Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO PARA EFEITOS DE ACIDENTE DE TRABALHO CUSTOS ALEATÓRIOS/PAGAMENTO PAGO PELO EMPREGADOR EM CUMPRIMENTO DE CCT APLICÁVEL DE VALOR NESTE FIXADO PARA FAZER FACE EXCLUSIVAMENTE ÀS SUAS DESPESAS EM SERVIÇO COM ALIMENTAÇÃO DORMIDAS E OUTRAS | ||
Nº do Documento: | RP20240628648/22.2T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O conceito e retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas com carácter de regularidade pelo empregador ao trabalhador, desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios. II - Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios referentes a valores regularmente pagos. III - Pagando o empregador ao trabalhador, motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, é de considerar que esse pagamento se destina a compensar o último por “custos aleatórios”, daí decorrendo que as correspondentes quantias não devem ser consideradas para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho. (elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho) | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 648/22.2T8MTS.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos – J3
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a 2ª Ré/Empregadora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]: O Autor apresentou resposta, sem apresentar formalmente conclusões, considerando que bem andou o tribunal a quo ao entender os montantes em causa como retribuição para efeitos de cálculo dos montantes indemnizatórios devidos ao Autor por força do acidente de trabalho que sofreu, terminando dizendo que a sentença mão merece reparo, pugnando pela sua confirmação. Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo [uma vez que a Recorrente não prestou a caução a que se propôs].
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto teve vista do processo (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), declarando não emitir parecer por lhe estar legalmente vedado uma vez que patrocina o Recorrido.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se as ajudas de custo recebidas pelo Autor integram a retribuição por si recebida para efeitos de cálculo das prestações devidas como reparação do acidente de trabalho por si sofrido.
* Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso. Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem: 1. O Autor, no dia 05/02/2021, pelas 10H00, na Holanda, quando se encontrava, sob a autoridade, direção e fiscalização da 2ª Ré «B..., Unipessoal, Lda.», a exercer as funções de Motorista de Transportes Internacional (TIR) ao subir para o camião, escorregou na escada e, ao tentar agarrar-se, sentiu um «estalo», no ombro esquerdo. 2. Como consequência direta e imediata do sinistro, o Autor sofreu entorse do ombro esquerdo com rutura da coifa dos rotadores à esquerda. 3. O Autor recebeu tratamento num Hospital da Holanda, tendo feito uma radiografia e sido medicado, nos serviços clínicos da Seguradora, no SNS /USF –... – ..., no Hospital ... e em médicos particulares, tendo sido submetido a 2 intervenções cirúrgicas à rutura da coifa dos rotadores à esquerda em 30/07/2021 (reparação artroscópica da coifa esq. – reinserção do SE (sutura do SE e do IE) e tenodese da LPB) e em 30/04/2022 (revisão de sutura da coifa e constatação de integridade do subescapular e da restante coifa, libertação do intervalo dos rotadores, reforço da coifa esq. por via artroscópica: SE, IE com equivalente transósseo do ombro esq … duas âncoras tecidulares Arthrex), efetuou tratamentos de fisioterapia, hidroterapia e de Hidrodistensão capsular do ombro esquerdo, bem como exames complementares de diagnóstico. 4. Através do contrato de seguro n.º ...93, a aqui Ré “B..., Unipessoal Lda.” transferiu a sua responsabilidade infortunístico-laboral para a Ré Seguradora, pela retribuição base de € 769,72 x 14, acrescida de horas extraordinárias de € 842,28 x 1, outras remunerações de € 577,78 x 13 e € 90,00 x 1, num total anual de € 19.219,50. 5. Nos doze meses que antecederem o evento descrito em 1., o Autor auferiu as seguintes quantias, num total de € 6.750,20, sob a rubrica de “Ajudas de Custo”: − fevereiro de 2020 = € 711,60; − março de 2020 = € 728,00; − abril de 2020 = € 669,50; − maio de 2020 = € 705,80; − junho de 2020 = € 501,60; − julho de 2020 = € 728,00; − agosto de 2020 = € 728,00; − setembro de 2020 = € 322,20; − outubro de 2020 = € 0,00; − novembro de 2020 = € 538,00; − dezembro de 2020 = € 535,10, e − janeiro de 2021 = € 582,40. 6. A Ré Seguradora pagou ao Autor € 18.733,22 de indemnização por incapacidade temporária. 7. Por força do evento descrito, o Autor padeceu dos seguintes períodos e graus de incapacidade temporária: − ITA desde 08/02/2021 a 13/03/2021; − ITA desde 25/03/2021 a 04/04/2021; − ITA desde 29/04/2021 a 04/06/2021; − ITA desde 22/07/2021 a 12/01/2022; − ITA desde 21/04/2022 a 13/11/2022; − ITA desde 23/11/2022 a 15/12/2022; − ITP de 30% desde 14/11/2022 a 22/11/2022. 8. A Ré Seguradora reconheceu ser devido o pagamento ao Sinistrado da quantia de € 20,00 a título de reembolso de despesas de transporte ao INML e ao Tribunal. 9. O Instituo da Segurança social, IP pagou ao Autor o montante global de € 2.181,92, a título de subsídio de doença, correspondente a: − € 223,38: correspondentes ao período decorrido entre 12/03/2021 a 23/03/2021, − € 614,64: correspondentes ao período decorrido entre 06/04/2021 a 02/05/2021, − € 1.343,89: correspondentes ao período decorrido entre 03/02/2022 a 20/04/2022. 10. O Autor sofreu um acidente de trabalho em 17/07/206, tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 3% no processo 14/07.0TTMTS. 11. Quando efetua viagens ao serviço da Ré, o Autor come e dorme no camião, o qual possui cama, micro-ondas e frigorífico. 12. As ajudas de custo recebidas pelo Autor destinavam-se a fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras que o Autor suportasse enquanto deslocado no estrangeiro. 13. Cada banho no estrangeiro custa cerca de € 2,00 ou € 3,00. 14. O Autor nunca disse à Ré que o valor das ajudas de custo não fosse suficiente para as despesas que tinha no estrangeiro. 15. No exercício das suas funções, o Autor deslocava-se pelos países da Europa, como Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha. 16. Aquando da sua admissão, o Autor não referiu ter sofrido acidente de trabalho a 17/07/2006, nem referiu tal fato na medicina do trabalho. 17. Para além dos períodos de incapacidade temporária referidos em 7. o Autor padeceu ainda dos seguintes períodos e graus de incapacidade temporária: − ITA de 06/02/2021 a 07/02/2021; − ITA de 14/03/2021 a 24/03/2021; − ITA de 05/04/2021 a 28/04/2021; − ITA de 05/06/2021 a 21/06/2021; − ITA de 13/01/2022 a 18/01/2022; − ITP a 50% de 19/01/2022 a 20/04/2022; e − ITP a 50% de 16/12/2022 a 04/01/2023 18. Com a consolidação médico-legal das lesões a ocorrer neste último dia de incapacidade – 04/01/2023. 19. Como sequelas do acidente o Autor apresenta limitação dolorosa da mobilidade do ombro esquerdo (em esquerdino) tolerando flexão e abdução até 90 graus, consegue levar a mão à região lombar com limitação e à nuca com dificuldade; diminuição da força muscular nos movimentos contra resistência (grau 4 em 5); diminuição da força muscular na flexão do cotovelo. 20. Em consequência dessas sequelas, o Autor ficou a padece de um IPP de 10,05% (mediante a atribuição dos coeficientes parcelares de 0,05 e 0,02 e após ter sido apurada a incapacidade restante pela IPP de 3% referida em 10. e adicionado o fator de bonificação de 1,5 pela idade). 21. O Autor nasceu a ../../1971.
Quanto a factos NÃO PROVADOS foi consignado o seguinte: [n]ão se provou que os valores das ajudas de custo / diárias de € 35,00 e € 36,40 previstas na CCTV enquanto deslocado, pagos pela (2ª) Ré não ultrapassavam os valores dos gastos que o Autor tem no estrangeiro, e também não sejam insuficientes.
** Não tendo sido apresentada impugnação sobre a decisão da matéria de facto, os factos provados e não provados a considerar são aqueles considerados como tal em 1ª instância, que acabámos de deixar reproduzidos.
** Passemos, então, à apreciação da questão supra enunciada. Na tentativa de conciliação, a posição das partes relativamente à retribuição anual auferida pelo Sinistrado foi a seguinte [como se alcança do respetivo Auto de Não Conciliação, de 07/03/2023]: a Seguradora referiu estar transferida a retribuição anual de € 19.219,50, o Sinistrado referiu que além dessa quantia auferia mais € 6.750,20 anuais a título de ajudas de custo, e a Empregadora defendeu que “as ajudas de custo reclamadas não revestem carácter de retribuição”. É pacífico entre as partes ser aplicável à relação laboral o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM[3] e a FECTRANS[4], publicado no BTE, I série, nº 45, de 08/12/2019 (revisão global) [não por aplicação direta, mas por via de Portaria de Extensão – Portaria nº 49/2020, de 26 de fevereiro, publicada no DR, série I, nº 40/2020]. O Autor alegou na petição inicial (PI) – artigos 4º e 5º –, que a quantia de € 6.750,20 anuais corresponde à soma das quantias pagas como “ajudas de custo”, que incluem subsídio de refeição previsto no CCT de € 4,70/dia, pagas de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021. Na sentença recorrida foi considerado que essa quantia paga a título de ”ajudas de custo” [discriminadas no ponto 5. dos factos provados, cuja soma totaliza € 6.750,20], integra o conceito de retribuição, dizendo que provou-se que as quantias pagas pela Ré ao Autor a título de ajudas de custo destinavam-se a fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras que o Autor suportasse enquanto deslocado no estrangeiro, e mais à frente que é de concluir que não logrou a Ré provar que tais atribuições patrimoniais se destinassem a compensar o Autor por custos aleatórios, pelo que é de considerar que as mesmas integram a retribuição do Autor para efeitos de cálculo da indemnização a arbitrar por força de acidente de trabalho sofrido. Para saber se a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho em causa nos autos se encontrava, à data do acidente, totalmente transferida para a 1ª Ré/Seguradora, importa saber se as referidas quantias pagas pela Empregadora ao Sinistrado como “ajudas de custo” – as quantias constantes do ponto 5. dos factos provados, como se disse – constituem base de cálculo para as prestações devidas ao Sinistrado, previstas na legislação específica de reparação dos acidentes de trabalho (a LAT[5]). Alega a Recorrente estarem em causa as ajudas de custo previstas na cláusula 58ª do CCT («ajudas de custo diárias»), estando referido no nº 8 da cláusula que “o pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição”, e dizendo o nº 9 que “a presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria de ajudas de custo”, destinando-se as mesmas a fazer face a despesas aleatórias que o motorista tem quando deslocado no estrangeiro (donde não ter recebido em outubro). Na factualidade provada nada aponta para que as quantias constantes do ponto 5. dos factos provados integrem, como alegara o Autor na PI, o subsídio de refeição previsto na cláusula 55ª do CCT [sendo de referir que o nº 5 dessa cláusula prevê não ser devido a trabalhadores que se encontrem deslocados fora do país de residência]. Dispõe a cláusula 58ª do CCT, com a epígrafe ajudas de custo diárias», o seguinte: 1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública. 2- Os sistemas de cálculo das ajudas de custo praticados no sector pelas entidades empregadoras, para fazer face exclusivamente às despesas mencionadas no número anterior, devem respeitar o princípio da boa-fé, normalidade e razoabilidade sem comprometer a segurança rodoviária e/ou favorecer a violação da legislação comunitária. 3- Independentemente do sistema de cálculo utilizado, o valor das ajudas de custo em cada mês, não pode ser inferior à soma dos valores mínimos das ajudas de custo diárias fixados no anexo III do CCTV. 4- Para efeitos do número anterior, no apuramento do número de dias da ajuda de custo diária, contabilizar-se-ão as noites passadas em deslocação. 5- Os trabalhadores com a categoria profissional de motoristas, afetos ao transporte internacional, terão como valor mínimo de referência de ajuda de custo diária os seguintes valores: a) Pernoita fora de Portugal, incluindo Espanha e, bem assim, a pernoita do dia de regresso a Portugal, mesmo que esta já ocorra em território nacional mas fora da sua residência, o valor fixado no anexo III para os motoristas afetos ao transporte internacional; b) Demais pernoitas em território nacional fora da sua residência, o valor fixado no anexo III para os motoristas afetos ao transporte nacional. 6- Nas situações de serviços de transporte que impliquem deslocações a Espanha durante a jornada de trabalho, os trabalhadores com a categoria profissional de motorista, que pernoitem fora da sua residência, terão direito à ajuda de custo correspondente à deslocação a Espanha prevista no anexo III, independentemente de pernoitarem naquele país ou em Portugal. 7- Os trabalhadores com a categoria profissional de motorista, nos dias em que realizam serviços de transporte em Espanha mas cujo repouso diário é realizado em território nacional na sua residência, terão direito a receber uma ajuda de custo, que visa custear as despesas realizadas com as refeições, conforme os horários estabelecidos na cláusula 56.ª número 2 alínea b), nos valores previstos no anexo III. 8- O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição. 9- A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo. Exemplo de cálculo das ajudas de custo diárias: (…) E o Anexo III prevê o seguinte: Nacional: € 23,00. Ibérico: € 26,00. Internacional: € 36,40. Pequeno-almoço e ceia: € 2,90. Almoço e jantar: € 9,90. Em face do que consta dos pontos 12. e 15. dos factos provados só podemos concluir que as quantias referidas no ponto 5. dos factos provados se reportam às “ajudas de custo” previstas nessa cláusula 58ª, encontrando-se as quantias em causa inscritas nos recibos de vencimento como “ajudas de custo”[6]. Porém, uma prestação não assume a natureza de ajudas de custo pelo simples facto de constar nos recibos de vencimento com essa denominação, isto é, pelo simples facto de ser denominada pelo empregador como tal[7], assim com não é por constar em cláusula de CCT que uma prestação não é considerada retribuição que assume a natureza de ajudas de custo, importando ver se estamos perante retribuição, mais propriamente se a prestação é regular e é ou não meramente de reembolso, é ou não retributiva da força de trabalho. Ao longo da vigência dos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho os tribunais foram inúmeras vezes confrontados com questões similares a esta, ou seja, para definirem se determinada prestação integra, ou não, o conceito de retribuição, existindo vasta jurisprudência sobre esta problemática. Comecemos por fazer um breve enquadramento, citando alguma dessa jurisprudência. Nos termos do nº 1 do art.º 71º da LAT, as prestações devidas ao sinistrado são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, esclarecendo o nº 2, entender-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, acrescentando o nº 3 ser de atender a todas as prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. Partindo o legislador, na LAT, da ideia de que se consideram retribuição todas as prestações que revistam carácter de regularidade desde que não se destinem a compensar o trabalhador por custos aleatórios, acaba por adotar um conceito de retribuição mais amplo em relação ao adotado no Código do Trabalho[8]. Assim, se escreveu, por exemplo, no acórdão desta Secção Social do TRP de 01/12/2014[9], o seguinte (evidenciando a diferença do Código do Trabalho para a Lei nº 2127): Este artigo 26.º da LAT[10] adota um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, perfilhando um conceito mais abrangente que apenas alude, para efeitos de exclusão retributiva, ao destino aleatório das prestações. O legislador conferiu particular atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento ao dispor que por “retribuição mensal” se entende “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade”, acrescentando expressamente que esta “não” abarca as prestações regulares que “se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Deixou, pois, a LAT de fazer remissão para os critérios da lei geral (como sucedia no âmbito da Base XXIII da Lei nº 2127, de 03 de agosto de 1965, em que o legislador começava por definir retribuição através de uma remissão genérica para “tudo o que a lei considere como seu elemento integrante”), mas continuou a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento. E excetua agora expressamente do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tenha que suportar por causa do trabalho, consagrando o que já anteriormente constituía entendimento uniforme da jurisprudência do STJ, no sentido de que as prestações que constituam ajudas de custo regulares não se qualificam como retribuição quando têm efetivamente uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, e não se traduzem num ganho efetivo para o trabalhador. A característica essencial da retribuição que a LAT releva – marcada apenas pela regularidade da sua perceção e com a exceção das prestações destinadas a compensar custos aleatórios – assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares do mesmo. Bem se compreende que assim seja. Procurando-se com as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho, compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade laboral e, consequentemente, da falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho, lógico é que, para o cálculo daquelas indemnizações ou pensões, se atenda a todas as prestações que o empregador satisfazia e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida (por não serem desde logo absorvidas em custos aleatórios). Só não deverão contabilizar-se neste módulo retributivo assinalado essencialmente pela medida das expectativas de ganho do trabalhador aquelas prestações que, na palavra do artigo 26.º da LAT de 1997, se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, ou seja, aquelas que têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho (sublinhou-se)[11]. Mais tarde, em 2018, a relatora do aresto acabado de transcrever em parte (desembargadora Maria José Costa Pinto), reafirmou o acabado de transcrever em comunicação em ação de formação contínua no Centro de Estudos Judiciários[12], dizendo, mais explicitamente o seguinte[13]: Cremos que este passo do legislador no sentido de centrar a qualificação retributiva na “regularidade” da perceção das prestações, prescindindo na lei especial de uma referência à lei geral, é conforme com os princípios gerais que enformam a legislação infortunística laboral, ampliando a base de cálculo das prestações e aproximando a reparação da efetiva frustração das expetativas de ganho do sinistrado. Como se refere no acórdão do STJ de 31/10/2018[14], no art.º 71º da LAT, não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios. Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade. O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado. Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado. A regularidade significa que a atribuição patrimonial em causa é paga habitualmente, de modo que o trabalhador fica a contar que quando recebe a remuneração base recebe também aquela. Como escreve António Monteiro Fernandes[15], a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expetativa – uma expetativa que é juridicamente protegida. Sobre a regularidade, escreveu-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 18/04/2005[16], o qual, apesar de não se reportar à atual LAT, neste aspeto mantém atualidade (sublinhando-se): Vejamos agora o requisito da regularidade. Tal pressuposto tem a ver com a ideia de permanência, frequência, habitualidade, ou outra de semelhante significado, em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando receber a remuneração de base, também receberá as outras atribuições patrimoniais. Assim, se o salário for pago à quinzena ou ao mês, ele esperará receber os suplementos retributivos com essa mesma frequência. Porém, importa entender o requisito cum grano salis. Na verdade, tal não significa que, obrigatoriamente, tenha de receber sempre as outras atribuições patrimoniais; nem que em cada quinzena ou em cada mês tenha de receber sempre suplementos, em termos de que se faltar um ou dois num ano, por exemplo, deixa de se verificar o requisito da regularidade; nem tem de receber, por cada pagamento, sempre o mesmo montante, sob pena de havendo variação, já não se verificar o requisito da regularidade. (…) Daí que o conceito de regularidade tem de ser entendido com alguma elasticidade pelo que, não sendo absoluto, terá mais o sentido da predominância ou da prevalência: o pagamento de tais suplementos retributivos deve ocorrer mais vezes do que aquelas em que ele não se verifica, podendo os quantitativos de cada pagamento apresentar alguma variação [Cfr., na doutrina, José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, págs. 102 e segs., Feliciano Tomás de Resende, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 49 e segs. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 133 e segs., Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito do Trabalho Português, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, janeiro-março-1986, Ano I (2.ª Série) – n.º 1, págs. 65 e segs., António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, 1991, págs. 726 e 727 e Abílio Neto, in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 10.ª edição, págs. 186 e segs. Cfr., na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1983/11/18 e de 1996/05/08, in, respetivamente, Boletim do Ministério da Justiça, nº 331, págs. 411 a 414 e Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV-1996, Tomo II, págs. 251 a 253 e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 1987-03-25, da Relação do Porto de 1992/07/13 e de 1998/11/23 e da Relação de Coimbra de 2002/04/11, in Colectânea de Jurisprudência, respetivamente, Ano XII-1987, Tomo 2, págs. 198 e 199, Ano XVII-1992, Tomo IV, págs. 283 a 285, Ano XXIII-1998, Tomo V, págs. 244 e 245 e Ano XXVII-2002, Tomo II, págs. 63 a 65]. Mais recentemente, escreveu-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/01/2023[17], são custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que quer dizer que não só o montante deve ser suscetível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade. Sobre a demandada recai o ónus de alegação e prova dos factos de onde resulte demonstrado que determinado pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória. Será ainda de ter presente que o nº 2 do art.º 258º do Código do Trabalho estabelece que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, mas também que a alínea a) do nº 1 do art.º 260º do Código do Trabalho esclarece que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. Decorre do exposto que a ajuda de custo tem a natureza de um reembolso de despesas que o trabalhador se viu obrigado a efetuar por força de deslocação em serviço, ou seja, feitas por conta do empregador, e nessa medida constituem encargo do empregador, donde à partida não integrar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado na medida em que dependente de circunstâncias casuais ou fortuitas e como tal não ser regular e periódica[18]. Assim, o refere Pedro Romano Martinez [19], dizendo que na retribuição, para estes efeitos, se incluem todas as prestações recebidas pelo trabalhador/sinistrado com carácter regular, que não se destinem a compensar custos aleatórios, mas têm que corresponder a uma vantagem económica do trabalhador, donde não integrarem a noção de retribuição as ajudas de custo. Porém, só não integrarão a retribuição (para os efeitos em análise) se estiverem em causa ajudas de custo tout court, ou seja, quando a prestação constitua o reembolso de despesas que o trabalhador se viu obrigado a efetuar por força de deslocação em serviço. Feitas estas considerações mais gerais, para nos aproximarmos da resposta à questão supra enunciada, passamos a ver jurisprudência desta Secção Social do TRP em que estava em causa a cláusula 58º do CCT, ou situação similar[20]. I) No acórdão desta Secção Social do TRP de 22/10/2018, relatado pelo desembargador agora 1º adjunto[21], foi decidido não integrar o conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidente de trabalho quantia paga por cada dia de trabalho efetivo, estando ali provado [ponto 19 dos factos provados] que “a quantia de € 19,00 paga ao Autor, por cada dia de trabalho, destinava-se a reembolsá-lo dos gastos com alimentação (pequeno almoço, almoço e jantar) nas viagens que efetuava a mando da Ré…”, sendo sumariado: «pagando o empregador ao trabalhador uma quantia fixa de € 19,00 por cada dia de trabalho efetivo, mostra-se preenchida a previsão da 1ª parte do artigo 71ª da LAT referente ao carácter regular do pagamento, sendo que importando ainda saber da verificação ou não da exceção a esta regra que se retira da 2ª parte da mesma norma, assim se se destina a compensar o sinistrado por “custos aleatórios”, a resposta é positiva se o empregador lograr fazer prova de que o pagamento de tal quantia se destinava a compensar o trabalhador pelos “gastos com alimentação (pequeno almoço, almoço e jantar) nas viagens que efetuava” a mando da entidade patronal, daí decorrendo que aquela quantia não deve ser considerada para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas». II) No acórdão desta Secção Social do TRP de 07/12/2018[22], ficando provado que o sinistrado auferia “€ 12,00 por cada dia de trabalho efetivo prestado que [a empregadora] discriminava como sendo ajudas de custo, e que visavam reembolsar o trabalhador por custos com as refeições que efetuava quando estava a fazer transportes” [ponto L. dos factos provados], foi decidido que tal não significa necessariamente que o trabalhador tomava as refeições em estabelecimentos de restauração, nem tão pouco que despendesse diariamente esse valor em refeições, pois bem podia fazer-se acompanhar delas já previamente confecionadas em casa, sem custos para além dos que sempre teria que suportar para, como é normal nos nossos usos, tomar diariamente essas refeições, concluindo que a prova feita não exclui a possibilidade do autor gerir aquele valor, que sabe de antemão lhe vai ser pago por cada dia de trabalho efetivo independentemente de demonstrar qualquer gasto real para além do que normalmente teria no âmbito da sua economia pessoal e familiar, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor, acrescendo-o ao magro salário que aufere, para retirar “uma vantagem económica representativa do rendimento da sua atividade laborativa”. Todavia, tal decisão teve voto de vencido do agora 1º adjunto, ali também 1º adjunto (relator do aresto antes citado). III) No acórdão desta Secção Social do TRP de 03/10/2022[23], ficando provado que o sinistrado “para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de € 138,94 (€ 1.528,30 : 11 meses); …” e que tal verba “de ajudas de custo … era processada e paga mensalmente ao sinistrado, de forma constante e regular, e correspondia a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado, destinando-se a reembolsar o trabalhador pelas despesas com o pequeno almoço e/ou almoço, e/ou jantar e/ou pernoita, e não implicavam a apresentação de qualquer documento de despesa por parte do trabalhador” [pontos 15. e 17. dos factos provados], passou-se algo semelhante ao aresto anterior [voto de vencido do agora 1º adjunto, ali também 1º adjunto]. IV) No acórdão desta Secção Social do TRP de 28/11/2022[24], relatado pelo agora 1º adjunto, citado pela Recorrente (pág. 19), estando provado [na sequência da procedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto] que o sinistrado auferia retribuição anual integrada por diversas parcelas e, para além disso, «em cumprimento do CCT … , com esclarecimento de que foi pago o valor diário mínimo de € 35,00 em 2019 e € 36,40 em 2020 nesse estabelecido por cada dia, acrescido da diferença se tais despesas fossem superiores, foram pagas ao Autor, exclusivamente para fazer face às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, nos dias em que esteve deslocado, sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS” [25], as seguintes quantias: a) no mês de julho de 2019: € 925,25. b) no mês de agosto de 2019: € 1.012,50. c) no mês de setembro de 2019: € 940,00. d) no mês de outubro de 2019: € 975,00. e) no mês de novembro de 2019: € 855,00. f) no mês de dezembro de 2019: € 745,00. g) no mês de janeiro de 2020: € 990,00. h) no mês de fevereiro de 2020: € 941,90. i) no mês de março de 2020: € 909,90. j) no mês de abril de 2020: € 529,98» [ponto 14) dos factos provados], foi considerado, por unanimidade, que tais pagamentos assumem uma natureza que permite integrá-las na categoria das ajudas de custo, e, porque se destinam a compensar “custos aleatórios”, não devem ser consideradas para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho. V) No acórdão desta Secção Social do TRP de 23/01/2023[26] foi considerado que o facto de serem pagas ao sinistrado ajudas de custo nos termos previstos no Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública não significa, só por si, que os valores pagos a esse título se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. / Atenta a noção estabelecida no n.º 2, do art.º 71.º da LAT, sobre a Ré recaía o ónus de alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, nos termos referidos na parte final da norma, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória, e no caso não foi cumprido esse ónus. Ora, aderindo ao decidido nos acórdãos referidos em I) e IV), e votos de vencido dos acórdãos referidos em II) e III), considerando o que ficou provado in casu no ponto 12. dos factos provados, somos levados a dizer que as “ajudas de custo” recebidas pelo Autor revestiam uma efetiva natureza compensatória de despesas efetuadas pelo Autor no cumprimento do contrato de trabalho, e não é porque o pago parte de valor fixo previsto no CCT que afasta a aleatoriedade [o estabelecimento de um valor por refeição teve a ver, segundo nos diz a experiência com processos em que são parte motoristas de transportes internacionais, com uma vertente prática, qual seja a de evitar a necessidade dum motorista deslocado de casa ter que conservar um grande número de recibos para entrega ao empregador de molde a comprovar as despesas tidas, partindo-se para uma ponderação de valores médios], sendo indiferente que o Autor entendesse dever reduzir os custos realizando refeições no camião [ponto 11. dos factos provados]. Para melhor esclarecimento transcreve-se parte do aresto citado supra em IV) – recordando-se que, como se deixou expresso supra, consta no caso ali apreciado dos factos provados facto semelhante ao que consta aqui do ponto 12. dos factos provados –, fazendo-se a transcrição sem notas de rodapé, mas deixando a referência à sua existência, podendo as mesmas, e demais texto, ser consultadas, em www.dgsi.pt com a referência supra mencionada: Ora, apreciando então, como primeira nota, não poderemos deixar de ter presente, porque necessariamente do conhecimento do legislador, a significação comum da expressão (adjetivo) “aleatório”, assim no sentido do que “depende do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; sujeito a contingências; casual; fortuito” [7] – ou que “depende de acontecimento incerto” ou “sujeito às incertezas do acaso” [8] –, permitindo deste modo dizer que se teve em conta, excecionando-as, as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos ocasionais ou que dependem do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis, sendo que, verdadeiramente, num caso como o que se decide, é fundada a afirmação de que era afinal imprevisível o valor de tais custos pois que, enquanto motorista internacional, dependeriam os mesmos do tipo de refeição e/ou dormida, local e até estabelecimento em que fossem prestados os serviços – que dependeria pois do tipo de alimentação, modo e local como satisfaria essa necessidade, o mesmo ocorrendo com as dormidas. Voltando então ao caso, como já o dissemos antes, entendemos não ser de acompanhar a sentença recorrida, ao ter concluído que o pagamento das analisadas quantias não se destinava a compensar o Autor/trabalhador por custos aleatórios, pois que, em face da factualidade provada, nos termos que também resultou da nossa apreciação em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, consideramos que, com salvaguarda do respeito devido por entendimento diverso [9], concluímos, à semelhança do que ocorreu no acórdão de 22 de outubro de 2018 [10], encontrando-se ainda satisfeito de modo bastante o que sobre essa questão tem sido afirmado pela jurisprudência a respeito do ónus da prova, que os valores em causa se integram na previsão da parte final do n.º 2 do artigo 71.º da LAT – destinaram-se a compensar o Sinistrado por custos aleatórios. Na verdade, compreendendo-se a fixação de um valor mínimo por cada dia de serviço efetivo no CCT aplicável também como forma de facilitar o pagamento desses custos, assim sem necessidade de uma qualquer operação para acerto de contas (e mesmo da apresentação de quaisquer faturas), tendo como se disse por base o elenco factual fixado, a que já nos referimos, o facto de se provar que as analisadas prestações foram pagas ao Autor para o mesmo fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, nos dias em que esteve deslocado, permite concluir que estamos perante a previsão da última parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT – pagamentos que se destinavam, efetivamente, a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tivesse que suportar –, pois que, afinal, tais prestações têm apenas uma causa e uma destinação específica, precisamente aquele pagamento, efetivo e exclusivo, das aludidas despesas, assumindo assim uma natureza que permite integrá-las na categoria das ajudas de custo. De resto, o que não poderemos deixar de sinalizar, é precisamente com tal designação que constam do CCT aplicável, aí se afirmando, assim na mesma cláusula em que estão previstas as aludidas ajudas de custo, seus nos 8 e 9, que “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição” e que “A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo” – e, portanto, não se podendo sequer dizer que excedam o montante efetivamente gasto para o pagamento de tais despesas, muito embora se possa tratar em parte significativa de montante pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho efetivo (valor mínimo da diária previsto no CCT), a aleatoriedade da sua causa mantém-se, por essa ter a ver, de acordo com a lei, não com o que é pago pela entidade patronal e sim, noutros termos, com o tratar-se ou não de prestações que se destinam a “compensar o sinistrado por custos aleatórios”, ou seja, é a natureza dos custos, assim o serem ou não imprevisíveis/aleatórios, que determina a aplicação da norma – e neste caso, é afinal imprevisível o preço efetivo das refeições e ou dormidas, os quais podem variar conforme o local e tipo de estabelecimento prestador do serviço. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de abril de 2011 [11], “As ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele”, sendo que “Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes”. E, do mesmo modo como no Acórdão da Relação de Évora de 12 de julho de 2018 [12], poderemos também dizer que “o pagamento acordado visa facilitar o reembolso das despesas com a alimentação e não a beneficiá-lo através da atribuição de um suplemento remuneratório regular. Ou seja, não resultava daí um ganho para o trabalhador no final do mês. Apenas era reembolsado das despesas que havia efetuado”. Sendo assim, sem necessidade de mais considerações, concluímos proceder o recurso, deixando de ter aplicação o nº 4 do art.º 79º da LAT, ou seja, deixa de haver responsabilidade da Empregadora na reparação das consequências resultantes do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, impondo-se a sua absolvição do pedido.
* Quanto a custas, havendo procedência do recurso, as custas do mesmo ficariam a cargo do Recorrido (art.º 527º do Código de Processo Civil), mas não havendo lugar às mesmas dada a sua isenção [art.º 3º, nº 1, al h) do RCP].
*** DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a 2ª Ré B..., Unipessoal, Lda.”, sendo em substituição a mesma absolvida dos pedidos, mantendo-se no mais o decidido em 1ª instância. Sem custas o recurso (dada a isenção do Recorrido). Valor do recurso: € 23.153,55[27]. Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente) Porto, 28 de junho de 2024 António Luís Carvalhão [Relator] Nélson Nunes Fernandes [1º Adjunto] Germana Ferreira Lopes [2ª Adjunta] ____________________________ [1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. |