Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | PROVA PERICIAL TEMPESTIVIDADE TEMAS DA PROVA PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA | ||
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Nº do Documento: | RP202305221557/21.8T8VFR-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No requerimento de prova (oferecido com o articulado ou em alteração nos termos do nº1, do art. 598º, do CPC), qualquer das partes se pode apresentar, de modo tempestivo, a requerer perícia (cfr. nº1, do art. 467º, do CPC), para ser realizada e tida em consideração pelo Tribunal conjuntamente com todas as provas produzidas no processo (v. art. 413º, do CPC), sendo que toda a prova a produzir, e, como tal, também a pericial, se destina a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º do Código Civil), demonstração esta que se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador. II - Do facto de ter sido produzida antecipadamente prova pericial, a requerimento de uma das partes, não resulta a inadmissibilidade legal de a parte contrária, no, oportuno, momento de exercício do seu direito de proposição de prova, requerer perícia para apuramento de factos que integrem o objeto de instrução que não tenha o mesmo objeto daquela. Com efeito, a produção antecipada de prova pericial, a requerimento de uma parte, não acarreta para a outra preclusão do direito a proposição de prova pericial. III - Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está, contudo, aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção). Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil; IV - A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa - o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador. A perícia, para perceção ou valoração de factos da causa carecidos de prova (por isso pertinente), só pode ser indeferida se a perceção e a apreciação desses factos não reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais sendo que, a reclamá-los, é aos peritos que cabe a pronúncia. V - Permitindo a lei a proposição de prova pericial com diverso objeto do da prova pericial produzida antecipadamente, cumpre ao tribunal a quo pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo, não só de legalidade mas também de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº1557/21.8T8VFR-A.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2 Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * I. RELATÓRIORecorrente: A... Unipessoal, Lda e AA Recorridos: BB e CC BB e mulher CC propuseram ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra A... Unipessoal, Lda e AA, pedindo a condenação solidária destes a restituir-lhes a quantia de 55.000€ e a pagar-lhes uma indemnização para reparação dos defeitos de construção imputáveis à R., no valor de 30.811,50€, uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 1.500€ para cada um deles, uma indemnização pela desvalorização da moradia, no valor de 35.000€ e uma indemnização pelas rendas e despesas duplicadas de luz e água que têm de suportar por não poderem mudar-se para a moradia, desde janeiro de 2021, no valor mensal de 425€ (rendas), no total vencido de 2.125€, até maio de 2021, e de 260,80€ (luz até abril/21) e de 240,02€ (água até abril/21), e vincendo, até poderem instalar-se na sua moradia, tudo com juros legais a partir da citação. Tendo os AA., na petição inicial, requerido a produção antecipada de prova pericial e os Réus, citados, nenhuma oposição apresentaram, o Tribunal a quo, à luz das disposições conjugadas dos artigos 3º, nº3, 6º e 547º do Código de Processo Civil, deferiu a, requerida, produção antecipada da prova pericial, ao abrigo dos arts. 419º e 420º, do CPC, e ordenou a notificação dos RR. para se pronunciarem, querendo, sobre o objeto proposto para a requerida perícia (art. 476º, nº 1, do CPC). Realizada a perícia requerida pelos Autores e após notificados do despacho saneador, vieram os Réus alterar o requerimento de prova que ofereceram com a contestação, nos seguintes termos: “Requerem se proceda a Perícia, sob a forma colegial (CPC, art. 468º nº 1 al. b)), tendo por objecto o apuramento da veracidade do constante do ponto 4 dos «Temas da Prova» (alegado incumprimento contratual por parte da 1ª Ré), para o que junta os respectivos quesitos (anexo). O respectivo objecto e as questões de facto que pretendem ver esclarecidas são, precisamente, as constantes dos referidos quesitos. Desde já se frisa que a Perícia realizada sob a forma de produção antecipada de prova não obsta ao requerimento ora formulado, desde logo por quatro ordens de razões: - Primeira: a lei permite a alteração do requerimento de prova na Audiência Prévia (CPC, art. 598º nº 1), faculdade que o Tribunal «transferiu» para os dez dias que se seguissem à prolação do despacho saneador – sendo certo que os Réus não requereram prova pericial a final da sua contestação, assistindo-lhes, por isso, o direito de agora o fazerem. - Segunda: apenas com a formulação dos «Temas da Prova» tomaram os Réus conhecimento da necessidade de requererem (ou não), a prova pericial. - Terceira: nenhum dos quesitos que os Réus ora apresentam foi, na sua precisão, objecto da Perícia em sede de produção antecipada de prova. - Quarta: a obra está actualmente a prosseguir, importando saber se alegados defeitos/vícios alegados pelos Autores foram objecto de rectificação/eliminação ou se o evoluir da obra permite concluir que essa rectificação/eliminação irá ou não ocorrer. Indicam como seu Perito: DD, Engenheiro Civil, com domicílio na Rua ..., ..., ... Braga”. * Indeferido o referido requerimento, apresentaram-se os Réus a recorrer desse despacho, pretendendo a sua revogação e se admita a Perícia que requereram com base nas seguintesCONCLUSÕES: 1ª Na sua contestação, os Réus, ora recorrentes, limitaram-se a arrolar testemunhas e, no âmbito da Audiência Prévia, alteraram o seu requerimento probatório, tendo requerido uma Perícia ao imóvel em causa nos autos. 2ª O despacho recorrido, porém, indeferiu a realização dessa Perícia, argumentando que, tendo já havido uma outra, sob a forma de Produção Antecipada de Prova, requerida pelos Autores, tal inviabilizaria a possibilidade da realização da pretendida pelos Réus. 3ª Nos termos do art. 598º nº 1 do CPC, «O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar (…)», o que nos conduz a duas realidades indiscutíveis: (i) os Réus não requereram qualquer Perícia no seu requerimento probatório. (ii) Pelo que lhes assistia o direito de o fazerem no âmbito da Audiência Prévia. 4ª Do referido preceito depreende-se que o Código de Processo Civil não estabelece qualquer limite à alteração do requerimento de prova na audiência prévia, pelo que o mesmo pode ser completamente alterado, de tal forma que o requerimento probatório definitivo pode ser em tudo distinto do inicialmente apresentado. 5ª Este sentido da lei é também defendido por Paulo Pimenta In Processo Civil Declarativo, 2016, parcialmente citado na presente alegação[1]. 6ª Foi precisamente o que os Réus fizeram: alteraram o seu requerimento probatório, e mais: os pontos de facto que eles pretendem ver esclarecidos por via dessa Perícia são absolutamente distintos da efectuada sob a forma de Produção Antecipada de Prova. 7ª O despacho recorrido, para fundamentar o indeferimento da mesma, afirma: «Ademais, verifica-se a impossibilidade de a perícia que os RR. agora pretendem já não poder ser realizada, porquanto o objecto indicado para a mesma já não existe, uma vez que a perícia foi antecipada para os AA. poderem retomar a obra». Este argumento incorre em dois tipos de críticas (sempre salvo o devido respeito): 8ª Sem prejuízo de o despacho assumir como coisa consumada que a obra foi objecto de intervenções (o que por forma alguma se encontra demonstrado), caso o tenha sido, a Perícia requerida pelos Réus não vai incidir sobre o mesmo objecto daquela que foi realizada em sede de produção antecipada de prova. 9ª O que torna a perícia requerida pelos Réus mais pertinente ainda, pois que a mesma poderá aquilatar o que foi intervencionado, demolido ou acrescentado – e se o foi. 10ª Nesta perspectiva, o raciocínio do despacho de «o objecto indicado para a mesma já não existir» (estará quiçá alterado, diríamos nós; não será exactamente «não existir»…) deveria ter conduzido ao deferimento da perícia requerida pelos Réus: 11ª na verdade, concebendo que a obra esteja, actualmente, a prosseguir (outro aspecto que os Senhores Peritos poderão observar), importa saber se os alegados defeitos/vícios pelos Autores foram objecto de rectificação/eliminação ou se o evoluir da obra permite concluir que essa rectificação/eliminação seria ou não necessária, se ocorreu, se irá ou não ocorrer. Os Senhores Peritos que o digam! 12ª E não é pelo facto de os Réus/recorrentes não terem requerido esclarecimentos ou a realização de nova Perícia por ocasião da produção antecipada de prova que tal lhes coarcta o direito de requererem a «sua própria» Perícia num momento processual em que a lei lhes permite a alteração dos meios probatórios, momento em que, aliás, irão conhecer os Temas da Prova. 13ªOs Réus pretendem a Perícia para que seja apurado o estado actual da obra, como ela está agora e não como ela estava por ocasião da produção antecipada de prova. 14ªAtentar-se-á que, ainda, que hipoteticamente tenha havido alterações assinaláveis, os respectivos vestígios não desaparecem rapidamente, sendo certo que a Perícia requerida pelos Réus, concatenada com outros meios de prova, pode constatar a realidade de tais modificações e assim apurar a existência, ou não, de quaisquer eventuais vícios de que a obra padecesse. 15ªA título exemplificativo, configuremos que foi requerida, pelo Autor de uma acção, e deferida, a produção antecipada de prova da inquirição de uma testemunha, por receio (por exemplo) de a mesma se encontrar doente e poder vir a falecer na pendência do processo, e a testemunha é inquirida e instada; 16ª na Audiência Prévia, o Réu arrola essa testemunha como «sua» (continuava viva…); ora, afigura-se que não poderá indeferir-se essa alteração com o argumento de que a mesma «já fora inquirida», pois, por um lado, ela foi inquirida aos factos que o Autor indicou, tendo o Réu apenas o direito das «instâncias necessárias para se completar ou esclarecer o depoimento» à matéria dessa inquirição (CPC, art. 516º nº 2); 17ª e, por outro, pode bem o Réu indicar o respectivo depoimento a outros factos, sobre os quais a testemunha não fora, antes, chamada a depor, sejam eles posteriores à produção antecipada de prova, ou não; no caso da Perícia, antolha-se que a solução não poderá ser diferente! 18ª Tanto assim que os Réus pretendem a Perícia para que seja apurado o estado actual da obra, como ela está agora e não como ela estava por ocasião da produção antecipada de prova. 19ª No despacho recorrido encontram-se interpretados e aplicados por forma inexacta os normativos citados nas precedentes conclusões. * Não foram apresentadas contra alegações.* Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. FUNDAMENTOS- OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. É a seguinte a questão a decidir: - Se produzida antecipadamente determinada prova pericial a requerimento de uma parte é legalmente admissível proposição de prova pericial pela parte contrária (no seu requerimento de provas ou de alteração ao mesmo) para produção no momento normal da instrução. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede, sendo o seguinte o teor do Despacho recorrido: (…) Os RR., após a elaboração do despacho saneador, vieram requerer a realização de perícia colegial. Notificados os AA. vieram opor-se, alegando que “A diligência já foi realizada, nos termos do artºs 420º e 421º do CPC, uma vez que, como se justificou e foi deferido, os AA. pretendiam concluir a obra, como fizeram. A produção antecipada de prova é isso mesmo: É alterar o momento processual em que normalmente seria produzida e portanto antecipar o correspondente regime. Ou seja, o requerimento de realização da prova pericial não pode ser deferido, porque é um meio de prova que já foi produzido, no momento processual em que foi admitido, e portanto ora é repetido. Além disso, nesta fase já não pode ser realizado, porque o objeto sobre que versa já não existe, uma vez que os defeitos invocados já foram reparados (os que podiam ser). Não se diga que só nesta fase processual os RR. tomaram conhecimento da necessidade de requerer esse meio de prova, porque tiveram conhecimento da alegação que se visava provar e o direito ao contraditório quanto ao objeto proposto (artº 476º do CPC), dele não querendo usar, no momento próprio – despacho de 11.10.2021. Por outro lado, se os RR. não se conformavam com a perícia realizada e pretendiam uma segunda perícia, deviam ter manifestado a sua intenção no momento oportuno, que foi quando foram notificados do relatório pericial da perícia realizada (artº 487º do CPC), e não agora. Tudo permite concluir que esse meio de prova deve ser indeferido, por já ter sido realizado, por não ter ora objeto e não poder valer como segunda perícia, por extemporâneo.” Ora, concordamos na íntegra com a argumentação usada pelos AA. para motivarem a sua oposição diremos: efectivamente a perícia já foi realizada como produção antecipada de prova, devidamente justificada, tendo os RR. tido direito ao contraditório, não tendo deduzido qualquer oposição à mesma, bem como a pronunciar-se sobre o objecto proposto para a perícia, conforme despacho insertos nos autos. Assim, tal perícia encontra-se esgotada, não tendo os RR. requerido atempadamente a realização de 2ª perícia, nos moldes previstos na lei. Ademais, verifica-se a impossibilidade de a perícia que os RR. agora pretendem já não poder ser realizada, porquanto o objecto indicado para a mesma já não existe, uma vez que a perícia foi antecipada para os AA. poderem retomar a obra. Termos em que se indefere a requerida perícia pedida pelos RR., por extemporânea. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO- Do direito de proposição de prova: direito da parte a requerer a “sua própria Perícia” (ou se tal direito precludiu, com o não exercício por altura da produção antecipada de prova a requerimento da parte contrária). Insurgem-se os Réus contra o despacho que indeferiu, “por extemporaneidade”, a perícia por si requerida para ser produzida no momento “normal” de produção da prova pericial. Considerou o Tribunal a quo ter já sido realizada a perícia “como produção antecipada de prova, devidamente justificada, tendo os RR. tido direito ao contraditório, não tendo deduzido qualquer oposição à mesma, bem como a pronunciar-se sobre o objecto proposto para a perícia”, estando, assim, “esgotada, não tendo os RR. requerido atempadamente a realização de 2ª perícia, nos moldes previstos na lei. Ademais, verifica-se a impossibilidade de a perícia que os RR. agora pretendem já não poder ser realizada, porquanto o objecto indicado para a mesma já não existe, uma vez que a perícia foi antecipada para os AA. poderem retomar a obra”. Sustentam os Réus estarem a exercer um direito próprio seu - direito à prova -, não sendo pelo facto de ter sido requerida perícia pela parte contrária para ser produzida antecipadamente, como foi, e não terem requerido esclarecimentos ao Sr. Perito que realizou a, antecipada, perícia, a requerimento dos Autores, ou de não terem requerido a realização de segunda Perícia, por ocasião de tal produção antecipada de prova, que lhes é coartado o direito de requererem a «sua própria» Perícia num momento processual em que a lei permite a alteração dos meios probatórios, sendo aos Srs Peritos que cabe responder a questões como as de “se a obra está a prosseguir”, “se os alegados defeitos/vícios foram objecto de rectificação/eliminação” e “se o evoluir da obra permite concluir que essa rectificação/eliminação seria ou não necessária, se ocorreu, se irá ou não ocorrer”. Na verdade, a proposição e a produção da prova em juízo visam demonstrar a realidade dos factos relevantes para o processo[2], e regras existem, para a balizar, de direito probatório material, de natureza substantiva, a regular a admissibilidade e força probatória, inseridas no Código Civil, e de direito probatório formal, a regular os procedimentos probatórios, e que têm sede no Código de Processo Civil. O artigo 410º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, com a epígrafe “Objeto da instrução”, bem estatui que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”. Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c))), são os próprios temas da prova o objeto da instrução[3], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil. Assim, enunciados temas da prova, como é, agora, o caso - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade[4]. Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil. E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova (máxime, prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte), sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[5]. Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa, não deve ser permitido, contudo, seja objeto de instrução aquilo que se apresenta como irrelevante para a concreta causa, tal como desenhada se mostra. Assim, para a apreciação da prova, que tem lugar na fase da sentença, só são admitidos os meios de prova propostos, após audiência da parte contrária, que relevem de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito. Tem, pois, de ser olhado o objeto do litígio, que se define pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir, para se aferir dessa relevância, nenhuma a podendo ter se nem sequer cabe apreciar a concreta questão a que a prova em causa pode interessar, e, a ter relevância, deve ser admitido à parte produzi-la. * Vejamos se perícia requerida pelos Réus, para ser produzida na fase “normal” de instrução, foi, indevidamente, indeferida, como concluem os Réus/Apelantes, cumprindo, na licitude/tempestividade de proposição de prova pericial, ao Tribunal de 1ª instância, pronunciar-se, nas circunstâncias do caso, sobre a admissibilidade e relevância da prova pericial solicitada. Ora, apesar de, para prevenir a eventual impossibilidade ou dificuldade de produção da prova no momento processual oportuno, ter sido, a requerimento de uma parte (os AA) produzida antecipadamente a, por ela solicitada, prova pericial, tal prova assim recolhida (cfr. arts 419º e segs) tem o mesmo valor que a produzida na fase processual apropriada[6] e a produção antecipada, pretendida por uma parte e deferida pelo Tribunal, após exercido o contraditório, não contende com o direito à prova da parte contrária, bem podendo esta, no exercício do direito de proposição de prova, no requerimento de prova/requerimento de alteração daquele, requerer as perícias que bem entender, para serem produzidas no momento processual oportuno, desde que o seu objeto se não traduza em mera repetição do objeto de perícia antecipadamente realizada. “A produção antecipada de prova é a medida adequada a evitar que o decurso do tempo impossibilite ou dificulte gravemente a produção de determinados meios de prova capazes de influir na decisão do tribunal. … No que concerne à prova pericial (art. 467º), que pressupõe a realização de um exame ou de uma vistoria antes da formulação de um juízo técnico, a sua realização antecipada também pode constituir a única via para lhe conferir utilidade, tendo em conta o risco de desaparecimento”[7]. Contudo, nada impõe à parte o seu requerimento, certo sendo que, a não o fazer, suportará o risco de, no momento normal de realização da prova, se não lograr, já, obtê-la. Na verdade, no requerimento de prova (oferecido com o articulado ou em alteração nos termos do nº1, do art. 598º, do CPC), qualquer das partes se pode, tempestivamente, apresentar-se a requerer perícia (cfr. nº1, do art. 467º, do CPC), para ser realizada no momento normal de produção de tal prova e tida em consideração pelo Tribunal conjuntamente com todas as provas produzidas (v. art. 413º, do CPC). O não exercício do direito de uma parte de formular requerimentos no âmbito da produção antecipada de prova pericial, a requerimento da parte contrária, não acarreta preclusão do direito à proposição de prova pericial, podendo, tão só, gerar acrescidas dificuldades no momento normal/oportuno de realização de uma perícia e materialização do risco de desaparecimento. E a prova pericial - com regulação de direito probatório material (objeto, admissibilidade e força probatória) nos arts 388º e seg, do Código Civil, e de direito probatório formal (a regular o procedimento da prova pericial) nos arts 467º a 489º, do CPC - , modalidade de prova pessoal e indireta, na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia, consiste na perceção ou apreciação de factos, pelo que o perito ou peritos são convocados a percecionar os factos e/ou a valorá-los à luz dos seus conhecimentos técnicos, sendo que aquela operação envolve captação (com os sentidos) dos factos e a sua compreensão. O perito surge como intermediário entre a fonte de prova (pessoal ou real) e o tribunal quando, para a plena apreensão da prova, haja necessidade de conhecimentos especializados. A prova pericial pode visar a perceção indiciária de factos por inspeção de pessoas (ex: exame médico-legal) ou de coisas, móveis ou imóveis (ex: exame de uma máquina ou vistoria dum prédio), a avaliação de coisas ou direitos (determinação do valor dum prédio, dum quadro, duma quota social) ou ainda a verificação da origem dum documento (assinatura, letra, data, genuinidade, alteração), a revelação do seu conteúdo (máxime os livros e documentos da escrita comercial e os documentos eletrónicos) ou a apreciação, de acordo com a regra da causalidade, dos indícios a extrair das fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo de causalidade)[9]. O perito surge como o intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não deverem ser objeto de inspeção judicial (art. 388 CC), o perito intervém no processo de manifestação da fonte de prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação.[10]. A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos (artº 341º do Código Civil), sendo que essa demonstração que se pretende com a prova se traduz na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida[11]. Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artº 388º, do Código Civil, que estatui que “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.”). A prova pericial pressupõe que: são necessários conhecimentos especiais para percecionar ou apreciar os factos, conhecimentos esses de que o juiz não dispõe; ou que os factos a demonstrar são relativos a pessoas não devendo ser objeto de inspeção judicial por estar em causa a intimidade da vida privada e familiar e a dignidade da pessoa, sendo que a prova pericial não deverá ser admitida se não forem exigidos conhecimentos que extravasem o saber do tribunal, sendo esses os conhecimentos relativos à cultura e experiência comuns. A admissibilidade da perícia não está dependente dos conhecimentos concretos do juiz em particular que julga a causa, mas dos que excedem a cultura e experiência comuns, bastando, pois, à parte que pretenda socorrer-se deste meio de prova que invoque que os factos a sujeitar a perícia extravasam essa cultura e experiência. Não será admissível a perícia quando sejam necessários conhecimentos jurídicos, pois que deles dispõe o julgador. A perícia pressupõe conhecimentos específicos, pelo que ao perito a nomear pelo Tribunal tem de ser reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa[12], sendo necessários conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para compreender e poder valorar os factos a apreciar. E uma vez realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia, fundamentadamente, sobre o respetivo objeto (artº 484º), questão ou questões direta ou indiretamente ligadas à matéria de facto controvertida para posterior apreciação, pelo juiz, segundo as regras da livre convicção (art. 389º, do CC e art. 607º, nº5, do CPC), que, no entanto, sofrerão uma importante restrição precisamente motivada pelo diferencial de conhecimentos técnicos. Na verdade, a “prova pericial encontra-se sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o qual impõe ao julgador que decida os factos em julgamento segundo a sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação da prova trazida ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e do conhecimento das pessoas, utilizando, nessa avaliação, critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo” sendo que “os factos puramente descritivos que constam do relatório pericial, isto é, que não envolvam conhecimentos especializados para a sua percepção (compreensão) e/ou apreciação (valoração), não gozam de qualquer força probatória especial em relação à dos restantes meios de prova. Já os factos cuja percepção (compreensão) e/ou apreciação (valorização) reclame conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos especializados, não acessíveis ao julgador médio, apenas podem ser infirmados ou rebatidos com fundamentos da mesma natureza aos utilizados pelos peritos”[14]. Consagra o artigo 475º, com a epígrafe “Indicação do objeto da perícia” que, ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência (nº1), podendo, ela, reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente quer aos factos alegados pela parte contrária (nº2), sendo que a determinação definitiva do objeto da perícia é feita pelo juiz, nos termos do nº2, do art. 476º. Assim, a perícia tem por objeto as questões de facto que o requerente pretende ver esclarecidas através da diligência, contanto que se contenham no âmbito da causa de pedir e do pedido enunciados pelo Autor ou na defesa invocada pelo Réu[15], podendo, o objeto da perícia, apenas ser constituído por questões de facto condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou a exceção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito[16]. Como bem se analisa no Ac. RG de 26/9/2019 “1- “Factos” são os acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos. 2- “Meios de prova” são os mecanismos colocados pelo legislador ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar ou não a realidade/verificação dos “factos”, isto é, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes e o próprio tribunal se podem socorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não de acontecimentos externos ou internos captáveis pelos sentidos. 3- A prova pericial é um “meio de prova” e não um meio alegatório de factos, sequer se destina a obter outros meios de prova, designadamente, prova documental, e através dela não se podem suprir as omissões de alegação em que incorreram as partes. 4- A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente previstos, a circunstância da perceção (verificação material) dos “factos” e/ou a apreciação destes (determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros) reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que por não fazerem parte da cultura geral e da experiência comum, se devem presumir não serem detidos pelo juiz. 5- A prova pericial, tal como os demais meios de prova legalmente previstos, apenas podem recair sobre os “factos da causa”. 6- Consideram-se “factos da causa” os factos essenciais alegados pelo autor, na petição inicial, para fundamentar a causa de pedir nela invocada para sustentar o pedido, os factos essenciais alegados pelo réu na contestação, para fundamentar as exceções que nela invocou contra o autor, os factos essenciais alegados pelo autor na réplica, audiência prévia ou no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) para fundamentar as contra exceções que invocou contra o réu e, bem assim os factos complementares e instrumentais dos essenciais pertinentemente alegados. 7- Quando as questões de facto colocadas pelas partes para efeitos de integrarem o objeto da perícia não versem sobre os “factos da causa”, impõe-se que o juiz indefira essas questões por impertinentes. Já quando essas questões de facto versem sobre “os factos da causa”, mas a perceção e a apreciação desses factos não reclame conhecimentos científicos, técnicos e/ou artísticos especiais, deve-se indeferir essas questões por dilatórias[17]. Revertendo para o caso, verifica-se que os Autores, no requerimento de proposição de provas, requereram, para o exercício do seu direito à prova dos factos que alegaram, perícia que foi realizada antecipadamente, como requereram, estando, agora, em questão uma outra, diversa, perícia, requerida, desta feita, pelos Réus. E têm os Réus, no exercício do seu direito à prova, o de requerer Perícias, tendo vindo exercê-lo e tal direito nada tem o ver com igual direito de que os Autores também beneficiem ou com o direito de requerer segunda perícia, esta, sempre, a mover-se no âmbito do objeto da primeira requerida. Com efeito, a segunda perícia que, regulada nos art.s 487º a 489º, do CPC, se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira (nº3, do art. 487º, do CPC), visa possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito. Tal nada contende com outras, autónomas, perícias, com objeto diverso. O art. 476º, do CPC, prevê que a perícia, legalmente requerida pela parte nos momentos próprios em que a lei o permite, designadamente, em, oportuno, requerimento de alteração dos meios de prova, e, por isso, tempestiva e no exercício do seu direito à prova, possa ser rejeitada por impertinente ou dilatória (nº1), consagrando, também, deverem ser indeferidas, depois de ouvir a parte contrária sobre o objeto da perícia, as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes (nº2). E, devendo o tribunal emitir sobre a perícia, como relativamente a todas as provas, um juízo, não só de legalidade, mas também de pertinência sobre o objeto: a prova dos factos que se propõe provar, tal nada contende com o direito dos Réus a requerer provas, entre elas a Pericial. As razões invocadas pelo Tribunal a quo não podem, validamente, fundamentar a rejeição deste meio de prova, pois que, a par de factos que não envolvem conhecimentos especializados para a sua perceção (compreensão) e/ou apreciação (valoração) outros existem cuja perceção (compreensão) e/ou apreciação (valorização) reclamam, na verdade, conhecimentos técnicos especializados, não acessíveis ao julgador médio, sendo que só o Perito, após realizar a diligência, se poderá pronunciar sobre o resultado atingido. E, na verdade, pese embora o tempo decorrido, só ele poderá dizer se está ou não em condições de se pronunciar sobre os factos em causa, referindo o que teve possibilidade de percecionar, e exarar no relatório sobre o juízo técnico a emitir sobre as questões fácticas em causa e indicar a apreciação e valoração que faz. Isso mesmo resulta, na verdade, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, que refere as situações em que o juiz deve indeferir a perícia ou questões nela suscitadas, ao estabelecer “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade””. Assim, face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes. Será impertinente se não respeitar aos factos da causa e dilatória se, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º, do CC)[18]. Uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea a provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[19] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto. É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[20], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador. Assim, o perito surge como intermediário, útil, entre a fonte de prova e o tribunal por, para a plena apreensão da prova, haver necessidade de conhecimentos especializados. E sendo a prova pericial, sempre, de livre apreciação (cfr. art. 389º, do Código Civil e art. 607º, nº5, do CPC), juntamente com as restantes provas produzidas sobre os factos que dela são objeto, melhor habilitado ficará para formar a sua convicção e decidir a causa em conformidade com a verdade material, melhor alcançando a solução justa. Neste conspecto, não sendo o requerimento de perícia apresentado pelos Réus extemporâneo, pois que não estamos perante requerimento de segunda perícia mas, sim, perante um requerimento de uma outra perícia, na indicação das “questões de facto” objeto desta nova/diversa perícia, ouvida a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-se-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição, nos termos do nº1, do art. 476º, ao juiz a quo cabe ordenar a realização da diligência com determinação o seu objeto, nos termos do nº2, do artigo anteriormente referido (excluindo as questões de facto, propostas pelas partes que julgue inadmissíveis ou irrelevantes e acrescentando outras que considere necessárias), a não ser impertinente nem dilatória tal perícia, pelo que tem o procedimento pericial de prosseguir. Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo, na verdade, violação dos normativos de direito probatório formal e dos de direito probatório material referidos, a imporem a revogação da decisão recorrida. * III. DECISÃOPelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão que apreciou a proposição de provas na parte que indeferiu o exame pericial requerido pelos Réus por extemporâneo, tendo o Tribunal a quo de, na observância do contraditório, apreciar da admissibilidade de tal Perícia (se é ou não impertinente e dilatória). * Custas pelos apelados, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.Porto, 22 de maio de 2023 Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras Eugénia Cunha Fernanda Almeida Teresa Fonseca ________________ [1] Quando afirma, na nota 679, que: «inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento probatório (permitida, pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando (apenas) juntou à petição ou à contestação documentos para prova dos fundamentos da acção ou da defesa». [2] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág 420 [3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205 [4] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 482 [5] Ibidem, pág 483 [6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, II edição, pág. 514 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 4ª ed., pp. 74-87. [7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, idem, pág. 515. [8] Rita Gouveia, Anotação ao artigo 388º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 881 e seg [9] José Lebre de Freitas, Anotação ao art. 388º, Ana Prata (Coord.), Idem, pág 475 [10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 312 [11] Rita Lynce de Faria, Anotação ao artigo 341º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 810 [12] Rita Gouveia, Idem, pág. 882 [13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 533 [14] Ac. RG de 4/4/2019, Proc. 536/15.9T8EPS.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias) [15] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, 2017, Ediforum, pág. 656 [16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539 [17] Ac. RG de 26/9/2019, Proc. 137/16.4T8CMN-A.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), in dgsi [18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 326 [19] Ac. RG de 17/12/2019, processo 21/16.1T8VPC-B. G1 (Relatora: Maria João Matos), in dgsi [20] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539 |