Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
77332/22.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DIREITOS DO DONO DA OBRA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP202477332/22.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: I
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a obra realizada não tiver os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, é defeituoso o cumprimento do contrato pelo dono da obra.
II - No regime jurídico do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, os direitos conferidos ao dono da obra terão que ser exercidos desta forma sequencial: i) em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito; iii) apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
III - Não é admissível que o dono da obra proceda, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra.
IV - Prolongando-se a mora, o dono pode lançar mão do artigo 808º, nº1, do Código Civil, mediante interpelação admonitória, com prazo razoável, findo o qual a obrigação se tem como definitivamente inadimplida. Pode ainda o dono da obra mostrar ter perdido o interesse na obra, na sequência da mora. Em qualquer dos casos, o contrato pode ser resolvido, com base no não cumprimento definitivo.
V - A interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato se considera este definitivamente incumprido.
VI - A interpolação admonitória é dispensável se o faltoso declara, eficazmente, que não vai cumprir ou se, por comportamentos concludentes – por ex. o abandono da obra – mostrar uma vontade firme e definitiva de assim proceder.
VII - A perda de interesse para o credor deve ser apreciada objetivamente (art.º 808.º, n.º 2, do C.Civ.), pois que se pretende é evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele (credor) ou à perda infundada do interesse na prestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 77332/22.7YIPRT.P1

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeira Adjunta: Desembargadora Maria Fernanda Fernandes de Almeida

Segundo Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes

I_ Relatório

A..., Lda., apresentou requerimento de injunção contra AA e B..., Lda., para pagamento da quantia de €7.710,35, acrescida dos juros de mora vencidos e contabilizados no valor de €1.488,59, bem como dos juros de mora vincendos.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que:

_ no âmbito da sua actividade profissional e a pedido da requerida também no exercício da sua actividade comercial, forneceu à Requerida, diversos artigos e produtos, nas datas referidas nas facturas por si emitidas e que esta recebeu e aceitou.

_As facturas venceram-se nas datas indicadas nas mesmas, constando da conta-corrente as seguintes:

Data VencimentoNúmero Valor CréditoSaldo
04/03/2021FT ...85,000,00 85,00
10/03/2021FT ...359,000,00 444,00
10/03/2021FT ...85,000,00 529,00
12/05/2021FT ...152,000,00681,00
13/05/2021RC ...0,00529,00152,00
08/06/2021FT ...993,000,001.145,00
29/06/2021FT ...785,540,001.930,54
29/06/2021FT ...5.102,000,007.032,54
02/07/2021NC ...0,00785,546.247,00
02/07/2021FT ...645,540,006.892,54
05/07/2021RC ...0,00645,546.247,00
19/07/2021FT ...358,000,006.605,00
26/07/2021FT ...600,000,007.205,00
30/07/2021FT ...55,350,007.260,35
12/08/2021FT ...450,000,007.710,35.

_ A Requerida não impugnou as facturas, quer quanto às quantidades, qualidades e preços aí mencionados e apenas procedeu ao pagamento das quantias de €529 e 645,54; ao valor em dívida foi deduzido o valor da uma nota de crédito de €785,54, remanescendo, assim, o montante em dívida de €7.710.35 (sete mil setecentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos).

_ Todas as mercadorias discriminadas nas facturas correspondem às mercadorias  encomendadas pela Requerida.

_ Apesar de interpelada, por diversas vezes, a Requerida não procedeu ao pagamento.

Concluiu que a Requerida encontra-se em dívida, na quantia de €7.710,35 (sete mil setecentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora vencidos,  sobre o capital em dívida, às taxas de juro legais aplicáveis às operações comerciais, bem como acrescidas da taxa de juro convencionada de 5%, desde o vencimento das facturas, calculados, até à data de entrada do requerimento, no valor de €1.488,59 (mil quatrocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos), sem prescindir dos juros de mora vincendos desde a data de entrada do  requerimento até efectivo e integral pagamento, taxas de justiça e demais encargos.


*

Citada, a Requerida  apresentou oposição, deduzindo defesa por impugnação e por excepção.

Invocou a excepção peremtória de resolução contratual que fundamentou na seguinte factualidade:

_ Contratou com a Requerente a prestação de serviços de execução de um lago artificial e preparação, instalação de equipamentos hidráulicos e eléctricos para tratamento da água da piscina e do lago interior com cascata, na obra de construção de moradia unifamiliar, sita na Avenida ... e Rua ..., ..., em São João da Madeira, obrigando-se esta a executar a obra de acordo com o projecto.

_ Previamente à prestação de tais serviços, a Requerente apresentou-lhe um orçamento inicial.

_ As facturas nºs ..., ..., ..., ..., nos valores de €85,00, €359,00, €85,00 e €645,54, respectivamente, foram liquidadas atempadamente, mediante transferências bancárias, nos valores de €529,00 e €647,54.

_ A factura n.º ..., no valor de €993,00 (novecentos e noventa e três euros), nunca foi recebida pela Requerida. Através de email, de 5 de Agosto de 2021, a responsável pelo departamento contabilístico da Requerida solicitou o original da factura n.º ..., de 8/06/2021, no valor de €993,00 ou, se fosse o caso, da nota de crédito correspondente, mas nunca obteve resposta.

_ Relativamente à factura n.º ..., datada de 29/06/2021, no valor de €785,54, a Requerida reclamou, tendo a Requerente procedido à emissão da nota de crédito n.º ..., datada de 02/07/2022, no mesmo valor.

_Recebida, em 26/7/2021, a factura n.º ..., datada 26/07/2021, no valor de €600,00 (seiscentos euros), referente a "quadro eléctrico com comando e proteção de eletrobomba", a Requerida, através de email, reclamou da factura, não a tendo aceite, por os trabalhos aí mencionados não corresponderem aos executados, tendo por email de 31/07/2021,  denunciado “todas as desconformidades” entre o trabalho executado em obra e os valores facturados referente ao equipamento instalado no lago e na piscina exterior, ou seja:

i. nessa factura consta “mais um quadro eléctrico” que não aparece na obra;

ii. reclamação da eletrobomba e do quadro eléctrico aplicado para a queda de água: na reunião com o electricista da obra ficou combinado/acordado que o Sr. BB ia colocar uma válvula e o eletricista colocar um módulo de domótica para accionar a cascata quando o cliente assim o entendesse.

iii. Para isso foi colocado pelo picheleiro da obra mais uns tubos desde o lago até a casa das máquinas, entrando em funcionamento a electroválvula assim que o módulo de domótica, ligado ao quadro montando por BB, desse a ordem.

iv. Por referência à factura nº..., nesse email, apresentou reclamação com os seguintes fundamentos:
- O filtro do lago está sobredimensionado para os m3 da água existentes, tendo pedido para ser retirado da obra e anulado o valor debitado na factura nº...;
- Os equipamentos da piscina, mencionados na factura nº..., estão  incompletos e são incompatíveis com as dimensões recomendadas para a dimensão da piscina: (i)  o aparelho de sal está incompleto, faltando o cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos, tendo pedido para ser retirado da obra e anulado o valor debitado na factura n. º ...; (ii) a bomba de PH não é apropriada para esta piscina porque a sonda não tem a qualidade suficiente e as leituras começa a induzir o cliente em erro, tendo pedido para ser retirada da obra e anulado o valor debitado na factura n.º...; (iii) montagem deficiente nos elétrodos de gerador de sal por, no seu entender, a piscina dever estar colocada com by-pass  (com a colocação de 3 válvulas), referindo que “a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade” e pede que sejamdescontados os valores da factura nº...”; (iv) ligações deficientes por  as válvulas colocadas deverem estar na saída das electrobombas,”, referindo que “a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade” e pede que sejam  descontados os valores da factura nº...; (v) foi colocado filtro com capacidade máxima de L5 Bar, não tendo este filtro  capacidade para este tipo de piscina porque esta apresenta-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas, pedindo que seja retirado da obra e anulado o valor debitado na factura nº....

_ Nesse email de 31/7/2021, concedeu o “prazo máximo de 3 dias” a contar do dia 2 de Agosto para serem retirados os equipamentos e anuladas as facturas, acrescentando “volto a recordar que o pedido para a realização da montagem já ultrapassa os 2 (dois) meses” e “caso não respondam a este email, os vossos materiais serão desmontados e empilhados até ao dia do seu levantamento”.  

_ Através de email e carta registada enviada à Requerente, datada de 11/08/2021, comunicou a não aceitação das referidas facturas, por não se encontrarem em conformidade, com os serviços efectuados, discriminando trabalhos que não foram executados de acordo com o projecto.

_ O mesmo acontece com as facturas nºs ..., ..., ..., ..., ..., peticionadas no requerimento de injunção: os trabalhos e equipamentos aí descritos não foram montados, nem executados conforme o projecto.

_ Interpelou, por telefone e email, o legal representante da Requerente para a realização de uma reunião, urgente, em obra, com vista a debelar os problemas e atrasos na aplicação dos equipamentos, sem sucesso, e, em 05/08/2021, via email, voltou a insistir pela reunião, a realizar na obra, tendo transmitido ao legal representante da Requerente que estaria na obra, no dia 06/08/2021, às 8h30m e voltava, no mesmo dia, às 14h00m, acrescentando "...se preferir marcar outra hora também estarei disponível, volto a frisar que tenho o dono da obra a pressionar-me para encher a piscina. Deixo já registado que no sábado (7/08/2021) também me encontro disponível, como já o fizemos muitas vezes. Se não demonstrar interesse e ou alegar que a marcação é feita fora de horas vamos dar-lhe a próxima segunda-feira. No caso de não responder ao email informo o começo da desmontagem do equipamento para a próxima terça-feira, dia 10 de agosto de 2021, de acordo com o referido no email anterior."

_ O legal representante da Requerente não compareceu, não justificando sequer a sua ausência.

_ A emissão das facturas ... e ... foram à revelia, quanto ao momento de facturação e modo de pagamento previamente acordado.

_  Os equipamentos instalados não eram aptos e adequados à tipologia do lago e piscina exterior, alvo da empreitada, verificando-se ainda o manifesto atraso da Requerente no cumprimento da sua prestação contratual, sem qualquer motivo que a justificasse, e após já lhe ter sido concedido um prazo para retificar, corrigir, substituir o equipamento não adequado para a tipologia da piscina.

_Em 11/08/2021, a Requerida enviou à Requerente um email e carta registada com aviso de recepção, datados de 11/08/2021, onde, além de lhe terem sido expostos os danos que estava a sofrer com o atraso, comunicou a resolução do contrato de empreitada, com efeitos imediatos.

_ O email foi recebido pela Requerente em 11/08/2021, mas não enviou resposta e a carta registada com aviso de recepção, por já conhecer o conteúdo, não foi levantada nos CTT.

_ A mora da Requerente, prolongado por mais de seis meses, fez com que a Requerida perdesse o interesse na sua prestação contratual e fundamentasse a resolução contratual.

_ Atenta a postura omissiva adotada pela Requerente, quer em relação à missiva, quer em relação aos trabalhos por realizar na obra, por email e carta datada de 11/08/2021, a Requerida deu o contrato de empreitada por resolvido, por perda de interesse na prestação contratual, resolução que requer que seja declarada válida e eficaz, pois “tornou-se totalmente incomportável para a Requerida o incumprimento contratual da autora, sem qualquer justificação para o efeito, prolongando por mais de seis meses após a data prevista de conclusão da obra”.

_ A fim de aquilatar o estado dos trabalhos pendentes na obra, a Requerida fez-se acompanhar do eletricista e picheleiro CC que visitou a obra e elencou todos os trabalhos pendentes necessários à conclusão da obra: (a) remoção de equipamentos instalados em obra; (b) montagem de equipamentos hidráulicos e elétricos para tratamento de água da piscina e lago interior com cascata; (c) remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo retificação de toda a instalação elétrica e hidráulica; e (d)fornecimento e montagem de válvulas de retenção.

_ Resolveu legitimamente o contrato nos termos do disposto nos artigos 808.° e 432 a 436.° do Código Civil, pelo que nada deve pagar à Requerente, pois esta incumpriu ostensivamente o contratado, não só quanto ao prazo de execução, bem como não concluiu o objecto do negócio, como era previsto e contratualmente devido.

Invocou a excepção do não incumprimento do contrato que fundamentou na seguinte factualidade:

_ Na hipótese de improceder a excepção peremptória de resolução contratual, estão reunidos todos os pressupostos legais para a verificação da excepção dilatória de direito material do não cumprimento do contrato, sendo inequívoco o seu direito de recusar o pagamento do remanescente do preço, nos termos do disposto no artigo 428.° do CC, face à não realização da correspectiva prestação pela Requerente, além do injustificado atraso no cumprimento do prazo estipulado.

_ Para fundamentar a excepção de não cumprimento do contrato, alega que (i) as facturas não dizem respeito aos trabalhos realizados ou equipamentos adquiridos e colocados em obra pela Requerente relativos à obra em curso, nas quantidades, qualidade e preços nelas mencionados; (ii) de acordo com o convencionado, a  Requerida comprometeu-se a cumprir os prazos de pagamento conforme boa execução do trabalho, não tendo sido convocada pela Requerente para entrega final da obra que justificasse o pagamento das facturas peticionado na presente acção; (iii)  à data da emissão das facturas, tinha legitimidade para usar da excepção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428.° do Código Civil que, para além de funcionar perante o incumprimento total do contrato, pode operar também face ao incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso. Em finais de Julho de 2021 e em 11.08.2021, solicitou à Requerente que cumprisse a sua prestação contratual, mas esta nem respondeu, nem executou os trabalhos em conformidade com o projecto, situações que legitimaram, ainda que tacitamente, o uso da invocada excepção de não cumprimento do contrato pela Requerida.

_ A Requerida deduziu a excepção da compensação, alegando que não podia persistir com a obra parada e adjudicou os trabalhos de conclusão da mesma ao electricista e picheleiro, CC, que orçamentou os trabalhos a realizar em €2.545,50,  deduzido o IRS à taxa legal em vigor, ou seja, em €2.252,76 (dois mil duzentos e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos); com o incumprimento do prazo contratual estipulado e a má execução e desconformidade na aplicação dos equipamentos, sofreu elevadíssimos danos patrimoniais, decorrentes da não entrega da obra ao dono de obra, dentro do prazo estipulado; danos emergentes sofridos com a necessidade de contratar terceiro para conclusão da obra, no valor de €3.244,75 (três mil duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), e danos morais sofridos com todo o desgaste físico e psicológico que a situação lhe provocou.  Concluiu que é credora da Requerente da quantia de €6.997,51 (seis mil novecentos e noventa e sete euros e cinquenta e um cêntimos).

Pediu a condenação da Requerente como litigante de má fé.


*

I.1_ Por despacho de 27/10/2022, foi concedido à Requerente o prazo de dez dias para “exercer contraditório relativamente à contestação apresentada, devendo juntar a prova respectiva”, o que fez por requerimento de 9/11/2022, pronunciando-se sobre:

a. Excepção peremptória da resolução contratual.

Alegou, em síntese, que:

_ Prestou serviços e forneceu equipamentos e acessórios à Requerida que deram origem ao extracto de conta do qual constam as facturas por pagar nºs. ..., ..., ..., ..., ... e ....

_ Numa das obras que a Requerida estava a levar a cabo, em São João da Madeira, por solicitação desta, a Requerente forneceu e aplicou equipamentos e acessórios para o tratamento de filtragem da água da piscina, um lago e uma cascata/cachoeira, mas tais serviços não foram realizados de acordo com qualquer projecto, pois a Requerente nunca lhe deu a conhecer qualquer projecto hidráulico ou do sistema eléctrico.

_ Competia-lhe, apenas, o fornecimento e montagem de equipamentos de piscina, nomeadamente motores elétricos, a instalação dos sistemas elétricos com os quadros elétricos para esses motores, e a instalação e montagem da tubagem de ligação dos motores à piscina e ao lago e, ainda, outros equipamentos de tratamento da água através do sal e de controlo do ph.

_ Nesse âmbito, forneceu os equipamentos para a piscina que a Requerida solicitou e mandou aplicar tanto na piscina como na casa das máquinas, pelo que não apresentou qualquer orçamento inicial com toda a descrição de todos os equipamentos e acessórios.

_ Na sua relação, o gerente da Requerida, após solicitar, em obra ou por telefone, os equipamentos e, de acordo com as “obras” que estava a realizar, de imediato a Requerente mandava entregar ou aplicava na obra, os equipamentos e acessórios solicitados e era emitida, de imediato, a factura com vencimento nesse mesmo dia.

_ Verificado o atraso no pagamento das facturas nºs. ..., ..., ... com data de vencimento em 04/03/2021, 10-03-2021 e 10-03-2021 respectivamente, cujo pagamento só ocorreu em 12-05-2021, deu a conhecer à Requerida que tal não poderia acontecer novamente, pois as facturas eram emitidas com pagamento a pronto e que só seria fornecido equipamento e material dentro dessas condições de pagamento a pronto, o que já aconteceu com a factura nº..., liquidada no mesmo dia do vencimento.

_ Entretanto, a construção avançou e a Requerida solicitou um novo conjunto de equipamentos e acessórios aos quais respeita a factura n.º ....  Feita a entrega de acessórios e aplicação de outro equipamento, foi solicitado o pagamento, tendo a Requerida, em 31/07/2021, vindo dar conhecimento de desconformidades referentes a equipamento já instalado no lago e piscina exterior.

_ Sobre a reclamação apresentada por email, refere a Requerente:
i. Os equipamentos estão de acordo com o pretendido pela Requerida, pois pretendia uma bomba de filtragem de água da piscina e duas bombas para fluxo de água na cascata/cachoeira, tendo em conta um maior ou menor fluxo de água para a cascata verter.
ii. Desconhece qualquer anomalia no sistema elétrico, no quadro elétrico na eletrobomba ou mesmo na electroválvula.
iii. O filtro colocado foi por determinação do gerente da Requerida, após informado, na obra, dos diversos tipos de filtros, tendo em conta as dimensões e os preços.
iv. O aparelho de sal foi colocado e instalado no local da casa das máquinas, de acordo com as exigências da piscina.
v. A bomba de PH de controlo da água que foi aplicada foi escolhida pelo representante legal da Requerida que pretendeu uma igual à que possui na sua habitação.
vi. Na altura, só faltava o enchimento da piscina para que o equipamento do controlo do PH pudesse dar as medições e dosear na medida, não sendo possível testar a bomba com a piscina vazia.
vii. O gerador de sal foi montado de acordo com a vontade do gerente da Requerida.
viii. A possibilidade de redundância para funcionamento com três válvulas é possível, mas não se torna necessário, nem é recomendado pelo fabricante.  Mas o cliente é que pretende mais ou menos redundância na instalação dos seus equipamentos, algo que não foi solicitado no decurso da instalação desse equipamento.
ix. Quanto às “ligações deficientes”, as válvulas podem ser colocadas na entrada e saída de água das electrobombas; no caso, foram aplicadas, durante a montagem, as válvulas de acordo com o pretendido pela Requerida.
x. Quanto à colocação de filtro, o equipamento colocado na casa das máquinas foi de acordo com o pretendido. Existem filtros com maior ou menor capacidade e com preços diferentes e no caso, foi pretendido aquele tipo de filtro e, com todos os requisitos técnicos exigidos pelo fabricante.

- O Requerente transportou, descarregou, aplicou e instalou de acordo com a vontade do gerente da Requerida e nunca de acordo com, um qualquer projecto hidráulico ou eléctrico, documento que desconhece.

- A factura ..., com vencimento em 2021/08/12, foi motivada por um novo pedido por parte do gerente da Requerida: a Requerida pretendeu aplicar um novo tipo de impermeabilização no espaço do chão e paredes da piscina, pelo que houve necessidade de desmontar os injectores e projectores. Reinstalados os projectores e a passagem de cabos para a casa das máquinas e reinstalados os bicos injectores e tomada de aspiração, no mesmo dia, após concluída a reinstalação solicitada, a Requerida terá enviado uma carta registada datada, com o código dos CTT, de 12-08-2021, impugnando o teor da carta junta por esta como documento nº 20.

_ Findo mais um serviço ficou a Requerente a aguardar a liquidação das facturas até ao presente (a factura ...).

_ Em relação aos efeitos que a Requerida pretende demonstrar através das fotografias que constam do articulado e as fotografias nºs 1 a 6, impugnou-as.

_ A Requerida sempre atrasou os pagamentos e não cumpriu com o acordado, nunca tendo reclamado de qualquer defeito ou anomalia nos equipamentos que recebeu e que mandou instalar em conformidade.

Sobre a excepção de não cumprimento do contrato, alegou que:

_ A Requerente sempre que lhe foi solicitado e permitido, transportou, descarregou, aplicou e instalou todos os equipamentos e acessórios que lhe foram adquiridos. Todos os equipamentos ficaram montados e instalados conforme a vontade da Requerida, dada a necessidade de permissão para entrar no local. Não realizaram os testes aos equipamentos com a piscina cheia com água porque a requerida assim não considerou necessário, pois não o comunicou até ao presente momento.

_ Só quando a Requerente concluiu os trabalhos extra em Agosto de 2021 é que a Requerida considerou por bem não liquidar as facturas referentes a esses trabalhos, nem as anteriores facturas e, assim, tentou promover a resolução do contrato.

_ A Requerente nada omitiu, sempre cumpriu e, em momento algum, a Requerida reclamou do atraso na instalação e da aplicação dos vários equipamentos para a piscina, para o lago artificial e cascata.

Sobre a litigância de má-fé, pugnou pela improcedência do pedido.

Sobre a compensação, impugnou a Requerente a factura emitida pelo picheleiro CC, datada de 16/09/2022, alegando que:

_ Os equipamentos e acessórios descritos no artigo 50º da Oposição são em tudo semelhantes e correspondentes aos que constam na factura ..., emitida pela Requerente: relativamente ao filtro, há uma diferença entre o modelo adquirido de 750 e o que foi encomendado à Requerente que era um filtro de 760, diferença que pode advir do fornecedor, pois o efeito e tamanho é semelhante; a bomba é igual pois é de 1,5 cv, não aumentou, nem diminuiu os cv (cavalos de potência da eletrobomba); no eletrolisador Aqualux 80 m3, a diferença para esta nova aquisição reside no modelo já que o preço é semelhante e o efeito para o tratamento da água será semelhante; o quadro elétrico, filtração e aspiração, os componentes elétricos que o constituem para o efeito de regular o funcionamento do motor, terão obrigatoriamente que ser semelhantes, a diferença estará no preço; o disjuntor 4,0/6.3 A, no quadro da Requerente esta proteção elétrica já vem incluída no quadro; o filtro Vitalia 10m3/h 1”1/2  para filtrar a água da piscina, é em tudo semelhante ao adquirido à Requerente; a bomba de filtração Aqua Plus 11, para a função de puxar e fazer circular a água da piscina, é em tudo semelhante à adquirida à Requerente; a bomba doseadora proporcional Aqualux ph 2.4l/h, para a função de controlar o PH na água da piscina, é em tudo semelhante à adquirida à Requerente; a válvula motorizada 3 vias D.50 é um acessório não adquirido à requerente, nem se instalava em equipamento da Requerente; a boca refluxo betão Vitália aplica-se na construção da piscina, pelo que desconhece a finalidade de tal acessório na fase da instalação; a grelha ralo do fundo Vitália é um acessório que se aplica no ralo do fundo para impedir acesso ou evitar a aspiração de objectos, desconhecendo qualquer desconformidade com os trabalhos efectuados referidos nas facturas por liquidar; o camaroeiro de superfície Delphin é um acessório conhecido por “apanha folhas” da superfície da água na piscina, desconhecendo qualquer desconformidade com os trabalhos efectuados referidos nas facturas por liquidar; a vara telescópica 2 parte gama Delphin preta, vara em inox de duas partes, é um acessório para juntar a uma vassoura para limpar o fundo da piscina, ou ligar a um aspirador, desconhecendo qualquer desconformidade com os trabalhos efectuados referidos nas facturas por liquidar; o transformador se segurança 220/12V 300W, transformador de corrente que transforma 220 volts em 12volts, normalmente utilizado para aplicação de lâmpadas na piscina, desconhecendo a sua inclusão.

_ As compras ocorreram em diversos momentos temporais, de Agosto de 2021 a Fevereiro de 2022, tal como se verifica pelos documentos nºs. 24 a 30, nomeadamente 23-08-2021, 08-09-2021, 15-09-2021, 22-09-2021, 07-10-2021, 19-01-2022 e 25-02-2022, impugnando todas essas facturas por se desconhecer a veracidade de tais faturas tendo em conta o pretendido pela Requerida.

I.3_ Por Requerimento apresentado em 24/11/2024, a Requerida veio juntar aos autos, entre outros, o documento comprovativo do pagamento das facturas nºs ... e ..., em 24/11/2022.

I.4_Por despacho de 27/1/2023, não foi admitida a compensação. Interposto recurso desta decisão, admitido por despacho de 28/4/2023, foi o mesmo julgado improcedente.

I.5_Realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, foi proferida sentença pelo Tribunal da Primeira Instância, constando do dispositivo:

Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:
a) Condenar a ré a pagar à autora as quantias de €152,00, €5.102,00, €358,00, e de €55,35, acrescidas de juros comerciais, vencidos e vincendos, a contar das datas de vencimento de cada uma das facturas mencionadas no ponto 4 dos factos provados, até integral e efectivo pagamento;
b) Absolver a autora do pedido de condenação como litigante de má fé;

Condenar a autora e a ré nas custas do processo, sendo aquela na proporção de 1/6 e esta na proporção de 5/6.

Registe e notifique”.


*

Inconformada a Requerida interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)


*

Não foi apresentada resposta, pela Requerente/Recorrida.

*

Por despacho de 15/1/2024, foi admitido o recurso.

*

Corridos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*

II_ Questões a decidir

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, as questões que cumpre apreciar podem sintetizar-se da seguinte forma:
1. Impugnação da decisão da matéria de facto por referência às seguintes questões:
i. O facto ínsito no ponto 3) dos factos provados [“3) Todos os equipamentos foram previamente acordados com a autora”.] deve passar a ter a seguinte redacção: “Ponto 3 – todos os equipamentos foram previamente orçamentados conforme orçamento n.º ..., de 06-03-2019, pela Autora, com excepção da obra relativa ao lago e cascata que foram previamente acordados com a Autora. 
ii. O facto ínsito no ponto 4) dos factos provados [4) O material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ... (cujo teor aqui se dá por reproduzido) foi aplicado.] deve passar a ter a seguinte redacção:“Ponto 4) As facturas ... e ... foram pagas pela Recorrente à Recorrida, na pendência da ação, por transferência bancária, datada de 24-11-2022, no valor de €510,00”.
iii. O facto ínsito no ponto 6) dos factos provados [6) Foi acordado que as facturas eram emitidas com pagamento a pronto.”] deve passar a ter a seguinte redacção: “Ponto 6) Foi acordado que a Ré procedia ao pagamento das facturas emitidas a pronto após finalizados os trabalhos pela Autora.”
iv. Os factos ínsitos nos pontos d) [d) O filtro do lago aplicado pela autora está sobredimensionado para os m3 da água existentes.], e) [e) Ao aparelho de sal falta-lhe cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos],. f)  [f) A bomba de PH aplicada é desapropriada para esta piscina por força da sonda induzir o cliente em erro nas leituras], g) ][g) Os eléctrodos de gerador de sal encontram-se mal aplicados pois a piscina apresenta num nível superior, pelo que a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas).],  h) [h) As válvulas colocadas não estão na saída das electrobombas.], i) [i) O filtro aplicado tem capacidade máxima de 1.5 Bar, o que é insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.] e j) [j) O que implicava a remoção de equipamentos instalados em obra; a montagem de equipamentos hidráulicos e eléctricos para tratamento de água da piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo rectificação de toda a instalação eléctrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.] dos factos não provados: devendo ser transferidos para os factos provados com a seguinte redacção:

15) Na queda de água do lago, a Requerida instalou duas eletrobombas, uma para os bicos e outra para a cascata, sem electroválvula impedindo o funcionamento do sistema em domótica.

16) O filtro do lago aplicado pela Autora encontrava-se sobredimensionado para os m3 de água existentes.

17) A Requerente instalou um filtro laminado/soprado 760, contudo do orçamento consta um filtro de 750 fabricado em poliéster laminado com fibras de vidro com válvula lateral de 6 posições.

18) o aparelho de sal incompleto, falta cabo de ligação de sinal, cabo de alimentação de elétrodos.

19) A bomba de PH estava incompleta, só possuía o cabo de alimentação. Não tinha os cabos de doseamento, portanto, a entrada e a injeção, não tinha a sonda.

20) O gerador do sal não se encontrava em bypass (com colocação de válvula de 3 vias).

21) A Requerente não instalou válvulas de retenção nas saídas das electrobombas, mas passadores.

22) O filtro aplicado tem capacidade máxima de um bar e meio insuficiente para  este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.

23) a Ré contratou um terceiro para a montagem de equipamentos hidráulicos e elétricos para tratamento de água piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo retificação de toda a instalação elétrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.

2. Aditamento aos factos provados da seguinte matéria de facto:

8) Em 31 de Julho de 2021, a Requerida reclamou a factura n.º..., descrevendo as anomalias e desconformidades apresentadas nos equipamentos aplicados no Lago e Piscina (documento n.º 12 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

9) A 5 de Agosto de 2021, a Requerida reclamou a factura n.º ..., por se tratar de uma correia de transmissão para um Robot Kipsol, equipamento novo, por isso, dentro da garantia; (documento n.º 17 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

10) A 5 de Agosto de 2021, a Requerida interpelou a Requerente para reunir em obra, no dia seguinte às 8h30 e 14h00; (documento n.º 19 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

11) A 11 de Agosto de 2021, a Requerida enviou comunicação escrita a resolver o contrato de empreitada com a Requerente, com efeitos imediatos, por não cumprimento do contrato de empreitada; (documento n.º 20 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido)

12) Em 12 de Agosto de 2021, a Requerida dirigiu a mesma comunicação à Requerida, por carta registada com aviso de recepção tendo vindo devolvida com a menção “objecto não reclamado”. (documento n.º 21 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido)

13) A Requerente facturou e aplicou três quadros elétricos.

14) Os equipamentos mencionados na factura ... foram removidos pela Ré e devidamente armazenados.

3. Verificação dos pressupostos para a resolução do contrato de empreitada pela Requerida, ora Recorrente.

4. Pagamento das facturas nºs ... e ..., nas quantias de €152,00 e €358,00, respectivamente.


*

III_Fundamentação de facto

Na sentença recorrida, consta do ponto “Fundamentação de facto” o seguinte:

 “A - Dos factos provados

1) A ora requerente, a solicitação do gerente da requerida, forneceu, aplicou equipamentos e acessórios para o tratamento de filtragem da água da piscina, um lago e uma cascata/cachoeira.

2) Nessa sequência, competia à Requerente o fornecimento e montagem de equipamentos de piscina, nomeadamente motores eléctricos, a instalação dos sistemas eléctricos com os quadros eléctricos para esses motores, e a instalação e montagem da tubagem de ligação dos motores à piscina e ao lago e ainda outros equipamentos de tratamento da água através do sal e de controlo do ph.

3) Todos os equipamentos foram previamente acordados com a autora.

4) O material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ... (cujo teor aqui se dá por reproduzido) foi aplicado.

5) Aquelas facturas encontram-se por pagar.

6) Foi acordado que as facturas eram emitidas com pagamento a pronto.

7) O teor das missivas trocadas entre as partes e juntas com a oposição, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B - Dos factos não provados

a) Os serviços mencionados nas facturas ... e ... foram executados pela autora.

b) Os trabalhos da autora estavam previamente delineados num projecto de obra.

c) As partes acordaram que os trabalhos da autora se concluíam em Dezembro de 2020/Janeiro de 2021.

d) O filtro do lago aplicado pela autora está sobredimensionado para os m3 da água existentes.

e) Ao aparelho de sal falta-lhe cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos.

f) A bomba de PH aplicada é desapropriada para esta piscina por força da sonda induzir o cliente em erro nas leituras.

g) Os eléctrodos de gerador de sal encontram-se mal aplicados pois a piscina apresenta num nível superior, pelo que a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas).

h) As válvulas colocadas não estão na saída das electrobombas.

i) O filtro aplicado tem capacidade máxima de 1.5 Bar, o que é insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.

j) O que implicava a remoção de equipamentos instalados em obra; a montagem de equipamentos hidráulicos e eléctricos para tratamento de água da piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo rectificação de toda a instalação eléctrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.

A restante matéria alegada pelas partes nos articulados é meramente conclusiva, impugnação, repetida, jurídica e/ou desprovida de interesse para a decisão da causa.

De referir que o tribunal apenas responde à matéria exceptiva alegada pela ré na oposição, e não na resposta à resposta apresentada pela autora, articulado este da ré apenas admissível na parte que respeita à impugnação e à junção de documentos. “


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Fundamentação de direito

1ª Questão

Insurge-se a Recorrente com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo por referência aos seguintes factos:
i. O facto ínsito no ponto 3) dos factos provados [3) Todos os equipamentos foram previamente acordados com a autora.] deve passar a ter a seguinte redacção: “Ponto 3 – todos os equipamentos foram previamente orçamentados conforme orçamento n.º ..., de 06-03-2019, pela Autora, com excepção da obra relativa ao lago e cascata que foram previamente acordados com a Autora.
ii. O facto ínsito no ponto 4) dos factos provados [4) O material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ... (cujo teor aqui se dá por reproduzido) foi aplicado.] deve passar a ter a seguinte redacção: “Ponto 4) As facturas ... e ... foram pagas pela Recorrente à Recorrida, na pendência da ação, por transferência bancária, datada de 24-11-2022, no valor de €510,00”.
iii. O facto ínsito no ponto 6) dos factos provados [6) Foi acordado que as facturas eram emitidas com pagamento a pronto.”] deve passar a ter a seguinte redacção: “Ponto 6) Foi acordado que a Ré procedia ao pagamento das facturas emitidas a pronto após finalizados os trabalhos pela Autora.”
iv. Os factos ínsitos nos pontos d) [d) O filtro do lago aplicado pela autora está sobredimensionado para os m3 da água existentes.], e) [e) Ao aparelho de sal falta-lhe cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos],. f)  [f) A bomba de PH aplicada é desapropriada para esta piscina por força da sonda induzir o cliente em erro nas leituras], g) ][g) Os eléctrodos de gerador de sal encontram-se mal aplicados pois a piscina apresenta num nível superior, pelo que a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas).],  h) [h) As válvulas colocadas não estão na saída das electrobombas.], i) [i) O filtro aplicado tem capacidade máxima de 1.5 Bar, o que é insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.] e j) [j) O que implicava a remoção de equipamentos instalados em obra; a montagem de equipamentos hidráulicos e eléctricos para tratamento de água da piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo rectificação de toda a instalação eléctrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.]  dos factos não provados: devem ser transferidos para os factos provados com a seguinte redacção:

15) Na queda de água do lago, a Requerida instalou duas eletrobombas, uma para os bicos e outra para a cascata, sem electroválvula impedindo o funcionamento do sistema em domótica.

16) O filtro do lago aplicado pela Autora encontrava-se sobredimensionado para os m3 de água existentes.

17) A Requerente instalou um filtro laminado/soprado 760, contudo do orçamento consta um filtro de 750 fabricado em poliéster laminado com fibras de vidro com válvula lateral de 6 posições.

18) o aparelho de sal incompleto, falta cabo de ligação de sinal, cabo de alimentação de elétrodos.

19) A bomba de PH estava incompleta, só possuía o cabo de alimentação. Não tinha os cabos de doseamento, portanto, a entrada e a injeção, não tinha a sonda.

20) O gerador do sal não se encontrava em bypass (com colocação de válvula de 3 vias).

21) A Requerente não instalou válvulas de retenção nas saídas das electrobombas, mas passadores.

22) O filtro aplicado tem capacidade máxima de um bar e meio insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.

23) a Ré contratou um terceiro para a montagem de equipamentos hidráulicos e elétricos para tratamento de água piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo retificação de toda a instalação elétrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.

1.i. Facto ínsito no ponto 3) dos factos provados [“3) Todos os equipamentos foram previamente acordados com a autora”].

Sustenta a Recorrente que existe erro de julgamento relativamente ao facto ínsito no ponto 3 dos factos provados, pugnando pela alteração da sua redacção passando a constar do mesmo “Todos os equipamentos foram previamente orçamentados conforme orçamento n.º ..., de 06-03-2019, pela Autora, com excepção da obra relativa ao lago e cascata que foram previamente acordados com a Autora”.

A factualidade em causa respeita ao que foi efectivamente acordado entre Requerente e Requerida. Invoca a Recorrente o orçamento junto aos autos (documento nº5 junto com o requerimento de 24/11/2022) e a sua não impugnação. Efectivamente, esse documento não se mostra impugnado, o que significa, simplesmente, que pela Requerente foi admitida a sua elaboração.

 Porém, a prova produzida não se cinge ao orçamento e deste, datado de Março de 2019, não resulta, sem mais, que foram esses os trabalhos adjudicados, pela Requerida à Requerente, impondo a reapreciação concatenada de diversos meios de provas e tendo presente a versão que foi carreada para os autos, nos articulados, por ambas as partes.

Vejamos.

Ao longo da oposição, a Requerida sustentou que os trabalhos foram adjudicados em conformidade com o projecto hidráulico e sistema eléctrico da piscina, nunca tendo mencionado que os trabalhos deviam ter sido executados em conformidade com qualquer orçamento elaborado pela Requerente. No ponto 10 do requerimento de 24/11/2021 (não na oposição) – com o qual foi junto o orçamento como documento nº 5 -, invocou, pela primeira vez, a existência de um orçamento, alegando que no “orçamento n.º ..., de 06/03/2019, a Autora discriminou todos os equipamentos e serviços necessários a executar a obra de acordo com o projecto hidráulico e sistema eléctrico da piscina da moradia em causa”. [sublinhado nosso]

Na resposta às excepções - Requerimento apresentado em 9/11/2022 -, a Requerente afirmou que “não apresentou qualquer orçamento inicial com toda a descrição de todos os equipamentos e acessórios” [ponto 8] e negou ter realizado “os serviços de acordo com qualquer projecto, pois a Requerente não tinha qualquer tipo de construção de piscina ou lago, nem nunca lhe deram a conhecer qualquer projeto hidráulico ou do sistema elétrico [sublinhado nosso], acrescentando que “Só competia à Requerente o fornecimento e montagem de equipamentos de piscina, nomeadamente motores elétricos, a instalação dos sistemas elétricos com os quadros elétricos para esses motores, e a instalação e montagem da tubagem de ligação dos motores à piscina e ao lago e ainda outros equipamentos de tratamento da água através do sal e de controlo do ph” e, “nesse âmbito forneceu os equipamentos para a piscina que a requerida solicitou e aceitou por bem mandar aplicar tanto na piscina como na casa das máquinas. Pelo que não apresentou qualquer orçamento inicial com toda a descrição de todos os equipamentos e acessórios”. Referiu, no ponto 9, que “[n]a sua relação de conhecimento o gerente da requerida após solicitar em obra ou por telefone os equipamentos e, de acordo com as “obras” que estava a realizar, de imediato a Requerente mandava entregar ou aplicava na obra, os equipamentos e acessórios solicitados”.

Em suma, contrariamente ao defendido pela Recorrente/Requerida, a Requerente não admitiu que todos os trabalhos por si executados constam de um orçamento com a especificação de todos os trabalhos a executar e de todos os equipamentos a aplicar.

Vejamos, então, a prova produzida.

Nenhuma das testemunhas arroladas pela Requerida têm conhecimento directo sobre o que foi convencionado entre Requerente e Requerida.

O orçamento junto aos autos encontra-se datado de 6/3/2019 com a referência que a proposta tem a validade de trinta dias.

Da carta junta como documento nº20 junto com a oposição resulta que a adjudicação da obra ocorreu no final do mês de Dezembro do ano de 2020, ou seja, nove meses após a data aposta no orçamento.  Do segundo parágrafo da mesma carta resulta que a Requerida comunicou à Requerente, no início do mês de Fevereiro/Março de 2021 que ia “proceder à colocação de revestimento da piscina de modo a dar execução à empreitada…”, ou seja, o início dos trabalhos adjudicados à Requerente estavam dependentes da primeira.

Nessa carta, faz referência, mais uma vez, à “piscina cuja tipologia se encontra estabelecida de acordo com o caderno de encargos e projecto da obra”, não havendo qualquer referência a qualquer orçamento.

Em audiência de julgamento, prestou declarações o legal representante da Requerida/Recorrente, AA.  Inquirido sobre a obra “foi ou não precedida de orçamento, como é que foi adjudicada”, o legal representante da Requerida respondeu espontaneamente “é uma obra que carece de um projecto completo, é constituído por todos os elementos, incluindo a piscina, e tudo o que engloba a piscina, o tanque de compensação menos as máquinas de funcionamento da piscina”. Sem o sócio gerente ter mencionado a existência de qualquer orçamento, a Ilustre Mandatária da Requerida completou a resposta dizendo “Mas então diz-me que a adjudicação desta obra foi precedida de orçamento, certo? Estamos a falar de um orçamento que foi facultado por esta empresa”. O sócio gerente da Requerida então respondeu “Sim”, acrescentando “na altura, era Multipiscinas” e “o senhor BB era sócio-gerente”. A Ilustre Mandatária completou, novamente, a resposta dizendo “podemos exibir o documento número 5… só para confirmar se se trata deste orçamento da obra. Estamos a falar de uma empresa diferente da que está aqui a ser discutida, mas os intervenientes são os mesmos, é o Senhor BB que respondeu à sua proposta, ao projecto, certo?”. Mostrado o orçamento, a Ilustre Mandatária afirmouO orçamento foi apresentado aqui. Aqui descrevia todos os equipamentos, tudo o que era para a piscina, e foi isto que aceitou e foi executado pela autora”, sendo a perguntaÉ isso?”.

Espontaneamente, o sócio gerente não mencionou qualquer orçamento com a descrição de todos os trabalhos a executar pela Requerente e que a adjudicação da obra tenha assentado num orçamento elaborado por aquela.

AA, sócio gerente da Requerida, nunca mencionou ter facultado qualquer projecto à Requerente, tendo sido a Ilustre Mandatária que avançou “olhe, desde o início deste projeto, quando se facultou o projecto a esta empresa…”.

Mostrado o orçamento e questionado sobre quem redigiu a parte manuscrita que consta desse documento, o legal representante não atribuiu a autoria à Requerente ou a BB, tendo referido “foi em conversa com o Senhor BB pronto. É dentro disso que nós colocamos na altura, depois fomos adaptando um bocadinho pelo decorrer da obra”

 “Inquirido sobre “alterações”, o sócio gerente da Requerida respondeu por referência ao projecto, não a qualquer orçamento, tendo declarado “está mencionado no projecto” uma piscina e um tanque de compensação, o que nada esclarece quanto aos trabalhos efectivamente adjudicados à Requerente. Afirmou, então, a Ilustre Mandatária “e quando há essa apresentação [apresentação do projecto que foi referida pela Ilustre Mandatária, não pelo declarante]  deste projecto, percebe-se que existe só um quadro elétrico”, formulando, depois, a seguinte pergunta: “em algum momento, por si foi pedido, dada a complexidade da piscina, alterações de ordem técnica que foram faladas, pediu que se colocasse mais do que um quadro elétrico naquela obra?”. Respondeu o legal representante da Requerida “não”, acrescentando que “a única alteração que houve, ou seja, um pedido de acréscimo de trabalho foi o lago foi construído; na piscina nunca pedimos nada”. Posteriormente, referiu que por referência ao lago, não foi elaborado qualquer orçamento, tendo sido “ em conversa com o Senhor BB;  é dentro disso que nós colocamos na altura, depois fomos adaptando um bocadinho pelo decorrer da obra… uma vez que a casa dava domótica e era possível enquadrar a domótica no lago para podermos enquadrar todo o processo de rede de água, de filtração e tudo, nós combinámos em colocar, além do filtro, da bomba, combinamos em colocar uma electroválvula”,  resultando das suas declarações que a colocação do sistema em domótica não se encontrava prevista inicialmente, no orçamento. Das suas declarações resulta que nem o lago, nem a cascata, nem a colocação de domótica se encontram previstas no orçamento, tendo o legal representante da Requerida referido “era possível enquadrar a domótica no lago  [ou seja, não previsto no orçamento] para podermos enquadrar todo o processo de rede de água, de filtração e tudo, nós combinámos em colocar, além do filtro, da bomba, combinamos em colocar uma electroválvula; essa electroválvula seria ligada à domótica que entra em funcionamento quando o dono quisesse para activar um elemento que é a cascata [também não prevista no orçamento]… e depois  colocaríamos uma eletrobomba porque nos era permitido em que ela actuava directamente com o domótica, portanto, o cliente se quisesse, estava sentado no sofá com o telemóvel actuava essa electroválvula e tinha a cascata a largar a água….”.

Em suma, de acordo com as declarações do legal representante da Requerida (e também da Requerente), a colocação do sistema em domótica, interligando o lago e a piscina, não constava do orçamento [nem o lago consta do orçamento de Março de 2019], ou seja, o sistema da domótica não foi acordado inicialmente. Consequentemente, também a colocação da electroválvula ligada à domótica também não podia constar do orçamento de 3/2019.

Inquirida sobre a colocação de domótica, a testemunha BB respondeu “a responsabilidade da obra é a minha; eu é que sei e o electricista é que chegou lá e quis colocar domótica. Eu não tenho nada a ver com issonem sequer conheço o electricista, nem nunca tive nenhuma conversa com o eletricista porque era dele… O electricista é que vai buscar ao meu quadro o que ele quiser.” O email de 31 de Julho de 2021 corrobora as declarações do legal representante da Requerente porquanto, aí a Requerida alude a uma reunião no âmbito da qual o “electricista” - e não BB/Requerente - acordou colocar um módulo da domótica para acionar a cascata”.

Mostrado o orçamento à testemunha BB, esta admitiu ter sido por si elaborado, com excepção da parte manuscrita, acrescentando, no entanto, “atenção que o que foi executado, não tem nada a ver, com o que está no orçamento”. Esclareceu que esse orçamento foi apresentado, em 2019,  mas “depois, o que foi executado, não tem nada a ver com esse Orçamento”;  “no início, era esse o orçamento mas houve muitas alterações”; “este orçamento era para uma piscina e a piscina que foi executada e a que está lá hoje não é a mesma que  foi falada em 2019”.  Perante a insistência da Ilustre Mandatária da Requerida, a testemunha declarou que foi contratado para a execução de uma obra em São João da Madeira,  acrescentando que o orçamento  junto aos autos foi  para uma obra a executar naquela localização,  mas “para essa piscina que lá está, eu digo-lhe que não. É que a localização da obra é a mesma, a piscina que está executada não é a mesma”. Aquele orçamento nada tem a ver com o que foi executado face às alterações ao mesmo, acordadas entre ambos, incluindo os trabalhos executados uma cascata e lago, não previstos no orçamento”.

Percorrendo o conteúdo do orçamento, referiu que:

_ o filtro e a electrobomba orçamentados orçamentados foram aplicados;

- a areia prevista no orçamento não é a areia que veio a ser colocada;

_ o orçamento previa quatro entradas de água, não tendo sido esse o trabalho executado;

- o quadro eléctrico de comando e protecção; os projectores  foram executados;

- foi colocado um aparelho de sal mas distinto do que consta do orçamento;

Sobre a cobertura, resulta do seu depoimento que consta do orçamento e a sua aplicação foi acordada  mas não foi aplicada porquanto, AA insistiu pela  execução desse trabalho, tendo-lhe transmitido que não o faria enquanto não fossem pagas as facturas emitidas, vencidas e não pagas, momento a partir do qual aquele “levantou esses problemas todos”, acrescentando que o custo da cobertura é superior a cinco mil euros; A requerida, além de estar em dívida na quantia de cerca de sete mil euros, pretendia que colocasse a cobertura.

Explicou a testemunha BB que “o Senhor AA fez muita coisa nesta piscina que eu não fazia. Por exemplo, o senhor AA acha por bem, que na minha perspectiva, não tem qualquer necessidade, isto é apenas um exemplo e vamos ao local, está lá. Nós fizemos uma ligação a um T, e o senhor AA achava por bem na ideia dele que devíamos a nível de cima, a ter acesso a esse T, não vá aquilo, por qualquer razão, avariar e eu não ter acesso. O senhor AA fez isso, por sua livre vontade”. Referiu BB que perante os pedidos que  “muitas vezes” , AA lhe fazia,  dizia-lhe “Eu disse a Você, AA, « para aqui, este equipamento chega» e ele respondia “isto é um cliente muito bom ainda temos que melhorar isto e a gente melhorava”. Esclareceu a testemunha que tais trabalhos foram executados e não foram por sua iniciativa. Referiu, ainda, que AA intrometia-se nos trabalhos técnicos. E deu como exemplo  o tanque de compensação explicando que «Eu disse ao senhor AA nesta obra que não precisava de nenhum tanque de compensação cá em baixo, porque aquela, aquele  rebordo que está todo à volta da piscina é suficiente para armazenar a água. E o senhor AA, que surgiu um problema por causa disso, disse, Oh, pá, mas eu já fiz o tanque de compensação lá em baixo. Agora deixa-o lá estar e a água vai lá dar.” Acrescentou “a nível de filtros, a nível de filtros e de bombas, foi tudo escolhido de mútuo consentimento. Eu dava-lhe a explicação técnica e dizia ao AA, isto precisa disto, disto, disto e disto está bem?” e ele respondia “ OK, vamos pôr isso”.

Considerando a divergência entre o depoimento de BB e as declarações do legal representante da Requerida, mostra-se essencial aferir a demais prova. Conforme se referiu, nenhuma das testemunhas arroladas pela Requerida revelou conhecimento directo sobre o que foi acordado entre ambas as parte. Nos emails juntos aos autos pela Requerida e que foram trocados entre si e a Requerente não consta qualquer menção a trabalho executado que não tenha sido precedido de acordo entre ambos; nesses emails, a Requerida manifesta o seu desagrado relativamente a alguns trabalhos efectuados, indica alguns trabalhos que no seu entender estão mal executados ou não se encontram executados ou não eram necessários mas, em momento algum refere que foram feitos ou aplicados alguns equipamentos à sua revelia. Perante a extensa reclamação que a Requerida apresentou no email de 31/7/2022, caso existisse algum equipamento colocado na obra sem o seu consentimento ou alguma obra que se mostrasse contrária ao que havia sido acordado, não é credível, à luz das regras da experiência comum, que aquela não o tivesse mencionado.

Por último, no email datado de 31 de Julho de 2021 (documento nº12 junto com a oposição), enviado pela Requerida à Requerente, AA confirma a colocação do total de  três quadros eléctricos na obra  que se encontram mencionados na factura ..., e não questiona essa colocação, referindo que o “problema está na factura ... onde se encontra mais um quadro elécrico, quando esse quadro não aparece (…) na obra “. Em suma, a Requerida não está a reclamar que a colocação de três quadros eléctricos contraria o acordado mas, a cobrança de quatro quadros quando estão colocados apenas três quadros eléctricos. E assim sendo, a conclusão a extrair é óbvia: o orçamento não reflecte os trabalhos que foram efectivamente acordados entre Requerente e Requerida e os equipamentos a instalar por aquela.

Dito de outro modo, a prova documental contraria o sentido das declarações prestadas pelo legal representante da Requerida porquanto, no orçamento está prevista a colocação de um quadro eléctrico e foram colocados três quadros eléctricos com a concordância da Requerida, atento o teor do email de 31 de Julho de 2021. Significa que o orçamento de Março de 2019 foi objecto de alterações com a concordância de ambas as partes, entre as quais o número de quadro eléctricos a colocar, pois, caso contrário, a Requerida não teria reclamado da cobrança do valor do quarto eléctrico não colocado mas, pela colocação de quadros em número superior ao acordado.

Repare-se que este não era o primeiro trabalho contratado pela Requerida, à Requerente (pese embora o esforço do legal representante da Requerida em demonstrar que este foi o primeiro trabalho contratado à Requerente e só quando confrontado com o depoimento prestado pela testemunha BB é que admitiu, então, que assim não era) e que o relacionamento entre ambos permitia que o acordo sobre alguns trabalhos/equipamentos resultasse de conversação na obra ou por telefone. Como referido pelo Tribunal a quo, do julgamento resultou que “havia boas relações entre as partes e que esta não era, de todo, a primeira relação comercial. Além do mais, estamos perante duas empresas, pelo que muito seria de estranhar que a autora tivesse aplicado material em obra que não tivesse previamente acordado com a ré” e que esta nada dissesse, tanto mais que  AA declarou ter acompanhado a execução da obra. Uma coisa é BB ter influenciado a Requerente e conseguido obter a sua concordância para executar os trabalhos e aplicar o material por si escolhido, situação diversa, é ter aplicado equipamento não acordado.

Sendo esta a prova, não se encontra demonstrado que com excepção da obra relativa ao lago e cascata, todos os equipamentos e trabalhos a executar pela Requerente, constam do orçamento n.º ..., de 06-03-2019, resultando, sim, que todos os trabalhos executados por aquela tiveram o acordo prévio da Requerida.

Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.

1.ii. Facto ínsito no ponto 4) dos factos provados [4) O material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ... (cujo teor aqui se dá por reproduzido) foi aplicado.]

Insurge-se a Recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal a quo por referência ao ponto 4 dos factos provados, sustenta a sua pretensão recursória, por referência à factura n.º..., nas fotografias juntas com a oposição e que, no seu entender, não se mostram impugnadas; no que tange à factura n.º ..., sustenta nas declarações de parte prestadas por AA, legal representante da Requerida.

Advoga que:
a. Apresentou reclamação relativamente à factura n.º... por a mesma não se mostrar conforme ao que consta do orçamento quanto aos seguintes pontos:

_ a Recorrida instalou um filtro laminado/soprado 760 quando deveria ter aplicado um filtro de 750 fabricado em poliéster laminado com fibras de vidro com válvula lateral de 6 posições;

_ a Recorrida  aplicou no lago duas  electrobombas, sem electroválvula para ligar o sistema em domótica;

_  o aparelho de sal e a bomba de PH - surgem na fotografia 6 da oposição - sem qualquer ligação com o circuito;

_  a Recorrida facturou e aplicou três quadros elétricos.
b. Apresentou reclamação quanto à factura ..., correspondendo o valor facturado  a uma correia de transmissão de um robot, novo, dentro da garantia, que a Requerente não quis assumir a reclamação junto do fornecedor do equipamento, tendo o empreiteiro AA explicado que a correia partiu na solda, não se tratando de desgaste.
c. As  facturas nº... e ..., no valor de €152,00 e €358,000, mostram-se pagas, conforme demonstrado por requerimento de 24-11-2022.

A impugnação da decisão da matéria de facto relativamente ao ponto 4 merecem-nos algumas considerações.

Em primeiro lugar, no ponto 4 dos factos provados não foi vertido qualquer facto referente ao pagamento/não pagamento de facturas, mas à aplicação/não aplicação dos materiais e equipamentos que se mostram especificados nas facturas n.º ..., ..., ..., .... Consequentemente, carece de qualquer sentido a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento no pagamento das facturas nºs ... e ..., sendo de salientar que esse pagamento ocorreu já na pendência dos autos.

Em segundo lugar, no que concerne à factura n.º ..., a Requerida/Recorrente não nega que tenha sido aplicado o material mencionado na factura n.º .... Pelo contrário, admite a sua aplicação. Ainda a propósito da factura n.º ..., invoca a Requerida/Recorrente que “a correia partiu na solda”, sendo de realçar que no email de 5/8/2021, a Requerida/Recorrente não alega tal facto, sendo a primeira vez que, nos autos, surge a referência à “correia partida”.

Em terceiro lugar, a apresentação de reclamações pela Requerida não significa a verificação das patologias por si indicadas ou que lhe assiste razão nas explanações aí feitas. Significa, tão somente, a apresentação de reclamação.

Em quarto lugar, contrariamente ao alegado pela Recorrente, a Requerente, na resposta às excepções impugnou as fotografias juntas com a oposição (cfr. ponto 45 da resposta às excepções), bem como as fotografias nºs 1 a 6 e, pronunciando-se sobre as patologias mencionadas na oposição, bem como nos emails juntos com esse articulado, a Requerente tomou posição sobre as mesmas, rejeitando-as.

Posto isto, do ponto 4 dos factos provados consta que “O material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ...  foi aplicado”.  Por referência ao material e equipamento mencionado em tais facturas, com excepção da falta de ligação ao circuito, quer do aparelho de sal, quer da bomba de PH, a Recorrente/Recorrida não invoca que esse material não foi aplicado ou que os equipamentos não tenham sido instalados; o que refere é que a aplicação do material descrito na factura n.º... não se se mostra conforme ao que consta do orçamento.

Sobre o que foi convencionado entre Requerente e Requerida e a existência de acordo entre ambas relativamente a todos os trabalhos executados na obra e equipamentos aí instalados, o Tribunal já se pronunciou na apreciação da impugnação da decisão quanto à matéria de facto por referência ao ponto 3.

Em quinto lugar, discorda a Recorrente da valoração feita pelo Tribunal a quo do depoimento prestado pela testemunha BB, bem como da valoração do depoimento prestado pela testemunha CC por não ter considerado que esta não dispõe de qualificação técnica necessária para apreciação dos trabalhos realizados pela Requerente. Sustenta a Recorrente  que o depoimento da testemunha BB é  “pouco isent[o] e incoerente[e]” e mostra-se  “contrariad[o]  pelo empreiteiro AA”, ou seja, o legal representante da Requerida cujas declarações mostram-se corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha CC.

Contrariamente ao pretendido pela Recorrente, na reapreciação da prova, não pode deixar de se tomar em consideração o interesse da testemunha BB, mas, também, o interesse do declarante AA, no desfecho desta acção. BB é cônjuge da legal representante da Requerente e tem a seu cargo a elaboração dos orçamentos e a execução dos trabalhos na obra. AA é legal representante da Requerida.

Nos termos do artigo 396.º do Código Civil e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento da testemunha é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador.

O mesmo ocorre com as declarações de parte, dispondo o n.º 3 do artigo 466.º do CPC que admite a livre valoração pelo juiz de todo o conteúdo das declarações que não se reconduza à figura da confissão, sendo esta valorada em sede própria.

Nas palavras do Professor Alberto dos Reis, que mantêm plena actualidade, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”.[1]

A livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da prova pois, apenas a fundamentação racional e lógica que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível.

Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.[2]

Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.

É da conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante que se confere credibilidade a determinados elementos de prova.

Sobre a valoração das declarações de parte, referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[3], “a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo três posições essenciais: tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; tese do princípio de prova; tese da autossuficiência das declarações de parte. Segundo a primeira, as declarações de parte têm uma natureza essencialmente supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova, salvo nos casos de prova única, em que inexiste outra prova. A tese do princípio de prova propugna que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova, ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios de prova (…). Para a terceira tese, as declarações de parte, pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autosuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, em função da livre apreciação…”.

No âmbito da primeira tese, inserem-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4] para quem «A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.» .

António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [5]consideram a terceira tese a mais ajustada, invocando os seguintes argumentos:
“a) Paridade face a outros meios de prova de livre apreciação com base nos quais pode ser considerado provado o facto (art. 607º, nº5), e necessidade de o juiz expor os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (nº4 do mesmo artigo);
b) O interesse da parte na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada, sendo a diferença apenas de grau;
c) A parte é quem, em regra, tem melhor razão de ciência; o nº3 do art. 466º não degrada o valor probatório das declarações de parte;
d) Simetricamente, no processo penal, as declarações do assistente e das partes civis podem, por si só, sustentar a convicção do tribunal;
e) Há que valorar em primeiro lugar as declarações de parte e só depois a pessoa do depoente, porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e só depois a declaração) implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório”.

Refere  o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 26/4/2017:[6] (i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.

Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.

Refere, no entanto, Luís Filipe Pires de Sousa[7] que na apreciação das declarações de parte, assumem especial acutilância parâmetros como:
i. a “contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais”: “[u]m relato autêntico/espontâneo que faça uma contextualização pormenorizada e plausível colhe credibilidade acrescida por contraposição a um relato seco, estereotipado/cristalizado ou com recurso a generalizações”.
ii. a “existência de corroborações periféricas que confirmem o teor das declarações da parte”: [a]s corroborações periféricas consistem no facto das declarações da parte serem confirmadas por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da declaração. Esses dados podem provir de outros depoimentos realizados sobre a mesma factualidade e que sejam confluentes com a declaração em causa. Podem também emergir de factos que ocorreram ao mesmo tempo (ou mesmo com antecedência) que o facto principal, nomeadamente de circunstâncias que acompanham ou são inerentes à ocorrência do facto principal. Abarcam-se aqui sobretudo os factos-bases ou indícios de presunções judiciais”.
iii. parâmetros, normalmente aplicáveis à prova testemunhal, que podem desempenhar um papel essencial na valoração das declarações da parte”, (….) designadamente [a] produção inestruturada, [a] quantidade de detalhes, [a] descrição de cadeias de interações, [a] reprodução de conversações, [a]s correções espontâneas, [a] segurança/assertividade e fundamentação, [a] vividez e espontaneidade das declarações, [a] reação da parte perante perguntas inesperadas, [a] autenticidade do testemunho. São também aqui pertinentes os sistemas de deteção da mentira pela linguagem não verbal e a avaliação dos indicadores paraverbais da mentira.”.

Nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa, “Inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações da partes e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados. Em caso de colisão, o julgador deve recorrer a tais critérios sopesando a valia relativa de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia”.

No Acórdão de 20/6/2016, proferido por este Tribunal, no Processo nº 2050/14.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, foi decidido:

Dúvidas não existem de as declarações de parte que, diga-se, divergem do depoimento de parte, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. Não se pode olvidar que, como meio probatório são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Efectivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Não obstante o supra referido, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que as partes tenham conhecimento directo).Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (466.º, n.º 3, do CP Civil) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar. A afirmação, peremptória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado n.º 3 do artigo 466.º do CPC. Mas compreende-se que, tendencialmente as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.

Neste contexto de suficiência probatória, e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova (e só assim pode ser, respeitando o princípio que se consagra no artigo 466.º, n.º 3 do CPC) parece-nos claro que nunca pode estar em causa a violação da norma constitucional que salvaguarda a tutela efectiva do direito (artigo 20.º, n.º 5, da CRP). Evidentemente que, perspectivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado por mero efeito das declarações favoráveis, não deixaria de violar a norma constitucional, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa–e aí, sem tutela efectiva–a parte contrária.

Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir”.

Acolhendo a posição defendida no citado Acórdão, vejamos a situação dos autos.

São manifestamente antagónicos o depoimento da testemunha BB e as declarações de AA, legal representante da Requerida/Recorrente. Embora BB não seja legal representante da Requerente, pelas razões  já expostas e atenta a relação à Requerente e à legal representante desta, é manifesto o seu interesse na procedência da acção, pelo que na valoração do seu depoimento e das declarações do legal representante da Requerida, impor-se-á a existência de outros elementos de prova que corroborem ou, pelo menos, indiciem a versão dos factos carreada pelos mesmos.

Conforme já se explicou, por referência à factura n.º ... – matéria vertida no ponto 4 dos factos provados -, não foi invocada, pela Requerida/Recorrente, a não aplicação, pela Requerente, de qualquer material e/ou equipamento, aí mencionado.

Importa, assim, aferir da não aplicação de material e/ou equipamento cobrado através da factura n.º... e que não tenha sido aplicado, pela Requerente.

Por referência à factura n.º...:

_ A Recorrente admite que a Recorrida instalou o filtro laminado/soprado 760. Dissente, apenas, que tenha sido acordado a aplicação desse filtro – o que é realidade diversa da não aplicação -, sustentando que devia ter sido aplicado “um filtro de 750 fabricado em poliéster laminado com fibras de vidro com válvula lateral de 6 posições” (conforme já foi explicado na apreciação da impugnação do ponto 3 dos factos provados, o orçamento datado de Março de 2019, não espelha o plano negocial  acordado entre as partes). Admite, igualmente, a colocação dos três quadros eléctricos que se encontram mencionados na factura n.º...

_ Relativamente ao sistema em domótica, não resulta da prova que tenha sido acordado entre Requerente e Requerida a instalação desse sistema (conforme já foi explicado na apreciação da impugnação do ponto 3 dos factos provados). Da factura n.º..., não consta qualquer cobrança referente à aplicação de electrovávula, no lago,  para ligar o sistema em domótica, nem que tenha sido cobrada a instalação do sistema em domótica.

_ Relativamente ao aparelho de sal, no email enviado à Requerente, a Requerida alega que o aparelho de sal encontra-se incompleto, faltando o cabo de ligação de sinal e o cabo de alimentação de eletrodos, pedindo, não a reparação mas “que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ...”.

O legal representante da Requerida reafirmou a factualidade alegada em sede de articulados.

A testemunha BB esclareceu que a instalação desse aparelho inclui a montagem dos acessórios de ligação cujo custo está integrado na parcela de €350,00, constante da factura nº...... parte do depoimento que se mostra audível, a testemunha BB explicou que “seja de que marca for (…) seja a mais barata, (…) o próprio aparelho traz o cabo. Ninguém tira aquilo. Vem de fábrica assim e é só preciso pegar naquele cabo - que é o cabo que como vimos na fotografia - e ligar àquela célula que são dois parafusos. Isso veio de fábrica. Isso (…) é assim em todas as marcas”.  Feita a pergunta: “Está a falar da ligação de sinal, dos eléctrodos daquela imagem?” e a testemunha BB respondeu “Tudo, daquela célula que a senhora só vê por fora, lá dentro estão lá os elétrodos todas as marcas, tanto faz ser da marca A ou da marca C… todos os cabos vêm” com o aparelho. Exibida a fotografia, explicou a testemunha “estão ali os quadros todos e o aparelho de sal, os 3 quadros e o aparelho sal”, estando este completo. “Tudo completo e tudo ligado à bomba de PH”. Perante a insistência da Ilustre Mandatária da Requerida, “o aparelho de sal estava ligado ao sistema, estava operacional para fazer funcionar?”, “Estava Completo?”, a testemunha respondeu afirmativamente, acrescentando “Basta por água e estava completo”. Questionada sobre os cabos de ligação ao sistema, a testemunha declarou que para a ligação desses cabos  “tem que ter água e sal dentro da piscina” e que para colocar tudo a trabalhar era necessário “o Senhor AA dizer «BB, a piscina tem água»” e então, depois de colocada água na piscina, “vamos lá para dentro, pegamos no cabo e é ligado”.

 Em suma, admitiu que os cabos de ligação não foram colocados, trabalho que, segundo o seu depoimento, só é executado após o enchimento da piscina com água e sal a efectuar pela Requerida, ou seja, nas suas palavras, quando aquela lhe dissesse “BB, a piscina tem água”, então, procederia à ligação dos cabos.

Sobre o aparelho de sal, referiu a testemunha CC que o aparelho encontrava-se tal como retratado na fotografia junta com a oposição (no artigo 20): “a eletrólise, os cabos, tudo o que é ligações, não consta nada”. Questionado se o aparelho de sal e o teste da eletrólise pode ser efectuado sem água no sistema, a testemunha CC respondeu que não, esclarecendo que quando foi à obra – em data posterior a 5 de Agosto de 2021 -, a piscina não continha água.

_ No que tange à bomba de PH, no email de 31 de Julho de 2021, invoca a Requerida que “a bomba de PH não é apropriada para esta piscina. Motivo: a sonda não tem a qualidade suficiente e as leituras começam a induzir o cliente em erro, como exemplo posso dizer que a minha foi colocada o ano passado e já está com problemas. Assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ...”.

A testemunha BB referiu que a bomba de PH só precisa de duas tomadas de carga, sendo uma  no local onde é aplicada uma sonda que faz a leitura e a outra tomada de carga, na frente. À semelhança do aparelho de sal, disse que só pode colocar a funcionar a bomba após a Requerida colocar água na piscina, o que não sucedeu enquanto esteve na obra. Referiu que “o princípio desta piscina, o funcionamento, era exactamente igual (…) dos outros trabalhos que já tínhamos executado para [AA] e que estavam a trabalhar nas perfeitas condições, como eu já disse anteriormente, até na própria casa dele, está a montagem, na casa do senhor AA …ou esta montagem, esta montagem dos equipamentos é que são maiores”.  “O funcionamento é igual. A única diferença desta piscina é que tem uma bomba maior e um filtro maior e um aparelho de sal maior “ e “a piscina também é muito maior, o princípio do funcionamento é exatamente igual. (…) E nunca houve qualquer reclamação. E como já disse, (…) só houve problemas quando o senhor ligou «agora, é preciso pôr a cobertura» e eu disse, eu preciso receber o que já está feito e o senhor disse «Eu pago tudo no final»”, tendo respondido “não, isso não. As condições nunca foram essas, nem nunca falámos disso.”

Declarou a testemunha CC que a bomba ph encontra-se incompleta, faltando as sondas e a injecção do produto, confirmando que a piscina, no início do mês de Agosto, ainda não tinha água, discordando, no entanto, da necessidade de a piscina conter água para completar a instalação dos equipamentos.

Não resulta da prova qual a formação da testemunha BB que o habilita a executar obras da natureza dos presentes autos. Não resulta, igualmente, da prova qual a formação e conhecimentos na área de piscinas, lagos e cascatas, que possui o legal representante da Requerente. Questionada sobre a fonte do seu conhecimento, respondeu a testemunha CC “é isso que mandam os livros”. Questionada “Em que livros é que aprendeu isso?”, a testemunha respondeu que aprendeu em “C...”, onde trabalhou no tratamento de águas, sendo da prestação desse trabalho que aprendeu “a parte de válvulas e manutenções e construção de estações de tratamento de água”. Pese embora a Recorrente alegue que a testemunha possui uma “vasta experiência que obteve enquanto trabalhou nas C..., em concreto, no tratamento de águas, manutenções e construções de estações e tratamento de águas”, do seu depoimento não resulta durante quanto tempo exerceu tais funções, se um mês, um ano ou vários anos.

Declarou a testemunha CC, “Eu vi que o equipamento era novo (…) Portanto, não se vai partir o equipamento que lá estava. E eu removi todo”. Declarou que nem todos os equipamentos que se encontravam instalados, estavam completos.  Ouvida a gravação, do depoimento prestado pela testemunha constata-se que a mesma emitiu a sua opinião sobre o equipamento que devia ter sido colocado. A título de exemplo, defendeu a aplicação de um único quadro a funcionar em domótica, referindo “vendeu-se três quadros para fazer uma coisa que um quadro só faz”, tendo, posteriormente, concluído que sendo dois sistemas separados, tinha que ter mais do que um motor, “mas com dois motores faz a mesma coisa”. Questionado sobre o filtro colocado, a testemunha CC respondeu que “está bem dimensionado”; para a área, para o volume da piscina, para o volume de tratamento e em termos de dimensionamento, está bem” o filtro colocado pela Requerente, acrescentando “nem se põe em causa, porque o meu é exactamente o mesmo tipo de dimensionamento; a questão é de pressão de ensaio, a questão mecânica, de resistência mecânica do próprio filtro. Que este é metade de um dos outros”. Explicou que “quando a piscina trabalha a uma cota superior onde  o filtro está colocado (…), temos que ter atenção que a água da piscina encontra-se a um nível superior à de filtro. (…)e quando é assim, por prática comum e corrente, nós temos que pôr um filtro sobredimensionado em termos de pressão de ensaio, que é, no fundo, o impacto, a força, que ele aguenta”.

Concluiu a testemunha que “é uma questão de segurança, nós temos que ter filtros com uma resistência mecânica superior quando são filtros colocados a cotas abaixo do nível da piscina (…).E por questões de durabilidade, nós optamos por esse filtro, que é um filtro  muito mais caro em nível de preços, mas tem uma pressão de trabalho muito superior e aguenta muito mais a pancada e a fadiga do próprio material. Supostamente estes filtros, eles dão-nos garantia de 20 anos em funcionamento naquelas condições. Os outros não”. Resulta, ainda do depoimento da testemunha CC que o risco da pressão aumenta quando existe a colmatação dos filtros, ou seja, os filtros começam a apresentar sujidade, sendo nessa situação que “a bomba começa a debitar toda a pressão que tem”. Acrescentou que esta consequência não está relacionada com o número de anos de funcionamento da piscina mas com “ a sujidade da própria piscina”, incumbindo ao cliente a  limpeza dos filtros.

Questionado sobre o filtro colocado, a testemunha BB - da parte audível do depoimento – declarou que o filtro por si colocado é adequado e suficiente, acrescentando “quando se fala do filtro que eu lá pus fala-se de um filtro certificado, feito por empresas certificadas”.

Declarou a testemunha CC que é recomendada a aplicação de válvula de retenção ao invés do passador. Questionada “em que livros é que aprendeu isso?”, a testemunha respondeu que aprendeu em “C...”, onde trabalhou no tratamento de águas.

Feita a pergunta “então, toda a desconformidade, todas as anomalias que encontrou foi em termos de válvulas que, na sua opinião, deve levar válvulas e não levar passador?”, a testemunha CC respondeu “foi aquilo que eu recomendei”.

Conforme já se explicou, da prova produzida resulta que todo o equipamento instalado na obra pela Requerente resulta do plano negocial acordado entre esta e a Requerida. Salvo o devido respeito, o juízo técnico sobre a escolha e a instalação de material e equipamentos, emitido pela testemunha CC cujo conhecimento decorre da prestação de trabalho no tratamento de águas, no tratamento de águas, desconhecendo-se durante  quanto tempo exerceu tais funções, não se mostra prova suficiente para, com um mínimo de certeza e de segurança, se concluir que o material/equipamento aplicado pela Requerente apresentava as patologias por si referidas.

Dispensamo-nos de repetir as considerações jurídicas feitas na decisão recorrida a propósito do ónus da prova porquanto, trata-se de fundamento jurídico não questionado por qualquer das partes. Assim, recai sobre a Requerente o ónus de prova da aplicação do material e instalação do equipamento descritos nas facturas mas, incumbe ao dono da obra a prova da desconformidade entre o material aplicado e o plano negocial. O mesmo sucede com a existência do defeito que enquanto facto constitutivo dos direitos do dono da obra, compete-lhe a respectiva prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Persistindo dúvidas sérias quanto às patologias alegadas pela Requerida e considerando as regras do ónus da prova, essa factualidade deverá ser carreada para a matéria de facto não provada.

Relativamente à aplicação do material e instalação do equipamento descritos nas facturas, considerando o depoimento da testemunha BB, a Requerente não logrou demonstrar que completou a instalação do aparelho de sal, nem da bomba ph, constando esse trabalho da factura n.º..., sob o item “montagem: €350,00”. É certo que a testemunha BB referiu que a instalação destes dois equipamentos só era possível após o enchimento da piscina, o que incumbia à Requerida, mas, este depoimento, nesta parte, não se mostra corroborado por qualquer outro meio de prova. Convoca-se o que foi referido pela testemunha CC quanto à necessidade da colocação de água na piscina para fazer os testes com os equipamentos, rejeitando essa necessidade para completar a  instalação de tais equipamentos.

Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto 4 dos factos provados, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:

4) Foi aplicado o material mencionado nas facturas n.º ..., ..., ..., ..., com excepção da instalação do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal; e da instalação dos dois cabos de doseamento da bomba ph; trabalhos incluídos na factura n.º..., sob o item “montagem: €350,00” .

Considerando o pagamento invocado no requerimento de 24/11/2022 e o documento junto com o mesmo, pela Requerida, e não impugnado, adita-se aos factos provados, nos termos do artigo 662º, nº1, do CPC, o seguinte facto:

8_ As facturas nº ..., vencida em 12/5/2021, e nº112, vencida em 19/7/2021, no valor de €152,00 e de €358,00, respectivamente, foram pagas em 24/11/2022.

1.iii. Facto ínsito no ponto 6) dos factos provados [6) Foi acordado que as facturas eram emitidas com pagamento a pronto.”]

Insurge-se a Recorrente com a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 6 dos factos provados, sustentando que do depoimento da testemunha BB extrai-se que a Requerente só emitia a factura após finalizados os trabalhos, tendo facturado os equipamentos incompletos e desprovidos das suas características essenciais.

Conclui, assim que o ponto 6 deve passar a ter a seguinte redacção: “Foi acordado que a Ré procedia ao pagamento das facturas emitidas a pronto após finalizados os trabalhos pela Autora.”

Cumpre apreciar e decidir.

Ouvida a gravação efectuada da prova em audiência, facilmente se constata que a testemunha BB, de forma clara e sem hesitação, declarou que a obra não se encontra finalizada. E explicou isso mesmo, quer a propósito da falta de colocação da cobertura, quer a propósito da experimentação de alguns aparelhos instalados que estava dependente da Requerida encher a piscina com água, o que não sucedeu até Agosto de 2022 (confirmado pela testemunha CC). Inquirida sobre o pagamento da obra adjudicada, esclareceu a testemunha BB que o acordo que tinha estabelecido com AA consistia em após cada trabalho executado, ser emitida a respectiva factura e efectuado o seu pagamento, acrescentando que, nessa conformidade, consta de todas “pronto pagamento” pois, era isso que estava acordado.

Em sentido não coincidente, declarou o legal representante da Requerida que as condições de pagamento fixadas entre ambas as partes foi no sentido de pagamento ser efectuado “após as diversas empreitadas”. No entanto, acrescentou “Procedíamos ao pagamento de acordo com os trabalhos que realizava e os pagamentos foram sempre feitos, ou seja, sempre que ele realizava um trabalho; mal o trabalho estava concluído, ele ligava-me logo”.

A testemunha DD, contabilista certificada, a prestar trabalho para a Requerida, desde 2016, não revelou conhecer o que foi acordado entre a Requerente e AA, legal representante da Requerida, cingindo-se o seu conhecimento quanto ao procedimento adoptado no pagamento das facturas. O mesmo sucede com a testemunha EE, pedreiro, cujo conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs advém de prestar trabalho para AA, legal representante da Requerida; declarou a testemunha  que o único contacto que teve com  BB localizou-se no início da obra, no ano de 2019, quando este lhe levou peças para aplicar, não tendo acompanhado a fase em que por este foram instalados os equipamentos.

Corrobora o depoimento da testemunha BB o teor das facturas emitidas pela Requerente e das quais consta como data de vencimento a data de emissão. Corrobora igualmente o seu depoimento o teor dos emails enviados pela Requerida, à Requerente. Da leitura desses emails, em momento algum a Requerida invocou que o vencimento das facturas não era na data da respectiva emissão. Caso não tivesse sido esse o acordo, não é plausível que a Requerida, face aos emails de teor tão pormenorizado, não tivesse invocado tal facto.

Não deixa de ser curioso que na narração do sucedido, o legal representante da Requerida não mencionou ter confrontado BB com o facto de não puder fazer depender o prosseguimento dos trabalhos do pagamento das facturas já emitidas, o que, à luz do crivo das regras da experiência, seria a mais plausível, caso existisse um acordo de pagamento nos termos referidos pelo legal representante da requerida.

Face à divergência entre o depoimento de BB e as declarações do legal representante da requerida, assume particular relevância a prova documental, ou seja, o teor das facturas.

Situação diversa do acordo quanto ao vencimento das facturas, é saber se os trabalhos cobrados em cada factura foram efectivamente executados e em conformidade com o plano negocial.

Improcede, assim, a impugnação da decisão, nesta parte.

1.iv. Factos ínsitos nos pontos d) [d) O filtro do lago aplicado pela autora está sobredimensionado para os m3 da água existentes.], e) [e) Ao aparelho de sal falta-lhe cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos],. f) [f) A bomba de PH aplicada é desapropriada para esta piscina por força da sonda induzir o cliente em erro nas leituras], g) ][g) Os eléctrodos de gerador de sal encontram-se mal aplicados pois a piscina apresenta num nível superior, pelo que a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas).],  h) [h) As válvulas colocadas não estão na saída das electrobombas.], i) [i) O filtro aplicado tem capacidade máxima de 1.5 Bar, o que é insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas.] e j) [j) O que implicava a remoção de equipamentos instalados em obra; a montagem de equipamentos hidráulicos e eléctricos para tratamento de água da piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo rectificação de toda a instalação eléctrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção.]  dos factos não provados: devendo ser transferidos para os factos provados com a seguinte redacção:

15) Na queda de água do lago, a Requerida instalou duas eletrobombas, uma para os bicos e outra para a cascata, sem electroválvula impedindo o funcionamento do sistema em domótica;

16) O filtro do lago aplicado pela Autora encontrava-se sobredimensionado para os m3 de água existentes;

17) A Requerente instalou um filtro laminado/soprado 760, contudo do orçamento consta um filtro de 750 fabricado em poliéster laminado com fibras de vidro com válvula lateral de 6 posições;

18) O aparelho de sal incompleto, falta cabo de ligação de sinal, cabo de alimentação de elétrodos;

19) A bomba de PH estava incompleta, só possuía o cabo de alimentação. Não tinha os cabos de doseamento, portanto, a entrada e a injeção, não tinha a sonda;

20) O gerador do sal não se encontrava em bypass (com colocação de válvula de 3 vias);

21) A Requerente não instalou válvulas de retenção nas saídas das electrobombas, mas passadores;

22) O filtro aplicado tem capacidade máxima de um bar e meio insuficiente para este tipo de piscina por apresentar-se num nível superior de 2,85m para com a casa das máquinas;

23) a Ré contratou um terceiro para a montagem de equipamentos hidráulicos e elétricos para tratamento de água piscina e lago interior com cascata; a remoção tubagem mal executadas e fabricação de novas incluindo retificação de toda a instalação elétrica e hidráulica; o fornecimento e montagem de válvulas de retenção;

Insurge-se a Recorrente com a decisão da matéria de facto por referência à factualidade vertida nos pontos d) a j) dos factos não provados.

Convocando o acima exposto quanto à prova produzida relativamente ao plano negocial fixado entre as partes (aquando da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto por referência ao ponto 3 dos factos provados); à valoração das declarações de parte, prestadas pelo legal representante da Requerida,  do depoimento da testemunha BB e do depoimento prestado pela testemunha CC, e sem necessidade de mais considerandos, não pode proceder a pretensão recursória por referência às alíneas d), f), g), h), i) e j) dos factos não provados e à redacção sugerida  sob os pontos 15, 16, 17, 20, 21 e 22. Como já explicado, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o juízo técnico feito pela testemunha CC não permite, com um mínimo de certeza, formar convicção no sentido pugnado pela Recorrente. Como referido pelo Tribunal a quo, “não se pode deixar de estranhar a fonte de conhecimento desta testemunha relativamente a matéria de piscinas (trabalhou na empresa de C...)”. 

Importa, ainda, referir o seguinte. Contrariamente ao sustentado pela Recorrente, a testemunha BB explicou a razão pela qual não aplicou a cobertura na piscina, e fê-lo de forma muito coerente.  Explicou a testemunha BB que não era o primeiro trabalho que executava para a Requerida, referindo “nós fazíamos as piscinas todas, penso eu, para essa empresa… já tínhamos feito e piscina da casa do senhor, do próprio senhor AA. Assim como já tínhamos feito outra piscina para ele e estávamos a executar outras piscinas também para essa empresa”. E explicou a origem do conflito da seguinte forma: “o senhor AA queria que eu continuasse a obra. E queria que eu pusesse lá uma cobertura automática nesta piscina, onde estávamos a trabalhar e eu disse-lhe que sem me pagar as facturas que já estavam vencidas, eu não punha lá mais material. E foi aí que o senhor AA me disse, se eu não punha mais lá material, nomeadamente esta cobertura, queria que eu tirasse tudo.”. Referiu que, na altura, disse ao legal representante da Requerida, “não tenho nada que retirar porque tudo o que nós fizemos, tudo o que nós instalámos está dentro das normas e está perfeitamente instalado. E foi daí que surgiu este litígio”. Explicou, ainda, que a cobertura consta do orçamento e a sua aplicação foi acordada mas não a aplicou porquanto, apesar de AA ter insistido pela execução desse trabalho, transmitiu-lhe que não o faria enquanto não fossem pagas as facturas emitidas, vencidas e não pagas, sendo então que a Requerida começou a apresentar reclamações.

O depoimento da testemunha BB está corroborado pelos seguintes elementos:

- As facturas nº ... (pagamento efectuado apenas em 24/11/2022: documento nº 6 junto com o requerimento de 24/11/2022), nº 94 – no valor de €5.102,00 -, nº 112  - valor de €358,00 – e nº 119 (pagamento efectuado apenas em 24/11/2022: documento nº 6 junto com o requerimento de 24/11/2022), não se encontravam pagas, na data da propositura da acção. 

_ A reclamação referente à factura n.º..., emitida em 29/6/2022 e  vencida nessa data, só foi objecto de reclamação em 31/7/2022, ou seja, nenhuma patologia foi apontada pela Requerida, durante  mais de trinta dias, apesar de, segundo afirmado pelo seu legal representante, se encontrar presente quase todos os dias na obra. As patologias só começaram a ser invocadas em momento posterior a BB comunicar que não prosseguiria com os trabalhos enquanto não fossem pagas as facturas vencidas.

Pelo exposto, persistindo dúvidas sobre a factualidade ínsita nos pontos d), f), g), h), i) e j) dos factos não provados e atentas as regras do ónus da prova, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

No que tange ao ponto e) [Ao aparelho de sal falta-lhe cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de eléctrodos.], deve ser eliminado dos factos provados, atenta a inclusão dessa factualidade no ponto 4 dos factos provados. Com igual fundamento mostra-se prejudicada a apreciação dos pontos 18 e 19, sugeridos pela Recorrente.

Não tendo sido admitida a compensação, mostra-se inócua a apreciação da factualidade vertida no ponto 23 sugerido pela Recorrente, pelo que se decide não conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.

Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte, eliminando-se o ponto e) dos factos provados.

2ª Questão

Pretende a Recorrente o aditamento, à matéria de facto considerada provada, dos seguintes factos:

8) Em 31 de Julho de 2021, a Requerida reclamou a factura n.º..., descrevendo as anomalias e desconformidades apresentadas nos equipamentos aplicados no Lago e Piscina (documento n.º 12 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

9) A 5 de Agosto de 2021, a Requerida reclamou a factura n.º ..., por se tratar de uma correia de transmissão para um Robot Kipsol, equipamento novo, por isso, dentro da garantia; (documento n.º 17 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

10) A 5 de Agosto de 2021, a Requerida interpelou a Requerente para reunir em obra, no dia seguinte às 8h30 e 14h00; (documento n.º 19 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido);

11) A 11 de Agosto de 2021, a Requerida enviou comunicação escrita a resolver o contrato de empreitada com a Requerente, com efeitos imediatos, por não cumprimento do contrato de empreitada; (documento n.º 20 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido)

12) Em 12 de Agosto de 2021, a Requerida dirigiu a mesma comunicação à Requerida, por carta registada com aviso de recepção tendo vindo devolvida com a menção “objecto não reclamado”. (documento n.º 21 da oposição cujo teor aqui se dá reproduzido)

13) A Requerente facturou e aplicou três quadros elétricos.

14) Os equipamentos mencionados na factura ... foram removidos pela Ré e devidamente armazenados.

No ponto 7 dos factos provados, o Tribunal a quo fez constar “7) O teor das missivas trocadas entre as partes e juntas com a oposição, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.

Os documentos são meios de prova destinados a demonstrar factos. Dar por reproduzido um documento ou o teor de um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, não corresponde a consignar um facto porque os documentos não são factos. Assim, na descrição da matéria de facto provada, não há que remeter integralmente para o conteúdo do documento ou dar o mesmo por reproduzido, mas consignar os factos eventualmente provados por esses documentos.

Conforme já foi referido, os emails não demonstram a existência de patologias  nos trabalhos executados pela Requerente mas, apenas, a reclamação por parte da Requerida por, no seu entender, se verificarem tais defeitos.

Assim, proceder-se-á à correcção da redacção do ponto nº 7, consignando os factos que a Recorrente pretende ver aditados e que se mostram demonstrados com base nos documentos aí mencionados.

Assim, aditam-se aos factos provados os seguintes:

7.1.  Por email de 31 de Julho de 2021, enviado à Requerente, a Requerida, sobre a “Factura nº ...”, apresentou reclamação quanto ao “equipamento do lago”, com os seguintes fundamentos:

_1º Ponto:  Factura nº ...: na factura nº... consta “um total de 3 quadros eléctricos aplicados em obra” estando o “problema (…)  na Factura nº ... onde se encontra mais um quadro elétrico, quadro esse que não aparece (…) na obra…”.

_ “2º Ponto: reclamação da electrobomba e quadro elétrico aplicado para a queda de água, confirmo essa reunião não com o Sr. EE mas sim com o eletricista da obra e nesse mesmo dia ficou combinado/acordado o Sr. BB colocar uma eletroválvula e o eletricista colocar um módulo de domótica para acionar a cascata quando o cliente assim o bem entender. Para Isso foi colocado pelo picheleiro da obra mais uns tubos desde o lago até a casa das máquinas. A eletroválvula entra em funcionamento assim que o módulo de domótica que será ligado ao quadro montado pelo Sr. BB der a ordem”.

_ “3º ponto: Filtro do lago sobredimensionado para os m3 de água existentes, assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na fact. nº ...”.

Equipamento da piscina;

Devolução da fatura nº ..., em questão equipamentos incompletos e incompatíveis com as dimensões recomendadas para a dimensão da piscina, passo a discriminar:

1º ponto

- Aparelho de sal incompleto, falta cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de elétrodos, assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ....

2º ponto

- Bomba de PH, não é apropriada para esta piscina, Motivo: a sonda não tem a qualidade suficiente e as leituras começam a induzir o cliente em erro, como exemplo posso dizer que a minha foi colocada o ano passado e já está com problemas. Assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ....

3º ponto

- Montagem deficiente no elétrodos de gerador de sal. Apesar da piscina se apresentar num nível superior a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas). Anexo fotografia 2. Assim sendo a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade, descontando os valores da ....

4º ponto

Ligações deficientes, as válvulas por vós colocadas deveriam estar na saída das eletrobombas, Anexo fotografia 3. Assim sendo a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade, descontando os valores da ...,

5º ponto

Colocação de filtro com capacidade máxima de 1.5 Bar, este filtro não tem capacidade para este tipo de piscina porque esta apresenta-se num nível superior de 2.85m para com a casa das máquinas. Assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ....

Conforme conversa via telemóvel com o Sr. BB para retirar os equipamentos e anular as faturas sem êxito, assim sendo venho por este meio fazer mais uma chamada de atenção e dar um prazo máximo de 3 dias a contar da próxima segunda feira dia 2 de agosto para retirar os equipamentos e anular as faturas, entendo que são poucos dias mas estou a ser pressionado pelo dono de obra para terminar os equipamentos e colocar água na piscina, volto a recordar que o pedido para a realização da montagem já ultrapassa os 2 meses.

Sem mais de momento aguardo a vossa resposta da entrada em obra para a desmontagem e remoção dos vossos materiais, caso não respondam a este email os vossos materiais serão desmontados e empilhados até ao dia do seu levantamento. Os valores de ocupação do espaço no interior do lote da moradia terá a quantia que o dono de obra decidir aplicar a partir do dia 5 de agosto de 2021. Obrigado. Envio as fotos no email seguinte para prova…”.

7.2. Por email de 5 de Agosto de 2021, a Requerida comunicou à Requerente que rejeitava a factura nº ..., com o seguinte fundamento “o robot foi comprado o ano passado entre Julho e Agosto (…), assim sendo pergunto pela garantia do mesmo, não deveria ser de dois anos?”.

7.3. Ao email referido no ponto anterior, respondeu a Requerente, por email de 6/8/2021, que “a correia é uma peça de desgaste não sendo coberta pela garantia”.

7.4. Por email de 5 de Agosto de 2021, a Requerida deu conhecimento à Requerente que aguardou, sem êxito,  a marcação de reunião para resolução do problema e que no dia seguinte, pelas 8h30m, iria estar presente na obra, e às 14horas, voltaria a estar, novamente, na obra, acrescentando “se preferir marcar outra hora também estarei disponível, volto a frisar que tenho o dono de obra a pressionar-me para encher a piscina. Deixo já registado que no sábado também me encontro disponível, como já o fizemos muitas vezes. Se não demonstrar interesse e ou alegar que a marcação é feita fora de horas vamos dar-lhe a próxima segunda-feira.

No caso de não responder ao email informo o começo da desmontagem do equipamento para a próxima terça-feira dia 10 de agosto de 2021, de acordo com referido no email anterior”.

7.5. Por email de 11 de Agosto de 2021, a Requerida comunicou à Requerente a resolução do contrato de empreitada, com o seguinte fundamento:

“… como é do vosso conhecimento, em finais de dezembro do ano de 2020 foi adjudicado a V. Exas a empreitada para execução de acondicionamento de lago artificia! e preparação, instalação e funcionamento de equipamento para piscina exterior na obra de construção de moradia unifamiliar, Avenida ... e Rua ..., ..., São João da Madeira.

Sendo que, em inícios de fevereiro e março deste ano de 2021 foi dado conhecimento a Vossas Exas que iríamos proceder a colocação de revestimentos da piscina, de modo a dar execução da empreitada de preparação, instalação e funcionamento de equipamento para tratamento e filtragem da piscina exterior.

Piscina cujo tipologia se encontra estabelecida de acordo com o caderno de encargos e projeto de obra, com as medidas 15,75mts x 3,25mts x 1,50mts, e tanque com capacidade entre os 70.000 e os 75,000 Lts de água, contando com tanque de compensação e reservatório do espelho de água em zona exterior/ar livre.

Nesse sentido, solicitámos os vossos serviços para instalação de equipamentos especializados para tratamento e adequados à tipologia da piscina exterior e à realização/execução das empreitadas necessárias para o correto funcionamento e operacionalidade do sistema de apoio para tratamento e filtragem da piscina exterior e lago superficial.

Acontece que conforme os contactos telefónicos mantidos e as reuniões efetuadas com picheleiro e eletricista, a execução da empreitada adjudicada a Vossas Exas tem decorrido com diversas e inúmeras desconformidades, conforme já evidenciadas e enumeradas ponto por ponto na nossa reclamação exposta e fundamentada por via do nosso e-mail enviado para a Vossa Gerência no passado dia 31.07.2021, e para onde remetemos em todo o seu conteúdo e anomalias aí discriminadas e justificadas.

Sendo que, em nome da boa verdade, até à presente data, Vossas Exas não se dignaram retificar, corrigir, substituir o equipamento não adequado para a tipologia da piscina.

Nesse sentido, e por se verificar que os equipamentos instalados não são os aptos e adequados à tipologia da piscina exterior alvo da empreitada, foi solicitado já por diversas vezes a sua desinstalação, e consequente anulação das faturas ... e ... emitidas à revelia do combinado quanto ao momento de faturação e modo de pagamento acordado.

A verdade é que, à semelhança do tempo já decorrido para execução da empreitada adjudicada a Vossas Exas., que se diga, já leva mais de 6 meses, por consecutivos adiamentos da vossa parte, com motivações implausíveis e injustificáveis, apesar das nossas insistências, certo é que, à presente data, os equipamentos instalados e o equipamento (piscina) não se encontram em funcionamento. Pelo que, tal situação já originou sucessivas reclamações por parte do Dono de Obra, colocando mesmo em questão a competência e capacidade de resposta para o serviço.

Apesar das nossas diversas e constantes insistências, devido à urgência de finalização da empreitada adjudicada à Vossa Firma, às reclamações apresentadas pelo Dono de Obra, e à morosidade, insuficiência e deficitária execução dos vossos serviços contratados, Vossas Excelências continuam num silêncio total, sem resposta ao solicitado e adiando soluções para os problemas apresentados na execução deficitária dos vossos serviços.

Sabem ainda, como já comunicado junto de Vossas Exas, que a não finalização dos vossos serviços está a originar sérios prejuízos quer na imagem da nossa firma, quer nos compromissos assumidos com o Dono de Obra e outros intervenientes que já se encontram contratados, designadamente, técnicos para nivelação da volumetria e monitorização do nivelamento de queda de água no espelho de água e os bombeiros para enchimento da piscina, e mais os prejuízos materiais e deteriorações quer na estrutura, revestimento e isolamento térmico da piscina. Prejuízos que serão devidamente imputados a Vossas Exas. por inoperatividade da vossa parte.

Todas estas situações em cima e anteriormente já elencadas, quebraram irremediavelmente a nossa confiança e pretensão da continuação dos vossos serviços, pelo que, uma vez que vocês incumpriram com a vossa prestação a que estavam vinculados pelo contrato de empreitada da obra adjudicada, vimos por este meio comunicar a resolução do contrato de empreitada adjudicado à Vossa Firma, com efeitos imediatos.

Deste modo, e como já comunicado anteriormente por via de e-mail, somos a informar que já decorrido o prazo determinado para retirarem/desinstalarem os equipamentos por Vossas Exas instalados, comunicamos que iremos proceder à desinstalação/retirada dos vossos equipamentos instalados, não nos responsabilizando por quaisquer defeitos que daí possam advir sobre os vossos equipamentos.

De igual modo interpelamos Vossas Exas para procederam à anulação das faturas, aliás como já solicitado e anuído pela Gerência, nomeadamente, o Exmo. Senhor BB….”.

7.6. A requerida enviou, à Requerente, em 12 de Agosto de 2021, uma carta  registada com aviso de recepção, com o mesmo teor do email  de 11 de Agosto, que foi  devolvida com a menção “objecto não reclamado”.

Do documento nº17 junto com a oposição, não é mencionada qualquer “correia de transmissão”, pelo que, nesta parte, improcede a pretensão recursória quanto ao facto por si sugerido no ponto 9.

O facto constante do ponto 13 [13) A Requerente facturou e aplicou três quadros elétricos.] sugerido pela Recorrente já resulta da articulação entre os factos vertidos nos pontos 3 e 4, pelo que improcede, nesta parte, a pretensão recursória.

O facto constante do ponto 14 [14) Os equipamentos mencionados na factura ... foram removidos pela Ré e devidamente armazenado.] é inócuo para a decisão a proferir, segundo as várias soluções plausíveis, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

Procede, assim, parcialmente a pretensão da Recorrente.


*

Na resposta às excepções deduzidas pela Requerida, a Requerente alegou que a realização de testes aos equipamentos instalados, nomeadamente ao equipamento do controlo do PH, não era possível efectuar com a piscina vazia e que nunca lhe foi comunicado, por esta, que procedera ao enchimento da piscina.

Alegou, ainda, que (pontos 13 e 14) deu a conhecer, à Requerida, que verificados os atrasos no pagamento das facturas nºs. ..., ..., ..., vencidas em 4/3/2021, 10/3/2021  10/3/2021, e pagas em 12/5/2021, comunicou à Requerida que só fornecia equipamento e material dentro dessas condições de pagamento a pronto. Alegou, ainda, que terminada a execução (ponto 44) “de mais um serviço, ficou a Requerente a aguardar a liquidação das facturas, até ao presente”.

Pelo Tribunal a quo não foi proferida decisão por referência a essa matéria de facto e que assume a natureza de facto impeditivo da excepção deduzida pela Requerida, pelo que se mostra indispensável a ampliação da matéria de facto.

Constando dos autos todos os elementos necessários, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, procede-se, de seguida, à apreciação da matéria de facto referida.

Conforme já se explicou, a testemunha BB declarou que para os testes se mostra indispensável que a piscina esteja cheia, o que foi corroborado pela testemunha CC; o mesmo não sucede com a instalação do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal e a instalação dos dois cabos de doseamento da bomba ph; trabalhos incluídos na factura n.º....

 Confrontado com os emails juntos aos autos, BB confirmou não ter comparecido na obra por aguardar a liquidação das facturas emitidas, vencidas e não pagas.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, procede-se à modificação da decisão sobre a matéria de facto, aditando os seguintes factos:

Facto provado:

9. Para a realização de testes aos equipamentos instalados, nomeadamente ao aparelho de sal e ao equipamento de controlo do PH, é necessário que a piscina contenha água, não tendo a Requerida comunicado à Requerente que procedera ao enchimento da piscina.

10. A Requerente comunicou, à Requerida, que só fornecia equipamento e material mediante pagamento a pronto.

11. Após emitidas e entregues as facturas ..., ..., ... e ..., a Requerente ficou a aguardar a liquidação destas facturas para, após, prosseguir os trabalhos.

Facto não provado:

l) Para instalação do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal e dos dois cabos de doseamento da bomba ph, fosse necessário que a piscina se encontrasse cheia.

3ª Questão

Advoga a Recorrente que tendo  a “obra sido voluntariamente abandonada” pela Requerente, após diversas interpelações para reunir no local com vista a ultrapassar “a crise contratual verificada na execução do contrato de empreitada”, conjugada com a perda de interesse da Requerida na continuação da execução desse contrato, sendo esta perda de interesse objectivada pelo tempo decorrido, se verifica o incumprimento definitivo do contrato de empreitada, imputável à primeira.

Advoga, ainda, que fez prova da denúncia dos defeitos/desconformidades perante a Requerente, pedindo a sua eliminação, marcando diversas reuniões, sem que tenha logrado obter por parte desta, qualquer interesse, em assumir a sua eliminação, substituição e/ou anulação. O abandono da obra, atendendo às circunstâncias do tempo e do modo que o revestiu, pode ser interpretado como expressão de vontade firme e definitiva, por parte da Requerente de não cumprir o contrato o que equivale ao incumprimento definitivo, permitindo-lhe resolver o contrato.

Cumpre apreciar e decidir.

A factualidade provada permite-nos concluir que entre Requerente e Requerida foi celebrado um contrato de empreitada, não existindo dissídio entre as partes quanto à qualificação da relação jurídica a que se vincularam.

Prescreve o artigo 1208º do Código Civil, que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Trata-se de um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático.

Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados (cfr  art. 1208º do Código Civil) e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço (nº2 do art. 1211º do citado diploma).

O cumprimento da obrigação resulta da pontual execução do programa negocial, nos termos clausulados e de harmonia com as regras de boa fé e do princípio da concretização - art. 762º do Código Civil -, presumindo-se culposo o incumprimento – art. 799º, nº1, do Código Civil.

Nas palavras de José Baptista Machado[8] , “Cumprimento defeituoso ou inexacto – a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa. c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obriga­ção. d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto”.

No regime jurídico do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada,  os direitos conferidos ao dono da obra terão que ser exercidos desta forma sequencial: i) em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito; iii) apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.- cfr. artigos 1221º, 1222º e 1123º do C.Civil.

Assim, de harmonia com o disposto no art.º 1221.º, nº1, do C.Civil,  o dono da obra deve começar por exigir a eliminação dos defeitos pelo próprio empreiteiro. Se os direitos não puderem ser eliminados, o dono da obra poderá exigir a realização de uma nova obra (art.º 1221.º, nº1, 2.ª parte). Tratando-se de prestação de facto fungível, o dono da obra pode requerer a execução específica da prestação de facto, nos termos do art.º 828.º.  A execução específica prevista no art.º 828.º opera, porém, apenas por via judicial, pelo que só após a condenação do empreiteiro à eliminação do defeito ou à realização de nova obra, e perante a recusa deste, pode o comitente encarregar terceiro de proceder à realização dos trabalhos necessários para fazer suprimir o defeito, a expensas do empreiteiro. Sendo requerida a execução específica nos termos do art.º 828.º, os defeitos são eliminados ou a obra realizada de novo por outrem à custa do empreiteiro.[9]
Escreve João Serras, “Da articulação do regime das medidas previstas nos arts. 1221.º e ss., decorre não constituir exercício destes direitos uma escolha. Há, assim, um encadeamento no exercício destes direitos, não estando em relação de alternatividade (…). Nestes termos, o dono da obra terá, em primeiro lugar, direito à eliminação dos defeitos e, caso esta se revele impossível (art. 1221, n.º 1) ou desproporcionada, o direito à realização de obra nova (art. 1221.º, n.º 2). [10]

Não é, porém, admissível que o dono da obra proceda, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra, pois isso seria uma forma de auto-tutela não consentida na lei. Todavia, sendo urgente a reparação e não tendo o empreiteiro procedido atempadamente à eliminação, cabe ao dono da obra, com base nos princípios gerais, em particular a acção directa, proceder à reparação, exigindo o respectivo custo ao empreiteiro. [11]

Sobre a possibilidade de o dono da obra recorrer a um terceiro para o cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, verificado o incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, sendo os custos do recurso a esse terceiro um dano indemnizável, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, existem no Acórdão de 4/3/2008 [12]:

Porém, constituindo-se a ré em mora de eliminar os defeitos verificados na obra, tendo a mesma sido interpelada, admonitoriamente, dentro de prazo razoável fixado pelo autor, para o efeito, não importava que este percorresse o itinerário dos meios jurídicos referenciados, com precedência da eliminação dos defeitos e da realização de uma obra nova, gozando, assim, o autor do direito de reclamar daquela o pagamento da correcção dos aludidos defeitos, efectuada por terceiro.

É que o comitente só seria obrigado a percorrer o itinerário dos meios jurídicos referenciados, com precedência da eliminação dos defeitos e da realização de uma obra nova, se o empreiteiro, uma vez recebida a denúncia do dono da obra sobre as deficiências encontradas na mesma, se tivesse comprometido à sua reparação ou à construção da parte inacabada…”.[13]

Escreve Menezes Cordeiro[14], “A prolongar-se a mora, o dono pode lançar mão do artigo 808º/1: interpelação admonitória, com prazo razoável, findo o qual a obrigação se tem como definitivamente inadimplida. Pode ainda o dono da obra mostrar ter perdido o interesse na obra, merce da mora. Em qualquer dos casos, o contrato pode ser resolvido, com base no não cumprimento definitivo. A interpolação admonitória é dispensável se o faltoso declara, eficazmente, que não vai cumprir ou se, por comportamentos concludentes – por ex. o abandono da obra – mostrar uma vontade firme e definitiva de assim proceder. Nessa eventualidade, segue-se o regime da resolução ou o da execução especifica do contrato: por exemplo, através da contratação de um terceiro, que conclua a obra por conta do empreiteiro desaparecido”.[15]

Revertendo aos presentes autos, os fundamentos invocados pela Requerida para resolução do contrato que constam do email e da carta de 11/8/2021, são os seguintes:

 “…a execução da empreitada adjudicada a Vossas Exas tem decorrido com diversas e inúmeras desconformidades, conforme já evidenciadas e enumeradas ponto por ponto na nossa reclamação exposta e fundamentada por via do nosso e-mail enviado para a Vossa Gerência no passado dia 31.07.2021, e para onde remetemos em todo o seu conteúdo e anomalias aí discriminadas e justificadas”. [negrito nosso]

até à presente data, Vossas Exas não se dignaram retificar, corrigir, substituir o equipamento não adequado para a tipologia da piscina.

Nesse sentido, e por se verificar que os equipamentos instalados não são os aptos e adequados à tipologia da piscina exterior alvo da empreitada, foi solicitado já por diversas vezes a sua desinstalação, e consequente anulação das faturas ... e ... emitidas à revelia do combinado quanto ao momento de faturação e modo de pagamento acordado. [negrito nosso]

A verdade é que, à semelhança do tempo já decorrido para execução da empreitada adjudicada a Vossas Exas., que se diga, já leva mais de 6 meses, por consecutivos adiamentos da vossa parte, com motivações implausíveis e injustificáveis, apesar das nossas insistências, certo é que, à presente data, os equipamentos instalados e o equipamento (piscina) não se encontram em funcionamento. Pelo que, tal situação já originou sucessivas reclamações por parte do Dono de Obra, colocando mesmo em questão a competência e capacidade de resposta para o serviço. [negrito nosso]

Apesar das nossas diversas e constantes insistências, devido à urgência de finalização da empreitada adjudicada à Vossa Firma, às reclamações apresentadas pelo Dono de Obra, e à morosidade, insuficiência e deficitária execução dos vossos serviços contratados, Vossas Excelências continuam num silêncio total, sem resposta ao solicitado e adiando soluções para os problemas apresentados na execução deficitária dos vossos serviços. [negrito nosso]

…[A] não finalização dos vossos serviços está a originar sérios prejuízos quer na imagem da nossa firma, quer nos compromissos assumidos com o Dono de Obra e outros intervenientes que já se encontram contratados, designadamente, técnicos para nivelação da volumetria e monitorização do nivelamento de queda de água no espelho de água e os bombeiros para enchimento da piscina, e mais os prejuízos materiais e deteriorações quer na estrutura, revestimento e isolamento térmico da piscina. Prejuízos que serão devidamente imputados a Vossas Exas. por inoperatividade da vossa parte.

Todas estas situações em cima e anteriormente já elencadas, quebraram irremediavelmente a nossa confiança e pretensão da continuação dos vossos serviços, pelo que, uma vez que vocês incumpriram com a vossa prestação a que estavam vinculados pelo contrato de empreitada da obra adjudicada, vimos por este meio comunicar a resolução do contrato de empreitada adjudicado à Vossa Firma, com efeitos imediatos”.

No email de 31 de Julho de 2021,  enviado à Requerente, a Requerida, apresentou reclamação com os seguintes fundamentos:

_1º Ponto:  Factura nº ...: na factura nº... consta “um total de 3 quadros eléctricos aplicados em obra” estando o “problema (…)  na Factura nº ... onde se encontra mais um um quadro elétrico, quadro esse que não aparece (…) na obra…”.

_ “2º Ponto: reclamação da electrobomba e quadro elétrico aplicado para a queda de água, confirmo essa reunião não com o Sr. EE mas sim com o eletricista da obra e nesse mesmo dia ficou combinado/acordado o Sr. BB colocar uma eletroválvula e o eletricista colocar um módulo de domótica para acionar a cascata quando o cliente assim o bem entender. Para Isso foi colocado pelo picheleiro da obra mais uns tubos desde o lago até a casa das máquinas. A eletroválvula entra em funcionamento assim que o módulo de domótica que será ligado ao quadro montado pelo Sr. BB der a ordem”.

_ “3º ponto: Filtro do lago sobredimensionado para os m3 de água existentes, assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na fact. nº ...”.

Equipamento da piscina;

Devolução da fatura nº ..., em questão equipamentos incompletos e incompatíveis com as dimensões recomendadas para a dimensão da piscina, passo a discriminar:

1º ponto

- Aparelho de sal incompleto, falta cabo de ligação de sinal e cabo de alimentação de elétrodos, assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ....

2º ponto

- Bomba de PH, não é apropriada para esta piscina, Motivo: a sonda não tem a qualidade suficiente e as leituras começam a induzir o cliente em erro, como exemplo posso dizer que a minha foi colocada o ano passado e já está com problemas. Assim sendo pedimos que o retirem da obra e anulem o valor debitado na ....

3º ponto

- Montagem deficiente no elétrodos de gerador de sal. Apesar da piscina se apresentar num nível superior a montagem deveria estar colocada com by-pass, exemplo (com a colocação de 3 válvulas). Anexo fotografia 2. Assim sendo a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade, descontando os valores da ....

4º ponto

Ligações deficientes, as válvulas por vós colocadas deveriam estar na saída das eletrobombas, Anexo fotografia 3. Assim sendo a correção dos trabalhos será da nossa responsabilidade, descontando os valores da ...…”.

Dos fundamentos da reclamação, encontra-se demonstrada, apenas, a falta de  instalação, quer do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal, quer dos dois cabos de doseamento da bomba ph; trabalhos incluídos na factura n.º..., sob o item montagem: €350,00.

Assim, o fundamento da resolução do contrato de empreitada, a existir, mostrar-se-ia restringido à não instalação dos cabos de dois equipamentos, tendo a Requerente cobrado por esse trabalho a quantia de €350,00, na factura n.º..., no valor total de € 5.102,00.

Não resulta da matéria de facto provada a fixação de qualquer prazo para a  realização da obra acordada entre Requerente e Requerida. Em momento algum, foi alegado – e demonstrado – que existia um prazo de execução determinado ou que a obra devia estar terminada em determinada data. Em segundo lugar, pese embora  a referência, pela Requerida, a sucessivos adiamentos, da Requerente, na execução da obra,  essa realidade não consta da factualidade alegada e demonstrada.

Como referido, a lei permite que sendo urgente a reparação – não o termo da obra – e não tendo o empreiteiro procedido à eliminação dos defeitos, cabe ao dono da obra, com base nos princípios gerais, em particular à acção directa, proceder à reparação, exigindo o respectivo do custo ao empreiteiro. No caso, a Requerida invoca a urgência no termo da obra, mas não se encontra demonstrada essa realidade, nem se encontra demonstrada a urgência da reparação pois, de harmonia com a factualidade alegada, o cumprimento defeituoso (trabalho inacabado) reside na não instalação, quer do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal, quer dos dois cabos de doseamento da bomba ph; trabalhos incluídos na factura n.º..., sob o item montagem: €350,00.

Aliás, não era possível a realização dos testes ao equipamento do controlo do PH, com a piscina vazia, incumbindo à Requerida o enchimento da piscina, nunca tendo sido comunicado, àquela, que já havia diligenciado nesse sentido.

No que tange à interpelação efectuada pela Requerida, como é sabido, o devedor só fica constituído em mora depois de interpelado para cumprir, havendo, porém, mora da sua parte, independentemente de interpelação, quando, designadamente, a obrigação tiver prazo certo (art.º 805.º, n.ºs 1 e 2, do C.Civ.), situação que não se verifica. Pode o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente seja fixado pelo credor, caso em que se considera não cumprida, em definitivo, a obrigação (art.º 808.º, n.º 1, do C.Civ.).

A perda de interesse  para o credor deve ser apreciada objetivamente (art.º 808.º, n.º 2, do C.Civ.), pois o que se pretende é evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele (credor) ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito.

O credor, para converter a mora em incumprimento definitivo, tem de interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, o fará incorrer em incumprimento definitivo da obrigação. Por isso, a mora transforma-se em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede. Trata-se da chamada interpelação admonitória ou interpelação cominatória que visa conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato e tem de conferir uma dilação razoável, em vista dessa finalidade, e comunicada em termos de deixar transparecer a intenção do credor.

A interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo peremptório, suplementar, razoável e exacto para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato se considera este definitivamente incumprido.[16]

Analisado o teor do email de 31 de Julho de 2021 e do email de 5 de Agosto de 2021, constata-se que a Requerida não interpela a requerente para efectuar a instalação do cabo de ligação de sinal e do cabo de alimentação de eléctrodos do aparelho de sal ou dos dois cabos de doseamento da bomba ph; trabalhos incluídos na factura n.º..., mas para “retirar os equipamentos e anular as faturas”, no “prazo máximo de 3 dias a contar da próxima segunda feira dia 2 de Agosto para retirar os equipamentos e anular as faturas” prazo que considerou “são poucos dias mas estou a ser pressionado pelo dono de obra para terminar os equipamentos e colocar água na piscina”.

Esta comunicação não obedece aos requisitos acima mencionados da interpelação admonitória.

Importa salientar que quando ocorreu a interpelação por email de 31 de Julho de 2021, a Requerida já se encontrava em mora relativamente às facturas nºs ..., ..., ... e ... (12 de Maio, 29 de Junho. 19 de Julho e 30 de Julho, respectivamente) nas quantias de €152,00, €5.102,00, €358,00, e de €55,35. Os trabalhos não realizados pela Requerente totalizam, apenas, o valor de €350,00, integrado na quantia de €5.102,00, cobrado pela factura n.º....

Sustenta a Requerida a perda de interesse - ponto 27 da oposição -  “na postura omissiva adotada pela Requerente, quer em relação à missiva enviada quer em relação aos trabalhos por realizar na obra, por email e carta datada de 11/08/2021”.

Como se referiu, a perda de interesse deve ser “apreciada objectivamente” - art. 808.º, nº2, do Código Civil. Este critério significa que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas. A lei impõe, em síntese, uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva. Daí a insuficiência da simples mudança da vontade do credor ou de um motivo que ele repute fundado, mas que o não seja à luz de uma orientação razoável. Nas palavras de João Baptista Machado, a perda de interesse em consequência da mora respeita aos casos em que o interesse do credor que despareceu durante  a mora se liga a uma finalidade  que não fez parte do conteúdo  do negócio, “em que o fim-motivo negocialmente irrelevante pode vir a relevar por efeito de uma  inexecução (de uma perturbação na fase executiva) do negócio”. [17]

Aqui chegados, importa referir que a Requerida não logrou demonstrar a alegada “postura omissiva” da Requerente, em toda a sua extensão pois, conforme já se expôs, dos factos provados resulta, apenas que esta não procedeu à instalação dos cabos de dois aparelhos. Todavia, o procedimento omissivo só por si não constitui fundamento para a perda de interesse na resolução contratual. Em suma, da matéria de facto demonstrada não resultam factos que permitam concluir no sentido da perda de interesse da Requerida, no contrato de empreitada celebrado com a Requerente.

Por último, invoca a Requerida, em sede de recurso, o abandono da obra, por parte da Requerente, para fundamentar a resolução do contrato. Esta questão não foi abordada nos articulados, nem nas questões a resolver, nem foi objecto de apreciação na sentença recorrida. Na oposição não foi invocado o abandono da obra como fundamento da resolução do contrato mas a  “postura omissiva adotada pela Requerente, quer em relação à missiva enviada, quer em relação aos trabalhos por realizar na obra, por email e carta datada de 11/08/2021”. Trata-se de questão nova. O recurso pressupõe uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso que não é o caso. Assim, trata-se de questão nova, estando vedado ao Tribunal de recurso a sua apreciação.

Sempre se dirá, no entanto, que “o abandono da obra é um conceito que há muito foi adotado no universo da gíria jurídica e que traduz o comportamento do empreiteiro que, após ter iniciado a execução dos trabalhos de realização da obra a que se vinculou, por iniciativa unilateral, cessa essa execução de um modo e/ou durante um período de tempo revelador, de forma concludente, que é sua intenção firme não retomar aqueles trabalhos, deixando a obra inacabada.

Com esta configuração, o abandono da obra, tem sido qualificado pela jurisprudência e pela doutrina como um comportamento significante da recusa do empreiteiro a cumprir integralmente a prestação a que se obrigou, dotada das caraterísticas que justificam a sua equiparação a um incumprimento parcial definitivo da obrigação de realizar a obra contratada.”[18].

Da matéria de facto assente não resulta demonstrado um comportamento da Requerente reveladora, de forma concludente, que é sua intenção firme não retomar os trabalhos e deixar a obra inacabada. Resulta da matéria de facto provada que a Requerente aguardava o pagamento das facturas por si emitidas, vencidas e não pagas.

Assim sendo, não se mostram preenchidos os pressupostos para a resolução do contrato de empreitada, pelo que improcede, nesta parte, o recurso.

4ª Questão

Dissente a Recorrente da condenação no pagamento das quantias de €152,00 e €358,00, referentes às facturas nº ... e ..., invocando o pagamento das mesmas.

Resulta da matéria de facto provada que a factura nº ..., vencida em 12/5/2021, e a factura nº..., vencida em 19/7/2021, no valor de €152,00  e de €358,00, respectivamente, foram pagas em 24/11/2022, pelo que se verifica a extinção da instância, nesta parte, por inutilidade superveniente da lide (artigo 277º, alínea e), do CPC).

Procede, assim, parcialmente o recurso. Todavia, a inutilidade superveniente da lide, decorrente do pagamento voluntário, durante a pendência da presente acção, das quantias mencionadas em tais facturas, não abrange os juros de mora vencidos desde 12/5/2021 até 24/11/2022, sobre a quantia de €152,00; e desde 19/7/2021 a 24/11/2022, sobre a quantia de €358,00. Nesta parte, concorda-se com o decidido pelo Tribunal a quo.

Resulta da matéria de facto provada que a Requerente aplicou o material e equipamentos mencionados na factura  ..., vencida em 19/07/2021, no valor de €55,33. Encontra-se, ainda, demonstrado que relativamente à factura ..., vencida em 26/07/2021, no valor de €5.102,00, a Requerente aplicou o material e equipamento aí mencionados mas, não, a execução do trabalho de montagem dos cabos de ligação do aparelho de sal e da bomba PH,  no valor de €350,00.

Assim, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo relativamente à condenação da Requerida no pagamento da quantia de €55,33, acrescida dos juros de mora desde a data do vencimento da factura nº .... No que tange à factura nº..., a Requerida encontra-se obrigada a pagar, não a quantia de €5.102,00, mas a quantia de €4.752,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta e dois euros = €5.102,00 - €350,00), acrescida dos juros de mora vencidos desde 29/6/2024 até integral pagamento, pelo que, nesta parte impõe-se a revogação da sentença recorrida.

Procede, assim, parcialmente o recurso.


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Custas

As custas decorrentes da inutilidade superveniente da lide são a cargo da Recorrente/Requerida, nos termos do artigo 536º, nº4, do CPC.

As custas do acção e do Recurso ficam a cargo da Recorrente/Requerida e da Requerente, na exacta proporção do respectivo decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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V_ Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, os Juízes deste Tribunal da Relação decidem:
a. alterar a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 4 e 7 dos factos provados e ao ponto e) dos factos não provados que se elimina e aditar, aos factos provados, os pontos 7.1, 7.2, 7.3, 7.4, 7.5, 7.6, 8, 9, 10 e 11, e aos factos não provados, o ponto l), nos termos supra enunciados;
b. revogar a sentença na parte em que condenou a Recorrente/Requerida a pagar, à Recorrida/Requerente, as quantias de €152,00 (cento e cinquenta e dois euros) e €358,00  (trezentos e cinquenta e oito euros) e os juros de mora, vencidos desde 24/11/2022 e vincendos sobre tais quantias; e a quantia de €5.102,00 (cinco mil, cento e dois euros), acrescida dos juros de mora sobre essa quantia, vencidos desde 29/6/2021 e vincendos;
c. julgar a acção extinta, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, relativamente às quantias de €152,00 (cento e cinquenta e dois euros) e €358,00 (trezentos e cinquenta e oito euros);
d. condenar a Requerida/Recorrente a pagar, à Requerente, a quantia de €4.752,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta e dois euros), acrescida dos juros de mora, vencidos desde 29/6/2021, bem como dos vincendos, até integral pagamento;
e. no mais, confirmar a sentença recorrida.


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Custas da acção e do recurso pela Recorrente e Recorrida, na exacta proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, nº 1, do C.P.Civil), sendo da responsabilidade exclusiva da Recorrente as custas decorrentes da inutilidade superveniente da lide

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Sumário

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Porto, 10/7/2024
Anabela Morais
Fernanda Almeida
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Professor Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume IV, Reimpressão, Coimbra, 1987, p. 569.
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2022, 3ª edição, pág. 574.
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 4ª edição, vol. II, pág. 309.
[5] [5] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2022, 3ª edição, pág. 574.
[6] Acórdão de 26/4/2017, proferido no Processo nº 18591/15.0T8SNT.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Luís Filipe Pires de Sousa, “As malquistas declarações de parte”, em Revista Julgar online, Julho de 2015
[8] José Baptista Machado, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, vol. II, pág.386.
[9] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações – Parte Especial – Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, Almedina, 2ª ed., pág. 483; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 1986, comentário 2 ao art.º 1221, págs. 820 e 821.
[10] João Serras de Sousa, em anotação ao art.º 1221.º do C.C., Código Civil Anotado, vol. I, Ana Prata (Coord.), Almedina, 2017, pág.1517.
[11] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações – Parte Especial – Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, Almedina, 2ª ed., pág. 483.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4/3/2008, proferido no processo nº 1068/03.-3TBILH-A.C1, acessível em dgsi.pt.
[13] Sobre a questão, João Serras de Sousa, em anotação ao art.º 1221.º do C.C., Código Civil Anotado, vol. I, Ana Prata, Coord., Almedina, 2017, págs. 1517/1518; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, vol. III, 7.ª ed., 2010, págs. 553 e 554; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 1997, págs. 898 e 899; Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações – Parte Especial – Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, Almedina, 2ª ed., pág.456 a 458.
[14] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direto Civil. Contratos em Especial, vol. XII, Almedina, 2018, pág. 961.
[16] João Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento em Obra Dispersa, Scientia Iuridica, 1991, vol. I, pág. 164.
[17] João Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento em Obra Dispersa, Scientia Iuridica, 1991, vol. I, págs. 160 e 161.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/2023, no processo nº 1784/21.8T8FAR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.