Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9106/18.9T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
MODALIDADES
REQUISITOS
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
IDENTIFICAÇÃO EM AUDIÊNCIA
LIVRE APRECIAÇÃO
Nº do Documento: RP202203169106/18.9T9PRT.P1
Data do Acordão: 03/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 147º do Código de Processo Penal prevê três modalidades de reconhecimento: o reconhecimento por descrição, acto preliminar dos demais e no qual não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, o reconhecimento presencial, que tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal, e o reconhecimento com resguardo, que tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento, tratando-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha.
II - O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos moldes ali previstos não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu.
III - O facto de não se estar perante uma prova por reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal não impede que o depoimento de uma testemunha, no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos, possa valer como meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 9106/18.9T9PRT.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 6 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 9106/18.9T9PRT que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 6, em 24/11/2020 foi proferida sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
«III – DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente e decide-se:
- Condenar arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal, na pena de pena de 10 meses de prisão por cada crime;
- Em cúmulo jurídico decide-se condenar o arguido AA na pena única de 14 meses de prisão;
- Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
- Julgar o pedido de indemnização civil totalmente procedente, por totalmente provado, e em consequência condenar o arguido AA a condenar à demandante S..., Lda., a quantia de €360 a título de danos patrimoniais por esta sofridos;
- Sem custas cíveis atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. n), do RCP.»
*
Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 23/09/2021, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

I. Impugna-se os pontos 1, 2, 4, 5, 6 e 7 do elenco dos factos dados por provados, na parte em que atribuem a autoria material do crime ao arguido.
II. O Sr. agente da PSP logrou obter a identificação do arguido em face dos seguintes elementos:
- as imagens das câmaras de vigilância gravadas, que se reportam ao momento da prática dos factos em análise;
- fisionomia do recorrente que apodou de muito peculiar, por ser franzino, com uma cara alongada, e ter uma tatuagem no pescoço que supostamente é visível nas imagens de videovigilância;
- indumentária da pessoa que perpetrou o facto criminoso que é igual à do recorrente, quando este foi fotografado para a realização dos clichês fotográficos;
- o facto de conhecer pessoalmente o recorrente, por já ter lidado com ele a propósito de outros processos judiciais.
III. O regime do reconhecimento, no art. 147, n.º 1 do CPP, principia pela seguinte expressão “[q]uando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa […]”.
IV. Esta expressão traduz fielmente o pensamento do legislador, bem como natureza vinculativa, quanto ao objecto (reconhecimento de pessoas) deste meio de prova.
V. Quer-se com isto dizer que o legislador expressamente afasta o princípio da atipicidade probatória, declarando, para lá de toda e qualquer sombra de dúvidas, que o meio destinado a fazer prova da autoria de factos de natureza criminal é o reconhecimento, com as consequências legais que daí advêm.
VI. A prova por reconhecimento deve seguir o cumprimento de rigorosos requisitos para que o resultado seja fiável, em homenagem às garantias do arguido.
VII. Desta forma, porque a identificação do arguido foi efectuada através de uma metodologia não compreendida na lei, em total arrepio, por isso, do art. 147.º do CPP, a determinação da autoria dos factos sub judice padece de um vício, por ser proibida, nos termos do art. 147.º, n.º 7 e 126.º, ambos do CPP, o que a impede de ser utilizada no presente caso, para todos e quaisquer efeitos.
VIII. Outro qualquer entendimento, atentas as características e dificuldades da identificação criminal, subverte aquilo que foi a intenção do legislador ao consagrar um meio de prova específico conducente à determinação do autor da prática do crime, o que afasta a atipicidade dos meios de prova do art. 125.º do CPP.
IX. Destarte, deverão considerar-se não provados os pontos de facto 1, 2, 4, 5, 6 e 7 do elenco dos factos dos factos dados por provados, na parte em que atribuem a autoria da prática de tais factos ao recorrente.
X. As imagens do momento da prática dos crimes são, como quase todas dos sistemas de vigilância, de fraca qualidade, não se conseguindo discernir, de forma suficientemente forte para abalar a presunção de inocência de que o recorrente goza, se se trata deste ou doutra pessoa diferente, ainda que com características, a traço grosso, semelhantes – vide a fls. 8 a 10, 26 a 38, 63 a 67.
XI. É que não faltam indivíduos franzinos, esguios e de face alongada, sendo certo que a única característica que o podia individualizar do vasto leque de indivíduos enquadráveis nas características especificadas pelo Sr. agente BB seria a tatuagem que o recorrente tem na lateral esquerda do pescoço, em conformidade com o clichê fotográfico
XII. Com todo o respeito por opinião diversa, perscrutando as imagens de videovigilância, em especial a análise comparativa realizada pelo Sr. agente BB, a fls. 35, só com uma boa dose de criatividade, é que se consegue afirmar que é perceptível a existência da sobredita tatuagem.
XIII. A imagem encontra-se de tal forma ampliada, que a acumulação de pixels não permite aferir do que efectivamente se se trata de uma tatuagem, de uma qualquer sombra, ou de um qualquer erro imagético, além de que nem se consegue perceber de que parte é que foi extraída o segmento ampliado, se do pescoço, ou doutro qualquer.
XIV. O Sr. agente BB já conhecia o recorrente de outros furtos e também presencialmente, por se cruzar com ele muitas vezes na rua.
XV. Ora, naturalmente, o Sr. agente BB, conhecendo alguém com características similares ao perpetrador do crime, transportou esse conhecimento cognitivo e preencheu o vazio que existia, num fenómeno semelhante ao designado como transferência de memória ou inconsciente.
XVI. Só experienciando um fenómeno semelhante ao identificado é que se pode assegurar, como o Sr. Agente BB o fez, com imagens de uma qualidade inegavelmente má, em virtude da reduzida resolução, a identificação, inequívoca, do recorrente, visualizando a sua tatuagem, o que é, objectivamente, impossível de fazer, como se vislumbra a fls. vide a fls. 8 a 10, 26 a 38, 63 a 67, em especial, a fls. 35.
XVII. A visualização das imagens a que temos vindo a aludir - a fls. vide a fls. 8 a 10, 26 a 38, 63 a 67 -, conjugadas com as regras da experiência que apontam inequivocamente no sentido de que o depoimento do Sr. Agente BB se encontra contaminado, por conhecimentos prévios, impõe uma decisão de facto diferente no que concerne à atribuição da autoria da prática dos mesmos ao recorrente.
XVIII. Andou mal o Tribunal a quo quando, de modo acrítico, acolheu todo o depoimento da testemunha, sem cuidar de verificar as possíveis razões de contaminação do mesmo, violando, desta forma, princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP, quando determinou a autoria do crime com base no depoimento do Sr. agente BB.
XIX. Em face do exposto, por aplicação do princípio do in dubio pro reo, não havendo prova cabal da autoria do crime, não poderá o mesmo ser imputado ao recorrente, devendo, por conseguinte, considerar-se não provados os pontos de facto 1, 2, 4, 5, 6 e 7 do elenco dos factos dos factos dados por provados, na parte em que atribuem a autoria da prática de tais factos ao recorrente.
Termina peticionando seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogando-se por via disso a sentença que condenou o recorrente, substituindo-a por outra que o absolva dos crimes pelos quais veio condenado.

O recurso, por despacho de 24/10/2021, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo, em 29/11/2021, concluindo da seguinte forma:
1- Insurge-se o recorrente contra a douta sentença e contra a sua fundamentação e, recorre da matéria de facto que foi dada como provada, expondo os seus argumentos de discordância quanto à fundamentação de facto, pugnando pela sua alteração e absolvição.
2- Contudo, a douta sentença, fundamentou os factos que deu como provados, na prova produzida em julgamento e que foi analisada no decurso da audiência de julgamento
3- O Tribunal a quo, fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento e que tiveram relevo para demonstração da prática dos factos pelo arguido, nomeadamente o depoimento das testemunhas da acusação: a testemunha CC, proprietária de um dos apartamentos do edifício, a qual descreveu os factos, tendo salientado que um dia, por ocasião do primeiro furto entrou no prédio e os quadros furtados estavam expostos na parede e que quando saiu já lá não se encontravam; a testemunha DD, electricista que faz a manutenção do edifício e que foi mandatado pelo condomínio para apresentar apresente queixa; a testemunha EE, empregado de escritório na S..., que é a pessoa que faz a gestão do condomínio e que com relevo disse que os quadros pertenciam ao condomínio e a S... agia em representação do condomínio.
4- As testemunhas atestaram que em cada um dos furtos foram subtraídos do hall do edifício, espaço comum do condomínio, 3 quadros dos 4 que costumam estar expostos nas paredes daquele espaço, num total de 6 quadros subtraídos em dias diferentes. E confirmaram, ainda, que visualizaram as imagens das câmaras de vigilância existentes no prédio, que reconhecem como sendo as constantes dos fotogramas de fls. 7 a 11 e 63 a 67 e fls. 8 do apenso, anexos ao auto de visionamento de suporte digital de fls. 26 a 38.
5- Como ressalta da fundamentação da sentença recorrida, estas testemunhas descreveram o modo como os factos aconteceram com recurso às imagens de vigilância, sendo certo que, nenhuma das testemunhas conhece o arguido, que aparece nas imagens. Na verdade, é perfeitamente perceptível em tais imagens, ver o indivíduo que acedeu ao interior do prédio, a retirar os quadros e a levá-los consigo, sendo certo que, a primeira das identificadas testemunhas asseverou que o arguido acedeu ao interior do edifício aproveitando a entrada de uma terceira pessoa.
6- A identificação do indivíduo que surge nas imagens foi inequívoca por parte do agente da PSP, BB, que recebeu a queixa e que atestou conhecer o indivíduo de outros furtos, tendo descrito em audiência que foi das imagens que cheguei à identificação do arguido. E o mesmo refere que identificou o suspeito, porque as imagens são claras. Ele tem uma fisionomia muito peculiar, é franzino, tem uma tatuagem no pescoço que é visível e que nós conhecemos como sendo dele. Para além disso, tem uma face alongada e, ainda, está vestido da mesma forma no cliché e numa das outras situações – note-se que nas imagens de um dos furtos aparece com o mesmo casaco de fato de treino que veste em anteriores ocasiões em que foi identificado conforme se percebe dos clichés juntos pela polícia aos autos. Disse de forma convicta e desinteressada ter a certeza absoluta que se trata do mesmo indivíduo, até pelas características que descreveu, designadamente uma tatuagem, também visível nas imagens. Acrescentou ainda que o conhece presencialmente, por se cruzar com ele muitas vezes na rua. Disse, inclusivamente, que o arguido, na altura, vivia com um primo na rua do sol e depois foram encontrá-lo na rua, que esteve na associação da rua do ..., mas que já lá não está e já não está lá. Por fim, acrescentou que o modus operandi do arguido é muito semelhante ao utilizado nestes furtos que é esperar que um morador abrisse a porta e ele entra porque a porta não fecha de imediato. Asseverou este agente que à data dos factos o arguido foi identificado em muitos furtos na Baixa do Porto.
7- Do depoimento prestado pela testemunha, agente da PSP, e da fundamentação da sentença, não existe a referência a qualquer prova por reconhecimento, mas antes à indicação à identificação que foi efectuada pela entidade policial, decorrente dos conhecimentos da testemunha, por força do exercício das suas funções como agente da PSP.
8- Contrariamente ao invocado pelo recorrente a depoimento do agente, não se trata de qualquer acto de reconhecimento, como já se disse, mas antes no conhecimento que tem por força do exercício das suas funções de investigação, nas providências cautelares quanto a meios de prova previstas pelo artigo 249.º do Código de Processo Penal.
9- Segundo dispõe o artigo 249.º do Código de Processo Penal sobre as providências cautelares quanto aos meios de prova: “no n.º1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. 2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171.º, e no artigo 173.º, assegurando a integridade dos animais e a manutenção do estado das coisas, dos objetos e dos lugares; b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição; c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adotar as medidas cautelares necessárias à conservação da integridade dos animais e à conservação ou manutenção das coisas e dos objetos apreendidos. 3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade.”
10- Também segundo a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa que no Acórdão de 16-06-2015 refere que: “I. Devendo os órgãos de polícia criminal colher, inter alia, notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova (cfr. arts. 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º, do CPP), nada impede que, uma vez assegurados os direitos de defesa do arguido, os mesmos órgãos reproduzam as diligências efectuadas e as conversas tidas, nos referidos âmbitos, em audiência de discussão e julgamento. II. Neste contexto, nem o depoimento é indirecto - os órgãos de polícia criminal apenas relatam em tribunal o que os seus sentidos percepcionam -, nem está abrangido pela proibição de prova do art. 356.º, n.º 7. (…)”
11- Entendemos que, não assiste razão ao recorrente, pois não existiu qualquer prova por reconhecimento, nem podia existir porque o agente da PSP, não é, nem foi testemunha presencial factos denunciados, apenas teve intervenção nos autos no sentido de proceder às diligências de inquérito necessárias (a recolha e preservação das imagens de videovigilância existentes no local e a sua análise) para a preservação da prova, com vista à descoberta do autor dos factos crime denunciados e usou dos seus conhecimentos por força do exercício das suas funções policiais e de investigação para chegar à identificação do autor que era desconhecido para os ofendidos.
12- A douta sentença encontra-se devidamente fundamentada e, do texto da decisão e da sua leitura inexiste qualquer contradição na mesma e da mesma resulta a valoração e ponderação de toda a prova produzida em audiência de julgamento relevante e existente para a descoberta da verdade material.
13- Quanto ao recurso da matéria de facto, não obstante o invocado, o Tribunal a quo valorizou a prova produzida em sede de julgamento, o que relevou para a convicção do julgador, pelo que, os factos da acusação foram dados como provados, sendo as considerações do recorrente uma opinião diversa e uma diferente interpretação da prova, de forma a afastar-se das circunstâncias factuais que lhe estão imputados criminalmente.
14- Como é obvio, não foi indiferente, desde logo, na visualização das imagens, à testemunha BB, agente da PSP, para além da fisionomia e de certas características físicas e estéticas a indumentária do arguido, aqui recorrente, que é exactamente igual a uma e ou outra situação em que a testemunha o tenha identificado, assim como o modo de actuação semelhante, e que é do conhecimento das entidades policiais e da aqui testemunha, agente da PSP que, em concreto depôs.
15- Sendo certo que, o aqui arguido é conhecido no âmbito do exercício das funções da testemunha, em outros NUIPC como consta de fls. 36 e são tais elementos que levaram à identificação do arguido como suspeito e auto da prática dos factos na qualidade de arguido.
16- A douta sentença mostra-se corretamente fundamentada, não se vislumbrando que se verifique qualquer nulidade da mesma, nem se verifica ter ocorrido qualquer dúvida quanto à prática dos factos nos moldes descritos e provados, assim como se encontram adequadas, justas e equitativas as penas concretas aplicadas.
Em face do supra exposto, bem andou o Tribunal a quo em concluir como provados os factos e a sua subsunção jurídico-penal, pela prática em autoria material, em concurso real e, na forma consumada, dos dois crimes imputados ao recorrente, pugnando-se, em face do exposto, pela improcedência do presente recurso e a consequente manutenção da condenação do arguido.
18- A douta sentença mostra-se corretamente fundamentada, não se vislumbrando que se verifique qualquer nulidade da mesma, nem se verifica ter ocorrido qualquer dúvida quanto à prática dos factos nos moldes descritos e provados, assim como se encontram adequadas, justas e equitativas as penas concretas aplicadas.
19- Em face do supra exposto, bem andou o Tribunal a quo em concluir como provados os factos e a sua subsunção jurídico-penal, pela prática em autoria material e, em concurso real e, na forma consumada dos crimes imputados ao recorrente
Termina propugnando dever ser julgado improcedente o recurso, e consequentemente mantida a condenação do arguido AA.

Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 02/02/2022, emitiu parecer através do qual propugna pela improcedência do recurso, referenciando em conclusão o seguinte:
«Em suma e em conclusão, nem todas as “identificações” têm que revestir a forma de reconhecimento, nem o artigo 147º do Código de Processo Penal obriga ao cumprimento dos seus requisitos relativamente a depoimentos que versem sobre a identificação do autor dos factos.
No caso dos autos, não houve qualquer reconhecimento pessoal (nem tinha que haver) efetuado por testemunha, mas sim visualização de fotogramas também efetuada pelo Tribunal em audiência de modo a corroborar depoimento de testemunha, direto, sobre a identidade do arguido na prática de determinados factos. Não se trata, por isso, de uma prova por reconhecimento em sentido próprio e com autonomia e daí que não faça sentido a aplicação do artigo 147º CPP, que apenas vale para a situação em que o reconhecimento se assume como prova autónoma.»

Cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado aos autos.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas - , sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios da sentença previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Sentença do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I-A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Sentenças do S.T.J. de 29/01/2015 (in Proc. nº 91/14.7YFLSB. S1 – 5ª Secção)[1], e de 30/06/2016 (in Proc. nº 370/13.0PEVFX.L1.S1 – 5.ª Secção)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, a questão a conhecer no âmbito do presente acórdão é a de apreciar e decidir sobre :
1. se há erro de julgamento, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, quanto aos factos tidos por provados nos pontos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da sentença recorrida,
2. se a sentença recorrida violou os princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo.

Comecemos por fazer presente o teor da decisão recorrida, nos seus vários segmentos e na parte que releva para a apreciação das questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido AA.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal em 1ª Instância :
«A) FACTOS PROVADOS
Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos:
1.º Nos dias 24 de Maio e 2 de Outubro de 2018, cerca das 10h13m e 9h56m, respectivamente, o arguido dirigiu-se ao prédio sito na Travessa ..., ..., nesta cidade, composto por oito apartamentos, dos quais sete são explorados em regime de alojamento local, com o propósito de ali entrar e fazer seus objectos com valor económico que viesse a encontrar.
2.º Dessa feita, nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, de modo não concretamente apurado e sem qualquer autorização, o arguido acedeu ao interior do prédio e, de cada uma das vezes, retirou três quadros com imagens alusivas à cidade do Porto, com o valor unitário de €60, perfazendo o total de €360, os quais levou consigo e integrou no seu património.
3.º Tais quadros encontravam-se expostos nas áreas comuns do prédio e pertenciam à “S..., Lda.”, empresa responsável pela gestão do condomínio.
4.º Ao agir do modo supra descrito, o arguido actuou com o propósito, conseguido, de aceder ao interior do prédio acima identificado e fazer seus os artigos supra identificados.
5.º O que fez de modo não concretamente apurado e sem a autorização da referida empresa.
6.º O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tais bens não lhe pertenciam e que actuava sem autorização do respectivo dono.
7.º O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
8.º Os quadros nunca foram devolvidos ou recuperados pela demandante.
Das condições sócio-económicas do arguido:
9.º O arguido está desempregado e vive frequentemente na rua, em situação de indigência.
10.º Até há cerca de 3 anos o arguido era apoiado pela Instituição ....
11.º O arguido esteve em situação de prisão preventiva desde 13/06/2019 até ao dia 05/02/2020, à ordem do processo 31/19.7PIPRT.
12.º Por acórdão datado de 05/02/2020, transitado em julgado em 06/03/2020, proferido no âmbito do processo 31/19.7PIPRT, pelo Juiz 12 do Juízo Central Criminal do Porto, foi o arguido condenado pela prática de 7 crimes de furto qualificado e de 1 crime de furto simples, todos praticados entre 22/08/2018 e 06/06/2019, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeito a Regime de Prova.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa. »
b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância:
«C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido não compareceu à audiência, mostrando-se indiferente à acção da justiça.
A ocorrência do furto, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que o mesmo ocorreu, os objectos furtados, o modo como o arguido se introduziu no interior do edifício, foi demonstrada pelas testemunhas da acusação CC, proprietária de um dos apartamento do edifício, descreveu os factos, tendo salientado que um dia, por ocasião do primeiro furto entrou no prédio e os quadros furtados estavam expostos na parede e que quando saiu já lá não se encontravam; DD, electricista que faz a manutenção do edifício e que foi mandatado pelo condomínio para apresentar a presente queixa; EE, empregado de escritório na S..., que é a pessoa que faz a gestão do condomínio e que com relevo disse que os quadros pertenciam ao condomínio e a S... agia em representação do condomínio.
Todas estas testemunhas atestaram que em cada um dos furtos foram subtraídos do hall do edifício, espaço comum do condomínio, 3 quadros dos 4 que costumam estar expostos nas paredes daquele espaço, num total de 6 quadros subtraídos em dias diferentes.
Confirmaram, ainda, que visualizaram as imagens das câmaras de vigilância existentes no prédio, que reconhecem como sendo as constantes dos fotogramas de fls. 7 a 11 e 63 a 67 e fls. 8 do apenso, anexos ao auto de visionamento de suporte digital de fls. 26 a 38. Estas testemunhas descreveram o modo como os factos aconteceram com recurso às imagens de vigilância, sendo certo que nenhuma das testemunhas conhece o arguido, que aparece nas imagens. Na verdade, é perfeitamente perceptível em tais imagens, ver o indivíduo que acedeu ao interior do prédio, a retirar os quadros e a levá-los consigo, sendo certo que a primeira das identificadas testemunhas asseverou que o arguido acedeu ao interior do edifício aproveitando a entrada de uma terceira pessoa.
A identificação do indivíduo que surge nas imagens foi inequívoca por parte do agente da PSP, BB, que recebeu a queixa e que atestou conhecer o indivíduo de outros furtos, tendo descrito em audiência que foi das imagens que cheguei à identificação do arguido. Identifiquei-a completamente porque as imagens são claras. Ele tem uma fisionomia muito peculiar, é franzino, tem uma tatuagem no pescoço que é visível e que nós conhecemos como sendo dele. Para além disso, tem uma face alongada e, ainda, está vestido da mesma forma no cliché e numa das outras situações – note-se que nas imagens de um dos furtos aparece com o mesmo casaco de fato de treino que veste em anteriores ocasiões em que foi identificado conforme se percebe dos clichés juntos pela polícia aos autos. Disse de forma convicta e desinteressada ter a certeza absoluta que se trata do mesmo indivíduo, até pelas características que descreveu, designadamente uma tatuagem, também visível nas imagens. Acrescentou ainda que o conhece presencialmente, por se cruzar com ele muitas vezes na rua. Disse, inclusivamente, que o arguido, na altura, vivia com um primo na rua do sol e depois foram encontrá-lo na rua, que esteve na associação da rua do ..., mas que já lá não está e já não está lá. Por fim, acrescentou que o modus operandi do arguido é muito semelhante ao utilizado nestes furtos que é esperar que um morador abrisse a porta e ele entra porque a porta não fecha de imediato. Asseverou este agente que à data dos factos o arguido foi identificado em muitos furtos na Baixa do Porto.
Perante a conjugação destes meios de prova e, bem assim, com o que vem descrito na participação de fls. 3 e seguintes e no auto de denúncia de Apenso de fls. 3 e ss, dúvidas não subsistiram ao tribunal que os factos foram cometidos tal como vêm descritos na acusação e que o arguido foi o seu autor.
No que respeita aos factos alegados no pedido de indemnização o tribunal ancorou-se no depoimento do representante legal da demandante S..., FF, que confirmou que teve conhecimento dos furtos e que viu as imagens de vigilância, mas que não conhece o arguido. Disse que os quadros nunca foram devolvidos e que cada um custou ao condomínio, para substituição dos que foram subtraídos pelo arguido o montante individual de e 60 e que foram recolocados 6 quadros, o que perfaz a quantia peticionada de €60. Para cabal demonstração de tais valores a demandante juntou aos autos o recibo da aquisição dos quadros que teve que repor no segundo furto (tendo referido que compravam mais um para substituir um que estava danificado), assim confirmando o custo de cada quadro que foi subtraído. Prestou um depoimento sério, espontâneo e sustentado pela factura junta em sede de audiência.
As condições sócio-económicas do arguido resultaram da descrição feita pelo agente da PSP BB, que conhecia o modo de vida do arguido no contexto do exercício das suas funções.
Por fim, os antecedentes criminais do arguido resultam do certificado de registo criminal de fls. 135 a 137.»

Passemos, então, a apreciar a questão suscitada em sede de recurso.

Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas:
– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada,
– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
A questão suscitada pelo ora recorrente (arguido) gravita no âmbito do segundo dos caminhos expostos.
O erro de julgamento, consagrado no artigo 412º/3 do Cód. de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, ampliando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal – isto é, nesta situação o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em primeira instância, havendo assim que a reproduzir tale quale em segunda instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada.
Notar-se-á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas.
A assim exigida especificação traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende - aditando o nº 4 do citado art 412º do Cód. de Processo Penal a exigência de que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Ou seja, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta imposto pelo texto do nº 3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
O que se traduz também em que as provas que o recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como também devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Ou seja, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento deveria ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida.
Como se escreveu no recente Acórdão da Relação de Lisboa de 29/09/2021 (proc. 640/15.3TDLSB.L2-3)[3], «A impugnação ampla da matéria de facto improcede, mesmo quando o recorrente cumpra o ónus de impugnação especificada nos termos previstos no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se dela não resultar qualquer insustentabilidade lógica ou arbitrariedade no exame crítico da prova e correspondente fixação da matéria de facto, já que nem o recorrente, nem o Tribunal de recurso se podem substituir ao Tribunal do julgamento na formação da convicção sobre os factos provados e não provados, se ela ainda se contiver dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova e/ou do valor probatório específico pré-estabelecido para a confissão integral e sem reservas, para os documentos autênticos e para a prova pericial.».
Donde dever o recorrente, na sua argumentação e apreciação alternativas, fazer uso de um raciocínio lógico e de exame crítico com o mesmo grau de exigência que se impõe ao tribunal na fundamentação das suas decisões, e com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar-se, por todos, a sentença do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2017, onde se escreveu, e agora se cita, o seguinte :
«I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida».
No mesmo sentido, e agora mais salientando, a propósito das últimas considerações acima efectuadas, as limitações decorrentes da ausência de imediação na reapreciação das provas em recurso da matéria de facto (alargado) pelo Tribunal da Relação, sintetizou-se na sentença da Relação de Lisboa de 06/10/2021 (proc. 619/19.6PDAMD.L1-3)[4] o seguinte :
« - O recurso da matéria de facto não serve para os sujeitos processuais sobreporem a sua opinião sobre o sentido da prova a uma convicção formada por um tribunal depois de efectuado o exame crítico da mesma e sem o cumprimento cabal do art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, (…).
- Uma forma genérica de impugnação, além de permitir converter em regra uma excepção, desvirtua completamente o regime do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que se traduz num reexame pontual e parcial da prova, porque restrito aos precisos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância e prejudica e pode mesmo inviabilizar o exercício legítimo do princípio do contraditório pelos demais sujeitos processuais com interesse juridicamente relevante no desfecho do recurso. (…)
- É, igualmente, inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, partindo da constatação de que o contacto que o Tribunal de recurso tem com as provas é, por regra e quase exclusivamente, feito através da gravação, sem a força da imediação e do exercício sistemático do contraditório que são característicos da prova produzida no julgamento.».

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.
No caso em apreço, o arguido situa a sua crítica à decisão do tribunal a quo ao nível do erro de julgamento, tendo em conta os conceitos acima referidos.
Na verdade, considera o recorrente incorrectamente julgados os pontos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º dos factos considerados provados, e fá-lo arrimando–se na invocação de meios de prova produzidos na audiência de julgamento e na forma como foi efectuada a respectiva avaliação pelo tribunal, e não no exacto texto da decisão recorrida.
A impugnação ampla suscitada nesta parte pelo recorrente tem por objecto essencialmente a consideração de haver sido a pessoa do arguido o autor dos factos objectivamente consubstanciadores da subtracção patrimonial ilícita em causa na sentença.
Ou seja, o recorrente não impugna propriamente a ocorrência dos factos dados por assentes nessa parte, estando assim afastado a qualquer debate que alguém, nos dias 24 de Maio e 2 de Outubro de 2018, cerca das 10h13m e 9h56m, respectivamente, se dirigiu ao prédio sito na Travessa ..., ..., e, de cada uma das vezes, dali retirou três quadros com o valor unitário de €60, perfazendo o total de €360, objectos (que pertenciam à “S..., Lda.”) que levou consigo e integrou no seu património.
O cerne do recurso interposto e sob o qual se suscita a apreciação deste tribunal ad quem é o de sindicar o exercício de motivação de facto com base no qual o tribunal da condenação deu por assentes os elementos típicos relativos à identidade de tal pessoa, agente dos factos em causa, concluindo que essa pessoa foi o arguido/recorrente.

Em síntese, assenta o recorrente a sua impugnação e a invocada necessidade de alteração da matéria de facto no sentido indicado, no entendimento de que a identificação que a testemunha BB fez do arguido como o autor dos factos com recurso ao visionamento das imagens de videovigilância instaladas no local dos factos, não pode ser objecto de valoração probatória.
Neste contexto, e como se extrai do enunciado das conclusões do recorrente acima inicialmente efectuado, a critica ao exercício de julgamento de facto que vem efectuada pelo recorrente assume nesta uma dupla vertente, nos termos que passam a expor-se.
Assim, num primeiro momento, assenta-se a impugnação na alegada inviabilidade processual de recorrer ao depoimento da testemunha BB na parte do mesmo em que identifica o arguido como autor dos factos nos termos em que o faz. Assim, e liminarmente, entende o recorrente que aquela identificação não respeita os requisitos processualmente impostos pelo art. 147º do Cód. de Processo Penal para que possa valer como reconhecimento de uma pessoa, sendo que, adita, é esse o meio especialmente destinado a fazer prova da autoria de factos de natureza criminal, pelo que tendo aquela identificação do arguido sido efectuada através de uma metodologia não compreendida na lei e em total arrepio do art. 147º do Cód. de Processo Penal, a determinação da autoria dos factos sub judice padece de um vício, por ser proibida, nos termos do art. 147º/7 e 126º, ambos do Cód. de Processo Penal, o que a impede de ser utilizada no presente caso.
Depois, e num segundo momento, alega-se que o próprio conteúdo material das imagens em causa é insusceptível de fundamentar a conclusão sobre uma tal identificação, pois que (sempre segundo o recorrente) as já aludidas imagens do momento da prática dos crimes são, como quase todas as dos sistemas de vigilância, de fraca qualidade, não se conseguindo discernir, de forma suficientemente forte para abalar a presunção de inocência de que o recorrente goza, se se trata deste ou doutra pessoa diferente, ainda que com características, a traço grosso, semelhantes.
Estas duas vertentes em que assenta a impugnação do recorrente devem ser encaradas como de tratamento logicamente sucessivo, pelo que se passam a apreciar pela ordem que fica indicada (que é, afinal, a do recurso).

Vejamos, pois, em primeiro lugar no que toca à validade processual do ‘reconhecimento’ ínsito no depoimento da testemunha BB.
Salvo o devido respeito, não pode deixar de se iniciar esta apreciação sem se referir (o que assim se faz) que o recorrente incorre neste primeiro segmento numa espécie de duplo equívoco, ou, se se quiser, num equívoco em duas fases complementares incindíveis :
– por um lado o recorrente aparenta pressupor que a demonstração da identidade do agente da prática de determinados factos criminalmente relevantes, por parte de quem assista a essa prática, depende de um meio de prova vinculado, qual seja um reconhecimento levado a cabo com a específica regulamentação do art. 147º do Cód. de Processo Penal,
– por outro, e nessa exacta decorrência, o recorrente confunde aquilo que é um reconhecimento enquanto meio de aquisição de prova resultante da diligência especialmente regulada no art. 147º do Cód. de Processo Penal, com aquilo que é a suficiência e valoração do exercício da prova testemunhal.
É conhecido o regime do art. 147º do Cód. de Processo Penal, que aqui se transcreve por mera facilidade de análise :
«Reconhecimento de pessoas
1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»
Distinguem-se aqui três modalidades de reconhecimento: o reconhecimento por descrição, o reconhecimento presencial e o reconhecimento com resguardo.
Sucintamente se dirá que o reconhecimento por descrição, previsto no nº 1, funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art.147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha. Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu.
Numa análise deste regime com os pressupostos daquela que vem efectuada pelo recorrente, dir-se-ia que, quer em sede de investigação criminal quer de julgamento (por via da nova redacção do transcrito nº7 deste art. 147º do Cód. de Processo Penal, introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, que veio admitir que o reconhecimento possa ter lugar em audiência de julgamento, mas tendo aí de obedecer ao formalismo estabelecido naquele preceito legal), sempre que esteja em causa a demonstração da identidade de uma pessoa como agente de factos criminalmente relevantes por via da descrição de quem assista a tais factos, deveria proceder-se à diligência de reconhecimento assim regulada, sob pena de tal prova, nessa parte, não poder ser admitida e valorada.
Julga-se, porém, não poder efectuar-se uma tal abordagem ao regime processual em causa que, por apressada, conduza a uma interpretação literal do mesmo, e determine uma catalogação de situações concretas como aquela dos presentes autos nos rigorosos termos do citado art. 147º do Cód. de Processo Penal e assim a consideração de que estaremos perante uma proibição de prova.
Na verdade, e como é também consabido, depois de preconizar o art. 124º/1 do Cód. de Processo Penal que «Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis», adita-se no art. 125º do Cód. de Processo Penal – consagrando-se assim o principio da legalidade da prova –, que são admissíveis as provas que não forem proibidas, o que significa que é admissível o recurso a todos os meios de prova (não proibidos) para a demonstração dos factos que são objecto do processo.
Pois bem, e como acima se enunciou, cumpre realçar que o facto cuja demonstração aqui está em questão – a identidade do agente dos factos criminosos em causa nos autos – não é um facto cuja demonstração probatória esteja vinculada ao concreto meio de prova de reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal.
O que significa que no caso vigora o acima aludido princípio da liberdade da prova como previsto no art.125º do Cód. de Processo Penal, podendo a demonstração em causa assentar em qualquer meio de prova suficiente, adequado e válido.
E assim sucede, precisamente, porque no caso presente aquilo de que a testemunha BB faz eco é que ao visionar as imagens de videovigilância recolhidas nos autos (que são, não se perca de vista, um meio de prova em si mesmo) identifica sem quaisquer dúvidas (para si) a pessoa do arguido AA, pelos motivos que explana, e dos quais a sentença recorrida faz adequada e rigorosa menção nos seguintes termos, que aqui se repristinam:
«A identificação do indivíduo que surge nas imagens foi inequívoca por parte do agente da PSP, BB, que recebeu a queixa e que atestou conhecer o indivíduo de outros furtos, tendo descrito em audiência que foi das imagens que cheguei à identificação do arguido. Identifiquei-a completamente porque as imagens são claras. Ele tem uma fisionomia muito peculiar, é franzino, tem uma tatuagem no pescoço que é visível e que nós conhecemos como sendo dele. Para além disso, tem uma face alongada e, ainda, está vestido da mesma forma no cliché e numa das outras situações – note-se que nas imagens de um dos furtos aparece com o mesmo casaco de fato de treino que veste em anteriores ocasiões em que foi identificado conforme se percebe dos clichés juntos pela polícia aos autos. Disse de forma convicta e desinteressada ter a certeza absoluta que se trata do mesmo indivíduo, até pelas características que descreveu, designadamente uma tatuagem, também visível nas imagens. Acrescentou ainda que o conhece presencialmente, por se cruzar com ele muitas vezes na rua. Disse, inclusivamente, que o arguido, na altura, vivia com um primo na rua do sol e depois foram encontrá-lo na rua, que esteve na associação da rua do ..., mas que já lá não está e já não está lá. Por fim, acrescentou que o modus operandi do arguido é muito semelhante ao utilizado nestes furtos que é esperar que um morador abrisse a porta e ele entra porque a porta não fecha de imediato. Asseverou este agente que à data dos factos o arguido foi identificado em muitos furtos na Baixa do Porto.»
Tudo isto, aliás, foi devidamente percepcionado pelo próprio recorrente, pois que o enuncia (ainda que numa versão mais condensada) no respectivo recurso.
Cumpre neste passo assinalar que, como das respectivas actas decorre, a audiência de julgamento decorreu sem a presença do arguido, apesar de notificado, presença essa que não foi possível assegurar nem com a oportuna emissão de mandados de detenção. Não podendo deixar de se referenciar que, a entender-se da forma propugnada pelo recorrente, num caso como o dos autos estaria aberta a porta à impunidade material de qualquer agente a quem fossem imputados actos típicos cuja demonstração probatória estivesse essencialmente dependente da produção de prova testemunhal. Na verdade, bastaria a essa pessoa, enquanto arguida, não estar presente em audiência – assim inviabilizando à partida a possibilidade de dar cumprimento ao regime processual do art. 147º do Cód. de Processo Penal – para que a prova testemunhal a produzir ficasse coarctada de uma ferramenta relevante à respectiva sustentação.
Assim, o que aqui importa realçar desde logo, é que, no caso, a testemunha BB não só já conhecia pessoal e presencialmente o arguido de antes dos factos, como o identifica sem margem para qualquer dúvida (da sua parte) naquelas imagens – pelo que, na expressão liminar do art. 147º/1 do Cód. de Processo Penal, efectivar uma diligência de reconhecimento nos termos regulados no citado artigo não seria necessário no sentido de que se revelaria inclusive inútil, pois a testemunha sempre iria identificar a pessoa, por si conhecida, que na sua convicção vê a praticar os factos nas aludidas imagens.
Indo mais directamente de encontro ao propugnado pelo recorrente, e ao essencial da resposta à sua pretensão, a verdade é que contrariamente ao alegado não estamos aqui perante qualquer acto de reconhecimento por parte da testemunha BB.
Como bem assinalada o Ministério Público junto da primeira instância na resposta ao recurso, além de da fundamentação da sentença não existir (como não poderia existir) a referência a qualquer prova por reconhecimento (entenda-se, enquanto diligência probatória regulada no art. 147º do Cód. de Processo Penal), o que o depoimento da testemunha BB nesta parte traduz é tão apenas a uma identificação que foi efectuada pela mesma testemunha no âmbito e nos limites do seu depoimento testemunhal, identificação essa que assenta nos conhecimentos que invoca e justifica possuir por força do exercício das suas funções como agente da PSP.
Citando Francisco Marcolino de Jesus, em “Os meios de Obtenção da Prova em Processo Penal” (2ª edição, a pág. 160 – isto é, um pouco mais adiante do excerto citado pelo recorrente), «O reconhecimento directo ou identificação do arguido, feito em audiência, que muitas das vezes se confunde com o reconhecimento enquanto meio de prova tipificado, é um meio de prova atípico, que não está sujeito à disciplina dos normativos citados. Trata-se agora de uma diligência sujeita à imediação em que o ofendido ou a testemunha afirmam que a pessoa responsável pelo crime é aquela para a qual estão a olhar. Constitui meio de prova válido, não sujeito às formalidades previstas no artº 147º”.
Ou seja, como acima se indicou, o facto de não se estar no caso perante uma prova por reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal não impede que o depoimento de uma testemunha no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos possa valer como meio de prova.
Se a testemunha - e considere-se maxime o ofendido – não tiver dúvidas sobre a pessoa que praticou os factos em análise, nomeadamente por ser pessoa sua conhecida por motivos que explane e se revelem coerentes e razoáveis, esse depoimento pode ser avaliado (apreciado livremente) pelo tribunal de acordo com as regras gerais de apreciação da prova testemunhal. A inexistência de reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal apenas afasta a consideração da autonomia própria desse especial meio de prova – mas não vicia algo que lhe é anterior, como a percepção física que a testemunha captou do visionamento daquela pessoa a praticar os factos, pessoa que a mesma afirma conhecer.
A diligência probatória em causa, isto é, a dita identificação do arguido através do depoimento da testemunha BB (nos termos consignados em sede de sentença recorrida), foi realizada durante a prestação de tal depoimento em audiência de julgamento, e com o sustento que de forma circunstanciada a testemunha adiantou para esse seu conhecimento, como já se viu.
O depoimento testemunhal em causa foi, como se impunha, apreciado no âmbito de um exercício de avaliação probatória global – abrangendo também, por isso, o recurso aos demais meios de prova, nomeadamente aquilo que é possível visionar nas próprias imagens de videovigilância e de suportes fotográficos (nomeadamente de natureza policial) da pessoa do arguido –, sustentar com firme segurança uma convicção positiva sobre a identidade do agente dos factos em causa nessa situação com a pessoa do arguido. Ou seja, e como se pode constatar, a sentença recorrida explana ainda os motivos pelos quis não se suscitaram dúvidas ao tribunal a quo sobre a correspondência e identidade da pessoa do arguido naquelas imagens, afirmando resultar isso claro e evidente do confronto com vários elementos documentais objectivos dos autos.
Temos, portanto, que aquilo que a testemunha em causa fez, não configurando um reconhecimento tipificado no art. 147º do Cód. de Processo Penal, foi antes uma identificação do arguido que se insere no âmbito do seu depoimento como relato global e indivisível sobre os factos e sobre o interveniente nos mesmos, assim resultando cimentada a credibilidade do seu relato.
Neste sentido, referência para a jurisprudência resultante nomeadamente dos Acórdãos
– do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2010 (proc. 1796/08.7PHSNT.L1-5)[5], onde se escreveu «nem todas as “identificações” realizadas em audiência têm que revestir a forma de reconhecimento nem o artigo 147º do Código de Processo Penal obriga a que todos os depoimentos sejam interrompidos no momento da “identificação” para que passem, naquele extracto de “testemunho”, a revestir a forma de reconhecimento. (…) Naturalmente que essa “identificação” deverá ser apreciada como um mero depoimento ou meras declarações, que não como de um reconhecimento se tratasse»,
– do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/2010 (proc. 173/05.6 GBSTC.E1.S1)[6], que consigna que «não estamos perante um autêntico reconhecimento ou reconhecimento em sentido próprio, mas antes perante um reconhecimento atípico ou informal. Na verdade, estamos perante um “reconhecimento” que consistiu em perguntar à testemunha, em audiência, durante o seu depoimento, se reconhecia aquele arguido – presente na audiência – como sendo o agente ou autor dos factos que lhe eram imputados (na acusação ou na pronúncia). Não se trata de um reconhecimento em sentido próprio, formal, a que alude o art. 147.º do CPP e que devesse obedecer às formalidades ali estabelecidas, mas, antes, de uma mera identificação do arguido (pessoalmente porque todos presentes na audiência) ou vendo a sua fotografia que lhe foi exibida (uma vez que depunha por videoconferência) reconhece aquele como o autor dos factos que lhe são imputados. (…) Sendo assim, esta “identificação” do arguido insere-se no depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido no CPP para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127.º do CPP. A diligência realizada é, pois, legal, sendo em sede de valoração de prova que cabe apreciar o maior ou menor valor probatório da identificação do arguido, feito pela testemunha, pois trata-se de um elemento do respectivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se-lhe o especial valor que é inerente ao “reconhecimento próprio” »,
– do Tribunal da Relação do Porto de 17/03/2010 (proc. 1001/03.2JAPRT.P1)[7], onde se exara que «A identificação do arguido por testemunha, em audiência, insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento, pelo que é inaplicável àquela o formalismo processual a que este está subordinado»,
– e do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/06/2012 (em Col. Jur., 2012, T.3, pág. 318), onde se escreve «I. Se o autor do crime está identificado, desde o início da investigação, por quem depõe, sendo dele conhecido, não há necessidade de proceder a reconhecimento. II. Nesse caso, a identificação, em audiência, dessa pessoa como autor de determinado facto, não está sujeita ao formalismo do artº147º do CPP, constituindo depoimento atendível, sujeito ao exame crítico e livre convicção do tribunal».
Em suma, a diligência probatória em causa, atentas as circunstâncias que rodearam a sua efectivação, pode e deve ser valorada enquanto integrando o depoimento testemunhal em causa e, assim, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 127º do Cód. de Processo Penal.

O que nos conduz ao segundo segmento (ou momento, na descrição inicialmente efectuada) desta parte da impugnação do recorrente, qual seja, recorde-se, o da alegação de que o conteúdo material das imagens de videovigilância captadas dos momentos em que os factos ocorreram, e juntas aos autos, é insusceptível de fundamentar a conclusão sobre a identificação do respectivo agente como sendo o arguido, pois que (sempre segundo o recorrente) as aludidas imagens são, como quase todas as dos sistemas de vigilância, de fraca qualidade, não se conseguindo discernir, de forma suficientemente forte para abalar a presunção de inocência de que o recorrente goza, se se trata deste ou doutra pessoa diferente, ainda que com características, a traço grosso, semelhantes.
Ou seja, nesta vertente as considerações efectuadas pelo recorrente assentam em pressupostos que retira da sua própria valoração e apreciação do elemento probatório agora referenciado.
Vejamos se lhe assiste razão, e se se impõe uma valoração probatória diversa da efectuada pela primeira instância e do julgamento a que chega em resultado da mesma.
Nesta parte, e de forma muito sucinta (tal o grau de falta de razão na alegação recursória aqui formulada) se dirá, usando aliás uma expressão do próprio recorrente, que (sempre salvo o devido respeito) só com uma boa dose de criatividade se pode colocar em questão que as imagens de videovigilância recolhidas não sejam aptas a sustentar e corroborar a identificação efectuada desde logo pela testemunha BB.
Nesta parte, cumpre realçar que, em termos rigorosos, o tribunal a quo atendeu não ao mero depoimento testemunhal demandado agente da P.S.P. BB, mas à conjugação deste depoimento com as imagens de videovigilância em causa, e por sua vez estas também com as fotografias do arguido extraídas da sua ficha policial – sendo de recordar que o arguido não esteve pessoalmente presente em audiência de julgamento.
E é a conjugação destes elementos que permite aferir, sem margem para dúvida por parte do tribunal recorrido, que a pessoa que é, em termos perfeitamente claros e visíveis, possível ver a praticar os factos naquelas imagens/filme recolhidas em DVD junto aos autos e nos que fotogramas se mostram juntos aos autos (quer a fls. 8/10 e 28/34 do processo principal nº 9106/18.9 T9PRT, quer a fl. 8 do processo apensado nº 874/18.9 PWPRT), é efectivamente o AA arguido, que se mostra também retratado nas fotografias juntas a fl. 38 (deste processo principal) – circunstância esta que, note-se, não é objecto de debate.
Como assinala a sentença recorrida, sufragando o depoimento da testemunha BB :
– o arguido tem uma fisionomia muito peculiar, é franzino, tem uma face alongada, e uma tatuagem no pescoço que é visível,
– para além disso, nas imagens de uma das ocasiões em causa na matéria de facto provada, está inclusive vestido da mesma forma que no cliché, isto é, com o mesmo casaco de fato de treino que veste em anteriores ocasiões em que foi identificado conforme se percebe dos clichés juntos pela polícia aos autos.
É indesmentível, como diz o recorrente, «que não faltam indivíduos franzinos, esguios e de face alongada» ; o que já não é, de todo, rigoroso, é dizer-se, como também o recorrente, que a única característica que podia individualizar o arguido do vasto leque de indivíduos enquadráveis em tais características seria a tatuagem que o arguido tem na lateral esquerda do pescoço, em conformidade com o cliché fotográfico.
Desde logo se dirá que se a imagem de videovigilância aumentada, conforme fotograma de fl. 38 dos autos, pela sua pixelização, não permite perceber os exactos contornos da tatuagem por sua vez perfeitamente visível nas fotografias do dito cliché policial, a verdade é que também de todo aquela imagem exclui a presença da tatuagem em causa.
Porém, já visionando as filmagens em si mesmas (isto é, em movimento), essa tatuagem é perceptível, assim como também o é no fotograma por sua vez junto a fl. 8 do processo apensado nº 874/18.9 PWPRT.
Seja como for, a verdade inultrapassável é que, por apelo de novo ao confronto com todas as imagens (de videovigilância e fotografias) acima elencadas, a tatuagem no pescoço é, para este efeito, o menor dos problemas do arguido.
Porque, repete-se, se tem por absolutamente evidente tratar-se da pessoa do arguido que figura em todas elas, atenta a respectiva fisionomia, estrutura e dimensão corporal, postura. e, inclusive como se assinala, até a roupa trajada num dos casos.
Ademais, não é também verdade que a testemunha BB «conhecendo alguém com características similares ao perpetrador do crime, transportou esse conhecimento cognitivo e preencheu o vazio que existia», pelo simples facto de que, apreciado o seu depoimento, não resulta que com relação á questão da identificação do agente dos factos alguma vez houvesse existido qualquer “vazio” na sua convicção.
A testemunha não identifica o agente dos factos por o mesmo ter características semelhantes a alguém que conhece – a testemunha identifica o autor dos factos porque o conhece, sabe quem é, e explica circunstanciadamente os motivos em que alicerça esse seu conhecimento pessoal.
Motivos que o tribunal a quo, no exercício de valoração probatório que lhe é imposto, acolheu, e sufragou, assim construindo a sua convicção.

Em suma, e para concluir nesta parte relativa à impugnação do julgamento da matéria de facto por parte do tribunal a quo, constata-se que não foram trazidos aos autos elementos probatórios que possam impor a alteração da matéria de facto pretendida.
Salienta-se mais uma vez que o duplo grau de jurisdição em recurso de matéria de facto não tem a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de 1ª instância, podendo o tribunal ad quem, na reapreciação das provas oralmente produzidas em audiência de julgamento, gravadas, modificá-la apenas nos casos em que a decisão recorrida não colhe manifestamente apoio nos elementos de prova que o processo comporta.
Não bastará, assim sustentar que a leitura que o tribunal fez da prova produzida, sendo uma das possíveis, não é a mais adequada ; é necessário demonstrar que a análise da prova a luz das regras da experiência ou a existência de provas irrefutáveis não consentiam tal leitura, ou seja, impunham decisão diversa.
No caso, verifica-se que o tribunal a quo não fez qualquer valoração errada dos elementos probatórios dos autos e que determinam a convicção de que foi a pessoa do arguido o agente dos actos criminalmente relevantes em causa no processo, tudo em termos que claramente se encontram descritos na decisão sobre a matéria de facto.
Aquilo que o recorrente pretende no fundo é apenas substituir a convicção do tribunal pela sua, e terá toda a legitimidade para não concordar com a apreciação que nesta parte é feita pelo julgador – mas em momento algum a sua própria apreciação permite contrapor a decisão de facto que foi adoptada pelo tribunal e os alicerces da mesma nesta parte.
Improcede assim este segmento do recurso interposto.
*
2. Da violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo.

As subsequentes questões que ocupam o recurso do arguido AA prendem-se com a alegada violação dos princípios processuais penais da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

Começando pelo princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual a decisão do Julgador quanto à matéria de facto que considere resultar como provada em sede de audiência de julgamento, e em processo criminal, assenta sempre na sua livre convicção – é esse o princípio expresso no art. 127º do Cód. Processo Penal, que exactamente prevê que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo).
Conforme se enunciou na sentença do S.T.J. de 13/02/1992 (disponível em Col. Jur., 1992, Tomo I, pág. 36), «A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência».
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (...) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (cfr. Germano Marques da Silva, in ‘Curso de Processo Penal’, II, pág. 126 e segs.).
Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério. Na verdade, embora qualquer decisão do julgador penal assente na sua livre convicção, certo é que o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras.
E é assim porque, em paralelo mas seguindo de perto tais considerandos, a condenação de uma pessoa pela prática de qualquer crime exige que a convicção positiva do julgador assente assim numa certeza que - alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante - afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. As exigências de segurança probatória em sede de julgamento criminal exigem um pouco mais do que uma mera indiciação de que arguido alvo do mesmo estaria envolvido na prática material dos factos consubstanciadores do objecto processual em causa.
Donde, a ter-se por afectada a absoluta e rigorosa certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento - quando, por via das circunstâncias ligadas à produção de prova nos autos se tenha por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal na correspondente parte – não será em assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em beneficio do arguido (in dubio pro reu).
Porém, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum” – Sentença do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 (proc. 12/14.7GBSRT.C1)[8].

Efectuadas estas considerações, e contemplado a sentença de que se recorre e a correspondente valoração que da prova aí foi feita pelo tribunal a quo, crê-se manifesto que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, e capaz, portanto, de se impor.
O recorrente assenta a sua invectiva basicamente nos fundamentos que sustentariam os alegados vícios no julgamento que consubstanciam a montante o seu recurso.
Ora, como também já se analisou, em termos para os quais aqui se remete, não se divisando qualquer erro de julgamento da matéria de facto relativamente aos aspectos que agora aqui repristina, liminar será a conclusão de não se ter por verificado que o tribunal haja procedido a uma valoração probatória errática, e desprovida de qualquer sustento nas regras que se lhe impunham nessa sede.
No âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal explana de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduz não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, dos motivos que sustentam determinada opção por um ou outro dos meios de prova, dos fundamentos da credibilidade reconhecida às declarações e depoimentos e do valor dos documentos – ou seja, de tudo o que o julgador privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio que seguiu e das razões da sua convicção.
Não é, pois, verdade que o tribunal a quo assente a condenação do recorrente a partir simplesmente do depoimento da testemunha BB sem, por um lado, verificar os motivos em que o mesmo sustentou a sua convicção na identificação da testemunha, e, por outro lado, sem conjugar esse depoimento com os demais elementos de prova que tinha o poder-dever de apreciar e valorar.
Ao contrário do afirmado pelo recorrente, foi exactamente ponderando todos esses parâmetros e à luz da prova produzida nos autos, que o tribunal a quo decidiu, o que fez com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova.
O recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador – mas em momento algum a sua própria apreciação permite contrapor a decisão que foi adoptada pelo tribunal e os alicerces da mesma, tendo-se já verificado que, nos aspectos essenciais assinalados, inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.
Mostrando-se assim possível aferir uma correcta utilização do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada na convicção pessoal, mas em todo o caso objectivável e motivável, não procede, pois, a invocada violação do princípio em causa.

Quanto ao princípio in dúbio pro reu, o mesmo constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o non liquet em matéria de prova seja valorado a favor do arguido.
Em sede de recurso, o uso feito do princípio in dubio pro reo afere-se pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo que quando daí resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido, se impõe concluir que ocorreu violação daquele princípio.
Ora, lida a decisão recorrida, em particular o que nela se escreveu quanto à motivação de facto, não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – quanto aos factos constantes dos pontos referidos no recurso e que a partir desse estado tenha considerado os mesmos demonstrados.
Como acabou de se referenciar, na aludida motivação o tribunal a quo indicou as razões que de modo lógico e coerente justificam a opção probatória que tomou, e assinalou que da conjugação dos elementos probatórios que referiu e que se lhe afiguraram credíveis, formou a sua firme convicção no sentido de que os factos se passaram tal como descritos em sede de matéria de facto provada.
Não se detecta, pois, qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na sobredita motivação, antes nela se manifesta a convicção segura baseada na indicada prova, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador, e não a dar resposta às dúvidas da recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ele efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.
As dúvidas, afinal, que o recorrente invoca são suas, e não do tribunal, e assenta-as na valoração e conclusões probatórias alternativas que propugnava em sede de recurso.
Não estando demonstradas uma e outras, e não se configurando aqui qualquer dúvida por parte do tribunal a quo na motivação da sua decisão de facto e na demonstração dos factos que sustentam a culpa do arguido, não havia lugar à respectiva ponderação em benefício deste último.
Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
*
III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo–se a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.
*
Porto, 16 de Março de 2022
Pedro Afonso Lucas
Pedro Lima
(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_____________________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatado por Cristina Almeida e Silva, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[4] Relatado por Cristina Almeida e Sousa, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[5] Relatado por Margarida Bacelar, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[6] Relatado por Fernando Fróis, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[7] Relatado por Artur Oliveira, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[8]Relatado por Fernando Chaves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf