Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | WILLIAM THEMUDO GILMAN | ||
Descritores: | PROCESSO PENAL PENA DE MULTA CONFISSÃO ARREPENDIMENTO AUSÊNCIA PENA RELEVÂNCIA TAXA DIÁRIA | ||
Nº do Documento: | RP20240626636/22.9T9PRD.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO DO ARGUIDO NA PARTE CÍVEL E, NO MAIS, PARCIALMENTE PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | 1 | ||
Sumário: | I - Não existindo para o arguido um qualquer ‘dever de arrependimento’, o facto de não ter demonstrado arrependimento constitui circunstância inócua para a medida da pena. II - O mínimo existencial é constituído por um mínimo vital (alimentação, vestuário, abrigo, saúde) e por um mínimo de sobrevivência condigna (educação, trabalho, habitação, transporte, lazer, segurança, segurança social, cultura, proteção à maternidade e à infância) que o Estado não pode subtrair aos cidadãos. III - Resulta dos factos provados que retirando os 500 € da prestação da casa o agregado familiar do arguido fica com um rendimento líquido mensal disponível de 959.6€ para sustentar quatro pessoas, ou seja 31.9 € por dia, para alimentação, vestuário, água, eletricidade e mais despesas normais diárias. IV - Manda o bom senso e a sensibilidade de quem procura estar atento aos mandamentos constitucionais, desde logo ao que está na base da nossa República, o respeito pela dignidade da pessoa humana e a consequente obrigação de defesa do mínimo existencial de todos e de cada um de nós, que o quantitativo diário da pena de multa no caso dos autos, deve ser fixado, obrigatoriamente, no mínimo legal de 5€. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 636/22.9T9PRD.P1 Sumário (da responsabilidade do relator): ………………………………………….. ………………………………………….. ………………………………………….. **** Relator: William Themudo Gilman 1º Adjunto: Liliana Páris Dias 2º Adjunto: José António Rodrigues da Cunha * Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: * 1 - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 636/22.9T9PRD, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Paredes - Juiz 2, após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Assim, em face do exposto, de facto e de direito, decide-se, julgar a acusação pública totalmente procedente, por provada, e a acusação particular, totalmente improcedente, por não provada, e em consequência: 1 - Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa. 2 - Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa. 3 - Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no art. 77.º, do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), que perfaz o montante global de € 1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros). 4 - Julgar parcialmente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil BB, condenando o arguido/demandado civil AA, a pagar-lhe o valor de € 1.000,00 (mil euros), a título de compensação pelos não patrimoniais por aquele sofridos, absolvendo-o do demais peticionado. *** » * Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição): «A) Porque foi oportunamente requerida a documentação (gravação) das declarações orais prestadas em audiência de julgamento (art.363.º, Código Processo Penal), há também lugar à impugnação da decisão sobre a matéria de facto – como, infra, se elaborará com a transcrição parcial das declarações das testemunhas – pelo que deve proceder-se à respectiva transcrição e certificação, a qual deverá acompanhar as presentes alegações (art.412.º, n.º4, Cód Proc. Penal) B) O presente recurso incide sobre a matéria de facto, a qual padece de erro notório na sua apreciação e na suficiência para a decisão de facto provada. Assenta também na violação do principio da presunção de inocência, previsto no Art. 32º, nº 2 1ª parte, da constituição da república Portuguesa. E ainda do Princípio do in dubio pro reu, corolário do Princípio supra referido, incidindo ainda na desproporcionalidade na aplicação das penas de multa e indemnização cível. C) Vem o presente recurso interposto da decisão do Juiz 2 Juízo Criminal local de ... da comarca do Porto Este que condenou o Recorrente: Assim, em face do exposto, de facto e de direito, decide-se, julgar a acusação pública totalmente procedente, por provada, e a acusação particular, totalmente improcedente, por não provada, e em consequência: 1 - Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa. 2 - Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa. 3 - Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no art. 77.º, do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €750(sete euros e cinquenta cêntimos), que perfaz o montante global de 1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros). 4 - Julgar parcialmente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil BB, condenando o arguido/demandado civil AA, a pagar-lhe o valor de .000,00 (mil euros), a título de compensação pelos não patrimoniais por aquele sofridos, absolvendo-o do demais peticionado. D) O Recorrente não concorda como decidiu, o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica, ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal. E) O carácter ostensivo dos vícios, com o devido respeito, de que padece a apreciação da matéria de facto na decisão ora recorrida, na visão do Recorrente e sempre salvo o devido respeito por opinião diversa, justificará que se inicie a exposição de motivos por esta temática. F) Da sentença resulta: A. Factos Provados: Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido e o assistente são vizinhos, em casas confinantes, localizadas na Urbanização ..., ..., .... 2. No dia 05 de outubro de 2021, pelas 18h00, numa das deslocações que o assistente fazia habitualmente para depositar o seu lixo no contentor, aproximou-se o arguido que, após uma breve troca de palavras, pegou numa pedra que se encontrava no chão e arremessou-a na direção do assistente, atingindo-o na sua perna esquerda. 3. De seguida, o arguido arremessou várias outras pedras na direção do assistente, só não o atingindo porque o mesmo se escondeu atrás de um carro para se proteger. 4. Durante o referido em 2. e 3., o arguido dirigiu ao assistente, de viva voz e em tom alto, as seguintes expressões: rio, otário, és mesmo animal, filho da puta, boi 5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para o assistente lesões cujas consequências não foram possíveis de determinar, mas que lhe provocaram alteração do seu estado de sensibilidade normal (vulgo, dor). 6. O arguido com o propósito, aliás concretizado, de ferir e molestar a integridade física do assistente, atingindo-o, da forma como o fez, bem sabendo que o meio utilizado era apto a ferir e molestar o corpo e a saúde daquele e a causar-lhe as dores verificadas. 7. O arguido agiu com o propósito de atingir a honra e consideração do assistente o que quis e conseguiu. 8. O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas ilícitas e criminalmente puníveis. 9. Em consequência das supra referidas condutas do arguido, o ofendido sentiu-se triste, vexado, humilhado, sentiu dores e sofreu incómodos. 10. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta. 11. O arguido é motorista de profissão e aufere o salário mínimo nacional. 12. Vive com a esposa, que é empregada têxtil e aufere o salário mínimo nacional. 13. Vivem, ainda, com os filhos de 22 e 27 anos de idade. 14. De prestação de crédito habitação suportam a mensalidade de 500,00€. G) De acordo com o preceituado no art. 434.º do Cód. Processo Penal os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça cingem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito. No entanto, conforme ressalva expressa do próprio normativo, “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.os 2 e 3 (…)”, é possível que o Supremo Tribunal de Justiça veja o seu âmbito de cognição alargado à apreciação da matéria de facto. Atendendo ao reconhecido carácter excepcional deste reexame da matéria fáctica, a lei, de forma expressa e taxativa, enuncia as situações “legitimadoras” da apreciação de matéria de facto por parte deste Tribunal Supremo – transcrevendo o conteúdo legal do art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum: d) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; e) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; f) Erro notório na apreciação da prova.” H) Insuficiência da matéria de facto para condenar o Recorrente pela prática dos 2 crimes, como infra se demonstrará, deveria ter sido alterada a qualificação jurídica e assim as molduras penais abstractamente aplicáveis seriam, necessariamente diferentes.“A insuficiência da matéria de facto, a que se refere o art. 410.º, n.º 2 al. a) do CPP só se pode ter como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida” Ac. do STJ de 93-05-05, proc. n.º 44 046, Ibidem, pág. 746. I) Acrescenta o Ac. do STJ de 16 de Março de 1994, Proc. 46 102 “Relativamente ao erro notório na apreciação da prova, podem ser invocadas regras de experiência comum, quando ele resulte, sem equívocos, da sua aplicação, ou seja, quando, contra o que resulta de elementos que constem dos autos e cuja força probatória não haja sido infirmada, ou dados do conhecimento público generalizado, se torne incontestável a existência de erro de julgamento”. Pág.774.Na mesma esteira, o Ac. do STJ de 9 de Novembro de 1996, proc.48 369 refere que “O erro notório previsto na alínea c) do n.º 2 do CPP é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela, algum facto essencial.” Pág.775. J) Numa análise crítica do conteúdo da sentença recorrida, crê o Recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, que a decisão padece dos aludidos vícios, v.g., insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação das provas, pois Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, conforme é referido na douta sentença, no que toca à data, ao local e ao objecto do processo com base nas declarações prestadas pelos arguidos/assistentes, no depoimento das testemunhas ouvidas, conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente a queixa de fls. 3 a 5 verso; tudo devidamente valorado e conjugado de acordo com as regras da experiência comum. K) O Recorrente não pode concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo. Os factos que deram origem aos presentes autos ocorreram no dia 5 de outubro de 2022. Das declarações quer do arguido quer do assistente, os mesmos referem que ninguém assistiu aos factos, só apareceram depois, ao contrário do que é afirmado em douta sentença do tribunal a quo. (Ver transcrições supra). L) O Tribunal a quo na motivação de facto alega que as declarações do assistente foram corroboradas pelas declarações da testemunha, esposa do Assistente, porém conforme se pode verificar pelas declarações do assistente, o mesmo refere que ninguém assistiu e que a mulher só veio quando estava a GNR, a própria testemunha, CC, refere que o marido mandou chamar a GNR e que não estava no local, aquando dos factos.Não se percebe a valoração e motivação com base nesta testemunha, quando, quer arguido quer assistente referiram em declarações, que NINGUÉM ASSISTIU AOS FACTOS. M) Da mesma forma que não se concebe não valorar as declarações das testemunhas de defesa no sentido de que não presenciaram, claro que não presenciaram, ninguém presenciou, mas sempre chegaram primeiro que a mulher do assistente, O arguido a instâncias da Meritíssima juiz, acerca das alegadas injúrias proferidas ao Assistente o mesmo refere, que apenas lhe terá dito és sempre o mesmo, no sentido de continuar a deitar o lixo fora do contentor do lixo, o arguido não confessou ter proferido qualquer injúria, apesar do tribunal a quo, bem ter tentado fazer com que o arguido admitisse que tinha proferido outros alegados impropérios. N) O Tribunal a quo colocou na boca do assistente os alegados impropérios, pois o mesmo só os disse quando lhe foram lidos pelo tribunal. O) Na valoração da ofensa à integridade física, ter-se valorizado mais a palavra da mulher do Assistente do que ao próprio assistente que sofreu a alegada pancada com uma pedra de 15cm, ser ferido por uma pedra de 15cm, teria mais danos e o arguido, que sofreu a alegada agressão, á um ano atrás lembrar-se-ia qual a perna atingida, o que não aconteceu e não se pode aceitar que é uma pequena discrepância, já que foi o assistente que sofreu a alegada agressão e não a sua mulher! P) Não existe qualquer relatório de episódio de urgência, do IML, nada apenas a palavra do assistente contra o arguido, art. 283.º n.º2, ex vi do artigo 308.º, n.º 2 do CPP - "O juízo de probabilidade revelador dos indícios suficientes da verificação do crime e de quem é o seu agente não se contenta com um juízo de probabilidade mediano; antes pressupõe e exige uma verdadeira convicção de probabilidade dessa condenação"), sendo assim impossível de provar os pontos 5, 6 e 7., Q) O Tribunal a quo valoriza a testemunha do Assistente, sua esposa, quando o Assistente diz que NINGUÉM ASSISTIU AOS FACTOS, conforme gravação e transcrição, supra, mencionada, alegando que aquela testemunha estava no local e assistiu aos factos, que contou, em versão inteiramente coincidente com a do assistente, de forma objectiva e escorreito” R) o Recorrente não pode aceitar essa declaração, salvo o devido respeito por melhor opinião, uma vez que, durante todo o seu depoimento, foi parcial, arrogante, principalmente a instâncias da mandatária do recorrente. Em relação às testemunhas do Recorrente, as mesmas segundo o tribunal a quo, refere que as mesmas prestaram um depoimento interesseira e parcial, tendo inclusive, referido a relação de proximidade familiar que os une!!!! S) Tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento, reproduzida no suporte técnico juntos aos presentes autos, entende o Recorrente que tal matéria fáctica é manifestamente insuficiente para o Tribunal a quo ter concluído como o fez, considerando verificada a prática de um crime de ofensas à integridade física e um crime de injúrias e que o Arguido actuou com dolo Directo!!!! T) Donde resulta que o Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova. O Tribunal a quo, interpretou forçosamente a prova produzida, tendo em vista a condenação do arguido. U) O Tribunal chegou à conclusão da gravidade média, quando o Recorrente é Primário, nada consta no seu CRC, sequer alguma vez entrou em tribunal. Acresce que, quer Arguido quer assistente confirmam que depois daqueles factos nada mais aconteceu, não existindo a perigosidade da continuação da prática do crime. O Recorrente é uma pessoa pacífica, bem inserida na sociedade, trabalhador, que nunca se mete em confusões. V) O Recorrente não pode concordar com a medida da pena que, in casu, lhe foi aplicada. O tribunal a quo não logrou provar a intensidade do dolo directo, ou de qualquer um dos tipos de dolo previstos no artigo 14º do Código Penal, para sentenciar o Recorrente com uma pena de 120 dias, pela prática de ofensas à integridade física simples e uma pena de 100 dias, pela prática de um crime de injuria, é completamente desproporcional aos alegados crimes praticados.Mesmo a condenação no pedido de indeminização cível título de danos não patrimoniais, 1000,00€, um valor exorbitante para quem não praticou qualquer um dos crimes. W) É convicção do Recorrente e atento os factos supra narrados que não se provou o dolo, o Recorrente não representa qualquer perigo para a sociedade, para lhe serem aplicadas aquelas penas parcelares e em cúmulo jurídico 180 dias de pena a uma taxa diária de €7,50, perfazendo a quantia de € 1.350,00, valor esse que corresponde a dois meses do seu vencimento, pois,como resulta das suas declarações, o Recorrente aufere o salário mínimo, paga 500€ de empréstimo da casa bem como os estudos dos filhos (cursos superiores), o vencimento da mulher (ordenado mínimo) é para fazer face às despesas com a vida corrente, etc..Aquele valor é completamente desproporcional, uma vez que o Recorrente é primário, os crimes pelos quais foi condenado, X) No presente contexto, o fato de uma pessoa ser integrada na sociedade, possuir um histórico de trabalho e nunca ter enfrentado problemas judiciais é utilizado de forma desfavorável contra ela. Y) Toda a motivação da sentença ora em crise é confusa, senão vejamos um exemplo: "Do certificado de Registo Criminal sobre o arguido nada consta", no entanto no 15.º parágrafo do ponto C (Motivação da matéria de facto) surge uma contradição de que o arguido tem antecedentes criminais. Mais tarde na sentença surge "necessidade de prevenção geral média/alta", tendo sido dada prevenção especial média, apesar de "o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido". Z) O Recorrente não representou nem quis aquele resultado, não tendo sequer praticados actos de execução para a prática daqueles crimes, apenas chamou a atenção do assistente por fazer sempre a mesma coisa, ir deitar o lixo fora do contentor em frente à casa do Recorrente. De tudo quanto supra se expôs ficou demonstrado que o Arguido nunca, durante toda a ocorrência e que deu origem aos presentes autos, com dolo directo, ou qualquer outro tipo de dolo. AA) O Tribunal a quo deveria ter concedido o benefício da dúvida ao arguido e confiado na sua futura conduta e assim não ter contribuído para o agudizar a não relação entre os vizinhos, vendo bem a diferença de estatura (assistente cerca de 1,90m), a idade entre os 40 anos e o Recorrente uma pessoa com cerca de 58 anos e 1, 70m, com todas estas atenuantes, o tribunal a quo deveria ter absolvido o Recorrente, devido à existência da dúvida, conforme lhe era imposto constitucionalmente. BB) A aplicação desproporcional da pena de 180 dias à taxa diária de €7,50, irá repercurtir no Recorrente precisamente o efeito contrário ao pretendido pela pena, não atingindo o fim previsto no artigo 71º do CP. Irá causar revolta, pois não praticou aqueles factos. O Tribunal a quo não levou em consideração o tempo entretanto ocorrido entre a data da alegada prática dos factos com a realização da audiência de julgamento. CC) Por todas estas circunstâncias entende a defesa que a pena de multa que foi aplicada é excessiva, e inadequada, pois o Recorrente não praticou aqueles crimes.No entanto, foram impostas duas multas e uma indemnização que se revelam desajustadas à realidade do arguido, considerando o seu contexto socio económico. Além disso, a magnitude destas penalidades parece desproporcional ao suposto crime em questão, que está repleto de incertezas e discrepâncias. DD) O tribunal a quo não atendeu a todas as circunstâncias impostas pelo artº 71º do CP, essenciais à dosimetria penal, isto é, para a determinação da medida concreta da pena. O princípio da proporcionalidade tem inscrito uma função de controlo que emerge sempre que a protecção de interesses públicos possa entrar em conflito com os direitos fundamentais e liberdades públicas dos cidadãos, o que no âmbito penal ocorre com frequência. Nele se integram uma serie de postulados que são uma evidente derivação do respeito do bem liberdade e da assunção de um critério democrático de conformação do direito que apresentam a matriz de outros princípios como o de exclusiva protecção de bens jurídicos ou de mínima intervenção. VII - Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição Anotada, pág. 392 e ss.) sob o prisma do princípio da proporcionalidade importa distinguir os requisitos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática. VIII - O respeito pelo princípio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesmas sejam adequadas à prossecução das finalidades em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjectivo. Significa o exposto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstracta de uma medida determinada para conseguir determinado objectivo, nem na adequação objectiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo princípio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida para que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei. IX - Pela aplicação do princípio da necessidade a entidade vocacionada para aplicar a medida conformada pelo mesmo princípio deve eleger, entre aquelas medidas que são igualmente aptas para o objectivo pretendido que aquela é menos prejudicial para os direitos dos cidadãos. X -Por último, o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos à sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objectivo que se pretende atingir, cf. Ac. De 31.03.2011 do Supremo Tribunal de Justiça in www.dgsi.pt EE) O Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova, o que expressamente se invoca nos termos do artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP. A sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 32º e 205 nº 1 da C.R.P., artigos 14.º, n.º 3, 22.º, n.º 1, 131.º, 143.º e eventualmente o artigo 145.º, todos do CP, por inapropriada aplicação, por se terem aplicado incorrectamente, pois ao caso dos autos não cabem, o artigo 131.º por não se terem provado os elementos caracterizadores (intenção e acção adequadas), o 14.º e o 22.º, por serem de aplicação incompatível entre si e o 143.º por ser de aplicar ao caso concreto, não o tendo sido, como devia e competia. Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, deve ser o Recorrente absolvido dos crimes pelos quais foi condenado e em consequência ser absolvido do pedido Indemnização cível em que foi condenado só assim se fazendo INTEIRA E SÃ JUSTIÇA» * O Ministério Público, concluiu as suas alegações de resposta no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmando-se a sentença recorrida. * Nesta instância, o Ministério Público concluiu o seu parecer pela improcedência do recurso. * Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP. Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1 - QUESTÕES A DECIDIR Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Vícios da decisão: insuficiência da matéria de facto para a decisão, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do CPP. - Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo. - Absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física. Absolvição ou redução do montante indemnizatório fixado. - Determinação da medida da pena: redução das penas aplicadas. * 2.2- A DECISÃO RECORRIDA: Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação de facto e parte da fundamentação de direito (transcrição): «II – Fundamentação de Facto A. Factos Provados: Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido e o assistente são vizinhos, em casas confinantes, localizadas na Urbanização ..., ..., .... 2. No dia 05 de outubro de 2021, pelas 18h00, numa das deslocações que o assistente fazia habitualmente para depositar o seu lixo no contentor, aproximou-se o arguido que, após uma breve troca de palavras, pegou numa pedra que se encontrava no chão e arremessou-a na direção do assistente, atingindo-o na sua perna esquerda. 3. De seguida, o arguido arremessou várias outras pedras na direção do assistente, só não o atingindo porque o mesmo se escondeu atrás de um carro para se proteger. 4. Durante o referido em 2. e 3., o arguido dirigiu ao assistente, de viva voz e em tom alto, as seguintes expressões: “és sempre o mesmo otário, otário, és mesmo animal, filho da puta, boi”. 5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para o assistente lesões cujas consequências não foram possíveis de determinar, mas que lhe provocaram alteração do seu estado de sensibilidade normal (vulgo, dor). 6. O arguido com o propósito, aliás concretizado, de ferir e molestar a integridade física do assistente, atingindo-o, da forma como o fez, bem sabendo que o meio utilizado era apto a ferir e molestar o corpo e a saúde daquele e a causar-lhe as dores verificadas. 7. O arguido agiu com o propósito de atingir a honra e consideração do assistente o que quis e conseguiu. 8. O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas ilícitas e criminalmente puníveis. 9. Em consequência das supra referidas condutas do arguido, o ofendido sentiu-se triste, vexado, humilhado, sentiu dores e sofreu incómodos. 10. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta. 11. O arguido é motorista de profissão e aufere o salário mínimo nacional. 12. Vive com a esposa, que é empregada têxtil e aufere o salário mínimo nacional. 13. Vivem, ainda, com os filhos de 22 e 27 anos de idade. 14. De prestação de crédito habitação suportam o valor mensal de € 500,00. B. Factos Não Provados De resto, não se provaram quaisquer outros factos. ** C. Motivação da matéria de facto O tribunal fundou a sua convicção no que toca à data, ao local e ao objecto do processo com base nas declarações prestadas pelos arguidos/assistentes, no depoimento das testemunhas ouvidas, conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente a queixa de fls. 3 a 5 verso; tudo devidamente valorado e conjugado de acordo com as regras da experiência comum. * O arguido, não obstante ter negado atingir o assistente, e ter-lhe dirigido insultos, admitiu ter-se-lhe dirigido por causa do lixo que este estava a depositar no local, bem como que lhe arremessou uma pedra, mas de pequenas dimensões (cerca de 2 cm), que atingiu o vidro do seu veículo. De modo confuso, afirmou que o assistente “lhe fez frente” e por isso se defendeu, sem que se tenha percebido, quais os actos que ambos encetaram, sendo que acabou por confirmar que se resguardou do lado de dentro do portão, e mais nada fez, nem o assistente. Admitiu que, dada a altura do portão e do muro, se assim pretendesse, face à sua estatura, o assistente teria entrado em sua casa, pelo que logo por aqui tem de ceder a sua versão de que se estava a defender, pois também não conseguiu esclarecer de quê, não tendo concretizado que actos praticou o assistente que pudessem motivar a necessidade de se defender, nem tampouco o que fez para se defender (cremos que seja atirar a tal pedra de pequenas dimensões ao assistente). Assim, a sua versão não logrou convencer minimamente. Denotou e transpareceu, antes, claramente, exaltação e animosidade para com o assistente, mercê das relações de vizinhança, pelos motivos que explanou. Por sua vez, em sede de declarações, o assistente BB, de modo objectivo, explicou pormenorizadamente como tudo se passou, de modo seguro e credível, respondendo prontamente a todos os esclarecimentos que lhe iam sendo solicitados, referindo as agressões de que foi vítima e os insultos que lhe foram dirigidos. Nem sequer conhecia o arguido. Esclareceu que as pedras em causa tinham cerca de 15 cm. As suas declarações foram confirmadas pelo depoimento da testemunha CC, sua esposa, que estava no local e assistiu aos factos, que contou, em versão inteiramente coincidente com a do assistente, de modo objectivo e escorreito. A única discrepância prendeu-se com a perna lesionada, sendo que o assistente referiu que foi atingido na perna direita, ao passo que a esposa disse que foi na esquerda. O tribunal, quanto a este facto, ateve-se no teor da queixa apresentada, donde resulta que a perna atingida foi a perna esquerda, já que na altura em que formalizou a queixa o assistente teria a memória mais viva em relação aos factos, não assumindo a presente discrepância suficiente importância para retirar credibilidade ás suas declarações, antes estando justificada pelo decurso de tempo desde que os factos ocorreram. Por último referir que os depoimentos das testemunhas DD e EE, respectivamente esposa e filha do arguido, em nada beliscaram as conclusões alcançadas, dado que as mesmas não se encontravam no local no momento em que os factos tiveram lugar, apenas ali tendo acorrido já depois, alertadas pelo barulho. Ainda assim, os seus depoimentos mostraram-se interessados e parciais, nitidamente no sentido de colaborar para a desresponsabilização do arguido, face à relação de proximidade familiar que os une. A esposa do arguido referiu que o assistente se agarrou ao portão da casa para tentar entrar, o que nem sequer foi afirmado pelo arguido pu pela sua filha, que em tese oposta afirmou que o assistente sabia eu o portão estava aberto e bastava corrê-lo para entrar, se quisesse, o que não aconteceu. Admitiu que o filho de ambos teve de agarrar o pai, que estava muito exaltado, para “ele não ir outra vez, para evitar algo pior”, tendo ambos caído ao solo, o que fez com que cessasse de vez a confusão. Ora, se os factos tivessem ocorrido como pretendeu a defesa, sem que nada de relevo se tivesse passado da banda do arguido, nenhuma necessidade teria o seu filho de o agarrar. E mais ainda, é a sua esposa que admite que só nesse momento é que a confusão terminou, percebendo-se que, era o arguido que estava mais exaltado e provocador, pois quando cessou as suas condutas, tudo se debelou. Assim, acreditou-se na versão do assistente em detrimento da do arguido, não se podendo olvidar que, apesar de tudo, o arguido assume ter arremessado uma pedra na direcção do assistente e ter-lhe dirigido alguns insultos. Quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu o arguido, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, fez. No que respeita aos danos não patrimoniais que o ofendido alega ter sofrido em consequência das condutas do arguido, baseou-se este Tribunal nas declarações do assistente, confirmadas pela sua esposa, sendo que já resulta das regras da experiência comum que quem sofre as agressões e insultos que sofreu, se sente do modo dado por assente. Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar do arguido, o Tribunal fez fé nas declarações pelo mesmo proferidas, uma vez que as mesmas pareceram credíveis no que concerne a tais aspectos. Os antecedentes criminais do arguido resultaram provados com base na análise do respectivo Certificados de Registo Criminal junto aos autos. Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si. *** III – Fundamentação de Direito (…) IV - Escolha e Determinação da Medida da Pena Estando o comportamento do arguido devidamente enquadrado, importa agora graduar, dentro da medida abstracta da pena que a estes crimes compete, a pena concreta. A determinação da medida da pena obedece a 3 fases, que consistem: na determinação da moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso, na escolha da espécie de pena que efectivamente deve ser imposta, e na determinação da medida judicial ou concreta da pena (vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 198). “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (artigo 71º nº1 Código Penal), sendo certo que não se pode ignorar que a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº2 Código Penal) nem a medida da pena poderá descer a um nível inferior às exigências de prevenção evidenciadas no caso concreto. “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, págs. 230 e 231). Estando perante tipos legais que estatuem penas compósitas alternativas, cumpre escolher a natureza da pena a aplicar. * O crime de ofensas à integridade física simples é punido, nos termos do art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, com pena de prisão até 3 (três) anos, ou com pena de multa, ou seja, está em causa uma moldura penal de 1 (um) mês até 3 (três) anos de prisão ou, multa, de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias (arts. 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, do Código Penal). O crime de injúria é punível com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) meses ou, com pena de multa, de 10 (dez) até 120 (cento e vinte) dias, nos termos dos artigos 181.º, n.º 1, 41.º, n.º1 e 47.º, n.º1, do Código Penal. A primeira consideração a fazer na escolha da medida da pena deve ser a da sua finalidade. O artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, dispõe que “a aplicação das penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.” A aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (finalidades de prevenção geral e especial), não podendo a medida da pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, que fixará o seu limite máximo; a culpa representa o limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade essencial do indivíduo (“nulla poena sine culpa”). As penas são medidas dissuasoras e socializadoras que pressupõem a imputabilidade e culpa do agente do crime. A prevenção geral terá um perfil de dissuasor (na publicação – prevenção geral negativa ou de intimidação: toda a pena abstracta serve finalidades de prevenção geral de intimidação (ou negativa); a ameaça da pena, como tal, constitui um elemento dissuasor da prática do correspondente crime) e de estabilizador da confiança no sistema jurídico, de confirmação da validade e actualidade da norma incriminatória e consequente tutela confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime (na aplicação – prevenção geral positiva ou de integração). A reintegração social ou prevenção especial será o resultado da execução da pena (prevenção especial positiva ou de integração e, excepcionalmente, prevenção especial negativa, de intimidação ou de segurança). Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Da conjugação deste preceito com a norma constante do artigo 40.º, supra referida, extrai-se que, quando a pena de multa seja suficiente para alcançar a protecção dos bens jurídicos postos em causa com a prática do crime e a reintegração do agente na sociedade, deve ser esta a pena a aplicar. Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral revelam-se médias/altas, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos de evitar a proliferação deste tipo de crimes, atendendo ao alarme social que causam, mormente nos dias de hoje que o sentimento de insegurança da população aumenta diariamente, atentos, também, os bens jurídicos pessoais em causa. Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido. No entanto, não mostrou arrependimento. Pelo exposto, entende o tribunal que uma pena não privativa da liberdade é, ainda, no que concerne aos crimes em análise, suficiente para acautelar os bens jurídicos violados, pelo que será aplicada ao arguido uma pena de multa. * Para a determinação da concreta medida da pena o tribunal tem que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. Assim, no caso vertente atender-se-á a que (art. 71.º, n.º2): - O grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade dos factos praticados pelo arguido, ao sentimento de indiferença pelas normas penais revelado aquando da prática dos factos e atentos os bens jurídicos pessoais em causa. - O modo de execução, sendo que o arguido agrediu o ofendido na via pública onde várias pessoas puderam ver; o tipo e natureza das agressões desferidas (arremessou-lhe várias pedras). - O arguido agiu com dolo directo, com intenção de praticar os factos, como fez. - As consequências do crime revestem-se de gravidade média, tendo em atenção as lesões sofridas pelo ofendido e o estado de espírito do mesmo após os factos. * Tudo ponderado, dentro dos limites balizados pela medida da culpa e, tendo em conta a moldura abstracta actualmente prevista para os crimes em questão, afigura-se adequada às exigências de prevenção geral e especial aplicar ao arguido: - uma pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples; - uma pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de injúria, pelos quais vem acusado. ** V - Do Cúmulo Jurídico No caso dos autos é agora necessário fixar a moldura penal do concurso, para ser aplicada uma pena única ao arguido, pois praticou vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal). Nesta fase o tribunal tem que encontrar a moldura penal do concurso, sendo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. (artigo 77.º, n.º2 Código Penal). Assim sendo, no caso concreto temos como limite máximo da pena 220 dias de multa e, como limite mínimo, 120 dias de multa. Estabelecida a moldura penal do concurso, cumpre agora determinar a medida da pena dentro destes limites. Diz o artigo 77.º n.º1 “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, pág. 291). No acórdão do STJ de 06/05/2004, in CJSTJ, T2, pág. 191 diz-se: “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que, nesta, o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”. Face ao exposto e tento em conta os factos acima descritos e já subsumidos, bem como, que se trata da prática de vários crimes, punidos com sanção da mesma natureza, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, resta concluir que os mesmos estão interligados, conexionados, formando uma ilicitude global. Essa conclusão é reforçada em razão de os factos terem sido praticados no mesmo período de tempo, ou num período muito próximo de tempo (mesmo dia, em simultâneo), assumindo o conjunto dos mesmos uma gravidade média. Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral revelam-se médias, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos de evitar a proliferação deste tipo de crimes, atendendo ao alarme social que causam, mormente nos dias de hoje que o sentimento de insegurança da população aumenta diariamente, atentos, também, os bens jurídicos pessoais em causa. Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido. No entanto, não mostrou arrependimento. Além disso, na determinação da medida concreta da pena, é sempre necessário ter em atenção o previsível efeito que a pena terá no comportamento do arguido. Por todo o exposto, entende-se ser adequado fixar a pena única em 180 (cento e oitenta) dias de multa. ** Importa, então, fixar o quantitativo diário à pena de multa aplicada. Quanto ao quantitativo diário da multa a aplicar, deve atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, tendo presente, por um lado, a dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas. Estabelece o art.º 47.º n.º 2 do Código Penal que o mínimo legal se fixa em €5,00 e o máximo em €500,00. Pelo que, tendo em conta as condições socio económicas do arguido, dadas como provadas, fixa-se em € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) o quantitativo diário da pena de multa aplicada ao arguido. * (…)» * 2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO. 2.3.1- Vícios da decisão: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, n.º 2, als. a) b) e c) do CPP. Invocou o recorrente nas conclusões do seu recurso que a sentença recorrida incorre nos vícios do artigo 410º, n.º 2 do CPP, indicando expressamente as alíneas e artigo quanto aos vícios das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo, mas limitando-se invocar uma contradição na motivação sem indicar a alínea b). De acordo com o artigo 410º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão. Comecemos pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada. Este vício não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, em que se afirma que teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Mas parece ser precisamente nesta confusão que o recorrente incorre, pois, embora invoque o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que pretende e acaba por fazer é que houve errada apreciação da prova produzida para fundamentar a decisão recorrida, concluindo pela absolvição. Da leitura da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa. Deste modo, no caso em apreço, do texto da decisão recorrida não resulta o vício da previsão do artigo 410.º, 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que aqui se declara. Passemos ao vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Existirá contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, por exemplo, um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Vejamos então se se verificam as contradições apontadas pelo recorrente. Alega o recorrente na conclusão Y que: «Toda a motivação da sentença ora em crise é confusa, senão vejamos um exemplo: "Do certificado de Registo Criminal sobre o arguido nada consta", no entanto no 15.º parágrafo do ponto C (Motivação da matéria de facto) surge uma contradição de que o arguido tem antecedentes criminais. Mais tarde na sentença surge "necessidade de prevenção geral média/alta", tendo sido dada prevenção especial média, apesar de "o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido".» Com efeito, resulta uma aparente contradição entre dizer-se que do registo criminal nada consta e depois dizer que «Os antecedentes criminais do arguido resultaram provados com base na análise do respectivo Certificados de Registo Criminal junto aos autos.» Só que não se trata bem de uma contradição, mas antes de uma falta de clareza de redação ou de estilo, suscetível de interpretação simples, facilmente sanável. Com efeito, do certificado do registo criminal diz que nada consta. Então a frase escrita na motivação de facto deve ser interpretada tão simplesmente como: «os antecedentes criminais do arguido (que são nenhuns) resultaram provados com base na análise do respectivo Certificado de Registo Criminal junto aos autos.» Fica assim interpretada a frase em causa, sanando-se qualquer dúvida ou aparente contradição. Quanto à frase na motivação de direito em que se refere «...,o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido.», é evidente que a conjunção coordenativa ‘mas’ foi mal utilizada , pois a função de tal conjunção é a de ligar orações ou períodos com as mesmas propriedades sintáticas, introduzindo frase que denota basicamente oposição ou restrição ao que foi dito; porém, contudo, entretanto, todavia; e no caso não há oposição entre não ter antecedentes criminais e encontrar-se socialmente inserido. Trata-se tão simplesmente de lapso de escrita evidente que se elimina desde já nos termos do artigo 390º do CPP, suprimindo-se a conjunção ‘mas’ do local da fundamentação em que se encontra inserida. Assim, não descortinamos qualquer contradição insanável na fundamentação e nos factos provados. Vejamos então o vício do erro notório na apreciação da prova. Este vício, previsto no artigo. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum. Da simples leitura da decisão, não descobrimos nos factos provados que tenha resultado provado algum facto que não possa ter acontecido ou que a prova tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados. Com efeito, o tribunal enunciou os meios de prova que serviram para a formação a sua convicção e procedeu à análise crítica dos mesmos, tudo de forma razoável e compreensível. O recorrente incorre em confusão entre os vícios da decisão e o erro de julgamento a que diz respeito o artigo 412º do CPP, ou seja, à chamada ‘impugnação ampla da matéria de facto’, pois se é certo que por um lado o recorrente invoca expressamente o vício do erro notório na motivação de recurso, a verdade é que o que resulta da leitura da motivação de recurso do arguido é que este pretende impugnar a matéria de facto nos termos da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP. Mas sobre tal matéria a seguir nos pronunciaremos. Concluindo, no caso dos autos, do texto da decisão recorrida não resulta nenhum dos vícios da previsão do artigo 410.º, 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal invocados pelo recorrente, o que aqui se declara. 2.3.2- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo. Entende o recorrente que «das declarações quer do arguido quer do assistente, os mesmos referem que ninguém assistiu aos factos, só apareceram depois, ao contrário do que é afirmado em douta sentença do tribunal a quo.» O tribunal recorrido errou ao valorar a testemunha do assistente, sua esposa quando o assistente diz que ninguém assistiu aos factos. Conclui o recorrente que «S) Tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento, reproduzida no suporte técnico juntos aos presentes autos, entende o Recorrente que tal matéria fáctica é manifestamente insuficiente para o Tribunal a quo ter concluído como o fez, considerando verificada a prática de um crime de ofensas à integridade física e um crime de injúrias e que o Arguido actuou com dolo Directo!!!!» e «T) Donde resulta que o Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova. O Tribunal a quo, interpretou forçosamente a prova produzida, tendo em vista a condenação do arguido.» Conclui o recurso pedindo a absolvição. Vejamos. Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”. E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” O recorrente cumpriu limitadamente com os ónus da impugnação da matéria de facto. Com efeito e desde logo, no seu recurso os únicos pontos que se podem eventualmente ter como especificados são os pontos 5, 6 e 7 (ponto 37 da motivação de recurso), não tendo o recorrente especificado nenhum dos outros pontos da matéria de facto. Não impugnou o ponto 2 (arremesso da pedra que atingiu o assistente na perna) nem o ponto 3 (arremesso de mais pedras) e o 4 (as expressões proferidas de otário, animal filha da puta, boi), bem como o 8 e 9 (elemento subjetivo e dores e humilhação sofridas), portanto estes mantêm-se intactos porque não impugnados. Quanto às provas gravadas o recorrente transcreveu as declarações do arguido indicando a passagem 15.38 da gravação; e transcreveu declarações do assistente que indicou como estando das 15.39-15.54. O Ministério Público na resposta transcreveu passagens das declarações do assistente e do depoimento da testemunha CC, indicando os respetivos minutos, transcrições essas que no seu entender inviabilizam o sucesso da impugnação da matéria de facto. Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso. Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente. O nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido. Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida. O recorrente argumenta em suma que o Tribunal recorrido fez uma incorreta apreciação da prova e indicou como concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – artigo 412º nº 3 b): as declarações do arguido e as declarações do assistente de que transcreveu as partes que entendeu relevantes e indicando os minutos da gravação. Apreciemos, então relativamente aos pontos 5, 6 e 7, únicos pontos relativamente aos quais o recorrente correu com o ónus de impugnação especificada do artigo 412º n.º 3 a). O facto de o recorrente ter opinião diversa da do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, a não ser que haja elementos objetivos que imponham um juízo diferente sobre a credibilidade dos depoimentos, e o que verdadeiramente interessa é saber se dos segmentos apontados no recurso e da sua audição, eventualmente completada pelas demais audições que se entenderam efetuar nesta sede, se impunha que o resultado probatório fosse outro. Nesta sede, ouviram-se na íntegra os depoimentos/declarações indicados pelo recorrente e pelo Ministério Público – arguido, assistente e testemunha CC. O assistente relatou os factos, designadamente a agressão de que foi alvo com a pedra, as lesões sofridas e as injúrias, a testemunha CC descreveu também os factos a que assistiu de uma distância de 20 metros, corroborando as declarações do assistente, seu marido. O arguido apresentou a sua versão dos factos, negando que tivesse acertado com a pedra no arguido. É certo que o assistente a instâncias do seu mandatário, quando este lhe perguntou se esta situação foi vista por mais algum dos vizinhos, o assistente respondeu que não estava mais ninguém. Mas a verdade é que tal não é contraditório com o facto de a mulher do assistente estar a cerca de 20 metros de distância, não estando no local das pedradas e das injúrias, embora as ouvisse e visse. Aliás o assistente, refere (aos cerca de 5mn) que a esposa quando as coisas acalmaram foi lá, donde se depreende que (tal como ela referiu) estaria a assistir aos factos e quando acalmaram foi lá. O Tribunal recorrido explicou na motivação da decisão de facto as razões porque deu credibilidade às declarações/depoimento da testemunha e do assistente e em que medida o fez. E explicou a conjugação que fez da prova produzida e o modo como chegou aos factos provados. Tudo visto, não vemos que a prova produzida, designadamente a indicada pelo recorrente, imponha as alterações à matéria de facto propugnadas pelo recorrente quanto aos factos que entende deverem ser dados como não provados. Face à prova ouvida nesta instância e à motivação da primeira instância, não vemos razão ou regra da experiência que diga que não se deva concluir como concluiu o tribunal recorrido, no sentido de que o ofendido e a referida testemunha de acusação mereceram credibilidade quanto aos factos provados. Concluindo, percorrida a matéria de facto impugnada, o Tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, de modo suficiente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, a qual, como já referimos, corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, pelo que não se violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável. Também em relação aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo cabe dizer que os mesmos foram respeitados, uma vez que o tribunal, tal como resulta da decisão recorrida, não ficou na dúvida, nem se vislumbra que devesse ter ficado quanto à ocorrência dos factos que resultaram provados. Não havendo alteração a fazer à matéria de facto, mostra-se a mesma fixada tal como na primeira instância. 2.3.3-Absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física. Absolvição ou redução do montante indemnizatório fixado. Mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada pela primeira instância e sendo da sua alteração que dependia o sucesso da pretensão do recorrente de absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física, a conclusão a retirar é a de que falece esta pretensão. Com efeito, dos factos provados resulta o elemento objetivo dos tipos de ilícito (o arguido arremessou uma pedra na direção do assistente, atingindo-o na sua perna esquerda, causando-lhe dores; dirigiu ao assistente, de viva voz e em tom alto, as seguintes expressões: “és sempre o mesmo otário, otário, és mesmo animal, filho da puta, boi”), mais se encontrando presentes os elementos subjetivos dos ilícitos em causa na matéria de facto provada, resulta o cometimento pelo arguido, tal como se considerou na decisão recorrida, em concurso efetivo de um crime de injúria previsto no artigo 181º, do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física simples previsto no artigo 143º, n.º 1, do Código Penal. E falece também a pretensão de absolvição ou de redução do pedido de indemnização civil, desde logo porque, não tendo alçada, é de rejeitar o recurso nessa parte pois, nos termos do disposto no artigo 400º, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada, o que não sucede no caso dos autos em que a condenação indemnizatória não atingiu tais valores. Assim as pretensões do recorrente nesta parte são improcedentes. 2.3.4- Determinação da medida da pena: redução das penas aplicadas. Passemos então para a fase de determinação da medida da pena, com a qual o recorrente não concorda em dois pontos, entendendo excessivas as penas aplicadas. Alega em resumo, mas de modo algo confuso e desordenado que a pena aplicada de 180 dias à taxa diária de 7,5€ é desproporcionada, não tendo levado o tribunal em conta o tempo que decorreu após os factos. Foram aplicadas duas penas (parcelares) que se revelam desajustadas à realidade do arguido, considerando o seu contexto socio económico. O arguido paga de prestação de crédito de habitação um valor mensal de cerca de 500 €, além de outras despesas do dia-a-dia com alimentação, luz, água, lixo, internet, telefone, despesas associadas aos estudos do filho, etc. Além disso, a magnitude destas penalidades parece desproporcional ao suposto crime em questão, que está repleto de incertezas e discrepâncias. O tribunal a quo não atendeu a todas as circunstâncias impostas pelo artº 71º do CP, essenciais à dosimetria penal, isto é, para a determinação da medida concreta da pena. Relembremos, na decisão recorrida foram aplicadas as seguintes penas: - Crime de ofensas à integridade física simples do artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, 120 dias de multa. - Crime injúria do artigo 181.º, n.º1 do Código Penal, 100 cem dias de multa. - Em cúmulo jurídico, artigo 77.º, do Código Penal, pena única de 180 dias de multa à taxa diária de € 7,50, que perfaz o montante global de € 1.350,00. A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, operação eventual que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[1] ou posteriormente depois de fixada a pena principal, sendo que até pode ocorrer duas vezes, desde logo na escolha da pena principal (opção pela prisão) e depois na opção pela pena de substituição da principal (opção pela multa de substituição). Aos crimes praticados pelo arguido correspondem as seguintes molduras penais: - Crime de ofensa à integridade física simples a pena de 1 mês a 3 anos de prisão ou a pena de 10 a 360 dias de multa (artigos 143.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal); - Crime de injúria a moldura penal de 1 mês a 3 meses de prisão ou multa de 10 a 120 dias (artigos 181.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal). 2.3.4.1- Redução dos dias de multa. Tendo em conta as molduras penais para os crimes do artigo 143º e do artigo 181º, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no presente recurso não é colocada em causa a opção tomada pela pena de multa. Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2). Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes). Escolhida a pena a aplicar é altura de fixar, dentro dos limites das molduras aplicáveis a medida concreta da pena de prisão que se apura de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja: “... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”. Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta. Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc. Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados. Na decisão recorrida considerou-se o seguinte: «Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Da conjugação deste preceito com a norma constante do artigo 40.º, supra referida, extrai-se que, quando a pena de multa seja suficiente para alcançar a protecção dos bens jurídicos postos em causa com a prática do crime e a reintegração do agente na sociedade, deve ser esta a pena a aplicar. Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral revelam-se médias/altas, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos de evitar a proliferação deste tipo de crimes, atendendo ao alarme social que causam, mormente nos dias de hoje que o sentimento de insegurança da população aumenta diariamente, atentos, também, os bens jurídicos pessoais em causa. Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mas encontra-se socialmente inserido. No entanto, não mostrou arrependimento. Pelo exposto, entende o tribunal que uma pena não privativa da liberdade é, ainda, no que concerne aos crimes em análise, suficiente para acautelar os bens jurídicos violados, pelo que será aplicada ao arguido uma pena de multa. * Para a determinação da concreta medida da pena o tribunal tem que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. Assim, no caso vertente atender-se-á a que (art. 71.º, n.º2): - O grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade dos factos praticados pelo arguido, ao sentimento de indiferença pelas normas penais revelado aquando da prática dos factos e atentos os bens jurídicos pessoais em causa. - O modo de execução, sendo que o arguido agrediu o ofendido na via pública onde várias pessoas puderam ver; o tipo e natureza das agressões desferidas (arremessou-lhe várias pedras). - O arguido agiu com dolo directo, com intenção de praticar os factos, como fez. - As consequências do crime revestem-se de gravidade média, tendo em atenção as lesões sofridas pelo ofendido e o estado de espírito do mesmo após os factos. * Tudo ponderado, dentro dos limites balizados pela medida da culpa e, tendo em conta a moldura abstracta actualmente prevista para os crimes em questão, afigura-se adequada às exigências de prevenção geral e especial aplicar ao arguido:- uma pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples; - uma pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de injúria, pelos quais vem acusado. ** » Em primeiro lugar, haverá de se considerar que quanto à conduta posterior ao facto, teve a sentença recorrida em consideração: «No entanto, não mostrou arrependimento.» Ora, a consideração desta circunstância da falta de demonstração de arrependimento mais não é do que ter em conta em seu desfavor o comportamento processual do arguido ao apresentar uma versão que o tribunal teve por não verdadeira, pois em princípio só pode demonstrar verdadeiro arrependimento quem confessa os factos provados. Considerar como circunstância agravante da pena a ausência de arrependimento, arrependimento esse que por via de regra só ocorrerá através da confissão dos factos, é impor ao arguido um peso que ele não deve suportar. A regra do «ou confessas ou agravamos a pena» em que acaba por descambar tal consideração da ausência de arrependimento como circunstância agravante da pena é insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso. É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai. E, no entanto, esta ideia do ‘dever de arrependimento’ continua amarrada, enraizada e entrelaçada de forma resistente nalguma jurisprudência, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça dar mostras de caminhar decisivamente no sentido contrário, como se pode ver, entre outros, no Acórdão de 03.11.2022[2], onde se afirma que: «O direito ao silêncio não tem só consagração legislativa ordinária sendo uma emanação do princípio do Estado de Direito. A confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis, mas isso não equivale a que se contabilize como agravantes a não confissão e não ter demonstrado arrependimento pela prática dos factos. Constitui erro na determinação da medida da pena considerar contra o arguido circunstâncias derivadas do exercício de um direito.» Na verdade, essa ideia do ‘dever de arrependimento’, cujo cumprimento só seria razoavelmente de esperar de um herói moral[3], de um santo ou do mártir, mais parece tratar-se de uma crença de natureza mística ou religiosa na necessidade de um ato de arrependimento, contrição ou confissão para se concretizar o ‘salvamento social’ da pessoa agente de um crime. Ora, o direito penal é feito para as pessoas comuns, com as suas forças e fraquezas de todos os dias, não para heróis, santos ou mártires. Vejamos então que nos diz o direito escrito, o que nos dizem as regras escritas feitas para todos os cidadãos. Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa. Entre as garantias de defesa encontra-se em posição de destaque a liberdade que o arguido tem de escolher o modo como pretende exercer a sua defesa, desde logo através opção de se remeter ao silêncio, sem que por isso possa ser desfavorecido, ou de prestar declarações, confessando ou negando os factos, ou de apresentar versão diversa dos factos imputados, sem que esse modo de defesa que livremente assumiu possa ser censurado. Não é o modo de defesa escolhido pelo arguido que está a ser julgado, sob pena de se pôr em causa tal liberdade de escolha e ficarem minadas as garantias de defesa do processo penal. A prestação de declarações, embora não deixe de constituir um meio de prova, constitui na essência um meio de defesa do arguido, pelo que deve ser garantida a liberdade do seu exercício. Assim, seguindo na esteira do ensinamento de Eduardo Correia, Figueiredo Dias e Maria João Antunes[4], entendemos que o comportamento processual do arguido (o silêncio, a não confissão, a negação dos factos, a apresentação de versão diversa da que resultou provada, etc…) não deve, por princípio, ser valorado contra si, atenta a posição em que se encontra e a necessidade de acautelar o seu direito de defesa, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo [5] [6], a qual desde já adiantamos não se vislumbra no caso dos autos. Nas palavras de Eduardo Correia[7]: “A negação do crime corresponde, por seu lado, a um direito do arguido e portanto não pode, necessariamente, considerar-se elemento da agravação da pena. Em processo penal não há, por parte do arguido, um «dever de colaboração com a justiça», nem tão-pouco se poderá falar aqui de dolo ou má fé processual.” E até há quem, como Hans-Heinrich Jescheck, vá mais longe e recuse qualquer tomada de consideração do comportamento processual na individualização da pena porque colide com a máxima processual de que o acusado possui liberdade para articular a sua defesa do modo que deseje[8]. Considerar-se como fator de medida de pena que depõe contra o arguido, nos termos do artigo 71º, n.º 1 e 2, e) do Código Penal, o facto de este se ter remetido ao silêncio, não ter confessado, ter negado os factos ou apresentado versão diversa da que veio a resultar provada, mesmo convencendo-se o tribunal de que mentiu, constitui uma compressão injustificada da liberdade de escolha do modo de defesa e, por aí, uma clara violação do direito de defesa do arguido e do processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 61º do Código de Processo Penal e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, se qualquer uma destas circunstâncias de facto fosse suscetível de como fator de medida de pena, enquanto conduta posterior ao facto, ser valorada contra o arguido, este poderia ficar não só compelido a falar, como a confessar os factos imputados ou, então, se apresentasse uma versão diferente dos factos imputados, a tentar acertar na versão dos factos que o Tribunal viesse a dar como provada, sempre sob pena de o seu constitucionalmente garantido comportamento processual poder vir a ser valorado contra si em sede de determinação da pena. Ainda que se considerasse, absurdamente, que recairia sobre o arguido um dever de verdade, como mero dever moral ou até como verdadeiro dever jurídico, dele não resultariam quaisquer consequências práticas, pois que a lei entende ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou a impô-lo e a mentira do arguido não pode ser valorada contra ele[9]. E a inexigibilidade é um princípio geral de direito[10]. Ora, como refere Germano Marques da Silva, a propósito do direito ao silêncio do arguido e à não punição da mentira, há que ter a humildade de reconhecer que a verdade judiciária não é necessariamente a verdade histórica[11]. Assim, não existindo para o arguido um qualquer ‘dever de arrependimento’, o facto de não ter demonstrado arrependimento constitui circunstância inócua para a medida da pena. Desconsiderando então essa circunstância, vejamos da fixação da medida concreta da pena. A ilicitude do facto, dentro dos tipos de ilícito cometidos afigura-se: relativamente à injúria mediana-baixa atenta a qualidade e quantidade das expressões utilizadas; relativamente às ofensas medianas, atento o modo de atuação e a ofensa causada bem como a frequência deste tipo de desentendimentos de vizinhança e agressões, o que tudo junto faz tornar medianas as exigências de prevenção geral. A culpa do arguido é também mediana. Demonstrou nos factos uma personalidade algo desconforme com a que era esperada pelo ordenamento jurídico-penal. Quanto às exigências de prevenção especial, o arguido não tem antecedentes criminais e tem integração familiar e laboral, o que entra em conta a seu favor, tornando as exigências de prevenção especial relativamente baixas. Tudo visto, afigura-se excessiva e desproporcionada a pena fixada para a injúria, quase no máximo da moldura abstrata, sendo que deveria ter sido fixada no terço inferior da pena, cerca dos 40 dias. Já relativamente às ofensas à integridade física, a pena afigura-se corretamente fixada no terço inferior da moldura abstrata. Face à alteração da pena parcelar relativa às injúrias, importa refazer o cúmulo jurídico, passando a moldura abstrata para pena de 120 a 160 dias de multa, a qual, considerando o disposto no artigo 77º do Código Penal e tendo em conta que os factos ocorreram numa mesma ocasião, dizendo respeito a relações de má vizinhança e havendo integração laboral, social e familiar do arguido e a sua culpa mediana, mais atendendo todas às exigências de prevenção geral e especial do caso dos autos, relativas a este ilícito global, afigura-se justa, adequada e proporcionada a pena única de 130 dias de multa. 2.3.4.2-Redução do quantitativo diário da pena de multa. Vejamos se assiste razão ao recorrente quanto às suas condições económicas que tornam excessivo o montante diário da pena fixada – 7,5€. O montante diário da pena de multa fixa-se, de acordo com o disposto no artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, entre 5€ e 500€, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. A intenção desta regra é a de dar cumprimento ao princípio da igualdade de ónus e sacrifícios, imposto pelo artigo 13º da Constituição, e promover a eficácia preventiva da multa[12]. Considerados os rendimentos e encargos do arguido, deve fixar-se o montante diário da pena de multa naquilo que sobra dessas despesas, ou seja, no montante diário (entre 5€ e 500 €) correspondente à diferença entre os rendimentos que o condenado aufere e as suas obrigações correntes e necessidades de subsistência. Só assim se assegurará a tutela mínima do ordenamento jurídico, o princípio da igualdade (artigo 13º, n.º 2 da CRP) e, enfim, a justiça da pena. Não obstante, haverá de se considerar que existe uma realidade que não se pode deixar de ter em conta, aquilo a que os autores e a jurisprudência denominam de mínimo existencial[13]. Com efeito, quanto ao reconhecimento como direito subjetivo de um mínimo existencial de cada cidadão que deve ser protegido por ser inerente à dignidade da pessoa humana parece não haver muita discussão, seja na doutrina, nos textos internacionais sobre direitos fundamentais nem na interpretação que o Tribunal Constitucional tem feito da nossa Lei Fundamental. Aliás na própria lei ordinária, designadamente no processo civil e na lei fiscal a ideia de um mínimo existencial tem consagração. Por isso não faz sentido afirmar-se que o mínimo legal do quantitativo diário da pena de multa deve ser reservado para situações de indigência. A indigência é uma situação de extrema necessidade material, de penúria; miséria, pobreza. A pessoa indigente é aquela que vive em condições de miséria, sofrendo necessidades básicas (comida, vestuário, abrigo, etc.), numa situação de pobreza extrema. A indigência, situação que se supõe não existir num Estado de Direito Social, pois que neste as prestações essenciais são, em caso de necessidade, suportadas pelo Estado[14], fica muito aquém do mínimo existencial, com este não podendo ser confundida ou sequer aproximada. A situação de indigência com a insuficiência de alimentação, de vestuário e abrigo que lhe são inerentes não só pode levar a uma existência completamente degradada como até, em casos extremos, à morte ou pelo menos a uma morte prematura, ou seja, à extinção extemporânea da vida da pessoa. Vejamos então o conceito de mínimo existencial. É comummente aceite que o princípio da dignidade da pessoa humana é a base de tudo, podendo afirmar-se que o Estado só existe legitimamente se tiver como fim assegurar e promover a dignidade humana e, nessa medida, a autonomia, a liberdade e o bem-estar de todas as pessoas, em qualquer fase do seu desenvolvimento[15]. Da consagração no artigo 1º da Constituição de que a nossa República é baseada na dignidade da pessoa humana resulta logicamente para os cidadãos o direito a um mínimo de existência condigna que não deve ser violado, seja pelo Estado seja pelos particulares. Do direito fundamental de cada pessoa a um mínimo de existência condigna ou mínimo existencial resulta o reconhecimento de um direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna. O Tribunal Constitucional tem sublinhado esta ideia em vários arestos – apontamos dois - Ac. 62/02[16], Ac. 509/02[17]. Também a lei ordinária consagra afloramentos deste princípio de não afetação do mínimo existencial, como por exemplo a impenhorabilidade ‘relativa’ de bens imprescindíveis à economia familiar (artigo 737º do CPC) ou de 2/3 dos vencimentos, salários e pensões e equivalentes (artigo 738º do CPC). A própria lei fiscal consagrou no artigo 70º (Mínimo de existência) do Código do Imposto do Rendimento sobre as Pessoas Singulares o princípio da defesa do mínimo existencial ao estipular o valor de referência do mínimo de existência, uma forma de garantir que todos os contribuintes têm um determinado rendimento disponível sobre o qual não pagam imposto, ficando assim com dinheiro suficiente para garantir a sua subsistência. O conceito jurídico-constitucional do direito ao mínimo existencial, uma vez que não se encontra diretamente descrito na Constituição, antes se inferindo da dignidade da pessoa humana, deve ser construído a partir desta base da República. Partindo da dignidade da pessoa humana e levando-se a Constituição a sério como tem de ser, podemos afirmar que tal direito consiste no direito a um mínimo existencial para uma vida digna. Assim, o direito ao mínimo existencial não se esgota nem pode ser reduzido a um mero mínimo vital, antes indo além desse mínimo de sobrevivência e devendo ser construído com base nos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos[18] e tendo como fim a realização destes[19]. Cremos não andar longe da realidade social, cultural e constitucional se considerarmos que o mínimo existencial é em primeiro lugar integrado por um mínimo vital ou mínimo de garantia de sobrevivência da pessoa (por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação, vestuário, abrigo, saúde ou os meios indispensáveis para a sua satisfação, assim garantindo que ninguém morre de fome, de hipertermia, de exposição aos elementos, ou por falta de assistência médica ou medicamentosa) e depois por um mínimo de sobrevivência condigna, um padrão de vida estabelecido, considerando o estado atual de evolução da sociedade, de acordo com o qual cada cidadão não pode ser privado de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a habitação, o transporte, o lazer, a segurança, a segurança social, a cultura, a proteção à maternidade e à infância. Assim, o mínimo existencial é constituído por um mínimo vital (alimentação, vestuário, abrigo, saúde) e por um mínimo de sobrevivência condigna (educação, trabalho, habitação, transporte, lazer, segurança, segurança social, cultura, proteção à maternidade e à infância), que o Estado não só não pode subtrair ao indivíduo, mas também como algo que o Estado deve positivamente assegurar, mediante prestações de natureza material[20]. Para assegurar esse mínimo existencial, na parte em que não é assegurado gratuitamente pelo Estado, são necessários recursos económicos individuais. Do reconhecimento da existência e validade jurídico-constitucional e legal de um mínimo existencial que o Estado não pode subtrair ao indivíduo, resultam duas consequências para a fixação do montante diário da pena de multa. O Tribunal na fixação do quantitativo diário da pena de multa tem de ter em conta que não pode subtrair ao condenado que se encontra acima do mínimo existencial recursos económicos que o façam colocar abaixo desse mínimo. Quando o condenado viva no mínimo existencial ou abaixo dele o quantitativo diário da pena de multa deve ser fixado, obrigatoriamente, no mínimo legal, sendo de converter de imediato na sentença ou decorrido o prazo de pagamento a pena de multa em prisão subsidiária e ser suspensa a sua execução com subordinação ao cumprimento de deveres e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro[21] [22]. Na avaliação caso a caso deve o juiz fazer uso dos elementos de facto que conseguiu apurar no julgamento e apelar ao seu conhecimento da realidade social em que vive e do normal suceder das coisas da vida, pensar quanto custa em média a alimentação, a habitação, o vestuário, a eletricidade, a água, a educação, o transporte, o lazer, a segurança, a segurança social, as atividades de cultura, as despesas ligadas à maternidade ou paternidade e à infância, bem outras despesas adequadas, em resumo, saber quanto custa viver condignamente na sociedade atual. Considerando a realidade atual e tendo como ponto de partida as despesas normais de qualquer pessoa aptas a satisfazer o mínimo existencial, pode afirmar-se que, salvo nas circunstâncias em que o condenado não tem despesas regulares de alimentação, vestuário ou habitação, circunstâncias essas que terão de ser devidamente comprovadas, pois que estamos em processo penal, onde, além da racionalidade ou razoabilidade, impera o princípio in dubio pro reo, em regra, ao condenado que aufere apenas o rendimento mínimo nacional (Em 2024 = 729,80 euros líquidos = 24.3€ por dia) deverá ser fixada a taxa diária mínima (5€) da pena de multa prevista no artigo 47º, n.º 2 do Código Penal. Como poderemos ver de seguida será esse o destino do montante diário da pena de multa a fixar no presente caso. Com efeito, dos factos provados resulta que o arguido é motorista de profissão e aufere o salário mínimo nacional, vive com a esposa, que é empregada têxtil e aufere o salário mínimo nacional, vivem, ainda, com os filhos de 22 e 27 anos de idade e de prestação de crédito habitação suportam a mensalidade de 500,00€. Retirando os 500 € da prestação da casa, verificamos que o agregado familiar do arguido fica com um rendimento líquido mensal disponível de 959.6€ para sustentar quatro pessoas, ou seja 31.9 € por dia, para alimentação, vestuário, água, eletricidade e mais despesas normais diárias. Manda o bom senso e a sensibilidade de quem procura estar atento aos mandamentos constitucionais, desde logo ao que está na base da nossa República, o respeito pela dignidade da pessoa humana e a consequente obrigação de defesa do mínimo existencial de todos e de cada um de nós - constituído por um mínimo vital e por um mínimo de sobrevivência condigna -, que o quantitativo diário da pena de multa no caso dos autos deve ser fixado, obrigatoriamente, no mínimo legal de 5€. * 3- DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em: - Rejeitar o recurso na parte civil. - Conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência, alteram parcialmente a sentença recorrida, reduzindo a pena aplicada pelo crime de injúria para quarenta dias de multa e a pena única para cento e trinta dias de multa à taxa diária de cinco euros, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida. Sem custas. Notifique. Porto, 26 de junho de 2024 William Themudo Gilman Liliana Páris Dias José António Rodrigues da Cunha _____________________ |