Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
338/23.9YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
ERRO DE JULGAMENTO
FORNECIMENTO DE ÁGUA
SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA OU SANEAMENTO
Nº do Documento: RP20240620338/23.9YRPRT
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A contradição ou erro de julgamento na aplicação do direito aos factos não integra o vício de contradição entre os fundamentos e a decisão.
II - Não ocorre condenação em objeto diverso do pedido quando o Tribunal relega o montante exato da condenação para incidente de liquidação, pois será nesse incidente que o Tribunal fica balizado pelo princípio do dispositivo.
III - Não se apurando que a causa da fuga de água na conduta do sistema de rega do jardim duma habitação se tenha ficado a dever a “alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida”, a tarifa a aplicar ao volume de água excedente ao consumo normal deve efetuar-se nos termos do art.º 99º nº 6 do Regulamento 594/2018, de 28.08 (Regulamento de Relações Comerciais dos Serviços de Águas e Resíduos): 6 - Nos casos de acertos por comprovada rotura na rede predial, conforme alínea e) do n.º 1 do presente artigo, há lugar à correção da faturação emitida nos seguintes termos: a) Ao consumo médio apurado nos termos do artigo 93.º aplicam-se as tarifas dos respetivos escalões tarifários e ao volume remanescente, que se presume imputável à rotura, a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT; b) O volume de água perdida e não recolhida pelo sistema público de drenagem de águas residuais não é considerado para efeitos de faturação dos serviços de saneamento e de gestão de resíduos urbanos, quando indexados ao consumo de água.
IV - Não se sabendo qual “a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT”, o acerto poderá ser efetuado no ano seguinte, de acordo com os dados submetidos pela entidade gestora e publicados pela ERSAR no âmbito do processo anual de avaliação da qualidade de serviço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 338/23.9YRPRT

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha do processado

1. A..., SA emitiu a AA uma fatura respeitante a consumo de água, do período de 14/07/2021 a 12/08/2021, no valor total de €1.771,06.

AA solicitou à A... a “refaturação”, invocando que os consumos apresentados são exorbitantes e atípicos face ao seu consumo de água habitual do Reclamante; que tal consumo se ficou a dever a uma fuga de água ocorrida numa conduta do sistema de rega do jardim da casa; a empresa responsável pela manutenção do referido sistema verificou que a referida fuga teve origem na ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida pela Reclamada que danificaram duas juntas de canalização do jardim que acabaram por ceder.

A A... atendeu parcialmente ao solicitado, efetuando uma redução de € 555.96 no valor total da fatura.

Continuando inconformado, AA recorreu ao Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (CICAP), pedindo:
(i) a condenação da A... a corrigir as faturas, com a anulação de todo o consumo excedente ao seu consumo médio;
(ii) ou a aplicação ao excesso desse consumo médio a tarifa prevista para o 1º escalão;
(iii) e que se ordenasse a suspensão da cobrança da fatura ou o corte de abastecimento.

A A... (Reclamada) contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada e sustentando que o Reclamante deve pagar a quantia de € 1215,10, correspondente a serviços de fornecimento de água efetivamente prestados.

O Reclamante veio depois requerer a ampliação do pedido, alegando que a Reclamada tem vindo a efetuar reiteradas ameaças do corte de fornecimento de água, bem como insistentes interpelações junto do Reclamante para este pagar a fatura, o que lhe tem provocado danos. Pediu assim a condenação da Reclamada:

· a pagar-lhe € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais;

· e € 2.250,00 a título de danos patrimoniais, decorrentes dos honorários com o seu patrocínio forense.

A Reclamada respondeu, considerando inadmissível tal ampliação e impugnando a factualidade alegada.

A ampliação foi admitida, por decisão transitada em julgado.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida decisão arbitral que condenou a Reclamada «a retificar as faturas nº (…) na sequência de uma fuga de água, por aplicação à faturação dos consumos decorrentes da rotura do escalão que permite a recuperação integral dos custos por parte da Requerida a aferir em incidente de liquidação, absolvendo-a em tudo o mais.»

Já neste Tribunal da Relação, a Reclamada A... veio suscitar a nulidade de citação, dado que a notificação que lhe havia sido efetuada referia “ação de anulação de decisão arbitral”, que ela desconhecia.

A questão surgiu em virtude de erro na distribuição, dado que o Reclamante havia deduzido recurso de apelação, mas o processo foi distribuído como ação de anulação.

Assim, emitiu-se decisão singular ordenando a correção da distribuição, julgando improcedente a omissão de distribuição, bem como a nulidade decorrente de ausência do contraditório, por falta de notificação da interposição do recurso.

A A... requereu que a decisão fosse apreciada em conferência, o que ocorreu, tendo o coletivo proferido acórdão confirmando a decisão singular e julgando improcedente a reclamação.

Cumpre agora decidir do mérito do recurso de apelação.

2. A decisão do Tribunal Arbitral estribou-se na seguinte factualidade:


Factos provados

1. O Requerente rececionou a fatura correspondente ao consumo de água da sua residência n.º ... pela Reclamada em 19/08/2021 referente ao período de faturação compreendido entre 14/07/2021 e 12/08/2021 no valor total a pagar de €1.771,06

2. Os consumos apresentados são manifestamente excessivos exorbitantes e atípicos face ao consumo de água habitual do Reclamante.

3. O referido aumento exponencial e pontual de consumo deveu-se única e exclusivamente a uma fuga de água ocorrida numa conduta do sistema de rega do jardim da casa a que se reporta a fatura em causa tendo a água derramada na sequência do aludido sinistro sito vertida diretamente para as terras do jardim

4. O reclamante em 30/08/2021 dirigiu à reclamada um pedido de refaturação da fatura em crise o que veio a suceder em 03/09/2021

5. A reclamada comunicou ao Reclamante em 15/09/2021 que: no seguimento do solicitado informa a INDAQUA Matosinhos que atenta à situação apresentada por V. Exa. e de acordo cm o Regulamento n. 594/2018 – Regulamento de Relações Comerciais dos Serviços de Águas e Resíduos procedeu à refaturação do consumo de 519m3 respeitantes à Tarifa de Venda de Água ao 3 escalão do Tarifário em vigor e à refaturação de 33 m3 respeitante à Tarifa de Utilização Águas Residuais. A refaturação referida origino a nota de crédito ...60 no valor de €555,96 que remetemos em anexo e foi totalmente compensado na fatura n.º ...39”

6. O que resultou numa redução de € 555,96 no valor da fatura aqui em causa

7. Ao consumo ali apurado na refaturação assumida pela Reclamada foi aplicada a tarifa correspondente ao 3º escalão a 471m3,

8. A Requerida é a Entidade Concessionária da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos Municipais de Abastecimento de Água e de Recolha, Tratamento e Drenagem de Águas Residuais do município ..., ao abrigo do contrato de Concessão celebrado com o município ..., na qualidade de Concedente

9. Enquanto sociedade comercial tem por objeto exclusivo, em regime de concessão, a prossecução da exploração e gestão conjunta dos serviços públicos municipais de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição das águas residuais do município ..., incluindo a extensão, reparação, renovação, manutenção e melhoria de todas as instalações, infra-estruturas e equipamentos que compõem, ou venham a integrar os sistemas concessionados, bem como a execução de todas as obras necessárias à concretização do plano de investimentos

10. Como entidade gestora do sistema municipal, e no âmbito do referido objeto social, cabe à Requerida fornecer em regime de exclusividade na área do Município, água destinada ao consumo doméstico, comercial, industrial, público ou outro, salvo nos casos previstos na Lei, bem como procederá à recolha, tratamento e rejeição das águas residuais domésticas e industriais

11. Por sua vez, a água distribuída pela Requerida é fornecida e faturada a esta pelas Águas do Douro e Paiva, no local onde se situa a residência do Requerente, cujo ponto se designa por ponto de entrega.

12. Este ponto de entrega de água abastece vários clientes de água da A... S.A., um deles o Requerente.

13. No exercício da sua atividade comercial a Requerida celebrou com o Requerente um contrato de fornecimento de água e saneamento

14. Nessa sequência, prestou os serviços de fornecimento de água, conforme contratado, que originaram, no que aqui releva, as faturas n.º ...39 e ...92, de onde consta um consumo de 519m³

15. No decorrer da realização da leitura periódica no mês de junho de 2021 ao local de consumo sito na Rua ..., em ..., foi detetado um consumo que excedia os padrões habituais.

16. Assim, após tal constatação, em 16/06/2021, a Requerida deslocou um técnico ao local a fim de confirmar a leitura do contador instalado, tendo verificado que o mesmo registava a leitura de 756m³

17. Perante a discrepância de consumo, no dia 17/06/2021, a Requerida de imediato alertou, via e-mail facultado pelo p.p. cliente, o Requerente para o consumo elevado e a possibilidade de existência de uma anomalia na rede predial, nomeadamente uma fuga de água evitando perdas de água desnecessárias

18. No dia 13/08/2021, a Requerida deslocou, uma vez mais, um técnico ao local a fim de confirmar a leitura do contador instalado, tendo verificado que o mesmo registava a leitura de 1275m³, pelo que o consumo elevado se

19. No dia 18/08/2021, enviou nova informação ao Requerente, por e-mail, alertando também novamente para a possibilidade de existência de uma anomalia na rede predial

20. No dia 30/08/2021, o Requerente apresentou um pedido de refaturação de consumo motivado por fuga na rede predial, entretanto reparada, justificado por uma declaração da empresa B..., que terá realizado a dita reparação.

21. No seguimento do pedido, foi agendada e realizada pela Requerida uma nova vistoria ao local, no dia 03/09/2021, pelas 09h15m, no decorrer da qual se confirmou a ocorrência de fuga de água no sistema de rega da habitação

22. A Requerida procedeu à refaturação do consumo de 519 m³ respeitantes à Tarifa de Venda de Água e à refaturação de 33m³ respeitante à Tarifa de Utilização Águas Residuais.

23. Refaturação essa que originou a emissão da nota de crédito com o n.º ...60 no valor de -555,96€

24. As faturas supra referidas, na data nelas constantes, foram recebidas pelo Requerente e venceram-se sem que este procedesse ao seu pagamento

25. A Demandada não procedeu a qualquer corte na prestação dos serviços, não tendo o Demandante ficado sem abastecimento de água ou não funcionamento do saneamento, até ao momento


Factos não provados

1. No âmbito da referida reparação verificou-se que a referida fuga teve como origem a ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida pela Reclamada que danificaram duas juntas de canalização do jardim que acabaram por ceder e nessa sequência ter ocorrido a referida fuga

2. No caso dos autos a fuga decorreu de facto imputável ao fornecedor de água, Reclamada, motivo pelo qual se impõe a anulação da referia fatura que supera o valor do consumo médio mensal do Reclamante e caso assim não se entenda deverá a Recamada corrigir a fatura aplicando ao volumo de consumo verificado acima da média de consumo do último ano da Reclamante a tarifa prevista para o 1 escalão, anulando-se o valor excedente

3. Sendo que, a única tarifa do escalão que permite a recuperação de custos que a requerida tem com a prestação do serviço, sem prejuízos, é o 3º escalão do Tarifário em vigor, apurado o volume de água faturada e não faturada e os custos suportados com o serviço, ao tempo, pelo que o consumo que se presume imputável à rotura foi refaturado ao preço de tarifário desse escalão.

4. Em virtude das condutas levadas a cabo pela Reclamada designadamente as reiteradas ameaças de corte de fornecimento de um bem essência, através de várias e insistentes interpelações junto do Reclamante para este pagar uma fatura que não é devida pelo menos no montante em que vem sendo exigida o Reclamante vem sofrendo danos não patrimoniais

5. A Reclamada insiste em condutas de ameaça de corte de fornecimento com vista a obter a cobrança coerciva do valor de que intitula credora situação esta que vem gerando transtornos tormentos e angústias ao Reclamante

6. Assim, no caso em apreço deverão ser compensados os transtornos decorrentes das sucessivas interpelações coercivas junto do Reclamante desde logo pela angústia e receio de ver cortado o fornecimento do bem essência como a água a todo o seu agregado familiar

7. O qual entre o mais integra um filho menor com apenas 5 anos de idade

8. Acresce que o Reclamante viu-se obrigado a cancelar o débito direto na sua conta bancária para evitar qualquer cobrança abusiva por parte da Recamada o que acarreta agora o transtorno e contrariedade de proceder mensalmente a transferência bancária correspondente ao sado em dívida de fornecimento de água na sua habitação

9. Acresce que em virtude de exigências do pagamento de uma fatura que carece de qualquer legitimidade legal para ser emitida, pelo menos, nos termos em que o foi pela Reclamada teve o Requerente que mandatar uma sociedade de advogados para o patrocínio jurídico deste assunto

10. A qua vem dedicando várias horas a este assunto, sendo que nesta data ascende já a cerca de 15 horas de trabalho o que computado ao valor de €150,00 ascende já ao valor de €2.2500

11. Motivo pelo qual deve a reclamada ser condenada no pagamento a título de danos não patrimoniais na quantia não inferior a €2.000,00

12. Ao que acresce o valor de honorários no patrocínio da causa até à presente data no valor de €2.250,00, sem prejuízo dos demais honorários respeitantes a serviços que venha a ser prestados no âmbito do presente processo e que serão objeto da competente reclamação

3. Inconformado com a decisão, dela veio o Reclamante interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. Na presente ação, peticionou o Recorrente que fosse a Recorrida condenada a corrigir a fatura nº ...39 e ...92 e, por via disso, proceder à anulação de todo o consumo de água faturado excedente do que resulta do consumo médio anual do Reclamante; ou, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se admite aplicar-se ao volume do consumo apurado acima da média anual de consumo do Reclamante a tarifa prevista para o 1º escalão, ordenando-se a suspensão imediata, em qualquer dos casos, de toda e qualquer ação de cobrança da referida fatura, bem como de corte do abastecimento de água, até ao trânsito em julgado da decisão que vir a ser proferida nos presentes autos.

2. No decorrer do referido processo, veio o Recorrente requerer a ampliação do pedido formulado na reclamação inicial, requerendo à Meritíssima Juiz Árbitra a condenação da Recorrida no pagamento a título de danos não patrimoniais, numa quantia nunca inferior a € 4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta euros).”

3. O pedido principal do Recorrente era que fosse anulado todo o consumo de água faturado excedente do que resulta do consumo médio anual do Reclamante ou, caso assim não se entendesse, aplicar ao volume do consumo apurado acima da média anual de consumo do Reclamante a tarifa prevista para o 1º escalão.

4. O Tribunal a quo, no que a este pedido diz respeito, condenou a Recorrida a retificar as faturas n.º ...39 e ...92 por aplicação à faturação dos consumos decorrentes da rotura do escalão que permite a recuperação integral dos custos por parte da Requerida a aferir em incidente de liquidação.

5. Razão pela qual o Tribunal a quo condenou em objeto diverso do pedido, e, assim, a Sentença Arbitral proferida pelo Tribunal a quo está eivada de nulidade prevista nas alíneas c) e e) do artigo 615º do C.P.C.

Sem prescindir, acresce ainda dizer que,

6. Dispõe o artigo 99º, nº6, do Regulamento 594/2018, de 4 de Setembro que ao volume remanescente, que se presume imputável à rotura, aplica-se a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do Regulamento Tarifário.

7. O Regulamento Tarifário deverá prever expressamente qual a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos.

8. Regulamento Tarifário esse que não existe.

9. De acordo com o artigo 3º, alínea d) da Lei de Defesa do Consumidor, Lei 24/96 de 31 de Julho, o Consumidor tem direito à informação para o Consumo.

10. Decorre do artigo 3º alínea d) e do artigo 8º da Lei da Defesa do Consumidor que o prestador de serviços tem o dever de informar o consumidor, prévia e detalhadamente, sobre o preço total dos bens ou serviços e demais encargos suplementares em que este poderia incorrer por via do respetivo contrato.

11. Como decorre da própria sentença recorrida, até mesmo o Tribunal Arbitral recorrido ignora em absoluto qual a tarifa aplicável ao excedente de consumo em causa, pelo que resolveu remeter matéria para um incidente de liquidação.

12. Ao fazê-lo, está a decidir contra lei expressa, a qual obriga a que tal tarifa conste de Regulamento Tarifário.

13. Em suma, a decisão recorrida concede à Recorrida uma faculdade que a Lei lhe veda expressamente, razão pela qual, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 3º alínea d) e 8º da Lei 24/96, artigo 99º nº 6 do Regulamento 594//2018, o que determina a sua revogação, com todas as demais e legais consequências.

Sem prescindir, acresce ainda dizer que,

14. Decorre da Sentença proferida pelo Tribunal a quo que é ao prestador de serviço a quem incumbe fazer a prova de que cumpriu com todas as suas obrigações contratuais.

15. Em face do alegado pelo Recorrente, impunha-se à Recorrida fazer a prova de que cumpriu todas as suas obrigações, designadamente de ter fornecido a água ao Recorrente dentro dos padrões legais de pressão.

16. Lida e relida a sentença recorrida, mormente os factos dados como provados, não se vislumbra nem um facto que demonstre tal cumprimento por parte da Recorrida.

17. Daí que não se compreenda que a Sentença recorrida venha sustentar que a rotura ocorrida na residência do Recorrente não se ficou a dever por qualquer incumprimento da Recorrida.

18. Para além de alegar, cabia à Recorrida fazer prova dos factos necessários para suportar a sua alegação de que cumpriu com todas as suas obrigações, nos termos do número 1 do artigo 11º da Lei 23/96 e do artigo 6º do Regulamento 594/2018.

19. Dispõe o artigo 4º do Regulamento 594/2018 quais os princípios gerais que regem o relacionamento comercial entre as entidades gestoras e os utilizadores finais, de entre os quais consta, desde logo a Garantia da qualidade e continuidade dos serviços prestados.

20. O Recorrente alegou no seu requerimento inicial que a fuga de água na sua residência era exclusivamente imputável ao prestador de serviços, nomeadamente que teve como origem a ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida pela Reclamada que danificaram duas juntas de canalização do jardim.

21. Alegação esta que a Recorrida não conseguiu contrariar, pelo que decai, assim, a errada premissa de que a Recorrida cumpriu com todas as suas obrigações contratuais.

22. Em face do exposto, não tendo a Recorrida ilidido a presunção de culpa, deveria a mesma ter julgado totalmente procedente o primeiro pedido do Recorrente, e impunha-se, como se impõe, a anulação da totalidade das faturas emitidas pela Recorrida e, assim, deverá a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, o que desde já se requer, com todas as demais e legais consequências.

Novamente sem prescindir,

23. No decorrer da presente demanda, veio a Recorrida alegar que de acordo com o Regulamento 594/2018 de 04/09 alterado pelo Regulamento 781/2020 de 16/09, nas situações de fuga de água deve ser aplicável o escalão que permita a recuperação de todos os custos incorridos.

24. Nos termos do nº 1 do artigo 343º do C.C. e do artigo 11º nº 1 da Lei 23/96 de 26 de Julho, caberia à Recorrida a prova do direito de crédito que se arroga sobre o consumidor.

25. Não obstante o ónus da prova pertencer exclusivamente ao prestador de serviços a verdade é que veio a Meritíssima Juiz Árbitra relegar tal prova para liquidação de sentença.

26. Da matéria de facto dada como provada não resultou provado que a Recorrida cumpriu com todas as suas obrigações contratuais nem que a única tarifa do escalão que permite a recuperação de custos que a requerida tem com a prestação do serviço sem prejuízos é o 3º escalão do Tarifário em vigor.

27. Nos termos do artigo 99º do Regulamento 594/2018, em caso de comprovada rotura na rede predial, há lugar à correção da faturação.

28. No entanto, subsistem as dúvidas sobre qual a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos.

29. Não obstante o disposto no artigo 4º da Lei 23/96, Lei dos Bens Essenciais que, o prestador de serviços nunca informou o Recorrente de forma atempada e eficaz sobre as tarifas aplicáveis pelos serviços prestados, disponibilizando-lhe informação clara e completa sobre essas tarifas.

30. Em 2021 a Recorrida efetuou a faturação do consumo de água com base no 3º escalão, alegando que tal seria a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do Regulamento Tarifário quando, o referido regulamento não existia.

31. Na data da audiência de julgamento, ocorrida em 2022, os dados pelos quais é possível determinar o escalão que permite a recuperação dos custos, ainda nem sequer estavam disponíveis, como refere a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos.

32. Pelo que, na data em que foram emitidas as faturas em crise nos presentes autos, não poderia a Recorrida saber e informar o Recorrente qual o escalão a aplicar em caso de fuga da rede predial.

33. Sempre ressalvado o devido respeito pelo entendimento contrário, o Tribunal a quo, na sua fundamentação jurídica, confunde o direito à indemnização por danos patrimoniais do Recorrente com o alegado direito ao crédito da Recorrida, tentando colmatar a falta de prova desse mesmo direito de crédito da Recorrida com um incidente de liquidação de sentença.

34. Apesar de a Recorrida não ter provado nos presentes autos que cumpriu as suas obrigações enquanto fornecedora de um bem essencial e o seu direito ao crédito, a verdade é que, em face da ausência de prova da Recorrida, veio a Meritíssima Juiz Arbitral, condenar a Recorrida a retificar as faturas em causa, em incidente de liquidação.

35. O incidente de liquidação de sentença não pode ser utilizado para colmatar a falência da prova do direito ao crédito da Recorrida.

36. Como se vê, a sentença recorrida efetuou uma errada interpretação e aplicação da lei, razão pela qual se impõe proceder à sua revogação.

Sem prescindir,

37. Os pontos 2 in fine, 6, 11 e 12 não constituem quaisquer factos, mas sim, são a mera reprodução de parte dos pedidos do Reclamante e que deverão ser eliminados da matéria de facto não provada da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

38. O Recorrente recebeu diversas interpelações de pagamento das referidas faturas, como se demonstra pelos documentos juntos ao processo, nomeadamente os avisos de corte.

39. No 3º aviso de corte, enviado por mail, às 11.42 horas, do referido dia 8/11/2021, é o Recorrente expressamente advertido de que a cobrança judicial poder culminar na penhora de salários, veículos automóveis, contas bancárias e quaisquer outros bens penhoráveis.

40. Resulta assim indiscutível não só a existência dos referidos avisos de corte, bem como a legitima e natural angústia e receio que o Recorrente sentiu em face dessas ameaças de corte de fornecimento de água.

41. Sendo certo que, diante do estado de sujeição em que se encontrava, não lhe restou alternativa que não fosse cancelar a autorização do débito em conta que havia conferido à Recorrida aquando da celebração do contrato.

42. Ditam-nos as regras de experiência comum que a ameaça de corte do fornecimento de um bem essencial é suscetível de causar ansiedade significativa.

43. Sendo que a água é um dos mais essenciais serviços entre os serviços públicos essenciais, dificilmente é imaginável a vida sem o seu fornecimento.

44. Bastou-se a Meritíssima Juiz a quo, na sua motivação, a referir que não tem certezas quanto aos danos patrimoniais ou patrimoniais que resultam de tal facto.

45. De acordo com as regras de experiência comum, qualquer cidadão comum que receba avisos de corte sucessivos, conjugados com telefonemas por parte do seu fornecedor de água, iria sofrer de transtornos, tormentos e angústias.

46. Decorre ainda da prova documental junta aos presentes autos, que existiram os referidos e sucessivos avisos de corte de fornecimento por parte da Recorrida.

47. Igualmente decorre dos autos que o Recorrente mandatou uma sociedade de advogados para o patrocínio jurídico deste seu processo (vide Procuração Forense junta aos presentes autos)

48. Como é indisputável o volume de trabalho que a defesa dos interesses do Recorrente vem acarretando, afigurando-se não só razoável, mas muito comedido, o valor reclamado pelo Recorrente por conta desses serviços face ao que são as regras de mercado da advocacia.

49. Finalmente, quanto ao agregado familiar do Recorrente, contradiz-se a sentença recorrida sobre tal factualidade, isto é, não obstante no artigo 7º dos Factos não provados dar como não provado que o Recorrente viva na moradia em causa com o seu agregado familiar, composto por companheira e um filho menor de 5 anos, na “Motivação” atesta o Recorrente como residente em casa própria com filho e companheira.

50. Decorre do exposto que claramente a Senhora Árbitra a quo errou na apreciação da prova produzida e, consequentemente, errou na decisão de facto que proferiu quanto à matéria contida nos pontos 5), 7), 8) e 9) dos factos não provados, acabando por decidir em manifesta contradição com a prova produzida e que corretamente apreciada, conjugada com as regras de experiência comum, impunha decisão diferente daquela que foi proferida.

51. Razão pela qual, em face do alegado, deverá a decisão proferida quanto à matéria dos factos 5), 7), 8), 9) e 10) ser modificada, julgando PROVADA a seguinte factualidade:
“5. A Reclamada insiste em condutas de ameaça de corte de fornecimento com vista a obter a cobrança coerciva do valor de que intitula credora situação esta que vem gerando transtornos tormentos e angústias ao Reclamante
7. O qual integra um filho menor com apenas 5 anos de idade.
8. Acresce que o Reclamante viu-se obrigado a cancelar o débito directo na sua conta bancária para evitar qualquer cobrança abusiva por parte da Reclamada o que acarreta agora o transtorno e contrariedade de proceder mensalmente a transferência bancária correspondente ao saldo em dívida de fornecimento de água na sua habitação.
9. Acresce que em virtude de exigências do pagamento da fatura teve o Requerente que mandatar uma sociedade de advogados para o patrocínio jurídico deste assunto”

52. Deveria ainda o Tribunal a quo ter dado como PROVADO os seguintes factos:
A. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido a 16/09/2021
B. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido em 14/10/2021
C. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido em 8/11/2021;
D. A A... entrou em contacto com o Reclamante no dia 04/01/2022 a peticionar o pagamento das faturas em dívida.

53. O facto A), B) e C) deverão ser dados como provados, tendo em conta que resultam da prova documental junta aos autos, nomeadamente Documento nº 2 junto pela Recorrida e ainda o aviso de corte junto ao processo em plena audiência de julgamento.

54. Já no que concerne ao facto D) tal facto alegado pelo Recorrente foi confirmado pela Recorrida no seu requerimento de dia 13/01/2022.

Sem prescindir,

55. No que toca ao pedido indemnizatório por danos não patrimoniais, veio a Sentença proferida pelo Tribunal a quo absolver a Recorrida, assentando tal decisão em factos incorretamente julgados.

56. De acordo com o número 1 do artigo 12º da Lei 24/96 de 21 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor) e do artigo 496º do C.C. o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

57. A indemnização correspondente a danos não patrimoniais deverá ser fixada segundo a equidade, tendo-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente, do lesado e as demais circunstâncias do caso que se tenham por justificados.

58. Decorre das Sentenças proferidas por outros tribunais arbitrais que a ameaça do corte no fornecimento de energia elétrica não constitui um simples incómodo ou contrariedade, mas sim que é suscetível de causar uma ansiedade significativa e, portanto, tutelada pelo direito, pelo que a criação dessa situação e o seu agravamento são danos ressarcíeis por via indemnizatória.

59. É inelutável afirmar que a Recorrida violou o cumprimento das suas obrigações, seja o dever de informar o consumidor, o dever de faturar de acordo com a legislação em vigor, como o dever de proceder de boa fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, e que se não fosse a atuação da Recorrida, o Requerente não teria sofrido quaisquer danos.

60. Razão pela qual se impõe alterar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene a Recorrida no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais ao Recorrente, que sofreu e sofre.

Sem prescindir acresce ainda dizer que,

61. No que diz respeito ao pagamento de uma indemnização de danos patrimoniais, mormente os custos incorridos pelo mesmo com honorários com advogados, confundiu o Tribunal a quo o pedido de indemnização por danos patrimoniais com um pedido de custas de parte.

62. Assim, uma vez que as partes se achavam ligadas por relações jurídicas obrigacionais, a questão de saber se se concretizam, no caso, os pressupostos da obrigação de indemnizar identifica-se com a questão do apuramento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil contratual, nos termos dos artigos 562º do C.C., número 4 do artigo 12º da Lei 24/96 de 31 de Julho e artigo 563º do C.C.

63. A Recorrida, não conseguiu provar que não agiu com culpa, nem que cumpriu com todas as suas obrigações, nos termos do artigo 799º do C.C.

64. E se não fosse o comportamento da Recorrida - violação do cumprimento das suas obrigações – o Recorrente não teria sofrido quaisquer danos.

65. Dúvidas não existem, também, que o Recorrente mandatou uma sociedade de advogados para o patrocinar na presente ação, existem sim dúvidas quanto ao quantum indemnizatório.

66. Sendo certo que é facto notório o volume de trabalho jurídico a que a presente lide obrigou para a defesa do Recorrente, o que bastaria para que o Tribunal Arbitral tivesse alvitrado na condenação da Recorrida no pagamento da quantia peticionada de 2.250,00 Euros, valor este que se afigura justo e comedido, face aos preços de mercado dos serviços de advocacia.

67. Caso assim o Tribunal recorrido não entendesse, então, poderia e deveria, o Tribunal a quo aí sim, se ter-se socorrido do incidente de liquidação para apurar qual o valor em que deveria condenar a Recorrida.

68. Como se vê, relativamente aos danos patrimoniais peticionados pelo Recorrente, a sentença proferida pelo Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação e aplicação da lei, razão pela qual se impõe proceder à sua revogação.

Termos em que, nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser admitido e:

a) ser declarada a nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto pelos artigos 615 nº 1 alínea e), 609º ambos do C.P.C, 46 nº 3 alínea a) subalínea v) da LAV, o que desde já se invoca por todos os devidos e legais efeitos

b) ser revogada a sentença em crise, substituindo-a por outra que declare totalmente procedente a Reclamação deduzida pelo Recorrente, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA.

4. A Reclamada não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, são as seguintes as questões a decidir:

· A nulidade da sentença

· A reapreciação da matéria de facto

· Do erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito

5.1. Nulidades

De acordo com o art.º 615º nº 1 al. c) e e) do CPC, é nula a sentença quando
· Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
· O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

§ 1º - por contradição entre os fundamentos e a decisão

Este vício reporta-se à contradição lógica entre os fundamentos e a decisão. Nos termos do art.º 607º nº 3 do CPC, o juiz, após descriminação dos factos provados, inicia a subsunção desses factos às normas de direito que considera aplicáveis ao caso, para terminar por concluir/decidir se ao Autor assiste ou não razão.

Tal como ocorre no silogismo, em que a conclusão é a consequência necessária das premissas, maior e menor, a decisão tem de ser a consequência lógica dos fundamentos.

Coisa diferente da concordância lógica entre os fundamentos e a decisão é o erro de julgamento.

Trata-se, portanto, de uma questão de lógica de raciocínio, ou seja, «Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.» [[1]]

Ora, a argumentação da Recorrente remete-nos para a questão do erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, e não para a contradição entre os fundamentos e a decisão.

A consideração vertida na sentença de não caber ao consumidor o ónus da prova do incumprimento contratual por parte do prestador de serviço, em nada colide com uma contradição. Se julgou mal, se aplicou mal as regras do ónus da prova, tal contende com o erro de julgamento na apreciação e fixação da matéria de facto.

O mesmo acontece quando se procede à subsunção dos factos ao direito e o juiz aplica erradamente uma norma que não seria aplicável, erro de julgamento e não contradição lógica.

A decisão tomada é consentânea com a linha de raciocínio por que se enveredou, pelo que não existe violação da lógica jurídica do mesmo.

Se a linha de abordagem seguida não é a mais correta, é questão que colide com a reapreciação da matéria de direito (erro de julgamento).

§ 2º - por condenação em objeto diverso do pedido

Por força do princípio do dispositivo (art.º 3º nº 1 e 5º nº 1 do CPC), o tribunal fica limitado no seu poder de cognição: o tribunal só pode mover-se dentro dos limites da causa de pedir invocada e não pode condenar ultra petitum ou extra petitio.

O mesmo decorre do art.º 608º nº 2 do CPC que circunscreve o âmbito de apreciação do juiz: “(…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Quando assim o faça, incorre em excesso de pronúncia, o qual tem lugar «(…) quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento.» [[2]]

Relembrando, o Reclamante pedia ao Tribunal Arbitral
(i) a condenação da A... a corrigir as faturas, com a anulação de todo o consumo excedente ao seu consumo médio;
(ii) ou a aplicação ao excesso desse consumo médio a tarifa prevista para o 1º escalão;

Tendo sido decidido “condenando a Requerida a retificar as faturas n.º (…), por aplicação à faturação dos consumos decorrentes da rotura do escalão que permite a recuperação integral dos custos por parte da Requerida a aferir em incidente de liquidação”.

Na perspetiva do Recorrente, incorre-se neste vício na medida em que a condenação “por aplicação à faturação dos consumos decorrentes da rotura do escalão que permite a recuperação integral dos custos por parte da Requerida a aferir em incidente de liquidação”, e desconhecendo-se qual é o valor que tal recuperação integral de custos pode atingir, pode originar que se chegue a um montante superior ao da fatura, ou seja, potencialmente pode chegar-se a condenação em valores jamais peticionados pelo Recorrente como condena em objeto diferente do peticionado.

Nada de mais errado.

Desde logo, porque o Recorrente nunca chegou a peticionar um montante exato, antes pediu que à faturação a efetuar fosse aplicada a tarifa prevista para o 1º escalão. Desconhece-se em quanto se cifraria.

Depois, porque o Tribunal não ficava vinculado a essa pretensão do 1º escalão, antes lhe competindo verificar o que determinava a lei [[3]] e, repete-se, se o fez correta ou incorretamente, é questão de erro de julgamento e não do vício de objeto diverso do pedido.

Como decorre da sentença, para resolver o conflito existiam alguns critérios de apuramento do valor a pagar; o juiz entendeu não ser de aplicar o critério do consumo médio do Reclamante pelo 1º escalão, tendo antes optado pelo critério do custo incorrido pela entidade gestora no fornecimento de água.

Por fim, porque o incidente de liquidação será o momento em que o Tribunal fica balizado pelo montante total em causa nos autos e que é, o montante faturado. Na verdade, o recurso ao tribunal não assegura ao Autor que a sua pretensão venha a ser acolhida, podendo bem ser considerado que a razão está do lado do Réu.

Nessa medida, estando a ser questionada uma faturação no valor de € 1.215,10 (depois do acerto), nunca o Reclamante pode vir a ser condenado em montante de capital superior a esse.

Se o fizesse, aí sim, incorrer-se-ia em condenação em montante superior ao pedido. Mas, tal vício iria afetar o posterior incidente de liquidação, e não a sentença recorrida.

Concluindo, não se verificam as invocadas nulidades.

5.2. A reapreciação da matéria de facto

Mostrando-se cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, cumpre reapreciar a matéria de facto.

Quantos aos factos não provados 2, in fine, 6, 11 e 12, que se relembram
2. Os consumos apresentados são manifestamente excessivos exorbitantes e atípicos face ao consumo de água habitual do Reclamante.
6. O que resultou numa redução de € 555,96 no valor da fatura aqui em causa
11. Por sua vez, a água distribuída pela Requerida é fornecida e faturada a esta pelas Águas do Douro e Paiva, no local onde se situa a residência do Requerente, cujo ponto se designa por ponto de entrega.
12. Este ponto de entrega de água abastece vários clientes de água da A... S.A., um deles o Requerente.
2. No caso dos autos a fuga decorreu de facto imputável ao fornecedor de água, Reclamada, motivo pelo qual se impõe a anulação da referia fatura que supera o valor do consumo médio mensal do Reclamante e caso assim não se entenda deverá a Recamada corrigir a fatura aplicando ao volumo de consumo verificado acima da média de consumo do último ano da Reclamante a tarifa prevista para o 1 escalão, anulando-se o valor excedente
6. Assim, no caso em apreço deverão ser compensados os transtornos decorrentes das sucessivas interpelações coercivas junto do Reclamante desde logo pela angústia e receio de ver cortado o fornecimento do bem essência como a água a todo o seu agregado familiar
11. Motivo pelo qual deve a reclamada ser condenada no pagamento a título de danos não patrimoniais na quantia não inferior a €2.000,00
12. Ao que acresce o valor de honorários no patrocínio da causa até à presente data no valor de €2.250,00, sem prejuízo dos demais honorários respeitantes a serviços que venha a ser prestados no âmbito do presente processo e que serão objeto da competente reclamação

Invoca o Recorrente que devem ser eliminados, na medida em que não constituem factos, antes a mera reprodução de parte dos pedidos do Reclamante.

Efetivamente, na fundamentação de facto da sentença devem apenas constar os factos, expurgados de juízos valorativos, conclusivos ou argumentativos.

E, para esse efeito, consideram-se factos as ocorrências concretas da vida real, captáveis pelos sentidos humanos. «Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem - ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (...); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (...) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (...); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria». [[4]]

E manifestamente que os factos em apreço não obedecem a estes parâmetros. Trata-se antes de conclusões de direito.

Assim, eliminar-se-ão os pontos 2, 6, 11 e 12 do elenco dos factos não provados.

Quanto aos factos não provados 5), 7), 8) e 9), que se pretende ver provados, com a seguinte redação:
“5. A Reclamada insiste em condutas de ameaça de corte de fornecimento com vista a obter a cobrança coerciva do valor de que intitula credora situação esta que vem gerando transtornos tormentos e angústias ao Reclamante
7. O qual integra um filho menor com apenas 5 anos de idade.
8. Acresce que o Reclamante viu-se obrigado a cancelar o débito directo na sua conta bancária para evitar qualquer cobrança abusiva por parte da Reclamada o que acarreta agora o transtorno e contrariedade de proceder mensalmente a transferência bancária correspondente ao saldo em dívida de fornecimento de água na sua habitação.
9. Acresce que em virtude de exigências do pagamento da fatura teve o Requerente que mandatar uma sociedade de advogados para o patrocínio jurídico deste assunto”

Para alteração de tal matéria, o Recorrente invoca a prova documental carreada para os autos e as regras da experiência.

Em causa estão 2 faturas: a inicial, nº ...39, no valor de total de € 1.771,06; na sequência da reclamação apresentada, a A... emitiu uma nota de crédito ao Reclamante (nº ...60), no valor de € 555,96, a qual “foi totalmente compensada na fatura n.º ...39, disso o informando e identificando os novos dados para pagamento em Multibando. A identificada fatura passou assim ao valor de € 1.215,10, a ser paga entre 16 e 17 de setembro de 2021 (docs. 7 e 14 a 24 dos autos).

Posteriormente, o Reclamante recebeu um aviso referindo estarem em dívida 2 faturas que, a não serem pagas, se procederia à suspensão do consumo (doc. fls. 32):

· fatura n.º ...39, no valor de € 957,66, com data de 19/08/2021 e data de vencimento em 08/09/2021.

. Fatura nº ...92, no valor de € 257,44, com data de 19/08/2021 e data de vencimento em 08/09/2021.

Com data de 14/10/2021, a A... emitiu um “aviso de corte”, com data de vencimento em 02/11/2021, elencando as seguintes 4 faturas em dívida (doc. fls. 38)

· fatura n.º ...39, no valor de € 957,66, com data de 19/08/2021 e data de vencimento em 08/09/2021.

· Fatura nº ...92, no valor de € 257,44, com data de 19/08/2021 e data de vencimento em 08/09/2021.

· Fatura nº ...79, no valor de € 207,03, com data de 16/09/2021 e data de vencimento em 06/10/2021.

· Fatura nº ...43, no valor de € 42,82, com data de 16/09/2021 e data de vencimento em 06/10/2021.

Em 19/10/2021, a A... emitiu a nota de crédito nº ...67, no valor de € 116,17 relativa a acertos entre o consumo estimado e a contagem real (doc. fls. 36).

O Reclamante resolveu efetuar o “acerto de contas” entre os valores em dívida das faturas nº ...79 e ...43, com a nota de crédito nº ...67, resultando num valor em dívida de € 133,68, que pagou em 21/10/2021 (doc. fls. 39).

Em 08/11/2021, a A... enviou ao reclamante um e-mail ao Reclamante, com uma “carta interpelatória” em anexo, solicitando o pagamento das faturas nº ...39 e ...92, interpelando-o para a regularização da dívida até 16/11/2021, findo o qual o processo seria enviado para cobrança judicial, a poder culminar na penhora de salários, veículos automóveis, contas bancárias e quaisquer outros bens penhoráveis (doc. fls. 248 a 250).

Em 17/09/2021, o Recorrente outorgou procuração a mandatário judicial, o qual subscreveu a petição inicial junto do CICAP e tem acompanhado o processo até ao momento (procuração de fls. 33).

Da análise destes documentos, resulta claro que neles não se encontra qualquer suporte para considerar provados os factos 7 e 8. Além da ausência da certidão de nascimento do filho, nada existe para concluir que o Reclamante se “viu obrigado” a cancelar o débito, ou que o tenha feito, ou que proceder agora a transferência bancária acarrete um transtorno, sabido como é que essa é a opção escolhida por muitas pessoas.

Também não são factos que resultem da experiência comum pelo que continuam não provados.

Quanto aos factos 5 e 9, incumbe proceder à alteração, mas não nos termos pretendidos, designadamente quanto ao facto 5 cujo conteúdo é genérico, conclusivo e de juízo valorativo. Acresce que dos invocados documentos nada se extrai sobre os “transtornos, tormentos e angústias do Reclamante”.

Assim, os factos não provados 5 e 9 irão ser eliminados.

E, em contrapartida, serão aditados ao elenco dos factos provados, sob os números 26 e 27, com o seguinte teor:

Facto provado nº 26: Relativamente ao pagamento das faturas n.º ...39 e ...92, a A... enviou ao Reclamante:

a) em 19/08/2021, um aviso referindo estarem em dívida as 2 faturas e que, a não serem pagas até 08/09/2021, se procederia à suspensão do consumo;

b) em 14/10/2021, um “aviso de corte”, com data de vencimento em 02/11/2021, elencando (também) essas 2 faturas em dívida;

c) em 08/11/2021, enviou um e-mail ao Reclamante, com uma “carta interpelatória” em anexo, solicitando o pagamento dessas faturas e interpelando-o para a regularização da dívida até 16/11/2021, findo o qual o processo seria enviado para cobrança judicial, a poder culminar na penhora de salários, veículos automóveis, contas bancárias e quaisquer outros bens penhoráveis.

Facto provado nº 27: Em 17/09/2021, o Recorrente outorgou procuração a mandatária judicial, a qual subscreveu a petição inicial junto do CICAP e tem acompanhado o processo até ao momento.

Quanto ao aditamento dos seguintes factos:
A. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido a 16/09/2021
B. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido em 14/10/2021
C. A A... enviou ao Reclamante um aviso de corte de fornecimento, emitido em 8/11/2021;
D. A A... entrou em contacto com o Reclamante no dia 04/01/2022 a peticionar o pagamento das faturas em dívida.

Os factos A), B) e C) resultam prejudicados face à redação que se deu agora ao facto provado 26, a aditar.

No que concerne ao facto D), nada se vislumbra nos autos quanto à aludida “confirmação pela Recorrida no seu requerimento de dia 13/01/2022”. O processado com essa data inicia-se a fls. 139 a 145 e dele nada consta.

Concluindo, na procedência parcial da reapreciação da matéria de facto, determina-se:

· A eliminação dos factos não provados 2, 5, 6, 9, 11 e 12;

· A manutenção como não provados dos factos 7 e 8;

· O não aditamento dos factos A), B), C) e D);

· Os factos não provados 5 e 9, passam a factos provados 26 e 27, com a redação atrás referida.

5.3. Do erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito

§ 1º - Em causa está um litígio referente ao fornecimento público de água, que se integra na prestação de serviços públicos essenciais.

Pretendendo criar “(…) no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais”, a Lei n.º 23/96, de 26.07 [[5]] passou a consagrar as “(…) regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à proteção do utente”, considerando como tais, designadamente, o serviço de fornecimento de gás: art.º 1º nº 1 e 2 al. a).

E, para o que aqui releva, impõe-se ao prestador de serviços:

· um procedimento de boa fé e de cuidado com os interesses do consumidor (art.º 3º);

· um dever de informação clara, completa, eficaz e atempada, bem como de esclarecimento, sobre as condições de fornecimento do serviço (art.º 4º);

· proibição de suspensão do fornecimento do serviço sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior e, se o motivo da suspensão for a mora do consumidor, a suspensão só pode ocorrer após o utente ter sido advertido, por escrito, com a antecedência mínima de 20 dias relativamente à data em que ela venha a ter lugar, justificando-se o motivo da suspensão e os meios ao dispor para evitar a suspensão e para a retoma do mesmo (art.º 5º);

· obediência a elevados padrões de qualidade na prestação do serviço (art.º 7º);

· faturação, por regra mensal, com discriminação dos serviços prestados e as correspondentes tarifas (art.º 9º);

· ónus da prova do cumprimento das suas obrigações e das diligências decorrentes da prestação dos serviços (art.º 11º);

· obrigação de proceder ao acerto de valores cobrados com o valor em excesso abatido na fatura em que tenha sido efetuado o acerto (art.º 12º);

· a submissão do litígio à arbitragem necessária, no caso de o consumidor exercer o direito potestativo de submeter o litígio à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados (art.º 15º nº 1);

· suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, em caso de litígio em que as partes optem por mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos (art.º 15º nº 2).

No mesmo sentido estipula o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento e resíduos urbanos, criado pelo Decreto-Lei nº 194/2009 de 20.08 [[6]], como se extrai dos seus artigos 3º, 5º, 10º, 60º a 67º-C

Com relevo para a decisão a tomar, ainda 0 Regulamento nº 594/2018, de 28.08 (Regulamento de Relações Comerciais dos Serviços de Águas e Resíduos)

§ 2º - Ao Tribunal Arbitral, o Reclamante pedia a condenação da A... a corrigir as faturas, com a anulação de todo o consumo excedente ao seu consumo médio anual; em alternativa, a aplicação ao que exceder esse consumo médio a tarifa prevista para o 1º escalão.

Depois, em sede de ampliação do pedido, a condenação da A... a pagar-lhe € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 2.250,00 a título de danos patrimoniais, decorrentes dos honorários com o seu patrocínio forense.

Como causa de pedir, alegou que o aumento do volume de água consumido nesse período (14/07 a 12/08 de 2021) se ficou a dever a culpa da A..., ou seja, existiram alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida, as quais provocaram uma fuga de água na conduta do seu sistema de rega do jardim da sua habitação.

O Tribunal Arbitral concedeu-lhe parcialmente razão, ordenando a retificação das 2 faturas em causa por aplicação “dos consumos decorrentes da rotura do escalão que permite a recuperação integral dos custos por parte da Requerida a aferir em incidente de liquidação”.

Em sede de recurso, termina pedindo a revogação da sentença, substituindo-a por outra que declare totalmente procedente a Reclamação. No entanto, mais resulta das conclusões do recurso (bem como da reclamação, uma segunda hipótese: que seja aplicado ao volume do consumo apurado acima da média anual de consumo do Reclamante a tarifa prevista para o 1º escalão. [[7]]

Concorda-se com o Recorrente que decorre da lei um ónus imposto ao prestador de serviço de provar que cumpriu com todas as suas obrigações contratuais e efetuou as diligências devidas: art.º 11º da Lei nº 23/96 e art.º 6º do Regulamento nº 594/2018.

Porém, há que distinguir entre a prova do cumprimento das obrigações contratuais e a prova dos factos que integram o sinistro, sendo que esta já é encargo do consumidor, nos termos gerais do art.º 342º nº 1 do Código Civil (CC), já que nada decorre das leis especiais que regulam o setor, e atrás referidas, em sentido contrário.

O Reclamante atribuiu a causa do sinistro à conduta da A... que, por incúria, permitiu a ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida, originando a rutura das juntas de canalização do jardim. Sucede que não provou que a causa tenha sido a pressão da água fornecida.

Ficou apenas provada a ocorrência de fuga de água no sistema de rega (factos provados 3 e 21), mas nada se diz quanto à causa dessa fuga.

Aliás, não se provou a causa alegada pelo Reclamante, ou seja, designadamente, que a “referida fuga teve como origem a ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão da água fornecida pela Reclamada que danificaram duas juntas de canalização do jardim que acabaram por ceder e nessa sequência ter ocorrido a referida fuga” (facto não provado 1, que o Reclamante não impugnou).

E também se impõe a diferenciação entre o facto causa ─ ocorrência de alterações súbitas e excessivas do nível de pressão ─ e a culpa.

A avaliação da culpa comporta dois momentos: o momento da antijuridicidade, em que se avalia o comportamento humano face a bens ou valores jurídicos (elemento objetivo), e o momento da culpa propriamente dita, mediante o qual se extrai o juízo de censura dum certo facto típico à pessoa que o praticou, ou o omitiu (elemento subjetivo). E, como se sabe, é de distinguir entre o dolo (conhecimento e vontade da realização de um ato tido legalmente por ilícito) e a negligência (violação de um dever de cuidado, expressando uma atitude descuidada perante o cumprimento de determinadas obrigações).

A culpa afere-se em abstrato, pela diligência exigível a um homem normal, em face do condicionalismo do caso concreto: art.º 487º nº 2 do CC.

As leis especiais que regulam o setor nada referem sobre presunções de culpa, pelo que há que atender apenas ao art.º 799º do CC, a presunção de culpa do devedor no caso de responsabilidade contratual.

Dentro destes parâmetros, e continuando com o caso em concreto, temos uma fuga de água no sistema de rega do jardim da casa, mas sem ter sido possível apurar a sua origem, designadamente se ficou a dever-se ao aumento súbito e excessivo do nível de pressão da água fornecida pela A....

Ou seja, não é possível imputar essa fuga de água à conduta da A..., pois da factualidade provada nada decorre no sentido de lhe atribuir um comportamento violador das suas obrigações, nem qualquer juízo de censura.

Temos assim de concluir que, à míngua de prova de qual a causa/origem da fuga de água, o sinistro se ficou a dever a caso fortuito.

§ 3º - E, a ser assim, há que passar para a questão central das pretensões do Recorrente, pois que, como se disse, o que está em causa é saber qual a tarifa a aplicar ao volume de água excedente ao seu consumo normal.

Na refaturação, a A... utilizou o 3º escalão do seu tarifário (facto provado 7); o Recorrente entende que deve usar-se o 1º escalão.

O art.º 99º do Regulamento 594/2018 prescreve o seguinte sobre acertos de faturação:
1 - Os acertos de faturação podem ser motivados, designadamente pelas seguintes situações:
a) Anomalia de funcionamento do equipamento de medição;
b) Faturação baseada em estimativa de consumo, procedendo a entidade gestora posteriormente a uma leitura e apurando consumos diferentes dos estimados;
c) Procedimento fraudulento;
d) Correção de erros de leitura ou faturação;
e) Em caso de comprovada rotura na rede predial.
(…)
6 - Nos casos de acertos por comprovada rotura na rede predial, conforme alínea e) do n.º 1 do presente artigo, há lugar à correção da faturação emitida nos seguintes termos:
a) Ao consumo médio apurado nos termos do artigo 93.º aplicam-se as tarifas dos respetivos escalões tarifários e ao volume remanescente, que se presume imputável à rotura, a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT;
b) O volume de água perdida e não recolhida pelo sistema público de drenagem de águas residuais não é considerado para efeitos de faturação dos serviços de saneamento e de gestão de resíduos urbanos, quando indexados ao consumo de água. (…)

Face ao que atrás se deixou dito, e dado que dos factos provados apenas resulta que “o referido aumento exponencial e pontual de consumo se deveu única e exclusivamente a uma fuga de água ocorrida numa conduta do sistema de rega do jardim da casa” (facto provado 3), temos que a situação terá de ser resolvida nos termos desse art.º 99º nº 1 al. e) e nº 6 do Regulamento 594/2018.

No caso, não há que apurar qual o volume excedente de água consumida para além do consumo médio do Reclamante. O facto provado 7 (não impugnado) dá-nos nota de ter sido considerado para refaturação um volume de 471 m3.

E de todas as conclusões de recurso também se vê que a discordância do Reclamante se cifra com o escalão tarifário, e não com o volume de água considerado.

E, em boa verdade, também resulta inútil o recurso ao consumo médio nos termos do art.º 93º, pois no caso temos 2 leituras reais no período a considerar (factos provados 16 e 18).

§ 4º - Quanto ao tarifário a aplicar ao volume de água remanescente ao período de 14 de julho a 12 de agosto de 2020.

Decorre do art.º 99º nº 6 al. a) do Regulamento que se deve aplicar a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT (Regulamento Tarifário do prestador de serviços).

O tarifário da A... é o que consta do Anexo II ao seu Regulamento de Serviço (fls. 90 dos autos) e vê-se que o consumo doméstico contempla 4 escalões de volume de água consumido, sendo que o 3º escalão contempla um volume de 16 a 25 m3 de água (não se referem preços).

Independentemente disso, continua por decifrar qual seja o “escalão que permite a recuperação de custos nos termos do Regulamento Tarifário”.

Aqui há que levar em conta o art.º 11º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20.08 (regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento e resíduos urbanos) que instituiu como entidade reguladora dos serviços a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e a quem cometeu diversos deveres, entre os quais:

· o cumprimento das obrigações das entidades gestoras, com o objetivo de promover a eficiência e a qualidade do serviço prestado aos utilizadores e a sustentabilidade económico-financeira da prestação destes serviços, contribuindo para o desenvolvimento geral do sector;

· emitir recomendações gerais relativas à interpretação e à forma de implementação do presente decreto-lei;

· emitir pareceres, a pedido das entidades titulares e das entidades gestoras dos sistemas, sobre questões relativas à interpretação e à forma de implementação do presente decreto-lei;

· emitir instruções vinculativas quanto às tarifas a praticar pelos sistemas municipais que não se conformem com as disposições legais e regulamentares em vigor, de acordo com os princípios estabelecidos na Lei da Água, aprovada pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, e no Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, permitindo a recuperação gradual dos custos associados, garantindo a transparência na formação da tarifa e assegurando o equilíbrio económico e financeiro do serviço prestado pelas entidades gestoras e de acordo com o princípio geral de equivalência previsto no Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, permitindo a compensação tendencial dos custos sociais e ambientais da atividade de gestão de resíduos urbanos. [[8]]

O próprio Reclamante juntou aos autos um parecer que solicitou à ERSAR sobre qual seria a tarifa do “escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT”. E a ERSAR respondeu o seguinte:
«(…) cumpre referir que a Lei da Água (ei n. 58/2005 de 29/12) e o regime económico financeiro dos recursos hídricos (Decreto Lei 97/2008 de 11/06) vieram estabelecer alguns critérios básicos para a determinação do valor das tarifas, entre as quais a necessidade de recuperação dos custos de investimento de expansão e de manutenção e renovação de infraestruturas e equipamentos, assim como de operação de gestão eficiente dos recursos utilizados na prestação do serviço, garantindo a aplicação de uma tarifa a pagar pelo utilizador final que progrida em função da intensidade da utilização dos recursos hídricos preservando ao mesmo tempo o acesso ao serviço dos utilizadores domésticos considerando a sua condição socioeconómica, no que respeita a determinados consumos.
Os serviços de abastecimento púbico de água, saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos são prestados numa base local ou regional, pelo que cada entidade gestora aplica o seu próprio tarifário, definido em função dos respetivos custos.
Não existe ainda, uma estrutura tarifária única e obrigatória, embora a ERSAR tenha vindo a promover a sua harmonização, designadamente através da emissão de recomendações (Recomendação n. 1/2009 e 2/2010) desde logo recomendando às entidades gestoras a definição de tarifas volumétricas crescentes que garantam que o serviço seja economicamente acessível quanto a um volume mínimo de água fornecida considerado básico e essência à sobrevivência (o 1º escalão) e que, no que respeita aos consumos que excedam esse patamar mínimo, assegurem a recuperação dos custos decorrentes da provisão eficiente do serviço e induzam uma situação raciona e eficiente da água, penalizando os consumos excessivos através do último escalão.
Nas situações específicas de comprovada rotura na rede predial, não pondo em causa a responsabilidade do utilizador pelo pagamento da água perdida (o que em si constitui um incentivo à prevenção destas situações), mas porque se trata de um consumo involuntário, o nº 6 do artigo 99 do RRCSAR (Regulamento com eficácia externa sob o n. 594/2018 de 4/09 alterado pelo Regulamento 781/2020 de 16/09) impõe um conjunto de regras para ajustamento de faturação no sentido de evitar uma penalização injustificada do utilizador. Assim, uma vez que a água perdida não retorna em regra à rede de saneamento e não é um indicador de quantidade de resíduos produzida pelo utilizador, a al. b) do n. 6 da referida norma determina que o volume de água perdida e não recolhida pelo sistema publico de drenagem de águas residuais não é considerado para efeitos de faturação de serviços de saneamento e de gestão de resíduos urbanos quando indexados ao consumo de água.
Adicionalmente a al. a) do mesmo número 6 do artigo 99 do RRC veio determinar que: «ao consumo médio apurado nos termos do artigo 93º aplicam-se as tarifas do respetivos escalões tarifários e ao volume remanescente que se presume imputável à rotura a tarifa do escalão que permite a recuperação de custos nos termos do RT» pretendendo-se assim salvaguardar que o tarifário a aplicar aos volumes de água originados pela rotura cubra os gastos incorridos pela entidade gestora com o fornecimento desse volume de água, remetendo para a aplicação da tarifa do escalão que permite a recuperação de custos que difere entre entidades gestoras na medida em que também difere o custo do seu serviço.
Importa ainda referir que, atualmente não existe um regulamento tarifário do serviço de águas (RT) pelo que, face à já referida diversidade dos tarifários existentes e dos custos com a prestação destes serviços será de aplicar uma metodologia que pode de forma simplificada ajudar à determinação para cada entidade gestora do escalão que permite a recuperação de custos, tendo por base os dados submetidos por cada entidade gestora e publicados pela ERSAR no âmbito do processo anual de avaliação da qualidade de serviço:
· Determinação dos gastos totais anuais incorridos pela entidade gestora na prestação do respetivo serviço dAA83b (1);
· Determinação do volume total anual de água fornecido pela entidade gestora dAA50b (2) + dAA53b (3)
· Cálculo de custo incorrido pela entidade gestora no fornecimento de cada metro cúbico de água através da divisão dos gastos totais pelo volume total de água fornecida (4) – (1)/[(2)+(3)]
· Enquadramento do valor obtido no passo anterior (4), nos escalões da tarifa variável do tarifário aplicado pela entidade gestora no respetivo ano; o escalão ao qual deverá ser faturado o volume de água decorrente da rotura será o mais baixo que apresente valor igual ou superior ao valor (4)
De referir que os dados dAA50b, dAA53b e dAA83b respetivamente água faturada água não faturada e gastos totais podem ser constados para cada entidade gestora no Volume 1 do Relatório Anua dos Serviços de águas e resíduos em Portuga (RASARP) publicado anualmente pela ERSAR
Atualmente encontra-se publicado o Volume 1 do RASARP 2020 que contém os dados das entidades gestoras a nível nacional referentes ao ano de 2019, estando a publicação do Volume 1 do RASARP 2021 contendo os dados relativos ao ano de 2020 prevista para breve. De referir ainda que, os dados relativos ao ano de 2021 serão apurados e tratados no âmbito do processo de avaliação de qualidade de serviço (AQS) que irá ocorrer durante o ano de 2022.» (sublinhados nossos)

Ao contrário do que parece entender o Reclamante, o art.º 6º do art.º 99º do Regulamento 594/2018 não impõe desde logo uma quantificação exata da tarifa de custos num Regulamento Tarifário, de nível nacional ou privativo de cada prestador do serviço. O que o Regulamento Tarifário pode, e deve, será estabelecer critérios para esse efeito, reportando-o, por exemplo, aos dados do ano anterior.

Desde logo porque os custos em que incorre o prestador de serviços, ainda que possam ser previstos com antecipação (o planeamento), não podem ser conhecidos com exatidão a não ser posteriormente, depois de efetivamente decorridos. O valor dos custos está sempre dependente de múltiplos fatores, como o processo produtivo utilizado, as infraestruturas e recursos naturais de cada local, evoluções técnicas, etc., como resulta da leitura do Decreto-Lei n.º 194/2009, do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho (regime económico e financeiro dos recursos hídricos) e da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água).

Aliás, o art.º 13º nº 3 do DL n.º 194/2009 só obriga ao envio dos relatórios de contas à ERSAR no ano seguinte àquele a que respeita

Como decorre do art.º 8º nº 1 do CC, mesmo perante a falta de lei que regule expressamente a situação, o tribunal não pode abster-se de julgar.

Na classificação proposta por João Baptista Machado, estamos perante uma lacuna da lei (ou lacuna de regulamentação) de segundo nível, a resolver nos termos do art.º 10º nº 3 do CC. [[9]]

Nessa medida, perante a inexistência de Regulamentos Tarifários e da ausência de critérios, a metodologia pugnada pela ERSAR oferece-se-nos equilibrada para os interesses de ambas as partes. E não vislumbramos outra forma de dar cumprimento ao art.º 6º do art.º 99º do Regulamento 594/2018.

À data em que foi proferida a sentença arbitral ainda não estavam disponíveis os dados relativos a 2021, pelo que ao Tribunal não restava outra solução que remeter o cálculo para liquidação posterior, em conformidade com o art.º 609º nº 2 e art.º 358º e seguintes do CPC.

Deve, pois, manter-se o decidido.

§ 5º - Quanto à indemnização referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais

Em termos de danos não patrimoniais, pretende haver 2 mil euros pelos transtornos, tormentos e angústias que suportou com a persistência de ameaças de corte de fornecimento de água, designadamente por ter um filho menor, por ter sido obrigado a cancelar o débito direto.

Já no que toca aos danos patrimoniais, peticiona € 2.250,00, relativos aos honorários com advogado, despesa que se alega ter sido necessária “em virtude da exigência do pagamento de uma fatura que carece de qualquer legitimidade legal”.

Os danos aqui peticionados reportam-se ao que foi acionado na ampliação do pedido.

A ser assim, a causa de pedir reside numa conduta diversa da que motivou a reclamação. Porém, o certo é que a ampliação do pedido foi aceite, por decisão transitada em julgado, pelo que incumbe pronúncia.

Situamo-nos no domínio da responsabilidade civil contratual, em que a obrigação de indemnização depende da verificação, cumulativa, dos seguintes pressupostos:

· conduta ou facto voluntário do agente (ou respetiva omissão)

· ocorrência de danos e respetivo nexo de imputação ao agente

· nexo de causalidade entre a conduta e os danos

· culpa

No que toca aos danos patrimoniais (despesas com a representação de advogado), e respetivo nexo de imputação à Recorrida e nexo de causalidade entre os danos e a conduta, temos de concluir que tais requisitos não se verificam. Desde logo, porque a constituição de mandatário não decorreu da referida insistência e persistência de ameaças de corte de fornecimento de água. A constituição de mandatário foi logo efetuada em sede de reclamação, como se verifica dos autos. E dos autos também se verifica que o Reclamante é, também ele, advogado, pelo que certamente saberia exercer os seus direitos.

O mesmo se diga quanto aos danos não patrimoniais, que também terão de improceder pois não se provaram os danos invocados.

Pelo contrário, dos factos provados retiramos incúria e falta de diligência do Recorrente, pelo menos em termos de prevenir o aumento dos danos.

Assim, decorre dos factos provados 15 a 20 (também não impugnados) que no decorrer da realização da leitura periódica no mês de junho de 2021 foi detetado um consumo que excedia os padrões habituais. Após tal constatação, logo em 16/06/2021, a A... deslocou um técnico ao local a fim de confirmar a leitura do contador instalado, tendo verificado que o mesmo registava a leitura de 756m³. Perante a discrepância de consumo, no dia 17/06/2021, a Requerida de imediato alertou (via e-mail facultado pelo próprio), o Requerente para o consumo elevado e a possibilidade de existência de uma anomalia na rede predial, nomeadamente uma fuga de água evitando perdas de água desnecessárias. No dia 13/08/2021, a Requerida deslocou, uma vez mais, um técnico ao local a fim de confirmar a leitura do contador instalado, tendo verificado que o mesmo registava a leitura de 1275m³, pelo que o consumo elevado se mantinha. No dia 18/08/2021, enviou nova informação ao Requerente, por e-mail, alertando também novamente para a possibilidade de existência de uma anomalia na rede predial.

Ou seja, não se provaram ocorrências súbitas e excessivas do nível de pressão da água; por outro lado, a A... quando detetou um consumo fora dos padrões habituais, tomou todas as providências de forma diligente, tentando a confirmação e alertou o Reclamante por 2 vezes para a possibilidade de existência de anomalia na rede predial. O 1º desses alertas ocorreu ainda em meados de junho, mas a reparação só foi efetuada em 20 de agosto de 2021, conforme atesta o documento de fls. 9 dos autos.

A faturação aqui em causa respeita ao período de 14/07/2021 a 12/08/2021.

Daqui decorre que, pelo menos no que toca ao agravamento dos danos, existiu um comportamento negligente do Reclamante, pois que alertado em 17/06/2021, só procedeu à vistoria e reparação em 20/08/2021.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

…………………………………………………………………

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III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto alterar parcialmente a matéria de facto conforme referido no ponto 5.2. deste acórdão.

Não obstante, e porque a alteração efetuada à matéria de facto é inócua para a solução de direito, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se integralmente a sentença arbitral recorrida.

Custas da apelação a cargo do Recorrente, face ao decaimento.


Porto, 20 de junho de 2024

Relatora: Isabel Silva

1º Adjunto: Francisca Mota Vieira

2º Adjunto: António Carneiro da Silva


_______________

[[1]] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 704.

[[2]] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 06.12.2012, processo 469/11.8TJPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[3]] Como se colhe do nº 3 do art.º 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[[4]] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 406-408.
[[5]] Denominada Lei dos Serviços Públicos, já sujeita a várias alterações, a última das quais pela Lei nº 51/2019, de 29.07, versão que aqui se terá em conta.
[[6]] Com as alterações vigentes ao tempo do litígio, Lei nº 12/2014, de 06.03.
[[7]] Resulta inútil a pronúncia sobre o pedido de suspensão imediata de toda e qualquer ação de cobrança da referida fatura. Como o Recorrente bem sabe, porque resultante do processado, a A... já suspendeu a cobrança da fatura.
[[8]] Com interesse, ainda o art.º 5º do já referido Regulamento nº 594/2018, que dispõe:
Instrumentos legais e jurídicos que regulam a relação entre entidades gestoras e entre as entidades gestoras e os utilizadores finais
1 - Os direitos e os deveres dos utilizadores e das entidades gestoras são os que resultam:
a) Da legislação específica aplicável;
b) Dos regulamentos da ERSAR com eficácia externa;
c) Dos contratos que transferem a responsabilidade pela gestão dos serviços, sempre que a entidade titular não opte pela gestão direta;
d) Dos regulamentos de exploração ou tratamento ou dos regulamentos de serviço.
e) Dos contratos de fornecimento de água e de recolha de águas residuais e de entrega e receção de resíduos.
2 - Em caso de divergência entre o disposto nos instrumentos jurídicos previstos no número anterior, a prevalência é determinada pela ordem pela qual são indicados nesse número.
[[9]] In “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 193 e seguintes.
[[1]] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 704.
[[2]] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 06.12.2012, processo 469/11.8TJPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[3]] Como se colhe do nº 3 do art.º 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[[4]] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 406-408.
[[5]] Denominada Lei dos Serviços Públicos, já sujeita a várias alterações, a última das quais pela Lei nº 51/2019, de 29.07, versão que aqui se terá em conta.
[[6]] Com as alterações vigentes ao tempo do litígio, Lei nº 12/2014, de 06.03.
[[7]] Resulta inútil a pronúncia sobre o pedido de suspensão imediata de toda e qualquer ação de cobrança da referida fatura. Como o Recorrente bem sabe, porque resultante do processado, a A... já suspendeu a cobrança da fatura.
[[8]] Com interesse, ainda o art.º 5º do já referido Regulamento nº 594/2018, que dispõe:
Instrumentos legais e jurídicos que regulam a relação entre entidades gestoras e entre as entidades gestoras e os utilizadores finais
1 - Os direitos e os deveres dos utilizadores e das entidades gestoras são os que resultam:
a) Da legislação específica aplicável;
b) Dos regulamentos da ERSAR com eficácia externa;
c) Dos contratos que transferem a responsabilidade pela gestão dos serviços, sempre que a entidade titular não opte pela gestão direta;
d) Dos regulamentos de exploração ou tratamento ou dos regulamentos de serviço.
e) Dos contratos de fornecimento de água e de recolha de águas residuais e de entrega e receção de resíduos.
2 - Em caso de divergência entre o disposto nos instrumentos jurídicos previstos no número anterior, a prevalência é determinada pela ordem pela qual são indicados nesse número.
[[9]] In “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 193 e seguintes.