Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO VILARES FERREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CAUSA DE PEDIR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA IVA | ||
Nº do Documento: | RP2024071016626/22.9T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Consistindo a causa de pedir no complexo de factos concretos que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, e que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, a invocação pelo autor do complexo normativo correspondente ao “instituto do enriquecimento sem causa”, não se confunde com a causa de pedir, representando não mais do que uma valoração jurídica dos factos concretos alegados, à qual o tribunal não fica adstrito. II – No âmbito de um contrato de prestação de serviços, a obrigação de pagamento pelo beneficiário ao prestador de um dado valor a título de IVA, depende da alegação e prova, por parte do prestador/autor, de que o beneficiário/réu se comprometeu a suportar um custo global composto também pela parcela peticionada a título de IVA (cf. art. 342.º, n.º 1, do CPCivil). | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 16626/22.9T8PRT.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2]
Relator: Fernando Vilares Ferreira Adjuntos: Rui Moreira Alberto Taveira
SUMÁRIO: ……………………………………… ……………………………………… ………………………………………
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO 1. A..., LDA. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B..., LDA., C..., LDA. e D..., LDA. Pediu a condenação: A) Da 1.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 31.258,36, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% sobre o montante de € 30.943,00, até efetivo e integral pagamento; B) Da 2.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 39.382,33, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% sobre o montante de € 38.985,00, até efetivo e integral pagamento; e C) Da 3.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 39.266,15, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% sobre o montante de € 38.870,00, até efetivo e integral pagamento. Alegou, em síntese, que os montantes peticionados a título de capital correspondem ao valor de IVA por si pago, mas não cobrado às Rés, como deveria ter sido, pela contratualização de cedência de espaço e serviços para prestação de cuidados médico-dentários; assiste-lhe tal direito de crédito sobre as Rés, sob pena destas enriquecerem à sua custa, nos termos do art. 473.º, n.º 1, do Código Civil. 2. As Rés contestaram conjuntamente, pugnando pela improcedência da ação, invocando, além do mais, que a atividade que exercem é isenta de IVA e que nunca contratariam com a Autora se soubessem que aos valores contratados acresceria aquele imposto, sendo que o valor que acordaram com a Autora, como contrapartida pela utilização das instalações daquela, pago mensalmente e inscrito nas respetivas faturas, sempre foi um valor final. 3. Foi prolatado despacho saneador que julgou válida e regular a instância; procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova. 4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO: [(…) julgo a ação procedente, por provada e, em consequência, decido: A) Condenar a ré B... Lda., a pagar à autora a quantia de 31.258,36 euros; B) Condenar a ré C... Lda., a pagar à autora a quantia de 39.382,33 euros; C) Condenar a ré D... Lda., a pagar à autora a quantia de 39.266,15 euros; D) Todas estas quantias acrescidas dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento. * Custas pelas rés, na proporção do respectivo decaimento]. 5. Inconformadas, as Rés interpuseram o presente recurso de apelação, admitido com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES: A) A sentença recorrida não apresenta qualquer justificação ou fundamento jurídico para a condenação das Rés no pagamento à Autora das quantias que esta deveria ter liquidado a título de IVA e não liquidou. B) Como a AT considerou e bem, de acordo com a alínea a), do art. 2.º, do CIVA, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária é o prestador de serviços, e não o consumidor final. Sucede que, C) A Autora, no âmbito da relação contratual com as Rés, não liquidou o IVA nas faturas que emitiu a cada uma das três Rés, embora lhe coubesse a obrigação legal de liquidação e cobrança deste imposto. D) Assim, salvo melhor opinião, a questão central a resolver pelo Tribunal, tal como resulta do pedido e da causa de pedir, é a seguinte: Tendo a Autora, na sequência da ação de inspeção tributária a que foi sujeita, pago o IVA que devia ter liquidado e não liquidou, pode agora responsabilizar as Rés por tal pagamento, com base no enriquecimento sem causa? E) A Autora, na sua PI, indicou como fundamento da responsabilidade da Rés o seu alegado enriquecimento sem causa (cf. art. 50 a 55 da PI), pelo que era essencial que o Tribunal se pronunciasse sobre a existência ou não de enriquecimento sem causa. Sucede que, F) A douta sentença nada refere quanto à existência ou não de enriquecimento sem causa. G) Esta omissão de pronúncia é, por si só, geradora de nulidade da sentença proferida (cf. art. 615º, 1, d), do CPC). Por outro lado, H) A sentença não só não se pronuncia quanto à invocada causa de pedir como também não indica qualquer outro fundamento legal para a obrigação a que condena as Rés, pelo que estas ficaram a saber com que fundamento jurídico foram condenadas. I) A sentença deve evidenciar não só os factos que o Tribunal considera provados, mas também deve especificar as normas jurídicas que fundamentam a decisão, isto é, deve proceder à subsunção da factualidade assente ao Direito. J) No caso sub judice, a sentença é totalmente omissa quanto aos seus pressupostos jurídicos, não apresentando qualquer fundamento legal para condenar as Rés no pagamento das quantias peticionadas pela Autora. K) Nestes termos, também por esta razão, a sentença está ferida de nulidade, pois não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão (cf. art. 615º, 1, b), do CPC). Sem prescindir, L) Apesar de a sentença não especificar os fundamentos de Direito em que se apoia, aparentemente o Tribunal terá firmado a sua convicção numa suposta – e errónea - “substituição tributária”, que ninguém invocou e que não existe. M) O que ocorre no IVA é a repercussão fiscal e não substituição fiscal, pelo que só um lapso manifesto ou desconhecimento das normas e conceitos fiscais podem explicar a recurso à figura da substituição tributária para explicar a condenação das Rés. N) Ora, ocorre substituição tributária, como previsto no art. 20º da LGT quando, “por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”, acrescentando a lei que a “substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido”. O) No caso do IVA, não ocorre qualquer retenção na fonte, mas antes uma repercussão de imposto, pois o sujeito passivo do imposto é o prestador de serviços e não o cliente. P) Razão pela qual é sobre o prestador de serviços que recaem as obrigações principais e acessórias do referido imposto. Q) Pelo que, a obrigação de liquidar o IVA às Rés e de o entregar ao Estado era da Autora, o que esta manifestamente não fez, pelo que foi ela (e não as Rés) quem foi notificada pela AT para proceder ao pagamento do IVA cuja liquidação omitiu. Sem prescindir, R) O Tribunal não apreciou a causa de pedir alegada pela Autora, como se disse. Se o tivesse feito não poderia deixar de concluir pela improcedência do pedido, pois, no caso sub judice não estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa. S) Desde logo, sendo o pedido formulado pela Autora diretamente relacionado com as relações contratuais que existiram entre as partes, seria sempre no âmbito contratual que tal pretensão teria que ser formulada. De facto, T) O instituto de enriquecimento sem causa – causa de pedir no caso sub judice – tem carácter subsidiário (art. 474º do CC), pelo que, numa situação em que existe entre as partes uma relação contratual, é com base nela que as partes poderão reclamar aquilo a que entendem ter direito. Ainda sem prescindir, U) Ainda que assim não fosse, o que se aceita apenas para efeitos de raciocínio, nunca se poderia falar, no caso sub judice, de enriquecimento sem causa, pois ocorreu qualquer enriquecimento das Rés, muito menos à custa da Autora. V) As Rés que não tiveram qualquer vantagem patrimonial à custa da Autora pois pagaram à Autora exatamente aquilo que sempre acordaram com ela pagar. W) Se os serviços prestados pela Autora estavam sujeitos a IVA, o valor acordado já teria de incluí-lo, pois o valor acordado foi o valor final a pagar. Isto é, o IVA deveria ser calculado “por dentro”, isto é, o IVA deverá ser deduzido do montante que o sujeito passivo efetivamente recebeu do seu cliente. X) De resto, se a Autora e ora Apelada teve algum empobrecimento como alega, é porque não cumpriu as suas obrigações fiscais, uma vez que a liquidação do IVA era uma responsabilidade sua. Y) Não podem agora as Rés ser condenadas a suportar as consequências dos atos ilícitos praticados pela Apelada, até por que não podem já elas, por sua vez, repercutir nos seus clientes tal custo, como se compreende, ao contrário do que sucederia se a Apelada tivesse cumprido as suas obrigações fiscais. Z) Assim, o alegado empobrecimento da Autora, a existir, não é sem causa, antes se deve ao facto de não ter dado cumprimento às suas obrigações fiscais. Acresce que, AA) Não ocorreu qualquer deslocação patrimonial da Autora para as Rés, que é um pressuposto do enriquecimento sem causa; a deslocação patrimonial que terá ocorrido foi antes da Autora para a Fazenda Pública, deslocação a que as Rés são alheias. BB) Pelo que inexistem os pressupostos de que depende a obrigação de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa. CC) A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto no artigo 205.º, 1 da Constituição, nos artigos 154º e 607.º, n.º 2 a 6 do CPC, nos artigos 474º do Código Civil, nos artigos 18º e 20º da Lei Geral Tributária, e no artigo 2.º do CIVA. 6. Contra-alegou a Autora, pugnando pela improcedência do recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões: A. Na petição inicial a autora, ora recorrida, expôs os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de facto e de direito que fundamentam a ação (artigo 552 nº 1 al d) do Código de Processo Civil); B. Na contestação as rés, ora recorrentes, expuseram as razões de facto e de direito que as opõem à pretensão da autora, ora recorrida (artigo 572 al b) do Código de Processo Civil); C. Acontece que no artigo 33 da contestação as recorrentes confessaram que era verdade o alegado nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 10, 12, 14, 19 e 36 da petição inicial: D. Acresce que as recorrentes na sua contestação não impugnaram os documentos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 21 juntos com a petição inicial; E. De entre esses documentos avulta o Relatório da Inspeção Tributária junto sob o nº 17 com a petição inicial, e que nas páginas 12 a 24 trata a questão do IVA em apreço nos autos; F. Na sequência o Tribunal a quo proferiu o despacho saneador no qual definiu o objeto do litígio e os temas de prova; G. O despacho saneador não foi objeto de qualquer reclamação, ficando assim assente; H. Realizada a audiência de julgamento o Tribunal a quo proferiu a sentença condenatória objeto do presente recurso; I. Nessa sentença foram dados como provados 21 factos e como não provado 1 facto, decisão que não foi impugnada pelas recorrentes, pelo que constitui factualidade assente; J. As recorrentes no seu recurso invocam a nulidade da sentença recorrida, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615 nº 1 al b) do Código de Processo Civil); K. Relativamente à factualidade provada – 21 factos e não provada – 1 facto, a mesma consta da sentença recorrida e é matéria assente; L. No que respeita à fundamentação do direito o Tribunal a quo enunciou-a em sete densas páginas, já inseridas neste articulado; M. Estabelece o artigo 5 nº 3 do Código de Processo Civil que o Juiz não está sujeito às obrigações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito; N. Constituindo doutrina e jurisprudência unânime que somente se verifica a nulidade prevista no artigo 615 nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, quando a sentença não especifica, em absoluto, os fundamentos de facto e de direito que a justificam; O. O que manifestamente não ocorreu no caso subjudice; P. Pois em matéria de fatos estão enunciados os 21 factos dados como provados e 1 facto como não provado; Q. E em matéria do direito o Tribunal a quo decidiu as faturas ajuizadas não beneficiavam da isenção do IVA prevista nos artigos 9 nºs 1, 2 e 28, mas estava sujeita ao pagamento do imposto nos termos dos artigos 7, 8 e 18 nº 1 alínea c) do CIVA; R. Daqui decorre que a douta sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito da decisão condenatória, não se verificando a nulidade prevista nos artigos 615 nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil); S. As recorrentes alegam que douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615 nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil; T. Há omissão de pronúncia quando o Juiz deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça questões de que não podia tomar conhecimento; U. Constitui orientação dominante, que não podem confundir-se questões suscetíveis de conduzir à nulidade da sentença, com considerações, argumentos, motivos ou juízos proferidos pelas partes nos seus articulados; V. Desde logo porque o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5 nº 3 do Código de Processo Civil); W. Nesta senda o Tribunal a quo fixou objeto do litígio e os temas de prova no despacho saneador; X. Ora, confrontando a douta sentença recorrida com os referidos objetos do litígio e temas da prova, verifica-se que todas as questões foram tratadas; Y. Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia, não se verificando a nulidade prevista no artigo 615 nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil; Z. Como flui dos autos a recorrida estava obrigada a liquidar IVA nas faturas emitidas sobre as recorrentes e relativas ao pagamento da contrapartida da cedência dos consultórios médicos com prestação de serviços, em cumprimento do disposto nos artigos 7, 8 e 18 nº 1 alínea c) do CIVA; AA. Por seu turno as recorrentes estavam obrigadas a pagar esse IVA, porque não beneficiavam da exclusão do imposto previsto nos artigos 9 nº 1, 2 e 28 do CIVA; BB. Sendo que a incidência ou não do imposto não está na disponibilidade das partes contratantes, por ser de natureza e ordem pública e, por isso, imperativa; CC. Acontece que na emissão das faturas ajuizadas se indicou erradamente que as mesmas estavam isentas ao abrigo do artigo 9 do CIVA; DD. Ou seja, a recorrida não liquidou o IVA que era devido e as rés não procederam ao pagamento do imposto a que estavam obrigadas; EE. Contudo, na sequência da inspeção feita à recorrida pela Autoridade Tributária, esta determinou que o IVA era devido e procedeu à sua liquidação; FF. IVA que a recorrida pagou, mas que constitui encargo fiscal das recorrentes; GG. Daí que se tenha vindo a Juízo pedir o pagamento desses encargos no montante de € 108.798,09; HH. Quantia que a recorrida pagou, mas que é devida pelas recorrentes; II. Daqui decorre que a recorrida empobreceu por € 108.798,09, montante pelo qual as recorrentes enriqueceram; JJ. Não havendo causa justificativa para os sobreditos empobrecimento e enriquecimento; KK. Donde as recorrentes estão obrigadas a restituir à recorrida a quantia de € 108.798,09, correspondente ao IVA que estavam adstritas a pagar nas faturas ajuizadas (artigo 473 nº 1 do Código Civil); LL. Sendo que o Tribunal a quo decidiu como não provado que as recorrentes não contratariam com a recorrida se soubessem que, àquelas quantias, acresceria imposto; MM. Facto que não foi impugnado pelas recorrentes e ficou assente; NN. Carece assim de qualquer fundamento o presente recurso, pelo que lhe deve ser negado provimento. II. OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil). Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelas Apelantes, as questões carecidas de solução são as seguintes: III. FUNDAMENTAÇÃO 1. Da invocada nulidade da sentença Constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores no sentido de que o vício de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, do CPCivil, pressupõe “a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão” (STJ 2-6-16, 781/11). Ora, no caso dos autos é por demais evidente que não ocorre semelhante omissão absoluta de especificação dos ditos fundamentos, nomeadamente de direito, constando da sentença as normas e a ponderação feita pelo tribunal em ordem a justificar a solução acolhida. Se o direito foi bem ou mal aplicado na resolução do problema jurídico, é já questão que entronca com o mérito da causa (e não de forma, como são todas as que integram a previsão do cit. art. 615.º) e dela nos ocuparemos infra. Ainda no entendimento das Apelante, a sentença recorrida, ao não conhecer do instituto do “enriquecimento sem causa” invocado pela Autora na petição inicial, não conheceu da “causa de pedir”, pelo que, ao fundamentar a decisão em razões jurídicas diversas do dito instituto, conheceu afinal de questões de que não podia tomar conhecimento, e daí que enferme de vício de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte do CPCivil. Também nesta parte julgamos não assistir razão às Recorrentes. Com efeito, tendo presente que a causa de pedir se traduz no complexo de factos concretos que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[1], e que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3, do CPCivil), facilmente se percebe que a invocação pela Autora do complexo normativo correspondente ao “instituto do enriquecimento sem causa” (art. 473.º e segs. do CCivil), não se confunde com a causa de pedir, representando não mais do que uma valoração jurídica dos factos concretos alegados, à qual o tribunal não fica adstrito. No caso, tendo por base o complexo factual apurado, decorrente também do alegado pela Autora na petição inicial, a sentença recorrida aplicou o direito nos termos que julgou ser devido, fora da órbita do “enriquecimento sem causa”, o que se apresenta inteiramente conforme às ditas regras processuais. Concluímos, pois, pela improcedência da arguida nulidade da sentença sob recurso. 2. OS FACTOS 2.1. Factos provados O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 2.1.1 – A autora, A..., Lda., tem por objecto a prestação de serviços no âmbito da medicina dentária, tendo uma clínica de medicina dentária instalada na Rua ..., rés-do-chão, no Porto; 2.1.2 – Clínica que dispõe de vários consultórios dotados de equipamentos e materiais dentários, receção, sala de espera, sala de esterilização, tudo em pleno funcionamento; 2.1.3 – Nessa clínica trabalham pessoas qualificadas para o desempenho das funções de assistente de medicina dentária, rececionistas e técnico de manutenção, assegurando assim o normal funcionamento dos serviços para a prática da medicina dentária; 2.1.4 – Em alguns dos referidos consultórios trabalharam médicos-dentistas, sob a forma de sociedade comercial por quotas, preservando assim a sua independência profissional e autonomia pessoal e fiscal, fazendo seus os honorários cobrados aos respetivos pacientes; 2.1.5 – Neste âmbito a autora disponibilizou um espaço, em regime de exclusividade, destinado à prática de medicina dentária; equipamentos necessários ao desenvolvimento da atividade clínica; fornecimento de água, energia e telecomunicações necessárias a essa atividade clínica; 2.1.6 – No que diz respeito a serviços, a autora disponibilizou: serviços de receção aos pacientes, procedendo ao seu acolhimento e acomodação; serviços de assistente de medicina dentária durante o tempo de utilização do consultório; serviços administrativos e de gestão geral da clínica, incluindo o serviço de marcações e confirmação de consultas; serviço de esterilização dos equipamentos e materiais dentários; serviço de urgência, mediante aviso ao médico do paciente, sempre que este solicitasse um pedido de assistência urgente; 2.1.7 – As rés, B..., Lda., C..., Lda. e D..., Lda., beneficiaram da disponibilização pela autora dos consultórios, equipamentos e serviços acima referidos; 2.1.8 – Como contrapartida da sobredita disponibilização a autora emitia mensalmente faturas sobre as rés que estas liquidavam; 2.1.9 – Assim, nos anos de 2015, 2016 e 2017 a autora A..., Lda., emitiu sobre a Primeira Ré B..., Lda., faturas no montante global de € 169.500,00; 2.1.10 – Nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 a autora A..., Lda. emitiu sobre a Segunda Ré C..., faturas no montante global de € 159.600,00; 2.1.11 – Nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 a autora A..., Lda. emitiu sobre a Terceira Ré D..., Lda. faturas no montante global de € 169.000,00; 2.1.12 – Nessas faturas e como fundamento da sua emissão foi indicada a “prestação de serviços médicos dentários”; 2.1.13 – O que originou que a autora não liquidasse e cobrasse às rés o IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado sobre os respetivos montantes, ou seja, não debitou o IVA sobre as mencionadas faturas e as rés não procederam ao pagamento deste imposto; 2.1.14 – A Autoridade Tributária realizou uma inspeção fiscal à autora, cujo resultado está plasmado no Relatório junto aos autos com a petição inicial sob o Doc. nº 2, cujo teor se dá por reproduzido; 2.1.15 – Tal Relatório determinou a correção do IVA sobre as faturas acima referidas, correção que ascendeu ao montante global de € 108.798,09 (referido doc.); 2.1.16 – Como consta do Relatório, o objeto da prestação da autora às sociedades rés consubstanciou-se na cedência de um espaço correspondente a um consultório médico, integrando as prestações de serviços conexos com a utilização do consultório e indispensáveis à sua exploração ativa, como acima referido; 2.1.17 – Como a sociedade autora não liquidou esse IVA, as sociedades rés não procederam ao seu pagamento e a sociedade autora não entregou o imposto à Autoridade Tributária; 2.1.18 – Contudo, na sequência da inspeção feita à sociedade autora a Autoridade Tributária determinou que o IVA era devido e procedeu à sua liquidação, IVA que a autora pagou (doc. nº 18 junto com a petição inicial); 2.1.19 – Assim a título de IVA, a autora pagou € 30.943,00 relativamente à primeira ré, € 38.985,00 relativamente à segunda ré e € 38.870,00 relativamente à terceira ré; 2.1.20 – A autora, em 2022, por carta registada, interpelou as rés para pagamento daquelas quantias, o que estas não fizeram; 2.1.21 – Quando contrataram entre si, a autora e as rés não pensaram na questão de eventuais impostos que fossem devidos por esses contratos. 2.2. Factos não provados Dos factos tidos com relevância para a decisão, o Tribunal de que vem o recurso julgou não provado: - As rés não contratariam com a autora se soubessem que, àquelas quantias, acresceriam impostos. 3. OS FACTOS E O DIREITO 3.1. Da discussão da causa em 1.ª instância, da sentença proferida e dos termos do recurso interposto, apresenta-se-nos incontrovertido que entre a sociedade Autora e as sociedades Rés foi celebrado um contrato de prestação de serviços, por via do qual a primeira disponibilizou às segundas “um espaço, em regime de exclusividade, destinado à prática de medicina dentária; equipamentos necessários ao desenvolvimento da atividade clínica; fornecimento de água, energia e telecomunicações necessárias a essa atividade clínica”, contra o pagamento pelas Rés de um preço. Incontrovertida é também a incidência de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) sobre a dita prestação de serviços. Controversa e, como tal carecida de solução nesta instância de recurso, é a questão de saber se as Rés/Apelantes se constituíram ante a Autora/Apelada na obrigação de pagamento das quantias peticionadas a título de IVA. A sentença sob recurso concluiu que sim, assente em fundamentação, cujos passos mais significativos passamos a transcrever: [(…) É o caso dos presentes autos em que, face à não liquidação do IVA, se verificou a chamada situação de “substituição tributária”: nestes casos, a lei determina que a posição de devedor na relação tributária seja ocupada a título indirecto por um substituto do verdadeiro contribuinte em virtude da existência, entre eles, de uma relação jurídica de direito privado (ou seja, a autora foi chamada a pagar um imposto cuja responsabilidade pelos pagamento é das rés). Trata-se do IVA, imposto através do qual se tributa todo o consumo de bens materiais e serviços, abrangendo a sua incidência todas as fases do circuito económico, desde a produção a retalho até à repercussão no consumidor final. É um imposto de auto lançamento ou liquidação no sentido em que a mesma cabe ao próprio contribuinte. Nos termos que resultam das disposições conjugadas dos arts. 26º e ss. Do Cód. do IVA – os sujeitos passivos devem entregar nos serviços do IVA a declaração periódica até ao dia ali previsto, acompanhada do imposto respectivo, cobrado ao consumidor. Por força da liquidação e cobrança do valor correspondente às transacções efectuadas, acrescido do montante resultante da aplicação da taxa legalmente prevista, a autora ficaria investida numa posição jurídica de domínio sobre o montante do IVA de que os respectivos clientes eram originariamente devedores, passando, deste modo, a deter a respectiva importância a título de fiel depositária. E foi justamente no sentido de incluir no âmbito de previsão da norma considerada as situações de substituição tributária operadas por força da lei em matéria de IVA, que o anterior n.º 2 do art. 24º do RJIFNA veio estender o conceito de prestação utilizado no n.º 1, de forma a nele incluir todas aquelas que, tendo sido recebidas, haja a obrigação de liquidar. Ora, em relação aos períodos temporais acima referidos, os montantes que deveriam ter sido liquidados pela autora às rés, pertenciam ao Estado, daí a acima mencionada substituição, mas de cuja responsabilidade de pagamento cabia às rés, tendo a autora direito a reclamar destas as quantias os valores acima referidos que pagou em substituição, merecendo assim ser a acção procedente]. As Apelantes discordam frontalmente de tal entendimento, desde logo no que concerne à aplicação da figura da “substituição tributária” ao caso, defendendo que a respeito do IVA o que ocorre é antes “repercussão fiscal”. Vejamos. Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), “[a] substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. “Assim, através da substituição tributária, temos uma relação tripartida: i) o ente público, credor do tributo; ii) o substituído, que é aquele que o legislador, tendo em conta a capacidade contributiva, escolheu como contribuinte, isto é, quem vai, economicamente, suportar, efetivamente, o imposto; iii) e o substituto que é aquele que tem, nos termos da lei, a obrigação de pagar, por conta do substituído, o tributo. Na substituição tributária através da retenção na fonte (n.º 2 do cit. art.), o substituto é devedor, por força de uma relação jurídica privada, do substituído e a lei impõe a esse substituto que ao pagar a sua dívida ao substituído deduza o imposto devido por este e o entregue ao Estado. A situação de substituição com retenção na fonte mais conhecida é a que tem lugar no IRS, nos rendimentos de trabalho dependente: o trabalhador é aquele que foi escolhido pelo legislador como contribuinte, devendo pagar IRS sobre os salários recebidos; através da substituição tributária, com retenção, o legislador impõe à entidade patronal, que é devedora dos salários ao trabalhador, que ao pagar esses salários deduza o IRS devido pelo trabalhador e o entregue ao Estado; o trabalhador é, assim, substituído e a entidade patronal é substituta. Embora as situações de substituição com retenção sejam as mais comuns, também há casos de substituição sem retenção, quando o contribuinte é a fonte de rendimentos do substituto, pelo que a tarefa deste é a de cobrar o imposto juntamente com os valores que tem a haver. Um dos casos de substituição sem retenção na fonte tem lugar na chamada contribuição para o audiovisual, criada pela Lei n.º 30/2003 de 22 de Agosto, em que o contribuinte de tal contribuição é o consumidor de eletricidade e que, portanto, suporta o encargo económico dessa contribuição e as empresas comercializadoras e distribuidores de eletricidade que são substitutas, cobrando ao consumidor, além do preço da energia fornecida, essa contribuição para o audiovisual. As vantagens da substituição tributária são a comodidade, a segurança e a economia, porque através da substituição tributária há uma redução, em muitos casos, substancial, do número de pessoas em relação às quais o ente público tinha que atuar para cobrar o imposto e porque através da substituição tributária, em regra, o substituto tem um património mais valioso e que garante a cobrança do imposto e ainda porque, ao reduzir-se o número de pessoas que devem pagar, há economias para o credor ente público”[2]. Do conceito vindo de caraterizar distingue-se a chamada “repercussão fiscal”, consistindo esta na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas (cf. art. 37.º do C.I.V.A.). Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. Por sua vez, o sujeito activo da relação jurídica tributária não tem qualquer direito que possa exercer, directamente, contra o repercutido, sendo que os meios de que dispõe são contra o sujeito passivo da relação jurídica tributária e não contra o repercutido que, para esse efeito, está colocado num círculo exterior ao da mesma relação jurídica tributária (cfr. Soares Martinez, Direito Fiscal, 8ª. Edição, Almedina, 1996, pág.226 e seg.; Diogo Feio, A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, pág.93 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. Edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.187 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.78; Bruno Botelho Antunes, Da Repercussão Fiscal no IVA, Almedina, 2008, pág.45 e 127 e seg.). Ainda de acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A. (daí o poder falar-se na neutralidade do imposto e da sua repercussão para a frente até ao consumidor final ou repercutido - cfr. por todos, Bruno Botelho Antunes, Da Repercussão Fiscal no IVA, Almedina, 2008, pág.77 e seg.), por contraposição à repercussão voluntária, sendo que, em relação a esta última, resultando a transferência da carga tributária de acordo/relação entre privados, regerão as regras do direito civil”[3]. Tendo presente as considerações vindas de citar e que acolhemos, julgamos que a situação dos autos, à luz da factualidade apurada, não consente a aplicação da figura da “substituição tributária” enquanto fundamento de responsabilização das Rés pelo pagamento de IVA à Autora, assistindo razão às Recorrentes nesta matéria. A nosso ver, a solução do problema jurídico que nos é colocado passa sobretudo pela dilucidação dos contornos do negócio jurídico entre as partes, tendo presentes os respetivos ónus de alegação e prova. Assim, tendo a Autora/Apelada, fundado o direito pretendido fazer valer ante as Rés/Apelantes num contrato de prestação de serviços sobre cuja retribuição incide IVA, incumbia-lhe, enquanto prestadora dos serviços, alegar e provar o comprometimento pelas Rés no sentido de pagamento de um preço final, composto também por IVA (cf. art. 342.º, n.º 1, do CCivil). Ora, da matéria de facto julgada provada, de modo algum se retira que as Rés se comprometeram a pagar à Autora um preço global final, composto também por IVA, representativo dos valores já pagos durante a execução e dos valores peticionados nesta ação. E tal não resultou provado desde logo porque a Autora nunca o alegou. O que as Rés sempre defenderam, e não se mostra de modo algum contrariado pela factualidade julgada provada, foi que o preço que lhes foi sendo apresentado ao longo dos anos nas muitas faturas mensais emitidas e que sempre liquidaram, foi o único custo final que se comprometeram a suportar. No caso, sujeito passivo da relação jurídica tributária é inquestionavelmente a Autora, enquanto sociedade prestadora de serviços, e não qualquer das Rés, enquanto beneficiárias da prestação (cf. art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA, e 18.º, n.ºs 3 e 4, al. a), da LGT). Significa isto, tal como bem defendem as Apelantes, que a obrigação de liquidar o IVA e de o entregar ao Estado era unicamente da sociedade Apelada. Não relevando, pelas razões que expusemos, a figura da “substituição tributária”, como fundamento de responsabilização das Rés ante a Autora, também o instituto do enriquecimento sem causa, invocado na petição inicial, não poderá constituir fundamento do direito pretendido fazer valer, conforme passamos a explicar. Nos termos do art. 473.º n.º 1, do CCivil, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. O n.º 2 do mesmo artigo elucida que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. Prevêem-se, pois, numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto)[4]. Mas, independentemente da exata caracterização ou qualificação de todas as situações passíveis de justificar a aplicação do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, é consensual definir o enriquecimento injustificado como aquele que, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo direito, deve pertencer a outrem; o enriquecimento não terá causa justificativa quando, segundo os princípios legais, não haja razão de ser para ele, ocorrendo a falta de causa justificativa do enriquecimento quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, o legitime. Em todo o caso, a obrigação de restituição por enriquecimento assume natureza subsidiária, por via do que dispõe o art. 474.º do CCivil: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.” No caso dos autos falece desde logo o pressuposto da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, porquanto assentando a causa de pedir na relação contratual estabelecida entre as partes, consubstanciada no contrato de prestação de serviços com os contornos apurados, tudo se decide, em primeira linha, em termos de cumprimento e não cumprimento das obrigações acordadas. E, como dissemos, a Autora/Apelada não logrou provar, como se lhe impunha, que as Rés se obrigaram a pagar-lhe um preço global composto também pelos valores peticionados nesta ação a título de IVA. É certo que a Autora fez inscrever nas faturas em questão, como fundamento da respetiva emissão, “prestação de serviços médicos dentários”, sendo que os serviços efetivamente prestados às Rés não se inscreviam naquela categoria. Porém, a discrepância de tal declaração com a realidade apenas à própria Autora pode ser imputada, não existindo nenhum facto apurado que nos permita sequer ter como indiciada qualquer atuação ilícita das Rés na celebração e execução do contrato, desde logo à luz do princípio da boa fé negocial, a ponto de podermos estar perante um erro de declaração para o qual de alguma forma também contribuíram e, como tal geral, gerador de algum tipo de responsabilidade contratual. Por tudo quanto deixámos exposto, resta-nos concluir pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e absolvição das Rés/Apelantes do pedido. 3.2. A Autora/Apelada, porque vencida, constituíu-se na obrigação de suportar as custas da ação e deste recurso (cf. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais). V. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, na procedência do recurso, acordamos em: *** Os Juízes Desembargadores, Fernando Vilares FerreiraRui Moreira Alberto Taveira ________________ [1] Cf. ANTUNES VARELA / J. MIGUEL BEZERRA / SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 245. [2] Cf. Lexionário (https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/substituicao-tributaria). [3] Cf. acórdão do STA de 28.10.2020, relatado por JOAQUIM CONDESSO no processo 0581/17.0BEALM, acessível em www.dgsi.pt. [4] Vide, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, 2010, Coimbra Editora, pág. 205; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 505; e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 395. |