter especial cuidado em saber como anda o processo, para não se dar o caso de ser surpreendido com actos ou decisões que se presumiram notificadas na morada que indicou,
mas que por qualquer razão não chegaram ao seu conhecimento.”
Efetivamente, não versando tal jurisprudência diretamente sobre a possibilidade de o arguido comunicar a alteração de morada indicada para efeitos de termo de identidade e residência por correio eletrónico, da mesma ressaltam os seguintes pontos:
Primeiro, que a lei impõe requisitos de forma, mais apertados, que as demais comunicações remetidas ao processo pelos sujeitos processuais, que devem ser cumpridos.
Segundo, é um ato pessoal, que deve ser exercido pelo próprio arguido e, quando exercido por mandatário, a procuração tem de prever expressamente a atribuição desse poder.
Assim, se mesmo o Defensor do arguido, com procuração outorgada a seu favor, não possui poderes para tal declaração, atento o facto de se tratar de ato pessoal e da incerteza daí decorrente, afigura-se que, por maioria de razão, um mero email (mensagem de correio eletrónico), sem assinatura ou assinatura digital certificada, não trará a segurança adequada, necessária e legalmente exigida a tal alteração, com os inerentes efeitos processuais, não só em termos de retardar o andamento processual, mas também em prejuízo do arguido.
Posto isto, sustentando-nos na argumentação do M.P. a quo, a indicação de nova morada, por correio eletrónico, sem assinatura certificada digitalmente, não cumpre os requisitos previstos na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, e por isso não tem a virtualidade necessária para afastar os efeitos do termo de identidade e residência validamente prestado na morada anteriormente indicada, onde deverá o arguido continuar a ser notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º3 e 196.º, n.º2 e 3, alínea c) do CPP.




III - Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido na parte em que a indicação de nova morada, por correio eletrónico, sem assinatura certificada digitalmente, não cumpre os requisitos previstos na parte final da alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do CPP, e por isso não tem a virtualidade necessária para afastar os efeitos do termo de identidade e residência validamente prestado na morada anteriormente indicada, onde deverá o arguido continuar a ser notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 113.º, n.º1, alínea c) e n.º3 e 196.º, n.º2 e 3, alínea c) do CPP.


Sem tributação.

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).








Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 19-06-2024
Paulo Costa
José Quaresma
Donas Botto