Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3990/21.6T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RP202409103990/21.6T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 09/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alteração do regime das responsabilidades parentais estabelecido tem como necessário pressuposto ou o seu incumprimento pelos pais ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração.
II - Cabe ao requerente responsável pelo impulso processual os ónus de alegar e provar os factos concretos que preenchem o pedido de alteração apresentado.
III - Irreleva como fundamento de alteração da regulação das responsabilidades parentais que outro regime seja porventura mais adequado ou até mais conforme à execução que venha sendo dada ao regime vigente (ou até que outro regime seja ‘melhor’, mais adequado ou apropriado à inalterada situação de facto).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3990/21.6T8MAI-A.P1




Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Maria Eiró
Rui Moreira


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO


Apelante: AA.
Apelada: BB.

Juízo de família e menores ... (lugar de provimento de Juiz 2) - T. J. da Comarca do Porto.


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Nos presentes autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativos a CC, nascido a ../../2020, o progenitor AA pretende que o regime de residência do filho, fixado junto da progenitora BB, passe a ser alternada junto de ambos e as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente sejam exercidas por ambos de forma partilhada (bem assim seja alterado o regime quanto aos alimentos), alegou, em síntese:

- ter sido a residência do filho fixada junto da progenitora, estipulando-se um regime de convívio com o progenitor,

- ter a seu cargo ‘o menor, todos os dias, desde que o vai buscar à ama até o entregar em casa da mãe, quando esta chega do trabalho’, ficando ‘ainda com o menor, um fim de semana com pernoita, de 15 em 15 dias, tal como a Requerida (…) o tempo do menor é partilhado em igual proporção pelos dois progenitores’,

- suportar ‘todas as despesas do menor nos momentos em que o mesmo está consigo, tais como alimentação, higiene (ex.: fraldas, cremes, toalhitas), vestuário, brinquedos’,

- pagar ‘metade das despesas de saúde, medicação, despesas escolares e com atividades extracurriculares, despesas com a frequência de ama ou infantário, assim como a Requerida’,

- acompanhar ‘o menor ao médico quando o tem na sua companhia’,

- alimentar ‘o menor quando o tem consigo, comprando alimentação para o mesmo, de acordo com as orientações pediátricas’,

- ser o requerente quem ‘o veste e o calça, adquirindo-lhe vestuário e calçado adequado às suas necessidades’,

- tratar ‘da higiene do menor, dando-lhe banho, levando-o a cortar o cabelo’,

- brincar ‘com o menor, adquirindo-lhe brinquedos adequados à sua idade’,

- lanchar ‘todos os dias com o menor depois de o ir buscar à ama e que, muitas vezes, janta com o mesmo, deixando-o em casa da mãe já com o banho tomado e pronto para se deitar’,

- apesar ‘de pagar todas as despesas do menor na proporção de metade, o Requerente não as consegue deduzir para efeitos de IRS pelo facto de a residência do menor se encontrar fixada junto da Requerida’.

Termina pedindo sejam alterados ‘os pontos 1 e 2 do acordo homologado a 16 de dezembro de 2021, tão só e apenas quanto ao exercício das responsabilidades, visitas e pensão de alimentos, nos seguintes moldes:

- O menor residirá, alternadamente, com o pai e com a mãe, passando com o pai o período compreendido entre as 15:00horas e as 19:00 horas, e o resto do dia com a mãe. Para o efeito, o pai irá buscá-lo à ama pelas 15:00 horas e entregá-lo-á em casa da mãe pelas 19:00 horas, e esta, por sua vez, entregá-lo-á na ama no dia seguinte.

- O exercício das responsabilidades parentais, relativas aos atos de vida corrente do menor, bem como as práticas educativas do mesmo serão exercidos por cada um os progenitores nos períodos que com ele estejam.

- As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do menor, serão exercidas por ambos os progenitores, excecionando-se os casos de manifesta urgência, caso em que qualquer dos progenitores poderá agir de imediato, ainda que, tão depressa quanto possível, prestará as devidas informações ao outro.

- Cada um dos progenitores passará um fim de semana com o menor de 15 em 15 dias indo buscá-lo à ama às 15:00 horas de sexta-feira, entregando-o na segunda-feira na ama.

Para além disso deverá também ser alterado o regime quanto à pensão de alimentos fixada, uma vez que, passando o menor o mesmo tempo com cada um dos progenitores e pagando os progenitores todas as despesas do menor na mesma proporção, não se mostra necessária a sua fixação.’

A progenitora opôs-se à pretensão do requerente, após o que foi proferida decisão julgando infundado o pedido (considerando-se não se mostrar incumprido o regime vigente por qualquer dos progenitores nem vir alegado que qualquer aspecto do regime seja inadequado ao interesse da criança ou qualquer facto superveniente que justifique a pedida alteração do regime fixado) e determinando o arquivamento dos autos.

Inconformado, apela o progenitor requerente, pretendendo a revogação da decisão e sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos (nos termos dos art. 35º a 40º do RGPTC), terminando as alegações pela formulação das seguintes conclusões:

1. O Recorrente, intentou junto do Tribunal a quo uma ação declarativa sob a forma tutelar cível para a alteração das responsabilidades parentais do menor CC, seu filho.

2. Alegou, em síntese, que a residência do menor se encontra fixada junto da respetiva progenitora e está estipulado um regime de convívios deste com o progenitor, pedindo que seja fixada a residência alternada da criança junto de ambos os progenitores e que as responsabilidades parentais, quanto aos atos da vida corrente, sejam exercidas de forma partilhada, alterando-se, em consequência, a pensão de alimentos fixada.

3. Pedindo, em consequência, que sejam alterados “os pontos 1e 2 do acordo homologado a de dezembro de 2021, quanto ao exercício das responsabilidades, visitas e pensão de alimentos

4. E que, para além disso, se altere o regime fixado quanto à pensão de alimentos uma vez que, passando o menor o mesmo tempo com cada um dos progenitores e pagando os progenitores todas as despesas do menor na mesma proporção, não se mostra necessária a sua fixação.

5. O Tribunal a quo concluiu não existir qualquer alteração superveniente das circunstâncias em que assentou o acordo de regulação das responsabilidades parentais atualmente em vigor que o torne desadequado ao interesse do menor, julgando infundado o pedido formulado pelo Requerente, determinando o arquivamento dos autos.

6. A questão jurídica que se coloca consiste em determinar se há fundamento para se alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais atualmente em vigor.

7. O Recorrente entende que sim, o Tribunal a quo entende que não.

8. O que o Requerente peticionou nos presentes autos foi que fosse fixado um regime de residência alternada, em que o menor passasse o mesmo tempo com o pai e com a mãe, quer nos dias de semana em que o menor vai para a ama, quer nos fins de semana em que fica com o pai ou com a mãe.

9. De acordo com o regime atualmente fixado, o pai tem apenas visitas diárias das 15:00 horas até às 19:00 horas, que são precludidas nos dias de folga da mãe; assim como fins de semana de 15 em 15 dias, também precludidos em caso de fins de semana de folga da mãe.

10. O menor passa, na verdade, metade do seu tempo com o pai e metade do seu tempo com o pai, excetuando-se os períodos em que está na ama ou em que está a dormir.

11. Regime que só é possível ser praticado pela grande proximidade das residências dos progenitores e pela possibilidade de diálogo que hoje existe entre ambos.

12. O regime da guarda partilhada com residência alternada, é o que melhor serve o interesse do menor, que se sente seguro com ambos os progenitores, que chama “casa” à casa dos dois progenitores, e que não tem sequer tempo de sentir a falta de cada de um deles, porque passa metade do tempo com cada um deles.

13. este é o entendimento do Recorrente e da própria jurisprudência que vem caminhando neste sentido, entendendo que a fixação da guarda conjunta com residências alternadas é admissível desde que se faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo.

14. Está realmente demonstrado que, com a guarda partilhada, existe uma correlação positiva entre o forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança.

15. Para o Tribunal a quo, o facto de o regime em vigor não corresponder ao regime efetivamente praticado não constitui motivo suficiente para se proceder a uma alteração das responsabilidades parentais.

16. Para o Tribunal a quo, o pedido do aqui Requerente trata-se de mero capricho da sua vontade, chegando mesmo a afirmar que se destina apenas a fazer com que deixe de ser obrigado a liquidar a prestação de alimentos a que está obrigado.

17. O Recorrente entende antes que o regime da guarda partilhada com residência alternada é o que efetivamente está a ser praticado e por isso deve ser fixado.

18. Entendendo ainda que pagando metade de todas as despesas do menor e passando metade do tempo com o mesmo, não deverá ser obrigado a pagar pensão de alimentos.

19. Só assim não seria se existisse entre os progenitores uma acentuada discrepância de rendimentos que justificasse a atribuição de pensão de alimentos àquele progenitor que, por ter menos possibilidades, devesse ver essa menor capacidade de suprir as necessidades do filho quando consigo se encontra, pela contribuição do outro, por forma a que o menor beneficiasse sempre de um nível de vida semelhante.

20. O que no caso dos autos não verifica, uma vez que nunca sequer tal questão foi suscitada pela Requerida.

21. O Tribunal a quo entende que pelo Recorrente não é pedida nenhuma alteração de facto quanto ao regime instituído.

22. Contudo, circunstâncias supervenientes não são necessariamente factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, podendo os estados de espírito, emoções e sentimentos consubstanciar tal superveniência de circunstâncias; concretamente, devem ter-se como circunstâncias supervenientes o estado de espírito da criança, as suas emoções, uma vez que são relevantes na perspetiva do desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança.

23. Nos autos, a relação afetiva forte da criança com o pai e com a mãe, as competências de cada um, necessárias ao exercício das responsabilidades parentais, a proximidade das residências e a complementaridade das intervenções, tudo aconselha o regime de residência alternada como o adequado.

24. É essa a alteração que o Recorrente peticiona, não arrimado na sua própria vontade, mas por que entende, tal como a jurisprudência dominante, que é o regime que melhor serve os interesses do menor.

A requerida veio aos autos, singelamente, louvar-se na decisão apelada, afirmando não ser a mesma merecedora de reparo ou censura, tendo contra-alegado o Ministério Público, defendendo a improcedência da apelação e manutenção da decisão.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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Delimitação do objecto do recurso

Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações do apelante, a questão colocada à apreciação deste tribunal consiste em apreciar se se justifica, ponderando o alegado pelo apelante, julgar-se (como na decisão apelada) infundado o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais ou não (como pretende o apelante), com o consequente prosseguimento dos autos em vista de decidir se se justifica ou não a pretendida alteração do regime fixado.


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FUNDAMENTAÇÃO

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Fundamentação de facto

A decisão apelada elencou a seguinte matéria de facto:

1. Requerente e requerida são os pais de CC, nascido em ../../2020.

2. Por acordo homologado na Conservatória do Registo Civil em 30/10/2020, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC, nos seguintes termos:

- o menor ficará a residir com a progenitora, a quem incumbirá o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente do filho;

- as responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas por ambos os progenitores, excepcionando-se os casos de manifesta urgência, caso em que qualquer dos progenitores poderá agir de imediato, ainda que, tão depressa quanto possível, prestará as devidas informações ao outro;

- o menor passará com o pai um fim de semana, de 15 em 15 dias, sendo que até aos dois anos de idade da criança tais convívios não incluem pernoitas, pelo que irá o pai buscar o CC a caso da progenitora aos sábados e domingos, pelas 10 horas e no mesmo local o entrega aos sábados e domingos, pelas 20 horas;

- o pai poderá, ainda, estar com o menor duas vezes por semana, durante a semana, para o que irá buscar o menor à ama ou infantário que o menor irá frequentar a partir dos 6 meses, entregando-o à mãe até às 20 horas;

(…)

- nas férias de verão, o menor passará com o pai um período de 15 dias a iniciar no Verão de 2022, devendo este período ser combinado entre os progenitores até ao final de abril de cada ano;

- o pai pagará uma pensão de alimentos ao menor, no valor mensal de 100,00€, que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês, por qualquer meio idóneo, quantia essa que será actualizada anualmente em Janeiro de cada ano de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE em relação ao ano transacto, fazendo-se a primeira actualização em Janeiro de 2022;

- o pai pagará ainda, metade das despesas de saúde, medicação, escolares, actividades extracurriculares e frequência de ama ou infantário que vier a ser escolhido para o menor frequentar a partir dos 6 meses de idade;

- tais despesas serão pagas com a mensalidade subsequente.

3. Por acordo judicialmente homologado em 16/12/2021, foi alterado o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao CC, nos seguintes termos:

1º- o menor ficará a residir com a progenitora a quem incumbirá o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente;

- as responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas por ambos os progenitores, excepcionando-se os casos de manifesta urgência, caso em que qualquer dos progenitores poderá agir de imediato, ainda que, tão depressa quanto possível, prestará as devidas informações ao outro;

2º- (Direito de Convívio Regular/Organização dos Tempos da Criança)

Visitas:

- Durante os dias da semana o pai vai buscar o menor à ama por volta das 15:00 horas e entrega-o em casa da mãe às 19:00 horas, com excepção dos dias de folga da mãe em que a mesma irá buscar o menor à ama para com ele ficar;

- Para o efeito a mãe informará o pai por mensagem aos domingos das folgas que terá na semana seguinte ou nessa mesma semana;

- O progenitor passará ainda um fim de semana com o menor de 15 em 15 dias indo buscá-lo à ama às 15:00 horas de sexta-feira entregando-o aos domingos às 19:00 horas em casa da mãe;

- Caso o fim de semana que compete ao pai coincida com o fim de semana de folga da mãe, o menor ficará com a mãe e o fim de semana seguinte ficará com o pai;

Festividades:

- Véspera de Natal e Dia de Natal:

O menor passará a véspera e o dia de Natal alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que em 2021 se iniciará a véspera com a mãe e o dia de Natal com o pai, alternando nos anos seguintes, com pernoita.

Fim de Ano e Dia de Ano Novo:

O menor passará a véspera de ano novo e o dia de Ano Novo alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que este ano passará a véspera com a mãe e o dia de Ano Novo com o pai, alternando nos anos subsequentes, com pernoita;

O menor passará com o pai, o dia do pai e dia de aniversário deste e com a mãe, o dia da mãe e o dia de aniversário desta, com pernoita.


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Fundamentação de direito

O art. 42º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei 141/2015, de 8/09) afirma o princípio da modificabilidade das decisões de regulação das responsabilidades parentais quando (para lá das situações de não cumprimento por parte dos pais ou da pessoa a quem a criança haja sido confiada, hipótese que não interessa à presente decisão) ocorra uma circunstância superveniente que torne necessário alterar o que estiver estabelecido[1] – ou seja, quando uma circunstância superveniente, implique ou justifique a alteração do regime previamente estabelecido[2] ou, dito doutro modo, quando o novo circunstancialismo torne aquele anterior regime desadequado, desconforme ou prejudicial às actuais circunstâncias da criança.

A lei não podia deixar de reflectir (na perspectiva do relacionamento interpessoal) a essencial e permanente característica evolutiva imanente às relações humanas, mormente às relações familiares, assim como (na perspectiva do indivíduo) a permanente e constante evolução da personalidade humana, característica que assume foros de particular acutilância nas crianças e adolescentes.

Tanto a evolução e alteração do relacionamento interpessoal entre os familiares quanto a evolução física, psíquica, emocional, afectiva, intelectual, moral e social de uma criança são incompatíveis com espartilhos resultantes de uma decisão judicial referida a determinado momento cronológico e aferida pelas circunstâncias então existentes.

Evolução, alteração ou mudança (quantas vezes de factores exógenos à vontade dos indivíduos) que, em ordem a respeitar o superior interesse da criança (o critério decisório, como resulta dos arts. 1906º, nsº 5 e 6 do CC e 40º, nº 1 do RGPTC[3] – o objectivo das decisões de regulação das responsabilidades parentais ‘não é igualizar os direitos dos pais mas proteger o interesse do menor, entendido como a estabilidade da sua vida e o seu equilíbrio emocional’[4]), sempre a apurar em atenção ao momento em que a decisão é tomada (princípio da actualidade - arts. 4º, nº 1 do RGPTC e 4º, e) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei 147/99, de 1/09), demandam (exigem) da lei mecanismos próprios para libertar a criança/jovem da sujeição a estado de facto (resultante da regulação do exercício das responsabilidades parentais a que esteja sujeita) que seja desconforme, desadequado ou prejudicial aos seus interesses.

O art. 42º do RGPTC (objectivação, no âmbito da justiça tutelar, da regra que o ordenamento processual civil adopta no art. 988º, nº 1 do CPC, a propósito dos processos de jurisdição voluntária – regra geral que sempre se aplicaria no presente processo, em atenção ao disposto no art. 12º do RGPTC) é a resposta legal a estas exigências.

Modificação do regime das responsabilidades parentais estabelecido (ou substituição de anterior regime, ainda que coberto por decisão transitada – substituição de decisão transitada que é reflexo do princípio rebus sic sanctibus) que tem como necessário pressuposto ou o seu incumprimento pelos pais (uma ‘forma qualificada de alteração superveniente das circunstâncias, na medida em que resulta de factos ocorridos em data posterior à decisão alteranda’[5]) ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes (superveniência no sentido de posterioridade relativamente à data de encerramento da discussão da causa em que foi proferida a decisão que se pretende modificar – seja ela a superveniência objectiva, que ocorre quando os factos ocorrem depois do encerramento da discussão, seja ela a superveniência subjectiva, que se verifica quando os factos invocados só chegam ao conhecimento do progenitor após o encerramento da discussão[6]) que justifiquem a alteração, cabendo ao ‘requerente responsável pelo impulso processual os ónus de alegar e provar os factos concretos que preenchem o pedido de alteração apresentado’[7].

Não é fundamento para a alteração do regime a singela vontade de um dos pais ou a sua mudança de opinião relativamente ao acordo anteriormente outorgado[8], tampouco a invocação de que um outro regime de residência da criança/jovem, de convívios desta com o progenitor não residente e/ou de alimentos se apresentaria como solução mais adequada ou apropriada para responder à situação factual existente ao tempo em que foi estabelecido o regime que se pretende ver modificado – quer uma mudança de opinião do progenitor quanto ao regime acordado, quer a vontade do requerente, quer a invocação de que um ‘melhor’, mais adequado ou apropriado regime regulatório pode ser alcançado, ponderando a inalterada situação de facto, ou é até mais conforme (ao nível do nomen iuris) à execução que vem sendo dada à regulação vigente, não permitem a alteração do anterior regime estabelecido, pois que então manter-se-á eficaz o caso julgado (com toda a sua força e autoridade, reflexo da regra rebus sic santibus).

Na situação dos autos o apelante não invoca qualquer incumprimento do regime vigente (estabelecido em Dezembro de 2021) nem qualquer alteração das circunstâncias – sejam circunstâncias pessoais relativas a qualquer dos pais, sejam circunstâncias relativas à criança, limitando-se a alegar factualidade que demonstra não mais que o integral cumprimento (e adequação) do regime estabelecido, seja quanto ao regime de convívios, seja a propósito das matérias concernentes ao sustento da criança.

Conclusão que o apelante não questiona (o alegado nas conclusões 22ª e 23ª não consubstancia a existência de circunstâncias supervenientes – o apelante limita-se a alegar a ligação afectiva da criança a ambos os progenitores, as competências parentais de ambos, a proximidade das residências e a complementaridade das respectivas intervenções parentais, sem que contudo qualquer uma de tais circunstâncias seja apresentada como nova ou modificada relativamente ao momento em que, em Dezembro de 2021, foi estabelecido o regime vigente), antes sustentando que o circunstancialismo vigente (que emerge do cumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais estabelecido), importando uma repartição mais ou menos igualitária do tempo de estadia da criança com os progenitores, é melhor servido pela ‘residência alternada’ que peticiona, sendo esse o regime que verdadeiramente está a ser praticado e por isso deve ser fixado (conclusões 10ª a 17ª), o que determinará, como consequência (conclusões 18ª a 20ª), a eliminação da obrigação de pagar pensão de alimentos (por inexistir acentuada discrepância dos rendimentos dos progenitores).

Manifesta a improcedência da argumentação – a pretensão deduzida pelo apelante (alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho) não vem fundada (estribada, ao nível da causa de pedir) nem no incumprimento, pelos progenitores, do regime estabelecido, nem na alteração da situação de facto relativamente à que existia em Dezembro de 2021 (data em que foi outorgado – e judicialmente homologado – o acordo de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais): não alega o apelante que qualquer circunstância pessoal (de qualquer dos progenitores ou até exclusivamente da criança - a qualquer nível, emocional, afectivo, social, psíquico, físico ou outro ) tenha sofrido alteração ou mudança com repercussão ou reflexo (sequer indirecto) no regime de regulação das responsabilidades parentais, seja na vertente da residência da criança, no regime dos convívios ou até a propósito das possibilidades de providenciar pelo sustento da criança.

Nenhum facto invoca o apelante que, verificando-se ou ocorrendo posteriormente a Dezembro de 2021 (ou sequer que só depois dessa data tenha vindo ao seu conhecimento), importe ou implique o desajustamento do regime da regulação ao superior interesse do seu filho – ou seja, não invoca o apelante qualquer novo circunstancialismo que seja susceptível de demonstrar que o anterior regime se tornou desadequado, desconforme ou prejudicial às actuais circunstâncias da criança.

Irreleva como fundamento de alteração da regulação que outro regime seja porventura mais adequado ou até mais conforme à execução que venha sendo dada ao regime vigente (ou até que outro regime seja ‘melhor’, mais adequado ou apropriado à inalterada situação de facto) – à modificação do anterior regime só serve de fundamento o incumprimento ou a superveniência de circunstâncias.

Falta, pois, pressuposto necessário ao pedido de alteração do regime – não vem invocado o incumprimento nem a ocorrência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, justificando-se, por isso, decisão que, nos termos do art. 42º, nº 4 do RGPRC, considerando o pedido infundado, determine o arquivamento dos autos.

Improcede, pois, a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:

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DECISÃO

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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão apelada.

Custas pelo apelante.


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Porto, 10/09/2024

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
João Ramos Lopes
Maria Eiró
Rui Moreira


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[1] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª Edição, revista, aumentada e actualizada, p. 111.
[2] João Nuno Barros in Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado, 2021, Reimpressão (coordenação de Cristina Araújo Dias, João Nuno Barros e Rossana Martingo Cruz), p. 340. 
[3] Também erigindo o superior interesse da criança como critério a observar em todas as decisões a ela relativas a adoptar por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, o art. 3º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança - Convenção adoptada pela ONU, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e ratificada em Portugal pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, aprovada em 8 de Junho de 1090.
[4] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 4ª edição revista, aumentada e acualizada, p. 10 (prefácio à terceira edição).
[5] Acórdão da Relação de Lisboa de 8/02/2022 (Diogo Ravara), no sítio www.dgsi.pt.
[6] Paulo Guerra e Helena Bolieiro, A Criança e a Família, Uma Questão de Direito(s), 2ª edição, 2014, pp. 269/270.
[7] João Nuno Barros in Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado (…), p. 340. Também, entre muitos, o acórdão da Relação do Porto de 27/06/2022 (Eugénia Cunha), no sítio www.dgsi.pt.
[8] Acórdão da Relação de Coimbra de 7/02/2023 (Helena Melo), no sítio www.dgsi.pt.