Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1989/16.3T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITOS INDISPONÍVEIS
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
DIREITO DE ACÇÃO
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP201911041989/16.3T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCENTE, CONFIRMADAS AS DECISÕES RECORRIDAS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - No campo da reparação emergente de acidente de trabalho, prevista na Lei 98/2009, de 04.09, os direitos dela decorrentes têm natureza indisponível, não sendo, por consequência, admissível a desistência do pedido por parte do beneficiário legal dessa reparação em relação a uma das Rés demandadas (no caso, a Ré Seguradora).
II - A caducidade do direito de ação decorrente de acidente de trabalho (art. 179º, nº 1, da Lei 98/2009) é de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1989/16.3T8AVR.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1136)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, B…, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, em junho de 2016 veio participar acidente de trabalho de que foi terá sido vítima seu marido C…, pescador, de que lhe resultou a morte no dia 22.05.2013 quando se encontrava a trabalhar na embarcação de arte xávega denominada de "D…", pertencente a E… e registada na Capitania do Porto de Aveiro com o n.º .-….-..
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo [por a Ré empregadora alegar que a responsabilidade infortunística em relação ao sinistrado se encontrava transferida para a Ré Seguradora mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ../…….. - Acidente de Trabalho, sendo que, esta, declinou tal responsabilidade alegando que, à data do sinistro, não existia qualquer contrato de seguro em vigor], veio a A. apresentar petição inicial contra F…, CRL, e subsidiariamente, contra E…, pedindo que seja a Ré seguradora ou, subsidiariamente, a Ré entidade patronal, condenadas a pagar-lhe as seguintes quantias:
“(i) A pensão anual e vitalícia, no montante de € 2.037.00 (dois mil, e trinta e sete euros), a ser paga nos termos do disposto nos artigos 72.º e seguintes da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, com início no dia seguinte ao do falecimento do sinistrado que teve lugar no passado dia 22.5.2013, até perfazer a idade da reforma por velhice e €2.716,00 (dois mil, setecentos e dezasseis euros) – vide artigo 59.º, n.º 1, alínea a) - a partir daquela idade ou, no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
(ii) O subsídio por morte no valor de € 2.766,85 (dois mil, setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) - artigo 65.º, n.º 2, alínea a) da referida Lei - e € 1.844,57 (mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos) - artigo 66.º, n.º 2 - referente a despesas de funeral que pagou;
(iii) A quantia de € 20,00 (vinte euros), de despesas de deslocação a Tribunal;
(iv) Todas essas quantias acrescidas dos respetivos juros moratórios de acordo com o previsto no artigo 135.º do CPT, calculados até efetivo e integral pagamento.”.
Para tanto, alegou em síntese que:
A 2ª Ré, E…, à data 22.5.2013, era a titular do direito de exploração económica da embarcação de pesca artesanal ou “arte xávega”, denominada de “D…”, com a identificação .-….-., havendo, no exercício dessa sua atividade profissional e na qualidade de armadora, admitido ao seu serviço C…, marido da A., com quem se encontrava casado; este, nesse dia 22.05.2013, a bordo da mencionada embarcação de pesca e no exercício das suas funções de pescador ao serviço da 2ª Ré, foi vítima do acidente de trabalho, que descreve, do qual lhe resultou a morte nesse dia (bem como de um outro pescador, G…) devido a asfixia mecânica por afogamento, acidente esse que deu origem ao processo-crime n.º 17/13.5MAAVR, que corre os seus termos pela Comarca de Aveiro, Secção Criminal de Ovar, Juiz 1, no qual foi proferido, em 1ª instância, acórdão ainda não transitado em julgado.
Entre as RR havia sido celebrado o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ../…… – ../…. que, pelas razões que invoca, determinam a transferência da responsabilidade pelo risco decorrente de acidente de trabalho de que fosse, também, vítima o mencionado sinistrado e, por essa razão, a A., no dia 24.07.2013 participou o acidente à Ré Seguradora, a qual, todavia, no dia 08.07.2013, declinou a responsabilidade sob a alegação da inexistência de contrato de seguro válido.

O ISS, IP deduziu pedido de reembolso de prestações efectuadas.

Citadas, as RR contestaram:
A Ré Seguradora (aos 23.01.2017) defendeu-se por exceção invocando: a caducidade do direito de acção, nos termos do art. 179º, nº 1, da Lei 98/2009, de 04.09, para tanto alegando que, tendo o sinistro ocorrido aos 22.05.2013, apenas veio a ser participado a Tribunal no dia 20.06.2016; a sua ilegitimidade, alegando em síntese que o contrato de seguro “F1…” celebrado com a 2ª Ré na qualidade de armadora/empregadora da embarcação de arte xávega denominada “D…” que aglutinava a cobertura de acidentes de trabalho titulada pela apólice ../…. e de acidentes pessoais titulada pela apólice ../…. não estava em vigor à data do sinistro [uma vez que o contrato de seguro se encontrava, a pedido da 2ª Ré, suspensa desde o dia 12.11.2012, situação que se mantinha à data do sinistro] e, bem assim e de todo o modo, que, pelas razões que invoca, o sinistrado não estava abrangido pelo âmbito do contrato de seguro, assim concluindo no sentido de não ser responsável pela reparação do acidente.
A Ré empregadora (aos 25.01.2017), litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. ofício da Segurança Social de 30.05.2017): defendeu-se por impugnação, mais alegando que a sua responsabilidade se encontrava transferida para a Ré Seguradora.
A Ré Seguradora contestou ainda o pedido de reembolso deduzido pelo ISS, IP.

A A. respondeu à contestação da Ré Seguradora, alegando, em síntese, que: como resulta do processo judicial n.º 393/14.2T4AVR, Juiz 2, o Ministério Público teve conhecimento do sinistro em data muito anterior a maio de 2014, sendo que a participação apresentada que deu origem a este processo tem eficácia para impedir a caducidade da presente ação proposta na sequência do mesmo acidente, apesar de nesta serem discutidos direitos não conhecidos naquele (o evento que lhe deu origem é o mesmo) e, em suporte, indica o Acórdão da Relação de Coimbra de 8.5.2008 (processo n.º 160-B/2000.C1), in www.dgsi.pt. Pugna assim pela improcedência da exceção da caducidade. Impugna a matéria relativa à ilegitimidade invocada pela Ré Seguradora e pugna pela improcedência de tal exceção. Mais referiu não responder à contestação da Ré empregadora por esta não se ter defendido por exceção, assim se encontrando impedida de responder.

Aos 07.02.2018 a Ré Seguradora juntou aos autos certidão dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08.02.2017 e do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2017 proferidos no Processo (crime) 17/13.5MAAVR em que estava em causa o pedido de indemnização cível deduzido pelas aí assistentes, uma das quais a ora A. [e pelas duas demais, filhas do sinistrado], contra as oras RR, mais concretamente a questão da determinação de qual das aí demandadas seria a responsável pelo pagamento da quantia de €117.000,00 que havia sido fixada a título de indemnização decorrente do acidente também em causa nos presentes autos, sendo que:
- No Acórdão da Relação do Porto foi decidido: dar provimento ao recurso interposto pela demandada F…, CRL, absolvendo-a do pedido de indemnização contra ela deduzidos pelas “Demandantes/Assistentes” e, “consequentemente condenar a demandada E… e pagar às demandantes a quantia de 117.000,00€ (…) correspondente à totalidade das indemnizações fixadas na sentença”.
- O mencionado acórdão do STJ confirmou o referido aresto da Relação do Porto.

Aos 27.04.2018 a A. apresentou o seguinte requerimento: “(…) devidamente notificada do teor do douto despacho de 23.4.2018, vem pelo presente informar expressamente que, atento o valor probatório emergente do trânsito em julgado do acórdão de revista proferido pelo STJ no passado dia 13.12.2017 – cuja certidão já se encontra junta aos autos –, desiste do pedido formulado contra a Ré seguradora.”, ao que a Ré Seguradora respondeu pugnando pela validade formal e material da desistência do pedido, na sequência do que foi, aos 07.09.2018, proferida pela 1ª instância a seguinte decisão:
“Por requerimento de fls 360, a A. veio declarar que desistia do pedido formulado contra a R. seguradora, atento o valor probatório do acórdão proferido pelo STJ, no dia 13.12.2017, cuja cópia se mostra inserta de fls 250 a 296 dos autos.
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A R. seguradora notificada para se pronunciar veio dizer que a desistência do pedido era formal e materialmente válida.
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Os presentes autos destinam-se a apreciar a responsabilidade infortunístico-laboral das RR. nos termos legais, que não foi apreciada no âmbito do pedido de indemnização civil formulado no processo crime, caso contrário estaríamos perante a excepção de caso julgado.
Por conseguinte, a decisão final proferida no processo crime, não prejudica o prosseguimento dos presentes autos, não sendo o momento processual para a apreciar os seus eventuais efeitos nas questões aqui em discussão.
E os direitos em apreço neste processo são, nos termos do art. 79º da Lei 98/2009, inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, ou seja, são direitos indisponíveis.
Ora, nos termos do disposto, no art. 289º, nº1, do C.P.Civil, não é permitida a desistência ou transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.
Pelo exposto, não sendo legalmente permitida, não se admite a desistência do pedido apresentada pela A. em relação à R. seguradora.”.
Inconformada com tal decisão, a A. dela recorreu, recurso esse que não foi admitido pela 1ª instância, decisão esta de que a A. reclamou, tendo esta Relação, aos 21.01.2019, decidido indeferir a reclamação, mantendo o despacho reclamado, por, em síntese, entender que a decisão então recorrida não era passível de impugnação imediata, apenas sendo impugnável nos termos do art. 79º-A, nº 3, do CPT, no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

Foram também efectuadas pela 1ª instância diligências diversas tendo por objeto a averiguação da existência de participação a diversas entidades do acidente de trabalho de que foi vítima o sinistrado C….

Aos 08.04.2019 foi proferido despacho saneador que:
- Julgou improcedente a exceção da ilegitimidade da Ré Seguradora;
- Julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito da acção da A. B…, absolvendo ambas as RR do pedido.
- Mais se fixou à ação o valor de 31.564,63€.

Inconformada, a A. veio “interpor recurso desta decisão final, bem como da decisão interlocutória, consubstanciada no despacho judicial datado de 7.09.2018”, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. O douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, não decidiu corretamente, não podendo a Recorrente concordar com tal entendimento;
II. A Recorrente veio a desistir do pedido em relação â Ré seguradora, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 1 do CPC, ex vi, o artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, por força, do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de 8.2.2017, no âmbito do processo 17/13.5MAAVR.P1.S1, a qual veio a considerar que o contrato de seguro de responsabilidade infortunistico-laboral é ineficaz relativamente ao malogrado sinistrado C…;
III. Essa decisão tem força obrigatória, impondo-se nestes autos por força do previsto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC, não sendo mais possível à aqui Recorrente pugnar pela eficácia do sobredito contrato de seguro de responsabilidade infortunístico-laboral relativamente ao seu malogrado marido;
IV. A pretendida desistência do pedido não consubstancia qualquer desistência que importe a afirmação da vontade da Autora relativamente a direitos indisponíveis, não logrando aplicação o disposto no artigo 289.º, n.º 1 do CPC;
V. Todos os direitos que, em tese, assistiriam à aqui Autora, permanecem plenamente intactos, em face do prosseguimento dos autos contra a Ré entidade patronal;
VI. Em face do supra exposto, a Mª Juiz "a quo", ao proferir o douto despacho recorrido, que não veio a admitir a desistência do pedido apresentada pela Recorrente em relação à Ré seguradora, violou o disposto no artigo 283.º, n.º 1 do CPC, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, devendo, por isso, ser revogado tal despacho e substituído por outro que admita tal desistência;
Sem conceder,
VII. A Ré entidade patronal não contestou a PI, considerando-se confessados todos os factos alegados pela Autora;
VIII. O tribunal recorrido ao conhecer da excepção de caducidade (apenas invocada pela Ré seguradora) fê-lo – no que se refere à Ré subsidiária –, oficiosamente;
IX. A caducidade a que alude o artigo 179.º n.º 1 da LAT não é de conhecimento oficioso, por não ser estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, isto porque está na disponibilidade do sinistrado ou dos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei de efectuarem a competente participação do acidente;
X. Donde, o tribunal recorrido nunca poderia ter conhecido oficiosamente da caducidade do direito de acção, tendo a caducidade que ser invocada pela entidade patronal, o que, in casu, não aconteceu;
XI. Não se verifica a comunicabilidade do benefício da caducidade à Ré não contestante;
XII. Em face do supra exposto, a Mª Juiz "a quo", ao proferir a douta sentença recorrida, que veio a julgar procedente a exceção da caducidade e, em consequência, absolveu ambos os réus do pedido formulado pela Recorrente, violou o disposto no artigo 333.º, 303 e 301.º, todos do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada tal decisão e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos em relação à entidade patronal.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da confirmação do despacho saneador/sentença, ao qual as partes não responderam.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
***
II. Matéria de facto assente:

A. Tem-se como assente o que consta do precedente relatório.

B. Na 1ª instância foi dada como assente a seguinte factualidade:
“1. No dia 22.5.2013, ocorreu um acidente na praia …, Ovar, com a embarcação denominada “D…”, no qual resultou a morte, no próprio dia, dos pescadores G… e C… e, no dia seguinte, do pescador H…
2. A aqui A. B… participou o acidente do seu cônjuge C… a este Juízo do Trabalho de Aveiro em 17.6.2016.
3. Em 19.5.2014, os herdeiros do pescador G… apresentaram neste Juízo do Trabalho uma participação do dito acidente, cuja cópia se mostra de fls 193 a 203 dos autos, que deu origem ao processo nº 393/14.2T4AVR, na qual apenas é referido que o acidente provocou o afundamento imediato da embarcação e a morte do trabalhador/pescador G….
4. A Capitania do Porto de Aveiro elaborou através da Polícia Marítima elaborou em inquérito do acidente que remeteu aos Serviços do Ministério Público do DIAP de Ovar, dando conhecimento do mesmo à Autoridade para as Condições do Trabalho, em 22.5.2013.
5. A Autoridade das Condições do Trabalho elaborou um inquérito ao acidente por solicitação dos Serviços do Ministério Público de Ovar no âmbito do processo crime nº 17/13.5MAAVR, que remeteu a este processo em 15.4.2015-cfr. fls 50.
6. Em 11.1.2016 tal inquérito foi enviado pela ACT para o dito Proc. 393/14.2T4AVR deste Juízo.
7. A aqui A. deduziu pedido de indemnização civil no que deduziu pedido de indemnização civil no processo crime nº17/13.5MAAVR.P1 que correu termos na Instância Local de Ovar- Secção Criminal contra o arguido I… e contra as aqui RR., E…, na qualidade de armadora e empregadora e contra a F…, com base na apólice de acidentes pessoais do contrato de seguro.”.
***
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
a. Da impugnação da decisão intercalar proferida aos 07.09.2018: se deve ser admitida a desistência do pedido deduzido contra a Ré Seguradora;
b. Da impugnação da decisão proferida no despacho saneador: se não podia a decisão recorrida, no que toca à Ré empregadora, ter conhecido da exceção peremptória da caducidade do direito de acção por parte da A. por: i) tal exceção não ser de conhecimento oficioso; ii) e por não se verificar a comunicabilidade da mesma [invocada pela Ré Seguradora] à Ré empregadora, que a não invocou.

2. Da impugnação da decisão intercalar proferida aos 07.09.2018: se deve ser admitida a desistência do pedido deduzido contra a Ré Seguradora

A A., na sequência do acórdão do STJ de 13.12.2017, proferido no Proc. crime 17/13.5MAAVR.P1.S1, que confirmou o Acórdão da Relação do Porto de 08.02.2017, veio desistir do pedido quanto à Ré Seguradora.
Em tais arestos foi considerado que o acidente de que foi vítima C… não estava, quanto a este, coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as RR, tendo a Ré Seguradora sido absolvida do pedido.
Tal desistência não foi homologada pela 1ª instância, constando da decisão recorrida (relembrando) o seguinte:
“Os presentes autos destinam-se a apreciar a responsabilidade infortunístico-laboral das RR. nos termos legais, que não foi apreciada no âmbito do pedido de indemnização civil formulado no processo crime, caso contrário estaríamos perante a excepção de caso julgado.
Por conseguinte, a decisão final proferida no processo crime, não prejudica o prosseguimento dos presentes autos, não sendo o momento processual para a apreciar os seus eventuais efeitos nas questões aqui em discussão.
E os direitos em apreço neste processo são, nos termos do art. 79º da Lei 98/2009, inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, ou seja, são direitos indisponíveis.
Ora, nos termos do disposto, no art. 289º, nº1, do C.P.Civil, não é permitida a desistência ou transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.
Pelo exposto, não sendo legalmente permitida, não se admite a desistência do pedido apresentada pela A. em relação à R. seguradora.”.
Do assim decidido discorda a A./Recorrente alegando que: a decisão proferida no Proc. crime 17/13.5MAAVR.P1.S1 tem força obrigatória, impondo-se nestes autos por força do previsto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC, não sendo mais possível à aqui Recorrente pugnar pela eficácia do sobredito contrato de seguro de responsabilidade infortunístico-laboral ao sinistrado; a pretendida desistência do pedido não consubstancia qualquer desistência que importe a afirmação da vontade da Autora relativamente a direitos indisponíveis, não logrando aplicação o disposto no artigo 289.º, n.º 1 do CPC; todos os direitos que, em tese, assistiriam à aqui Autora, permanecem plenamente intactos, em face do prosseguimento dos autos contra a Ré entidade patronal; a decisão recorrida violou o disposto no artigo 283.º, n.º 1 do CPC.

2.1. Desde já se dirá que se concorda com a decisão recorrida.
Nos termos do art. 285º do CPC/2013, a desistência do pedido tem como efeito a extinção do direito que se pretendia fazer valer e, daí que, de harmonia com o art. 289º, nº 1, não seja permitida a desistência que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis. A desistência do pedido realiza-se nos termos previstos no art. 290º, nºs 1 e 2 (por documento autêntico ou particular ou por termo no processo), cabendo ao juiz examinar se, pelo seu objeto e pela qualidade das partes que nela intervieram, a desistência é válida e, em caso afirmativo, assim o declarando por sentença, absolvendo nos seus precisos termos (art. 290º, nº 3); caso contrário, não a homologará [de esclarecer que, embora não seja aplicável ao caso, à desistência, confissão ou transacção efectuadas na audiência de conciliação não carecem de homologação, devendo todavia o juiz certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que fará constar do auto – art. 52º do CPT].
Como escreve José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, a pág. 522, em anotação ao art. 293º do CPC/1961 [correspondente ao atual art. 283º] e reportando-se à desistência do pedido, à confissão e transacção “nos três casos, verifica-se a disposição de situações jurídicas que são objecto da pretensão ou pedido (…), com abstracção da real existência e conteúdo dessas situações. (…)” e, a pág. 524º, em anotação ao então art. 295º [correspondente ao atual art.285º], que a situação jurídica material que é objeto do pedido “quer existisse quer não anteriormente, é objecto de um negócio que opera como um facto extintivo, precludindo a questão da sua existência e conformação anteriores. (…)” e, a pág. 530, a propósito do então art. 299º [correspondente ao atual art. 289º] que o nº 1 “respeita aos limites materiais ao principio da autonomia da vontade, a observar tanto dentro do processo como fora dele, agora no campo da indisponibilidade objectiva das situações jurídico-privadas, às normas de direito substantivo cabe, pois, a determinação das situações jurídicas objectivamente indisponíveis (…)”.
Ou seja, a apreciação da validade da desistência do pedido visa determinar, face ao objeto do pedido, se este se insere no campo da disponibilidade ou indisponibilidade do direito, colocando-se essa apreciação a montante da apreciação da existência e/ou da viabilidade ou não do pedido; ou, dito de outro modo, a apreciação da validade da desistência do pedido não passa pela prévia apreciação da existência, ou não, do direito de que a parte pretende desistir, apreciação esta que se colocaria apenas a jusante, na apreciação do próprio pedido, caso a parte dele não desistisse.
E não passa também pela averiguação das razões da desistência, designadamente, no caso, pela apreciação da questão dos efeitos da decisão final proferida no processo crime no âmbito dos presentes autos de acidente de trabalho, designadamente no que toca à questão da transferência da responsabilidade infortunística da Ré Empregadora para a Ré Seguradora e da responsabilidade desta prevista na Lei 98/2009. Concordamos, pois, com decisão recorrida quando refere que “a decisão final proferida no processo crime, não prejudica o prosseguimento dos presentes autos, não sendo o momento processual para a apreciar os seus eventuais efeitos nas questões aqui em discussão.”.

2.1.1. No campo da reparação emergente de acidente de trabalho, prevista na Lei 98/2009, de 04.09, os direitos dela decorrentes têm natureza indisponível como decorre do disposto no art. 78º do citado diploma, o qual dispõe que: “[o]s créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho”.
E, bem assim, no art. 12º da citada Lei, nos termos do qual: “1. É nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na presente lei ou com eles incompatível. 2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei. 3. (…)

Por outro lado, essa irrenunciabilidade, e consequente indisponibilidade, estende-se também à questão da determinação da entidade responsável pela reparação, não podendo o titular do direito à reparação prescindir do direito de que porventura possa ser titular em relação a alguma das entidades que pudessem eventualmente vir a ser responsabilizadas (seguradora ou empregadora).
E que assim é decorre também do disposto no art. 127º, nº 3, do CPT, nos termos do qual, sendo embora lícitos os acordos pelos quais a entidade patronal e seguradora atribuam a uma delas a intervenção no processo, tal não poderá prejudicar a questão da transferência da responsabilidade. A justificar o referido, refere Alberto Leite Ferreira, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª Edição, Coimbra Editora, a pág. 576, que “[s]e assim não fosse e o acordo celebrado pudesse por fim à questão da determinação da entidade responsável, o direito do autor estaria constantemente exposto a graves perigos. Bastaria que, por mútuo acordo, a intervenção no processo ficasse a cargo da entidade sem garantias de solvabilidade bastante.”. Ou seja, serve o referido para salientar que a questão da determinação da entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho consubstancia também matéria subtraída à disponibilidade das partes, incluindo do sinistrado.
Assim sendo, é improcedente o argumento da Recorrente de que, pese embora a desistência do pedido em relação à Ré Seguradora, a acção sempre prosseguiria contra a entidade empregadora, pelo que o seu direito ficaria assegurado.
E é de relembrar, como acima dito, que a apreciação e decisão da existência, ou não, da obrigação da Ré Seguradora proceder à reparação do acidente apenas se colocará/colocaria posteriormente à apreciação da validade da desistência do pedido, não passando o juízo, quanto a esta, pela prévia apreciação da existência, ou não, do direito quanto a alguma das eventuais responsáveis pela reparação.
E é ainda, a este propósito, de salientar que, ao contrário do que alega a A/Recorrente, a Ré Empregadora contestou a acção aí apontando como responsável a Ré Seguradora. Aliás, o CPT impõe mesmo uma situação de litisconsórcio necessário, como decorre do disposto nos arts. 127º, nº 1, e 129º, nº 1, al. b), nos termos dos quais, se estiver em questão a determinação da entidade responsável, o juiz fará intervir na acção a entidade que julgue ser a eventual responsável [127º, nº 1] e podendo o réu indicar outra entidade como eventual responsável, caso em que esta será citada para a acção (art. 129º, nº 1, al. b)].
Deste modo, concorda-se com o despacho recorrido, de 07.09.2018, que não admitiu a desistência do pedido relativamente à Ré Seguradora, formulada pela A., assim improcedendo, nesta parte, o recurso.

3. Da impugnação da decisão proferida no despacho saneador: se não podia a decisão recorrida, no que toca à ré Empregadora, ter conhecido da exceção peremptória da caducidade do direito de acção.

Na decisão recorrida julgou-se procedente a exceção da caducidade (art. 179º, nº 1, da Lei 98/2009) do direito de acção, absolvendo-se ambas as RR do pedido, nela se referindo o seguinte:
««Mas, além da ilegitimidade, a R. Seguradora invocou também a excepção peremptória de caducidade do direito da acção da A. B…, porquanto o o acidente que vitimou o seu marido C… ocorreu em 22.5.2013, tendo o mesmo falecido nesse dia às 8.26 horas, sendo que o prazo de caducidade de um ano fixado no nº1 do art. 179º da LAT começou a correr logo nessa data ( art. 329º do C.Civil) e a participação do acidente só veio a ocorrer em 17.6.2016, muito depois de decorrido o prazo de caducidade de um ano.
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A. A. respondeu à excepção de caducidade invocada pela R. seguradora, alegando que os direitos emergentes de acidentes de trabalho têm natureza indisponível e as acções emergentes de acidente de trabalho correm, nos termos do art.26º, nº3 do C.P.T correm oficiosamente, sem necessidade de impulso das partes e, como o acidente em causa foi comunicado ao Ministério Público junto deste Tribunal em data muito anterior a maio de 2014, tendo tal participação dado origem ao proc. nº393/14.2T4AVR, a participação que originou este processo teve a virtualidade de interromper o de decurso do prazo de caducidade do direito de acção.
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Face a tal alegação solicitou-se certidão da participação que originou o referido processo 393/14.2.T4AVR, que se mostra inserta a fls 193 a 205 dos autos que foi notificada às partes.
Na sequência dessa notificação, a R. Seguradora veio, por requerimento inserto de fls 206 a 208, dizer que tal participação apresentada em 19.5.2014, por J… e pelos seus filhos K… e L…, na qualidade de herdeiros de G…, que também faleceu no acidente ocorrido com a embarcação “D…” no dia 22.5.2013, atesta o exercício do direito indemnizatório daqueles em relação ao sinistrado G…, direito subjectivo distinto do direito da aqui A. enquanto beneficiária por morte do sinistrado C…, pelo que tal participação não obsta ao decurso do prazo de caducidade do direito desta que não foi exercido no prazo legal de um ano previsto no art. 179º, nº1 da LAT.
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Por seu turno, A A. notificada de tal participação, por requerimento inserto a fls 209 e 210, veio requerer que se oficiasse à Capitania do Porto de Aveiro, à Polícia Marítima, à Autoridade para as Condições do Trabalho e ao Centro Hospitalar … para juntarem aos autos documentos comprovativos de terem procedido à comunicação do acidente em apreço à Comarca de Aveiro- Juízo do Trabalho, fundamentando tal pedido nos arts 88º a 92º do Lei 98/2009 de 4.9 .
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Ordenou-se a verificação das participações que tinham dado entrado neste Tribunal relativas ao acidente ocorrido no dia 22.5.2013, na Praia …, com a embarcação “D…”.
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Feitas as consultas necessárias, a fls 219 foi informado que relativamente a tal acidente além dos presentes autos, apenas existia o processo nº393/14.2T4AVR, originado pela participação dos herdeiros de G….
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Por requerimento inserto a fls 220 a 222, a A. veio reiterar o pedido anterior, questionando a informação da secretaria, alegando que uma eventual participação podia ter entrado e não ter dado lugar à abertura formal de um processo e que tais entidades tinham o dever de participação, cuja omissão põe em jogo o seu direito à reparação que a lei considera irrenunciável e indisponível, sustentando que a caducidade do direito de acção prevista na lei apenas pretende referir-se aos casos em que o sinistrado ou os seus beneficiários detêm a faculdade de participar em situações em que não exista o dever de participação de outra parte, pois de outro modo fica aberta a porta à possibilidade de viciar o princípio da indisponibilidade dos direitos conexionados com os acidentes de trabalho, o que viola frontalmente os arts 13º e 20º da CRP.
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Por despacho de 4.1.2018, determinou-se a notificação da Capitania do Porto de Aveiro, da Polícia Marítima e da Autoridade para as Condições do Trabalho para informarem se participaram a este Juízo do Trabalho de Aveiro o acidente ocorrido no dia 22.5.2013, na Praia …, em Ovar com a embarcação “D…” e, em caso afirmativo, em que data, indeferindo-se a notificação do Centro Hospitalar …, porque como consta no relatório da autópsia, o óbito do sinistrado foi verificado no local pelo INEM e não houve internamento do sinistrado.
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A fls 227 e 228, a Capitania do Porto de Aveiro veio informar que no âmbito das suas competências procedeu a inquérito ao acidente em causa através da Polícia Marítima que remeteu aos Serviços do Ministério Público do DIAP Ovar, com conhecimento da Autoridade para as Condições do Trabalho em 22.5.2013.
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A Autoridade para as Condições do Trabalho veio juntar aos autos o inquérito finalizado em 7.4.2015, inserto de fls 224 a 248 dos autos, informando a fls 350 que não comunicou/participou o acidente a este Tribunal.
De tal inquérito ( ponto 3.8) resulta que o acidente ACT foi comunicado à ACT pela Polícia Marítima em 22.5. 2013, que o inquérito ao acidente foi elaborado a pedido dos Serviços do Ministério Público de Ovar, no âmbito do processo crime nº 17/13.5 MAAVR, ao qual foi enviado em 15.4.2015, tendo sido remetido a este Juízo do Trabalho apenas em 11.1.2016 ao processo 393/14.2T4AVR, que teve origem com a participação dos beneficiários de G….
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A aqui A. deduziu pedido de indemnização civil no processo crime nº17/13.5MAAVR.P1 que correu termos na Instância Local de Ovar- Secção Criminal contra o aí arguido I… e contra as aqui RR., E…, na qualidade de armadora e empregadora e a F…, com base no contrato de seguro.
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A. A., face à decisão final daquele processo proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que manteve a absolvição da Seguradora do pedido civil, decretada pela Relação, veio desistir do pedido formulado nestes autos em relação à R. Seguradora.
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Por decisão de 7.9.2018, não se homologou tal desistência, porquanto não se verifica a excepção de caso julgado, pois, naqueles autos apreciou-se a responsabilidade civil da seguradora emergente da apólice de acidentes pessoais, enquanto nestes se aprecia a responsabilidade infortunístico-laboral, com base na apólice relativa a acidentes de trabalho, e a desistência do pedido é legalmente admissível[1] por estarem em causa direitos indisponíveis.
Tal decisão foi objecto de recurso que não foi admitido por se tratar de uma decisão só impugnável com a decisão final. Os elementos dos autos são suficientes para uma decisão conscienciosa da excepção de caducidade, o que passamos a fazer.
São os seguintes os factos assentes resultantes dos autos e dos documentos juntos que se nos afiguram relevantes para a decisão:
[os factos são os que já deixámos consignados no ponto II.B. do presente acórdão]
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Sendo estes os factos, vejamos o direito aplicável.
O art. 179º, nº1 da LAT, estabelece:
“O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”
Sobre a participação do acidente no caso de trabalho a bordo, o art.89º da LAT estipula:
1. Sendo o sinistrado inscrito marítimo, a participação é feita ao órgão local do sistema de autoridade marítima do porto do território nacional onde o acidente ocorreu, sem prejuízo de outras notificações previstas em legislação especial.
2. Se o acidente ocorrer a bordo de navio português, no alto mar ou no estrangeiro, a participação é feita ao órgão local do sistema de autoridade marítima do primeiro porto nacional escalado após o acidente.
3. As participações previstas nos números anteriores devem ser efectuadas no prazo de dois dias a contar da data do acidente ou da chegada do navio e remetidas imediatamente ao tribunal competente pelo órgão local do sistema de autoridade marítima, se a responsabilidade não estiver transferida ou se do acidente tiver resultado a morte, e à seguradora nos restantes casos.
E o art.90º dispõe:
1. A seguradora participa ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da alta clínica, o acidente de que tenha resultado incapacidade permanente e imediatamente após o seu conhecimento, por correio electrónico, telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens, o acidente de que tenha resultado a morte.
2. A participação por correio electrónico, telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo de registo de mensagens não dispensa a participação formal que deve ser feita no prazo de oito dias contados do falecimento ou do seu conhecimento.
Por último o art. 92º preceitua:
A participação do acidente ao tribunal competente pode ser feita:
a) Pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa;
b) Pelo familiar ou equiparado do sinistrado;
c) Por qualquer entidade com direito a receber o valor de prestações;
d) Pela autoridade policial ou administrativa que tenha tomado conhecimento do acidente;
e) Pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado esteja internado, tendo o acidente ocorrido ao serviço de outra entidade.
No caso subjúdice, o acidente ocorreu a bordo de uma embarcação de pesca e a Capitania do Porto de Aveiro teve conhecimento imediato do mesmo e elaborou inquérito que remeteu aos Serviços do Ministério Público do DIAP de Ovar, dando conhecimento do mesmo à Autoridade para as Condições do Trabalho, em 22.5.2013.
Ora, face ao disposto no nº3 do art.89º, a Capitania do porto de Aveiro devia ter remetido a participação do acidente a este Juízo do Trabalho.
Porém, remeteu tal participação à ACT e não a este Juízo.
Por outro lado, resulta igualmente dos autos que ambas as RR. tiveram igualmente conhecimento imediato do acidente e surgindo desde logo o litígio entre ambas quanto à vigência do contrato de seguro, nenhuma delas participou o sinistro a este tribunal.
A única participação que deu entrada no prazo de um ano subsequente ao acidente foi a apresentada pelos herdeiros de G… em 19.5.2014, na qual apenas se refere a morte deste.
Sustenta a A. que correndo as acções de acidente de trabalho oficiosamente, tal participação teve a virtualidade de interromper o prazo de caducidade, enquanto a R. Seguradora defende que a participação apenas atesta o exercício do direito indemnizatório por parte dos herdeiros do falecido G… que é distinto do direito da aqui A.
Como decorre do nº 3 do art.26º do C.P.Trab., na acção de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação, pelo que não há dúvida de que o acto impeditivo da caducidade é a participação do acidente ao tribunal competente.
E o facto de tais acções correrem oficiosamente traduz-se na obrigação de o Ministério Público uma vez recebida a participação promover os seus termos, não se interrompendo a instância ainda que haja inércia dos interessados.
Porém, a participação apresentada pelos herdeiros de G…, não pode ter efeito interruptivo do prazo de caducidade em curso relativamente ao direito indemnizatório da aqui A., pois além de estarem em causa diferentes direitos subjectivos, nem sequer faz qualquer referência à morte do marido da aqui A..
Por outro lado, no requerimento de fls 220 a 222, a A. sustenta que caducidade do direito de acção prevista na lei apenas pode referir-se aos casos em que não exista o dever de participação por parte de outras entidades, pois de outro modo fica aberta a possibilidade de viciar o princípio da indisponibilidade dos direitos conexionados com os acidentes de trabalho, o que viola frontalmente os arts 13º e 20º da CRP.
Tal questão já foi tratada pelo acórdão do S.T.J de 11.10.2015, relatado por Fernandes Cadilhe, disponível inwww.dgsi.pt, cuja pertinência se mantém apesar de ter sido proferido ao abrigo do regime resultante da Lei nº100/97 de 13.9 e do D.L.143/99 de 30.4., porquanto o regime actual é substancialmente idêntico. E por se nos afigurar particularmente esclarecedor transcrevemos o respectivo sumário:
“- A caducidade do direito de acção respeitante às prestações indemnizatórias por acidente de trabalho, a que se refere a Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, interrompe-se com a participação do acidente ao tribunal, sendo irrelevante, para o efeito, que a entidade seguradora tenha incumprido o dever de comunicação que lhe é imposto pelo artigo 18º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril;
II - É ao sinistrado ou aos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei que incumbe o ónus de desencadear o efeito impeditivo da caducidade, visto que são eles os que directamente beneficiam dos efeitos indemnizatórios e têm interesse no exercício do direito de acção.
III - Para o efeito de assegurarem o exercício tempestivo do direito de acção, o sinistrado e os beneficiários dispõem da faculdade de efectuarem, por sua própria iniciativa, a participação do acidente, que lhes é conferida pelo artigo 19º do Decreto-Lei nº 143/99.”
Por conseguinte, não obstante, a Capitania do porto de Aveiro ter incumprido o dever de participar o acidente a este Juízo, como a A., nos termos do art.92º al.b) da Lei 98/2009 tinha a faculdade de fazer tal participação no prazo legalmente fixado e assim obstar à caducidade do seu direito, como não exerceu tal faculdade tempestivamente, temos de concluir que o seu direito à reparação com base no regime infortunístico laboral se extinguiu.
Neste sentido se pronunciou igualmente a R.P. em acórdão de 24-09-2018, relatado por Rui Penha, disponível em www.dgsi.pt decidindo que nos casos em que o acidente não é participado à seguradora impende sobre o sinistrado um poder/dever de apresentar a participação do acidente ao Tribunal no prazo de um ano a contar da data do acidente, sob pena de caducidade do direito.
E não vemos que tal regime viole os princípios constitucionais da igualdade ou acesso ao direito, nem tão pouco o direito à assistência e justa reparação do familiar de vítima mortal de acidente de trabalho, igualmente consagrado no art. 59º, nº1, al.f) da CRP, pois nenhum direito, nem mesmo os indisponíveis são absolutos. Na sua aplicação, muitas vezes, têm de ceder perante outros igualmente relevantes. No caso, o legislador ordinário entendeu que o direito à reparação por acidente de trabalho quando não é exercido durante um ano deve extinguir-se, cedendo a favor da certeza e segurança jurídicas.
Resta acrescentar que os arts 89º,90º,91º e 92º da LAT referem sempre que a participação deve ser feita no tribunal competente que é o tribunal do trabalho, por isso, a participação feita pela Capitania do porto de Aveiro aos Serviços do Ministério Público junto do tribunal judicial de Ovar não tem o efeito interruptivo do prazo legal de caducidade.
Neste se pronunciou a Relação do Porto em acórdão de 15.12.2003, disponível inwww.dgsi.pt, decidindo que a participação de um acidente de viação e simultaneamente de trabalho feita pela Guarda Nacional Republicana ao tribunal judicial não impede o decurso do prazo de caducidade do direito de acção relativamente ao acidente de trabalho.
Em suma, tendo a A. apresentado a participação neste tribunal decorridos mais de três anos após o acidente que vitimou o marido, o seu direito de acção já havia caducado.»».
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando que: a Ré empregadora não contestou a PI, considerando-se confessados todos os factos alegados pela Autora; a decisão recorrida ao conhecer da excepção de caducidade (apenas invocada pela Ré seguradora) fê-lo, no que se refere à Ré empregadora, oficiosamente; a caducidade a que alude o artigo 179.º n.º 1 da LAT não é de conhecimento oficioso, por não ser estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, estando na disponibilidade do sinistrado ou dos beneficiários das pensões e indemnizações atribuídas por lei de efectuarem a competente participação do acidente; donde, o tribunal recorrido nunca poderia ter conhecido oficiosamente da caducidade do direito de acção, tendo a caducidade que ser invocada pela entidade patronal; não se verifica a comunicabilidade do benefício da caducidade à Ré não contestante; a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 333.º, 303 e 301.º, todos do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada tal decisão e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos em relação à entidade patronal.

3.1. Como decorre do referido, a Recorrente, no recurso, não põe em causa os fundamentos em que se alicerçou a decisão recorrida para decidir no sentido da caducidade do direito de acção pois que não os ataca, os quais, assim, transitaram em julgado.
Com efeito, o que a Recorrente defende é que a decisão recorrida, no que se reporta à Ré Empregadora, ao decidir também no sentido da caducidade do direito de acção, o fez, indevidamente, de forma oficiosa uma vez que tal exceção não havia sido invocada por tal Ré. E, para tanto, entende, por um lado, que a caducidade não é de conhecimento oficioso e, por outro, que a sua arguição pela Ré Seguradora não é comunicável à Ré empregadora [diga-se, apenas em jeito de esclarecimento, que é de todo incompreensível que a Recorrente refira no recurso que a Ré empregadora não contestou a ação, pois que sabe a Recorrente, e tem a obrigação de saber, que esta Ré contestou; aliás, a própria Recorrente, na resposta apresentada às contestações, referiu expressamente que não respondia à contestação da Ré empregadora por esta não se ter defendido por exceção, donde decorre que tem perfeito conhecimento de que aquela contestou].

3.2. Dispõe o art. 179º, nº 1, da Lei 98/2009, que “1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”.
Nos termos do disposto no art. 333º, nºs 1 e 2, do Cód. Civil a caducidade, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, é apreciada oficiosamente pelo tribunal; mas, se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável o disposto no art. 303º do mesmo, nos termos do qual “[o] tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (…)”.
A oficiosidade do conhecimento da caducidade justifica-se na medida em que é determinada por motivos de interesse e ordem pública, dispondo o art. 12º, nº 1, da Lei 98/2009 [tal como já dispunham os preceitos similares dos diplomas que antecederam tal Lei] que: “1. É nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na presente lei ou com eles incompatível. 2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei. 3. (…)
A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido do conhecimento oficioso da caducidade em matéria de acidentes de trabalho.
Assim e designadamente no Acórdão do STJ de 18.12.2013, Processo 153/09.2TTPTG.E1.S1, cujas considerações, proferidas embora no âmbito da antecedente Lei 100/97, de 13.09, são contudo transponíveis para o âmbito da Lei 98/2009. De tal aresto consta o seguinte:
««a) Questão nova, passível/não passível de conhecimento?
De acordo com o art. 32º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, “o direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.”
Tem o recorrente por certo que a caducidade do direito de ação consubstancia exceção peremptória (art. 493º/3 do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, e que, no caso concreto, impõe-se o seu reconhecimento, com a consequente absolvição do pedido, tendo em consideração que «o A., ora recorrido, teve alta clínica no dia 10 de maio de 2010, data em que foi para casa» ([2]) porém, apenas «veio intentar a ação judicial contra o Recorrente, em 16 de setembro de 2011, ou seja muito depois do prazo de um ano que a referida lei estabelece para intentar a ação.»
O Autor/Recorrido, em sede de contra-alegações, faz uma breve referência ao facto de que «só neste Tribunal, tal questão é levantada pelo Réu», sem que, aparentemente, daí retire uma qualquer ilação.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta interpretou, porém, tal referência como «argumentação» do Recorrido «na parte em que refere que a invocação da caducidade do direito à ação é questão nova que não deve agora ser conhecida», concluindo, todavia, que «não pode nem deve considerar-se válida» tal argumentação. (Fls. 1050)
A questão que, neste primeiro momento, se cuida conhecer, traduz-se em saber se, não tendo o Recorrente suscitado nunca a questão da caducidade - como se comprova nos articulados deduzidos quer na 1ª instância, quer no recurso para o Tribunal da Relação -, poderá, agora, em sede de recurso de Revista, determinar que este Supremo Tribunal de Justiça haja de conhecer questão que não fora objeto da decisão recorrida.
Sem necessidade de particulares lucubrações, reconhece-se que conquanto os recursos constituam meios de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, já não obedecem a esta regra as questões de conhecimento oficioso. ([3])
Arrimou-se o Recorrente na lei adjetiva civil – art. 493º/3 – para afirmar a natureza de exceção perentória da caducidade. ([4])
Dizendo-se aqui que «As perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor», importará não esquecer a «harmonização» entretanto introduzida pelo legislador entre a lei adjetiva e a lei substantiva civis, como será dizer: se, nos termos do art. 333º/1 do Código Civil, «A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes», já nos termos do art. 496º do Código de Processo Civil «O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado».
Consabidamente, como logo flui do art. 34º da Lei 100/97, de 13 de setembro, à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho estão subjacentes interesses de ordem pública, razão por que «1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos nesta lei ou com eles incompatível. 2. São igualmente nulos os atos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei.»
Destarte, na situação em apreço, por de acidente de trabalho se tratar, vale o princípio iura novit curia: estando em causa a caducidade em matéria de direito indisponível, prevalece o dever do conhecimento oficioso relativamente a uma exceção cujo efeito se produz ipso iure.»» [sublinhados nossos]
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão desta Relação, de 03.12.2012, Proc. 597/11.0TTMTS.P1, in www.dgsi.pt, que, a propósito de um pedido de revisão e do direito de a requerer, referiu o seguinte [embora fosse aplicável a Lei 2127, de 03.08.1965, as considerações tecidas têm, por analogia, cabimento na questão em apreço no presente recurso]:
««(…) No entanto, sempre diremos, que independentemente da questão, a verdade é que o aludido prazo de caducidade é do conhecimento oficioso, já que, ao contrário do defendido pelo Recorrente, estamos perante direitos indisponíveis.
Na verdade, nos processos por acidentes de trabalho ou doenças profissionais (e aqui englobam-se todas e quaisquer fases processuais dos mesmos) pretende-se fazer valer um direito a uma pensão ou indemnização, pelo que, estamos perante direitos indisponíveis e irrenunciáveis, conforme decorre dos nºs 1 e 2 da Base XL da Lei nº 2127, de 03/08/1965, sendo as normas adjectivas e substantivas de interesse e ordem pública e de natureza imperativa que se sobrepõem aos interesses e expectativas das partes[8].
Assim, sempre poderia e deveria (como o fez) o Tribunal a quo conhecer (mesmo oficiosamente) da caducidade do direito de peticionar exame de revisão da incapacidade do sinistrado.”
Também no mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.04.2011, Proc. 2466/09.4TTLSB.L1-4, num caso de doença profissional, em que considerou que, por se tratar de matéria excluída da disponibilidade das partes, a caducidade é conhecimento oficioso.
Tendo em conta o citado art. 12º, nºs 1 e 2, da Lei 98/2009, bem como a mencionada jurisprudência e, bem assim, o disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil, entende-se ser de acolher o entendimento sufragado em tais arestos, concluindo-se no sentido da oficiosidade do conhecimento do direito de acção a que se reporta o art. 179º, nº 1.
Assim sendo, no caso, pese embora a Ré empregadora não tenha, na contestação que apresentou, invocado a caducidade do direito da acção [apenas a Ré Seguradora o fez], ela era de conhecimento oficioso, pelo que poderia a 1ª instância dela ter conhecido, como o fez.
E, face ao referido, não se mostra necessário apreciar, porque prejudicado, da alegada “incomunicabilidade”, à Ré Empregadora, da caducidade do direito da acção invocada pela Ré Seguradora [designadamente, ex vi do art. 129º, nº 2, do CPT].

Improcedem, assim, as conclusões do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, e, em consequência:
A. Confirma-se a decisão intercalar proferida aos 07.09.2018, que não homologou a desistência do pedido apresentada pela A. quanto à Ré Seguradora;
B. Confirma-se a decisão recorrida (na parte impugnada) proferida em sede de despacho saneador que julgou, também no que toca à Ré empregadora, E…, verificada a exceção perentória da caducidade do direito de acção por parte da A., B…, quanto à reparação decorrente do acidente em apreço nos autos e, consequentemente, a absolveu do pedido.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do pedido de apoio judiciário de que goza.

Porto, 04.11.2019
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
___________
[1] O Mmº Juiz escreveu “admissível” quando pretenderia dizer “inadmissível”, o que se deve a manifesto lapso de escrita como decorre, sem margem para qualquer dúvida, de todo o restante contexto quer processual, quer da decisão.