Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL FERREIRA | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CONTA BANCÁRIA SOLIDÁRIA RELAÇÕES INTERNAS OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA OBRIGAÇÃO CONJUNTA | ||
Nº do Documento: | RP202406201240/20.1T8AMT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Embora as declarações de parte sejam um meio de prova válido, o juiz não tem de as aceitar acriticamente, devendo analisá-las conjugadamente com toda a restante prova produzida, como é o dever ser da fundamentação de facto e constitui pressuposto do princípio da livre apreciação da prova. II – Estando em causa uma conta bancária solidária, com dois titulares, a presunção do artigo 516.º do Código Civil é aplicável nas relações internas entre os titulares das contas (que no caso são os credores solidários) e não perante terceiros. III – Satisfazendo o devedor a obrigação a um dos credores solidários, a extinção da obrigação solidária faz surgir uma obrigação conjunta, da qual é devedor o credor solidário beneficiado e são credores os outros sujeitos activos da obrigação inicial. IV – Cabe ao credor que recebeu a totalidade do crédito, para poder afirmar o seu direito sobre o mesmo, o ónus de ilidir a presunção do artigo 516.º do Código Civil. IV – Tendo a R., contitular da conta bancária, levantado mais de metade da quantia que estava depositada e não tendo provado que lhe pertencia também o montante que levantou a mais, a mesma constituiu-se devedora, nas relações internas, do que levantou a mais, sendo o credor dessa nova obrigação o outro sujeito activo da obrigação inicial (que havia sido constituída com o Banco), que é o outro titular da conta. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 1240/20.1T8AMT.P1 (Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Amarante) Relatora: Isabel Rebelo Ferreira 1º Adjunto: Paulo Dias da Silva 2ª Adjunta: Isoleta Costa * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I – AA, BB e CC intentaram, no Juízo Local Cível de Amarante do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, acção declarativa, com processo comum, contra DD, pedindo: a) seja declarado e reconhecido que o montante de € 25.009,17, transferido a 17 de Abril de 2018, da conta bancária n.º ... (Banco 1..., S.A), com o IBAN ... para a conta da R. corresponde a um enriquecimento injusto e sem causa da R. à custa do empobrecimento da 1.ª A.; b) seja a R. condenada a reconhecer tal enriquecimento sem causa à custa do empobrecimento da 1.ª A.; c) seja a R. condenada a restituir aos 1.ª e 2.º AA. o montante de € 27.429,24, acrescido de juros à taxa legal de 4% contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; d) seja a R. condenada a pagar à 1.ª A. a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização civil por danos não patrimoniais sofridos em consequência da sua actuação. Subsidiariamente, f) seja a R. condenada a restituir ao 3.º A., por este ser titular da conta bancária n.º ... (Banco 1..., S.A.) o montante de € 13.717,63, acrescido de juros à taxa legal de 4% contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento. Alegaram para tal que a 1ª A. é mãe do 3º A. e da R. e que, em Outubro de 2004, por decisão conjunta, abriram uma conta junto do banco Banco 2..., mais tarde Banco 1..., em nome destes dois, em regime de solidariedade, e com capitais daquela, provenientes do seu trabalho de uma vida, tendo a R., no dia 17 de Abril de 2018, sem o consentimento/conhecimento da mãe e do irmão, transferido a quantia de € 25.009,17 para uma conta em seu nome, do que estes tiveram conhecimento em finais do ano de 2019, tendo interpelado a R. para restituir tal quantia, o que esta não fez até ao presente. A 1ª A. sente tristeza e aborrecimento com o sucedido, e ficou agastada com a atitude da R., vendo-se confrontada com a impossibilidade de usufruir de uma quantia que lhe faz falta, dados os seus problemas de saúde, inclusivamente privando-se de tratamento médico. A R. contestou, impugnando os factos alegados pelos AA. como fundamento da acção e alegando que o dinheiro existente na conta em referência era exclusivamente seu, proveniente de rendimentos do seu trabalho, de uma indemnização laboral que recebeu e de subsídio de desemprego, tendo o seu irmão ficado associado à conta apenas com autorização de movimentação da mesma. A R. deduziu ainda reconvenção contra a 1ª A., alegando que são co-titulares de uma conta bancária, junto do Banco 3..., aprovisionada com capitais da 1.ª A. e da R., na proporção de 50 % para cada uma, tendo a A. procedido ao levantamento da quantia de € 6.462,27, correspondente ao saldo da conta no início de Agosto de 2019, e pedindo a condenação da 1ª A. a restituir-lhe a quantia de € 3.231,13, acrescida de juros de mora contados desta a data dos levantamentos. Pediu igualmente a condenação dos AA. como litigantes de má fé, em multa e indemnização. Os AA. replicaram, impugnando os factos alegados como fundamento da reconvenção e alegando que toda a quantia depositada na conta do Banco 3... pertencia à 1ª A., que sempre guardou as suas poupanças nas duas contas em causa nos autos. Defendem que não existe má fé da sua parte e pedem, por sua vez, a condenação da R. como litigante de má fé, em indemnização. Realizou-se audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção, foi elaborado despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Procedeu-se seguidamente a julgamento. Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente a acção, absolvendo-se a R. dos pedidos principal e subsidiário, e procedente a reconvenção, condenando-se a 1ª A. a restituir à R. a quantia de € 3,392,39, acrescida de juros de mora desde a data dos levantamentos. De tal sentença vieram os AA. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem: «DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO: 1. O tribunal “a quo” teve por base essencialmente a prova testemunhal/declarações de parte dos Recorrentes e depoimento e declarações da Recorrida; (…) 20. Em momento algum das suas declarações de parte o Recorrente CC reconhece que o valor depositado nessa conta ... em discussão nos autos é pertença da sua irmã, Recorrida DD, 21. O que ele sempre reconhece é que as contas do banco Banco 2..., mais tarde Banco 1..., são provisionadas pela Recorrente AA, 22. Mas tal, permita-se, a concluir-se que AA não é detentora do montante ali depositado, não pode afastar a presunção do artigo 516.º do Código Civil, uma vez que o Recorrente CC não reconhece a pertença dos capitais aí depositados à ora Recorrida. 23. O Tribunal “a quo” afirma que “(…) a tese da Recorrida também implodiu com o máximo estertor, primeiro porque sustentou ser a única dona do capital da conta Banco 1... e o irmão desmentiu vigorosamente essa versão (…)”. 24. Pelo que, em última ratio sempre teria que vigorar o artigo 516º do Código Civil, por força do recurso ao regime geral das obrigações solidárias previsto nos artigos 512º e seguintes desse mesmo diploma legal, faz presumir que os credores solidários participam no crédito em partes iguais – isso o Recorrente CC, permita-se, não afasta. 25. Sempre o Recorrente CC seria, subsidiariamente ao pedido principal, deduzido, proprietário de metade do valor da conta n.º ... do Banco 1..., S.A (...), até porque o valor das contas ... e ... foram para a conta em causa transferidos e das mesmas constava a sua titularidade. 26. O artigo 516º do Código Civil estabelece que “nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.” 27. Esta presunção teria que ser ilidida pela Recorrida, o que se permita não conseguiu lograr, pois o seu “irmão desmentiu vigorosamente essa versão” e o Tribunal “a quo” concluiu também que a tese da recorrida “implodiu com o máximo estertor”. 28. O que o Recorrente CC reconhece é que nessa conta tem depositado capitais da primeira Recorrente, mas não reconhece que a Recorrida DD seja detentora da totalidade desse capital. 29. Isso não poderá, permita-se, ilidir a presunção constante do artigo 516º do Código Civil. 30. O despacho de saneador, que não foi objeto de qualquer recurso, já havia dado como assente a transferência dos capitais ... e ... para a conta ... em discussão; 31. Pelo não se poderia concluir que a conta ... havia sido provisionada com capitais somente da Recorrida DD. 32. Ainda que a Recorrida pudesse movimentar a conta livremente, não significa que pudesse fazer sua a totalidade dos valores aí depositados, pois da prova produzida em sede de audiência não resulta provado que a totalidade desse montante é pertença da ora Recorrida DD. (…) 54. Tendo por base os factos assentes e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento provado ficou provado que as quantias depositadas quer na conta Banco 1..., quer no Banco 3... são contas provisionadas pela Recorrente AA. 55. As quantias da conta Banco 2... (... e ...) em nome da Recorrente AA e em nome do Recorrente CC foram transferidas para a conta ... (Banco 2...), mais tarde ... (Banco 1...), ficando como titulares o Recorrente CC e a Recorrida DD – Facto Provado em D. 56. As testemunhas EE, FF reconhecem que o dinheiro dessa conta era pertença da sua mãe AA, que a sua mãe sempre teve dinheiro, aliás a própria testemunha GG (também filha da Recorrente) teve dinheiro da sua mãe em seu nome, o que comprova que a Recorrente sempre teve quantias suas depositadas em instituições bancárias. 57. A única forma que a Recorrente AA tinha para provar a ação era através da prova testemunhal, que se logrou provar. 58. O próprio Recorrente CC reconhece a conta com capitais da Recorrente AA, nunca por nunca ser, atribuiu essa quantia como sendo da Recorrida DD, “O dinheiro não era seu, mas também não era da Recorrida, era só da sua mãe. Era frequente a sua mãe colocar dinheiro em nome dos filhos.” 59. A Recorrente AA economizava tais quantias com metade do salário das quatro filhas solteiras, da reforma da sua mãe, do subsídio de terceira pessoa, das toalhas que bordava em casa, da quantia de quinhentos contos que lhe deu a sua mãe e depositou no Banco 2..., de uma indemnização recebida por morte de uma filha, de um período que esteve de baixa médica e nunca usou esse dinheiro, de ter cuidado dos seus netos, o que justifica os rendimentos da ora Recorrente AA; 60. Até porque pessoas da sua geração são extremamente poupadas e dessa forma a Recorrente fazia face às despesas domésticas e ainda conseguia determinadas poupanças. 61. Aliás, nunca levantou um juro, junto da instituição bancária, conforme resulta das declarações de parte da Recorrente AA e, todos os extratos bancários até 2018, estavam na posse da Recorrente AA, entregues pela Recorrida DD, 62. Extratos esses que a testemunha EE reconhecia e, sabia que esses capitais pertenciam à sua mãe, porque esta lhe disse (ao longo dos tempos) e mostrava os extratos: 63. Em sede de audiência de discussão e julgamento, provado ficou, também que era comum a Recorrente AA colocar o dinheiro em nome dos filhos, aliás todos eles confirmaram que tiveram contas em seu nome de capitais somente da Recorrente; 64. Isto acontecia para que o Recorrente BB não o pudesse gastar e porque este gozava de uma má gestão empresarial que criava receios na Recorrente AA; 65. A Recorrente teve duas contas no Banco 2... (... e ...) em seu nome e em nome Recorrente CC, conforme facto provado em D e, além desta teve pelo menos mais duas contas em nome de GG e de EE. 66. E, a conta ... (Banco 2...), mais tarde ... (Banco 1...), ficando como titulares o Recorrente CC e a Recorrida DD, mas provisionada com capitais provinda das contas no Banco 2... (... e ...), em nome da Recorrente AA e CC, pelo que em última ratio não poderia ter sido afastada a presunção que vigora no artigo 516.º do Código Civil. 67. A Recorrente AA apenas deixou de constar, como já supra referenciado, na referida conta ... (Banco 2...), porque a Recorrida a havia convencido que pelo facto de ser casada com o Recorrente BB responderia na mesma pelas suas dividas, conforma já supra exposto nas transcrições ora efetuadas. 68. Ficou ainda provado que a Recorrente AA emprestou dinheiro à testemunha FF e, que esta quando lhe devolveu, depositou essa quantia junto do Banco 2... em ..., na conta titularidade de CC, conforme resulta da sentença. 69. Todas as testemunhas demonstraram ter conhecimento da existência destas contas, bem sabendo de quem eram os seus capitais. 70. Da conjugação dos depoimentos supra transcritos, resulta inequivocamente os capitais da conta ... provieram da conta ... e ... 71. Até o mesmo em despacho de saneador deu como provado que a proveniência do dinheiro da conta ... adveio da conta ... e ... 72. Sobre esta matéria, foi produzida prova positiva, sendo, neste conspecto, consonantes os depoimentos das testemunhas EE, FF e das declarações de CC que prestaram um depoimento seguro, coerente e convincente. 73. Os recorrentes não se podem conformar com os factos dados como não provados, pois da prova testemunhal produzida, desde logo resultou de forma clara e evidente de quem eram as contas e que nenhum capital pertencia à Recorrida. 74. Deve a matéria de facto ser alterada, pois os depoimentos das testemunhas, são mais do que suficientes para imputar os factos (transferência indevida) à Recorrida, pela sua certeza, clareza e assertividade. 75. Pelo que deve ser dado como provado que os capitais da conta ... (Banco 2...) eram pertença da Recorrente AA, por ter sido provisionada por capitais da própria ou, subsidiariamente que metade desse valor seja pertença de CC e que os capitais da conta ...... (Banco 3...) são única e exclusivamente da Recorrente AA. 76. Não se concebe, que a ora Recorrente AA não tenha provado tais capitais como sendo seus, pela sua escassez de rendimento, conforme resulta da douta sentença. Ora, por simples cálculo aritmético: - €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quinhentos contos, que a Recorrente AA abriu a conta no Banco 2...; - €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), metade da indemnização que recebeu da morte da sua filha que depositou na conta Banco 2...; - €7.500,00 – depositados na conta Banco 2... que emprestou à sua filha FF, Soma a quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros). Não levantou um juro, ficou com metade dos salários das filhas, metade da reforma da mãe e assistência a terceira pessoa, bordava nas toalhas, 77. Quanto muito não fosse que provisionou a parte que correspondia ao Recorrente CC, pelo que pelo menos essa parte teria, mui respeitosamente, se ter dado como provado, por presunção do artigo 516.º do Código Civil. 78. Tal presunção apenas poderia ser ilidida mediante prova da Recorrida que os capitais seriam seus e isso o irmão, Recorrente CC, desmentiu “vigorosamente essa versão”, dos capitais próprios da Recorrida; 79. Resulta da douta sentença que a sua tese de capitais somente seus não foi acolhida. 80. Quanto à conta ...... (Banco 3...) sempre se dirá que tendo em conta o modo de atuação da recorrente de colocar os seus capitais em nome dos filhos, como forma já se demonstrou. DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO: 81. De acordo com o supra exposto e resultando provado, como se alega, ter ficado tal significa que a Recorrida fez a quantia de €25.009,17 (vinte e cinco mil e nove euros e dezassete cêntimos) sua de uma forma indevida e injustificada. 82. É princípio geral do nosso direito civil o da proibição do enriquecimento injustificado. 83. No que diz respeito ao enriquecimento, este pode consistir “na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista (...)” (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 454), o que sucedeu com a Recorrida, que, ao efetuar a transferência de €25.009,17 (vinte e cinco mil e nove euros e dezassete cêntimos), para uma conta só em seu nome obteve um enriquecimento correspondente a um acréscimo patrimonial naquele valor dos Recorrentes. 84. A Recorrida ao transferir tal montante, conforme facto provado em C, sofreu um enriquecimento (de valores que não são seus) à custa do empobrecimento dos Recorrentes. 85. não se vislumbra qualquer outro meio, de entre as normas jurídicas aplicáveis, que importe o ressarcimento dos Recorrentes face ao locupletamento da recorrida, pelo que se mostra legítimo e fundado o recurso à figura do enriquecimento sem causa para proceder à justa reintegração patrimonial dos Recorrentes; 86. Estipula o n.º 1 artigo 479º do citado Código que “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (...)”. 87. O artigo 480º do mesmo Código dispõe, por sua vez, que “o enriquecido passa a responder também (...) pelos juros legais das quantias que o empobrecido tiver direito (...)”. 88. In casu, dúvidas inexistem que nos situamos no domínio do enriquecimento sem causa. 89. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos. 473º, 474º e 479º, todos do Código Civil e art.609º, nº2 do Código Processo Civil. 90. Estamos perante uma conta coletiva solidária e, no regime de solidariedade não se predetermina a propriedade dos fundos nelas contidos, a mesmo pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou cotitulares ou mesmo até porventura a um terceiro, neste caso o ora Recorrente CC reconhece o provisionamento da conta pela recorrente AA. 91. Mas não assume que esse montante é da Recorrida, aliás nega, vigorosamente, esse facto. 92. Não há, assim, que confundir a titularidade das ditas contas com a propriedade dos valores/importâncias nelas depositadas. (José Ibraimo Abudo, in “Do Contrato de Depósito Bancário”, Instituto de Cooperação Jurídica/FDUL, 2004, pág. 157” e José Maria Pires, “Direito Bancário”, II, 1995, ali citado” e o prof. Pinto Coelho, in “BMJ, nº 304 – 449” e in “Operações e Banco e Depósito Bancário, RLJ, 81, pág. 227”). 93. O artigo 516º do Código Civil, como já supra se alegou, faz presumir que os credores solidários participam no crédito em partes iguais. 94. Pelo que, ainda que a conta Banco 2... ... fosse provisionada pelos capitais provenientes das contas Banco 2... ... e ..., cuja titularidade se encontrava em nome da Recorrente AA e CC, sempre seria este recorrente, proprietário de pelo menos metade do valor da conta n.º ... do Banco 1..., S.A. 95. Pois, não é legitimo afirmar-se que qualquer cotitular da conta solidária é “dono do dinheiro”. 96. Pelo que, aquele (neste caso a Recorrida) que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do artigo 516º do Código Civil; 97. Que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos cotitulares, o que não logrou conseguir conforme resulta da douta sentença, uma vez que a sua tese não foi acolhida. 98. Tal presunção apenas foi ilidida pelo douto tribunal por o Recorrente CC dizer que esse dinheiro era da sua mãe, mas não reconhece como sendo da Recorrida, o que não poderá afastar a presunção. Por todo o exposto, E sem necessidade de maiores considerações, Deve ser julgado procedente o presente recurso, alterando-se a sentença recorrida por outra que declara a ação totalmente procedente, por provada ou, em alternativa, o pedido subsidiário nela deduzido. Como se requer e é de INTEIRA JUSTIÇA!». A R. apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*** II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar:a) apurar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pelos recorrentes; b) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se deve proceder a pretensão formulada pelos AA. na acção (seja por procedência do pedido principal, seja por procedência do pedido subsidiário). ** Vejamos a primeira questão.O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.). Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º): a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. No caso concreto, verifica-se que os recorrentes deram cumprimento às referidas exigências, especificando os concretos factos que põem em causa – ainda que não por referência aos específicos factos dados como provados e como não provados na sentença recorrida, referem expressamente que deve ser dado como provado que (1) “os capitais da conta ... (Banco 2...) eram pertença da Recorrente AA, por ter sido provisionada por capitais da própria ou, subsidiariamente que metade desse valor seja pertença de CC” e que (2) “os capitais da conta ...... (Banco 3...) são única e exclusivamente da Recorrente AA”, factualidade que contende com os temas da prova 1 (na parte considerada não provada) e 3 e com o tema da prova 14, respectivamente, e indicando as razões da sua discordância (embora invocando a presunção prevista no art. 516º do Código Civil no âmbito da impugnação da matéria de facto, quando o recurso à mesma constitui matéria de direito, precisamente para os casos em que a matéria de facto apurada não permite apurar a real proporção da participação dos credores solidários nos atinentes créditos), nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugnam. * Apreciemos então as alterações à matéria de facto pretendidas pelos recorrentes.Desde logo quanto ao facto (2): “os capitais da conta ...... (Banco 3...) são única e exclusivamente da Recorrente AA”, verifica-se que o mesmo respeita à matéria da reconvenção deduzida pela R., cujo pedido foi julgado procedente na sentença recorrida, matéria da qual os AA. não recorrem. Com efeito, como resulta quer da motivação do recurso (cfr. pág. 43 e pág. 50), quer das conclusões (cfr. conclusões 81 a 98 e pedido formulado a final: “Deve ser julgado procedente o presente recurso, alterando-se a sentença recorrida por outra que declara a ação totalmente procedente, por provada ou, em alternativa, o pedido subsidiário nela deduzido”), o objecto do presente recurso circunscreve-se à decisão proferida quanto à acção intentada pelos AA. contra a R., pretendendo-se que, em lugar da absolvição da R. do pedido, esta seja condenada no pedido principal, ou no pedido subsidiário, formulados, não abrangendo a parte da decisão que se pronunciou sobre a reconvenção deduzida pela R. contra a 1ª A. e cujo pedido foi considerado procedente – cfr. art. 635º, nº 2, do C.P.C.: Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre. Foi o que sucedeu no caso, em que os recorrentes expressamente restringem o seu recurso de direito à matéria de acção, que é distinta da matéria da reconvenção. Ora, em face da circunstância acabada de relatar, esta factualidade não tem qualquer utilidade para a apreciação do mérito da causa e do presente recurso, uma vez que contende com uma parte da sentença que não foi objecto de recurso. Assim, é irrelevante a alteração factual nesta parte pretendida pelos recorrentes. Sendo irrelevante tal factualidade para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticarem actos inúteis no processo (o que até se proíbe no art. 130º do C.P.C.), não há que conhecer da impugnação deduzida quanto a esta matéria (neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, pág. 334, nota 526, e, entre outros, o Ac. do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1), C.J.S.T.J., tomo I, pág. 13, e o Ac. da R.P. de 05/11/2018, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 3737/13.0TBSTS.P1). Donde, em face do que acaba de se analisar, não se conhece da impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes quanto a este segundo facto. Pretendem ainda os recorrentes que seja dado como provado e fique a constar da matéria de facto provada o seguinte: a) “os capitais da conta ... (Banco 2...) eram pertença da Recorrente AA, por ter sido provisionada por capitais da própria”; ou, subsidiariamente, b) “metade desse valor seja pertença de CC”. Como facilmente se constata da simples análise da petição inicial, a factualidade que foi alegada pelos AA. foi que as quantias depositadas na conta do Banco 2... em causa pertenciam à 1ª A. (cfr., além do mais, arts. 5º, 6º, 16º, 25º e 26º da petição inicial) e não que metade das mesmas pertencesse ao 3º A. (facto que, aliás, seria contrário e contraditório com a alegação de que a totalidade das quantias pertencia à 1ª A. – pois que o dinheiro depositado não pode, simultaneamente, ser na totalidade de uma pessoa e metade de outra). A invocação da propriedade de metade do dinheiro por parte do 3º A. é feita subsidiariamente, para o caso de não se provar a propriedade da 1ª A., e por decorrência da aplicação, nessa circunstância, da presunção do art. 516º do Código Civil (cfr. arts. 35º a 42º da petição inicial), nunca tendo sido alegado pelos AA., em termos factuais, que metade das quantias depositadas na conta em referência pertencessem ao 3º A.. Ora, a apreciação da questão da aplicação ao caso da referida presunção constitui uma questão de direito, que será de conhecer no caso de não se provar a quem pertenciam as quantias depositadas na conta em referência, e não uma questão de facto. Ademais, de acordo com o princípio do dispositivo, que vigora em processo civil, e que se encontra plasmado, nomeadamente, no art. 5º do C.P.C., apenas podem ser tidos em conta os factos essenciais alegados pelas partes (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas), com excepção unicamente dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos notórios e dos conhecidos pelo juiz por virtude do exercício de funções, e dos factos que sejam complemento ou concretização dos factos alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa (neste caso, desde que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar). No caso, este facto [que metade desse valor seja pertença de CC], para além de não ter sido alegado por qualquer das partes, nomeadamente pelos AA., em qualquer articulado, e não constituir facto notório ou de conhecimento oficioso (como é manifesto), não é facto instrumental, pois não serve para comprovar qualquer dos factos essenciais da acção alegados, e também não complementa ou concretiza qualquer facto alegado (pelo contrário, o mesmo contraria os factos essenciais alegados) – sempre seria um facto essencial, que teria de ser alegado, se a pretensão dos AA. fosse efectivamente no sentido de que o 3º A. era de facto dono de metade do dinheiro depositado (e não apenas no sentido de aplicação subsidiária da presunção). Assim, o referido facto não pode ser considerado pelo tribunal, nem ser inserido na matéria de facto, sendo desnecessário averiguar se o mesmo resultou ou não da prova produzida (anote-se, de todo o modo, que o mesmo resulta não provado, por força desde logo das declarações do próprio 3º A., que confirmou que esse dinheiro era da sua mãe – temas da prova 1 e 3 –, como consta da acta da primeira sessão da audiência de julgamento de 11/10/2022) – a integração na factualidade provada da sentença deste facto consistiria numa violação do princípio do dispositivo previsto no art. 5º do Código de Processo Civil. Resta apreciar quanto ao facto (1a) de que “os capitais da conta ... (Banco 2...) eram pertença da Recorrente AA, por ter sido provisionada por capitais da própria”, alegado nos arts. 5º e 6º da petição inicial. Invocam os recorrentes que desde logo do facto provado da alínea D) resultava que havia dinheiro da 1ª A. na conta em questão, aduzindo que as quantias existentes nas duas contas aludidas naquela alínea somavam pelo menos a quantia de € 12.500,00, sendo € 2.500,00 de dinheiro dado pela mãe, € 2.500,00 correspondente a metade da indemnização recebida por morte de uma filha e € 7.500,00 de restituição da quantia emprestada à filha FF, louvando-se das declarações da 1ª A. e do 3º A. e nos depoimentos das testemunhas EE e FF, filhas da 1ª A., que reconhecem que o dinheiro era da mãe e que esta sempre teve quantias depositadas em nome dos filhos. No mais, apontam apenas incongruências aos depoimentos das testemunhas arroladas pela R. e às declarações prestadas por esta. Vista a prova produzida, verifica-se que os únicos documentos bancários juntos respeitam apenas à conta do Banco 1..., não havendo quaisquer documentos atinentes às duas contas aludidas na alínea D) dos factos provados, apenas a informação do Banco de que existiram essas duas contas, tituladas pela 1ª A. e pelo 3º A., não possuindo registos do ano de 2004, pelo que não pôde informar se houve quantias que foram transferidas dessas contas para a conta em causa nos autos, nem quais os montantes. Igualmente não há extractos desta última conta nos anos iniciais, a partir da data da sua abertura em 2004 (só foram juntos registos a partir de 2011). Verifica-se ainda que as testemunhas inquiridas, quer as indicadas pelos AA., quer as indicadas pela R., não tinham qualquer conhecimento directo do facto em questão, aludindo apenas ao que lhes foi dito, ou pela 1ª A., ou pela R., consoante mais próximas de uma ou de outra, ou fazendo suposições sobre o que pensavam suceder. Apenas as partes se referiram ao facto em questão, afirmando a 1ª A. que o dinheiro era seu e afirmando a R. o contrário, que o dinheiro não era da sua mãe, mas era seu; por seu turno o 3º A., demonstrando pouco conhecimento da situação e fazendo alguma confusão com as situações da conta de que era titular com a sua irmã e da conta de que tinha sido titular com a sua mãe, afirmou que o dinheiro era da mãe, não sendo dele nem da irmã [“não é meu, mas também não é dela”]. Nesta parte, mesmo quanto à R., que também prestou depoimento de parte, estão em causa as declarações de parte e não o depoimento de parte (a factualidade descrita pela R. é favorável à sua pretensão e não desfavorável). Como é jurisprudência corrente, as declarações de parte “são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre convicção do julgador, tudo se reconduzindo à avaliação e ponderação que haja de ser feita, sem prejuízo porém dessa avaliação dever ser feita com as necessárias cautela, exigência e rigor e conjugada com a existência, ou não, de outros eventuais meios de prova” (Ac. da R.P. de 22/02/2021, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 1303/16.8T8PNF.P1). Ou seja, “as declarações de parte podem ser valoradas em sentido favorável à parte, desde que haja uma convicção segura quanto à sua correspondência com a realidade, a qual deve ser formada numa ponderação global de todos os meios de prova que incidam sobre essa matéria, desde que sejam suficientes, precisos, coerentes e seguros, fazendo-se uma valoração conjunta em termos lógicos e de acordo com as regras da experiência. (…) É consabido que, como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso. O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. (…) Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado” (Ac. da R.P. de 24/10/2022, publicado no mesmo sítio da Internet com o nº de processo 675/19.7Y7PRT.P1). No caso, as versões apresentadas pelas partes são díspares (os AA. aduzem que o dinheiro era da 1ª A. e a R. aduz que o dinheiro era seu) e as testemunhas não conhecem factos objectivos que corroborem uma ou outra das versões, cada uma refere o que ouviu dizer, defendendo a posição da parte com quem tem mais afinidade, ou mesmo fazendo suposições sobre o que lhe parece que possa ser a realidade. Mesmo quanto aos três supostos depósitos que os recorrentes invocam na motivação, ocorre que quanto a € 2.500,00 de dinheiro dado pela mãe da 1ª A., apenas esta referiu tal circunstância, dizendo que tal já tinha ocorrido há muitos anos, e não sendo sequer precisa no valor em causa, que referiu ainda ser “em contos, inicialmente referindo-se a 500 escudos e mais tarde, depois de novamente questionada, já se referiu a 500 contos (sendo que se trata de quantias substancialmente diferentes, pois que 500 escudos correspondem actualmente apenas a € 2,50, enquanto 500 contos correspondem a € 2.500,00, quantia que era muito elevada para os padrões da época em que teria sido dada pela mãe da 1ª A., não sendo verosímil que fosse dada uma quantia tão elevada para uma filha cuidar da mãe, para mais quando foi referido que foi dado outro tanto a uma irmã da 1ª A. que também prestou os mesmos cuidados, podendo haver alguma confusão de terminologia e querer a 1ª A. indicar uma quantia não correspondente nem a uma nem a outra). Quanto à quantia referente à indemnização por falecimento de uma filha, também foi a 1ª A. quem a tal se referiu, afirmando que ela e o marido receberam mil contos, sendo que o marido ficou com 500 contos e ela colocou na conta que tinha com o 3º A. os restantes 500 contos, não havendo quaisquer documentos comprovativos do facto, e apenas tendo sido referido pela testemunha GG, filha da 1ª A., que só muito mais tarde (já estava casada) soube que os pais receberam “mil e tal contos” quando faleceu a irmã – resultando, portanto, que este facto terá sucedido há muitos anos, quando a testemunha ainda era solteira. E quanto ao empréstimo feito à filha FF, esta explicou, no seu depoimento, que esse empréstimo foi feito há cerca de 27 anos, que restituiu o dinheiro à mãe cerca de dois anos e meio, três anos depois, que a mãe depositou numa conta que tinha com o seu irmão CC, e que já não se recordava de qual o montante do empréstimo, pensando ter sido mais de mil contos (correspondente a € 5.000,00). Ou seja, desde logo, verifica-se que não é possível de forma concludente assumir o valor de € 12.500,00 referido no recurso. E de todo o modo, independentemente dos valores, assumindo o período de tempo em que os depósitos teriam sido feitos e os anos decorridos, nem sequer é possível concluir que esse dinheiro ainda existisse à data de 2004 quando foi feita a transferência das quantias das contas aludidas na alínea D) dos factos provados para a conta em causa nos autos, ou, mesmo que existisse nessa data, que ainda existisse aquando do levantamento efectuado pela R.. Portanto, a prova produzida não é de molde a corroborar qualquer das versões apresentadas pelas partes, não permitindo valorar positivamente qualquer das declarações de parte prestadas, nem concluir pela real pertença, seja à 1ª A., seja à R., do dinheiro que esta levantou da conta em causa nos autos. Não se vislumbram, pois, razões que ponham em causa a convicção do tribunal recorrido, nos termos expostos na motivação constante da sentença recorrida, quanto à factualidade em causa: “Crítica da prova: Com a máxima lhaneza e franqueza, não conseguimos descobrir qual das teses em confronto é a fidedigna, o que ninguém estranhará já que ambas as partes admitiram que, por conveniência própria, ocultavam a verdadeira pertença do dinheiro em contas com diversos titulares. Por outro lado a escassez de rendimentos da autora que toda a vida foi doméstica não inculca que o dinheiro lhe pertencesse, ademais sendo uma família numerosa que só se sustentava com metade dos salários das filhas e em que o pai não contribuía para as despesas do lar, muito se descrê que a autora amealhasse o valor que reclama, mais a mais sem que se resguardasse como terceira titular da conta objecto da transferência alegadamente abusiva, tanto mais que as contas anteriores estavam em seu nome e do 3.º autor. Numa palavra nada na sua versão é verosímil e cobra sentido lógico, até porque as pessoas da sua geração são muito ciosas da verificação e acesso às suas economias. Finalmente, não se olvida que o argumento da dissimulação da propriedade dos ca[ Numa palavra, não conseguimos apurar em que interstícios probatórios se alojou a verdade. Finalmente a tese da ré também implodiu com o máximo estertor, primeiro porque sustentou ser a única dona do capital da conta do Banco 1... e o irmão desmentiu vigorosamente essa versão e relativamente à conta do Banco 3..., solidária, não se provou que o seu abastecimento fosse feito sempre na proporção de ½ pela 1.ª autora e pela ré. Tudo visto e ponderado a fraqueza do probatório contaminou o sucesso da acção e da reconvenção, visto que não logramos jamais apurar a verdadeira pertença dos capitais depositados nas contas, ambas solidárias, contudo esse terreno movediço contribuiu também para não lobrigar qualquer sinaléctica de má-fé, o que vai fazer implodir a imputação de lide dolosa que a ré assacou à 1.ª autora.”. E sendo assim, não resultou efectivamente provado o facto que os recorrentes pretendiam incluir na matéria de facto provada, devendo o mesmo manter-se nos factos não provados, tal como foi considerado na sentença recorrida, não sendo de atender, nesta parte, a impugnação apresentada pelos recorrentes. É, assim, de concluir que não merece provimento a impugnação da matéria de facto por parte dos recorrentes. * Passemos à segunda questão.Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão dos recorrentes é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida, que se transcrevem: «Provenientes do Saneador A A 1.ª Autora AA é mãe do 3.º autor CC e da ré DD. B A conta ... (Banco 2...), mais tarde, ... (Banco 1...) apresentava o capital de € 25.346,92 euros, em 19/09/2011 e € 25.576,07 euros em 30/12/2011, € 25.346,92 euros em 31/12/2015, € 25.570,18 euros em 31/03/2016, € 25.000 euros em 30/06/2017 e € 25.000 euros em 29/03/2018. C No dia 17 de Abril de 2018, a ré transferiu a quantia de € 25.009,17 euros para uma conta em seu nome. D A 1.ª autora teve duas contas no Banco 2... (... e ...) em seu nome e em nome do 3.º autor, tendo transferido essas quantias para a conta ... (Banco 2...) e ficando como titulares o 3.º autor CC e a ré DD. E A 1.ª autora e a ré são titulares de uma conta bancária, junto do Banco 3..., dependência de ..., com o número ....... No início do mês de Agosto de 2019, a conta tinha um saldo bancário de € 6.462,27 euros. No dia 02/08/2020, a 1.ª autora procedeu ao levantamento da quantia de € 500 euros, no dia 05/08/2020, a 1.ª autora procedeu ao levantamento da quantia de € Provenientes da Audiência de Julgamento F Em Outubro de 2004, de comum acordo, o 3.º autor CC e a ré DD, abriram a conta “solidária” referida em B junto do banco Banco 2....». Tendo sido dados como não provados os factos constantes dos temas da prova “1, parte, isto é, que os capitais fossem da 1.ª autora AA e que essa para além da transferência operada “abrisse a conta”, já que nela não figurava como titular. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 (postulava prova documental que em lado algum assomou), 13 e 14”. Para o que ao caso interessa, eram os seguintes os temas da prova 3 e 7: - “3- O saldo da conta referida em B era produto do trabalho da 1.ª autora que tinha confiado nos 2 filhos para titular a conta”; - “7- O saldo da conta, referida em B provinha dos salários da ré, de uma indemnização que a ré recebeu por cessação do contrato de trabalho ao serviço de uma fábrica de costura e do subsídio de desemprego posterior”. Quanto ao pedido principal formulado na petição inicial, o mesmo dependia da prova de que as quantias depositadas na conta bancária em causa eram pertencentes à A., o que não se logrou, nem em sede de recurso, na sequência da impugnação da matéria de facto nesse sentido apresentada pelos recorrentes. Assim não tendo sucedido, o mesmo mantém-se votado ao insucesso. Anote-se que a circunstância de resultar da matéria de facto que as quantias das contas referidas na alínea D) dos factos provados foram transferidas para a conta aludida na alínea B) em nada altera esta conclusão. Com efeito, para além de não se provar de que tipo de contas se tratava, se solidárias, se conjuntas, mesmo admitindo tratar-se de contas solidárias, nada se tendo provado quanto à proveniência daquelas quantias e sendo dois os titulares das contas, sempre por apelo à presunção do art. 516º do Código Civil se teria de considerar que metade das quantias eram de cada um dos titulares. E não se sabendo que quantias existiam à data de 2004 também não se pode concluir qual seria o valor correspondente a metade delas – sendo que, atendendo à pretensão formulada pela A., a si cabia o ónus da prova da demonstração da exacta quantia que lhe pertencia que transitou para esta nova conta. Ademais, há ainda que atentar que a referida presunção do art. 516º do Código Civil é aplicável nas relações internas entre os titulares das contas (que no caso são os credores solidários) e não perante terceiros, ou seja, aquela presunção não pode ser oposta à R., que não era titular de tais contas, sempre cabendo à A. o ónus de provar que específicas quantias daquelas contas que foram transferidas para a nova conta lhe pertenciam. E quanto ao pedido subsidiário? Na sentença recorrida considerou-se que o direito do 3º A. de receber metade do dinheiro depositado na conta bancária decorrente da presunção do art. 516º do Código Civil ficava paralisado por força do abuso de direito, na medida em que o mesmo afirmou nas suas declarações de parte que o dinheiro não era seu. Porém, afigura-se-nos que não poderá ser assim. Na verdade, o 3º A. não afirmou só que o dinheiro não era seu, afirmou igualmente que também não era da R., que pertencia todo à mãe de ambos. O que significa que não reconhece que nem a totalidade, nem sequer a metade da quantia depositada pertence à R.. Desde logo há que dizer que nem sequer foi conferida credibilidade à versão apresentada pelo 3º A., não se tendo dado a mesma como provada, o que sucedeu já na sentença recorrida, como resulta do tratamento da primeira questão, e, ainda que essa afirmação se entendesse relevante, a mesma não configura qualquer assunção de facto desfavorável e favorável à R. (só assim seria se o 3º A. assumisse que o dinheiro era, no todo ou em parte, desta). Desta feita, o abuso de direito aludido na sentença recorrida não se dirige à R., mas à 1ª A.. Pois, se abuso há em pretender receber uma quantia que não lhe pertence, tal abuso só ocorre se esse recebimento se pretende fazer à custa da pessoa a quem o dinheiro pertence na realidade. Não pertencendo o dinheiro à R., o que foi por esta alegado e a mesma não logrou provar também quanto à totalidade do depósito, nenhum abuso se pode afirmar na conduta do 3º A. que pretende que ela não fique com a totalidade do dinheiro que levantou. Note-se que, paralisar o direito do 3º A. pelo instituto do abuso de direito corresponde, no caso, a sancionar um enriquecimento ilegítimo da parte da R., que não prova que o dinheiro era seu na totalidade. Vejamos. O 3º A. e a R. abriram uma conta bancária, de movimentação solidária. “O depósito de dinheiro/valores num banco não passa de um mero contrato obrigacional, “pelo qual uma pessoa (depositante) confia dinheiro a uma instituição bancária (depositário), a qual, tornando-se proprietária dos fundos depositados, fica com direito de livremente dispor deles para as necessidades da sua atividade profissional e assume a obrigação de restituir outro tanto em conformidade com o estipulado pelas partes”, contrato de que, após ser validamente celebrado (isto é, após, o depositante haver entregue os fundos a depositar - contrato real), resulta a obrigação de restituir a cargo do banco, obrigação de restituir que, no chamado depósito ou conta coletiva solidária, vincula o banco a restituir a totalidade dos fundos depositados a qualquer um dos titulares da conta. Ou seja, na conta coletiva “solidária” – como era o caso – o direito que está em causa, em relação ao banco, é o direito que qualquer dos titulares tem de poder movimentar sozinho e livremente a conta, direito este que, é absolutamente pacífico, está dissociado da propriedade das quantias depositadas” (Ac. do S.T.J. de 24/05/2022, com o nº de processo 4482/20.6T8LSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt). O que significa que, independentemente da propriedade dos fundos que foram entregues ao banco, fossem na totalidade de só um dos titulares, fossem de ambos mas em proporção diferente de metade para cada um, fossem de um terceiro, no todo ou em parte, sendo o 3º A. e a R. os titulares da conta, foi perante estes dois que o Banco se obrigou a restituir o dinheiro depositado, sendo que a solidariedade no caso determina que cada um dos titulares pudesse movimentar a conta sozinho e exigir ao Banco a entrega de toda a quantia depositada, sem que este pudesse obstar com o facto de haver mais titulares, para além de que a entrega a um dos titulares libera o Banco perante todos (cfr. art. 512º do C.C.). Porém, não significa mais do que isto, designadamente não significa que o credor que obteve o cumprimento da obrigação por parte do devedor possa fazer seu tudo quanto foi entregue. Nesse caso já se está no âmbito das relações internas, entre os credores solidários, pelo que a comparticipação no crédito deve fazer-se de acordo com aquela que for a parte de cada um na relação jurídica ou, caso não resulte que as participações são diferentes ou que só um dos credores deve obter o benefício do crédito, com apelo à presunção de que aqueles comparticipam no crédito em partes iguais (nos termos do art. 516º do C.C.). Mais uma vez anotando-se que, aqui, está em causa a comparticipação dos credores no crédito que detêm perante o devedor solidário, independentemente da propriedade do objecto mediato desse crédito (de livre movimentação) perante o banco – efectivamente, presume-se a comparticipação em partes iguais dos titulares da conta no crédito perante o banco, independentemente de terem depositado dinheiro seu ou de terceiro (se os dois titulares se apresentassem em simultâneo no Banco para levantar o dinheiro, este poderia entregar metade a cada um, assim se libertando da obrigação, sem questionar se o dinheiro lhes pertencia ou a outra pessoa). Daí que, tendo o Banco entregado toda a quantia à R., o mesmo ficou liberado da sua obrigação, mas sem que isso signifique que a R. tenha direito a fazer seu todo o dinheiro que recebeu, posto que, nos termos do art. 533º do Código Civil, o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum. Sendo nesta relação interna que se aplica a presunção decorrente do art. 516º do Código Civil, a qual pode ser ilidida pelo credor que recebeu a totalidade do crédito, provando que lhe competia receber todo o crédito (sobre o assunto, pode ver-se ainda, entre outros, os Acs. da R.L. de 26/01/2012, com o nº de processo 355/09.1TVLSB.L1-6, e de 11/01/2024, com o nº de processo 4948/21.0T8LRS.L1-8, ambos publicados em www.dgsi.pt). Assim, “a extinção da obrigação solidária” (do devedor que satisfaz o crédito a um dos credores) “faz surgir uma obrigação conjunta. É devedor dela o credor solidário beneficiado e são credores os outros sujeitos activos da obrigação inicial” (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, pág. 577). Aquele “que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art. 516º do Código Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos contitulares. Esse ónus probatório impende sobre quem se propõe demonstrar que, não obstante a existência de contas solidárias, o montante pecuniário nelas existentes é apenas propriedade de um dos seus titulares. No caso tal ónus impendia sobre a Ré – art. 342º, nº1, do Código Civil. Com efeito, não tendo ilidido a presunção legal, tem de se concluir que metade da quantia depositada nas contas era de que cada um dos contitulares. À autora que beneficia da presunção legal – reclamou metade do valor depositado – competia-lhe alegar, apenas, que era contitular de uma conta solidária; à Ré competia ilidir a presunção legal, convencendo que o dinheiro existente na conta era de sua exclusiva propriedade” (cfr. Ac. da R.P. de 30/10/2006, com o nº de processo 0655640, publicado em www.dgsi.pt). Portanto, no caso, tendo a R. levantado mais de metade da quantia que estava depositada e não tendo provado que lhe pertencia também o montante que levantou a mais (o que a si competia provar), a mesma constituiu-se devedora, nas relações internas, do que levantou a mais, sendo o credor dessa obrigação o outro sujeito activo da obrigação inicial (a constituída com o Banco), que é o outro titular da conta, no caso o 3º A. (a quem competia apenas alegar, o que fez, ser contitular de uma conta solidária). E só este é o credor dessa nova obrigação, pois que era ele o outro sujeito da relação jurídica em causa. Daí a conclusão anteriormente referida de que não permitir o direito do 3º A. ao recebimento de metade da quantia levantada significa conceder à R. um enriquecimento que não tem justificação, porque a mesma não provou que não recebeu a mais da parte que lhe competia. Significa que a mesma seria devedora de uma obrigação sem credor, por não se permitir ser cobrada pela única pessoa que figura como sujeito activo da mesma. Tem, pois, a R. que restituir ao 3º A. a quantia de € 12.504,59, correspondente a metade da quantia que levantou da conta bancária de que ambos eram titulares, acrescida de juros de mora, até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor (arts. 804º, 805º e 806º do C.C. e Portaria 291/03, de 08/04). Os juros são devidos desde a citação e não desde a data da transferência, ao contrário do defendido na petição inicial, atento o disposto no art. 805º, nº 1 e nº 2, a contrario, do Código Civil, pois, como se viu, a R. podia levantar a totalidade do dinheiro, nascendo a partir dessa data uma nova obrigação perante o 3º A., para cujo cumprimento teria de ser interpelada (já que a obrigação não proveio de um facto ilícito, nem tinha prazo certo), não estando provada qualquer interpelação específica para essa restituição anteriormente à citação. Merece, assim, parcial acolhimento quanto ao pedido subsidiário a pretensão dos recorrentes com a apresentação do presente recurso. * Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela obtenção parcial de provimento do recurso interposto pelos AA., com a condenação da R. a entregar ao 3º A. a quantia de € 12.504,59, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, mantendo-se no mais a sentença recorrida.*** III - Por tudo o exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência:a) condenar a R. a entregar ao 3º A. a quantia de € 12.504,59 (doze mil, quinhentos e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor; b) no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a restante parte da sentença recorrida. ** Custas da apelação pelos recorrentes e pela recorrida na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).* Notifique.** Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):……………………………… ……………………………… ……………………………… * Porto, 20/6/2024datado e assinado electronicamente * Isabel Ferreira Paulo Dias da Silva Isoleta de Almeida Costa |