Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA FONSECA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO REPARTIÇÃO DE CULPA INDEMNIZAÇÃO PELO DIREITO À VIDA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAL CASAL SEPARADO | ||
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Nº do Documento: | RP202502243746/22.9T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Circulando o condutor do motociclo em excesso de velocidade (61 km/h) e com 1,66g/l de álcool no sangue e não tendo o condutor do veículo ligeiro detido a marcha quando se lhe deparava sinal de stop, de forma a não intercetar o primeiro, é adequado fixar respetivamente em 20% e em 80% a responsabilidade daqueles na produção dos danos. II - É equitativa a fixação em € 100.000,00 da indemnização pela perda do direito à vida de homem de 38 anos de idade, trabalhador, saudável e com uma filha menor. III - Não é de atribuir indemnização por danos patrimoniais ao cônjuge da vítima de acidente de viação na circunstância de o casal viver separado, sem que o marido prestasse alimentos à mulher e sem que fosse previsível que o viesse a fazer. IV - Vivendo os dois elementos do casal separados e nada se apurando em concreto acerca do sofrimento da mulher pela morte do marido, tampouco existe dano de natureza patrimonial a merecer indemnização. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 3746/22.9T8PNF.P1 Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… Relatora: Teresa Maria Fonseca 1.ª adjunto: José Nuno Duarte 2.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório AA, por si e em representação da sua filha menor, intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra a “Companhia de Seguros A..., S.A.”. Alega que, devido ao desrespeito de um sinal de stop de condutor de veículo relativamente ao qual a responsabilidade civil se encontrava transferida para a R. através de contrato de seguro, ocorreu acidente de viação que originou a morte do marido e pai de sua filha Pediu a condenação da R. a pagar-lhe e à sua representada: 1 - cento e cinquenta mil euros divididos na proporção dos respetivos quinhões hereditários, ou seja, em duas partes iguais, cada, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação até pagamento, 2 - à A. trezentos e cinquenta e um mil seiscentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação até pagamento, 3 - à filha cento e cinquenta mil euros, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação até pagamento. O Instituto da Segurança Social deduziu pedido de reembolso relativo a subsídio por morte e pensões de sobrevivência. Concluiu pela condenação da R. no pagamento do montante já entregue às AA. de € 3.441,01, bem como no montante das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde a citação até pagamento. A R. contestou, alegando assumir coresponsabilidade pelo sinistro, existindo, porém, também culpa do lesado e suscitando a intervenção acessória provocada do seu segurado, que conduzia sob o efeito do álcool. Admitida a intervenção acessória principal de BB, este contestou, dizendo que o acidente se ficou a dever em exclusivo à vítima. Foi fixado o objeto do litígio e elaboraram-se temas da prova. O Instituto da Segurança Social ampliou o pedido para € 8.142,27, o que foi admitido. Na sequência do julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. “Companhia de Seguros A..., S.A.” a pagar: A) à A. AA: a) a título de danos patrimoniais, a quantia global de € 116.551,60, o que, descontado o montante de € 7.800,00 já entregue, equivale a € 108.751,60, acrescidos de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até pagamento; b) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 44.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da sentença até pagamento. B) à A. CC: a) a título de danos patrimoniais, a quantia global de € 25.920,00, o que, descontado o montante de € 7.800,00 já entregue, equivale a € 18.120, 00, acrescidos de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até pagamento; b) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 44.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da sentença até pagamento. C) Ao Instituto de Segurança Social, IP: a quantia global de € 6.513,82, bem como de 80% dos valores que o ISS pague às AA. a título de pensões até ao trânsito em julgado da decisão, tudo acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da notificação até pagamento. * AA., R. e interveniente interpuseram recurso da decisão.* As AA. finalizaram as suas alegações, conforme em seguida se reproduz.1 - No que importa ao presente recurso que impugna a decisão recorrida quanto aos montantes indemnizatórios fixados para ressarcimento dos lucros cessantes - danos futuros -, perda do direito à vida e desgosto pela privação desta provou-se que 1. a vítima tinha à data do acidente 38 anos de idade; 2. auferia o salário de € 800,00 x 14 meses, 3. a viúva, AA, tinha 36 anos de idade, 4. está desempregada e inscrita no Centro de Emprego como candidata a emprego, 5. a recorrente CC tinha 16 anos, 6. frequentava em 2022 o curso profissional ... em Penafiel que dá a equivalência ao 12.º ano, 6. não têm bens, nem rendimentos e vivem de favor em casa da mãe e avó, DD, ser total a carência económica e financeira das AA., a partir da morte da vítima, apenas mitigada pela reparação provisória resultante da providência cautelar, 7. a vítima era uma pessoa saudável, ágil, alegre, com vontade de viver e empreender, 8. a A. pagou as despesas de funeral da vítima que ascenderam a € 1.689,50, 9. face à sua situação de desemprego e às disponibilidades garantidas pelo salário da vítima, a A. tinha a expectativa de viver por muitos anos do rendimento de trabalho da vítima, 10 . em consequência da morte da vítima, a A. AA, além de ter ficado privada da sua convivência, sofreu e sofrerá de desgosto. 11. face às disponibilidades garantidas pelo rendimento de trabalho da vítima, tinha a sua filha CC a expectativa de viver desse rendimento de trabalho pelo menos até aos vinte e cinco anos de idade, garantindo com o mesmo a sua formação académica. 12. em consequência da morte da vítima, a CC, além de ter ficado privada da sua convivência, de que tem saudade, sofreu e sofrerá de desgosto. 2 - Visando indemnização pelo dano moral, como visa, simultaneamente compensar o lesado e sancionar o lesante, o recurso à equidade não pode significar o uso de arbitrariedade, mas tão-somente o uso de um critério para a compensação de um direito em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, 3 - Estando o critério legal da determinação do valor da perda sujeito à regra da equidade, estabelecida no art.º 496.º do Código Civil, o que quer dizer que, com vista à determinação da indemnização devida, a lei aponta para um critério que se há de ter por elástico, inspirado em razões objetivas e sobre o qual há de assentar o juízo de equidade, 4 - E vindo a entender-se que, porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos, devendo a indemnização ser fixada a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido, 5 - Ao que acresce que atualmente e de algum tempo a esta parte a valorização do direito à vida tem vindo a progredir de forma consistente, expressa nos acórdãos, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça. 6 - Tendo em atenção essa evolução jurisprudencial da matéria e os parâmetros seguidos pela jurisprudência mais atualista nomeadamente do S.T.J.. 7 - Considera-se que a quantia a fixar pela perda do direito à vida fosse e seja de pelo menos cem mil euros - € 100.00,00 -, considerando que a vítima tinha 38 anos, uma filha e a companheira, era jovem, saudável, feliz e ativo. 8 - Já no que concerne às indemnizações relativas aos danos não patrimoniais das Recorrentes, tendo em atenção que a finalidade que lhes preside é a de atenuar, minorar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado através de uma quantia em dinheiro que seja capaz de lhes proporcionar um acréscimo de bem estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias sofridas e perdurarão no tempo, atentando igualmente na jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria, não podemos deixar de considerar que equilibrada seria, é, a fixação em pelo menos trinta mil euros - € 30.000,00 - para cada uma das demandantes. 9 - A que obviamente, e referimo-nos aos citados valores, considerando a determinada contribuição da vítima para o acidente - 20% de responsabilidade - haverá de ser deduzida a mencionada percentagem, o que determinaria ou determinará, como se espera, que os ditos montantes indemnizatórios sejam finalmente fixados 1 - a dividir pelas Recorrentes e 2. demais danos patrimoniais: € 24.000,00 para cada das Recorrentes. 10 - Afigura-se às Recorrentes que complementada a formação da Recorrente filha, a CC, o que se prevê ocorra aos seus vinte e cinco anos, daqui a nove anos, o excedente resultante da cessação da prestação de € 300,00 a esta CC seria no mínimo dividido entre a vítima e a esposa, a Recorrente AA, pelo que se entende que o cálculo efetuado pela Mma. Juiz a quo, a saber: € 300,00 x 12x 40 anos = 144.000,00, deve ser acrescido do resultado de mais o seguinte cálculo: [ (€ 300.00: 2) x 12 x (40 anos – 9 anos ) = € 55.800,00, estes que devem, por isso, acrescer ao resultado do cálculo efetuado pelo Tribunal a quo, o que daria, dará, como se espera € 199.800,00 (€ 144.000,00 + € 55.800,00), que a reduzir em 20 %, percentagem considerada da participação da vítima na causa do acidente, deve ficar definitivamente fixada em € 159.840,00 (cento e setenta e nove mil oitocentos e quarenta euros). 11 - Face ao expendido, entendem as Recorrentes, com o devido respeito, que, ao decidir de modo diverso no segmento aqui impugnado, a decisão recorrida fez incorreta apreciação dos factos a aplicação do direito, cujas norma violou, designadamente os artigos 483.º e ss. do C.C. . Termos em, que dando V. Exªs provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando a douta sentença recorrida no segmento aqui em crise e substituindo-a por outra que condene a R. a pagar às Recorrentes: à Recorrente AA, a título de danos patrimoniais a quantia de € 159 840,00 (cento e setenta e nove mil oitocentos e quarenta euros) e a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros) - direito à vida - e de € 24 000,00 (vinte e quatro mil euros) pela privação, desgosto com a perda da vítima e à Recorrente CC, além da indemnização por danos patrimoniais fixada, as quantias de € 40 000,00 (quarenta mil euros) e de € 24 000,00, respetivamente, pela perda do direito à vida e pelo desgosto, danos não patrimoniais igualmente sofridos por esta, farão, como sempre, inteira e sã Justiça. * A Seguradora concluiu as alegações no recurso por si interposto nos termos que seguidamente se reproduzem:1. Considerando a análise do deposto pelas testemunhas EE e FF e atenta a manifesta falta de prova nesse sentido, sempre se dirá que os pontos 24 e 25 do elenco de factos provados da douta Sentença recorrida devem ser entendidos como não provados. 2. Considerando o vertido no relatório pericial Inegi, Centro Pericial de Acidentes - CENPERCA (páginas 12, 24, 25, 32, 36, e 38 nos trechos supra transcritos e figura 44), o qual mereceu credibilidade pelo Tribunal a quo, sempre se dirá que tal elemento de prova impõe que o item 30 do elenco da matéria de facto dada como provada seja alterado nos termos seguintes: 30. O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de Stop ao mesmo tempo que o NG saía da rotunda), tentou desviar-se a cerca de 50 metros, passando a circular na via de trânsito adstrita ao sentido contrário e posteriormente travar, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... 3. Da análise do relatório da autópsia junto como doc. 5 da PI, o parecer da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o parecer emitido pelo Instituto de Medicina Legal (conforme trechos supra transcritos), o parecer do IML (conforme trechos supra transcritos), bem como os esclarecimentos presenciais do Exmo. Sr. Perito do IML Dr. GG que realizou a autópsia (minutos 14:44 a 19:09) resultou manifesto que, sem prejuízo de hipóteses académicas, no caso concreto não se verificaram as condições necessárias para a produção de etanol pelo cadáver, 4. Razões pelas quais sempre se dirá que deve o ponto B do elenco da matéria de facto julgada como não provada ser julgado provado. 5. Mesmo que a matéria de facto não seja alterada, sempre se dirá que a culpa do lesado foi relevante e imprescindível para a eclosão do acidente de viação em causa nos autos e, consequentemente, sempre se dirá que deve o mesmo ser julgado responsável pela produção do acidente de viação em percentagem não inferior a 60%, sendo as indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo reduzidas em conformidade. 6. Quanto à indemnização fixada pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais à A. AA, sempre se dirá que, considerando a alteração da matéria de facto que se peticiona, torna-se inequívoco que não é devida qualquer quantia à A. AA. 7. Consequentemente, ao decidir nos termos vertidos na sentença proferida, foi violado, pelo menos, o disposto nos artigos 342.º, 483.º e 570.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil, sendo certo que a correta subsunção dos supra referidos normativos legais implica a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos termos supra pugnados. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser admitido e, consequentemente, ser proferido acórdão que revogue a douta sentença em crise e proferida decisão nos termos supra pugnados, sendo, assim, feita Justiça! * O interveniente finalizou as alegações no recurso que interpôs nos moldes que se seguem.1. O Recorrente não concorda com a decisão proferida por entender que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes para o caso sub judice. 2. Efetivamente, pese embora sejam factos não provados o ponto B, que a vítima HH conduzia com uma taxa de álcool no sangue 1,66 g/l, o que afetou a sua atenção, concentração, perceção e reflexos e o ponto C, que o condutor do AO parou no Stop durante segundos e apercebeu-se que não circulava qualquer veículo na Rua ..., a mais de 100 ou 120 metros, a que tivesse de dar prioridade, inexistindo perigo ou embaraço para o trânsito e assim ingressou na hemifaixa da direita no sentido Norte/Sul, .../..., todavia, discorda o Recorrente que o Tribunal a quo apenas releva do Relatório da Autópsia médico-legal as lesões traumáticas crânio-encefálicas e não a taxa de álcool da vítima motociclista, bem como não relevando também as declarações do Recorrente. 3. Consignou o Tribunal a quo na sentença recorrida que fundou a sua convicção quanto aos factos dados como provados no teor dos documentos juntos aos autos e pela prova testemunhal produzida. 4. Não pode o Recorrente aceitar tal justificação na medida em que o Tribunal a quo faz uma incorreta apreciação da prova, mormente quanto ao Relatório de autópsia, uma vez que o mesmo apenas serve para fundamentar a prova das lesões causadas à vítima e morte subsequente (por lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas compatíveis com o acidente de viação) e não valora a taxa de álcool de 1.66 g/l no sangue do motociclista 5. Por outro lado, o Tribunal a quo não releva as declarações do aqui Recorrente, bem como os Relatórios do NICAV, do INEGI e o Parecer Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses I.P. Tais discrepâncias e incongruências são evidentes no confronto com as declarações do Recorrente, e com os esclarecimentos do Sr. Perito Médico Legal. 6. Ora, em apreço, nos presentes autos estava a questão de saber se o motociclista conduzia com uma taxa de álcool no sangue 1,66 g/l e que a mesma tenha sido um fator que influenciou a dinâmica do acidente (facto não provado - Ponto B) e se o Recorrente parou no sinal de STOP (facto não provado - Ponto C). 7. O depoimento acima transcrito do Perito do IML, Dr. GG, que foi quem assinou o Relatório da Autópsia, assevera que no Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, aquando da realização da autópsia, a conservação do cadáver foi preservada, uma vez que existe câmara frigorifica, não tendo o cadáver sinais de deterioração ou decomposição. Mais refere que não existiu produção de etanol no corpo post mortem. 8. Assim, o Sr. Perito do Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega depôs com objetividade, de forma clara e lógica, sendo coerente, confirmando o Relatório de autópsia, por si subscrito, afirmando que o cadáver foi autopsiado sem qualquer sinal de decomposição, porquanto no IML existem câmaras frigorificas onde os cadáveres são conservados, não produzindo etanol, e por outro lado manifestou uma posição que não foi contraditória ao parecer do FMUP, mormente quanto às respostas aos pontos 17 e 18. 9. Por outro lado, convém frisar que o Relatório de autópsia sustentou o ponto 4 da factualidade dada como provada, todavia, o mesmo Relatório de autópsia já não serve como prova, e, consequentemente, dar como provada a taxa de alcoolémia do motociclista de 1.66g/l, que o Tribunal a quo deu como não provada - Ponto B. 10. Acresce ainda dizer que às Autoras impunha-se carrear para os autos prova que sustente a decomposição ou a falta de preservação do cadáver após a morte, o que in casu não lograram fazer. 11. Assim, tendo por base o Relatório de autópsia junto com a P.I., o parecer da FMUP, o parecer de toxicologia do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses I.P. e os esclarecimentos do Dr. GG, Perito do Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, quem realizou a autópsia ao cadáver do motociclista, tudo considerado, deverá o Ponto B da factualidade não provada ser considerado como provado. 12. Quanto ao facto não provado - Ponto C - salvo o devido respeito, também andou mal a Tribunal a quo, pois que tanto o Relatório do NICAV, como o Relatório do INEGI, as declarações do Recorrente são unânimes em comprovar que o Recorrente parou no sinal de STOP. 13. Assim, é manifestamente evidente que o Recorrente, parou no sinal STOP e quando se fez à estrada, o motociclista ainda vinha na rotunda, não tendo sido o Recorrente causador do embate. 14. Ora, dos documentos acima expostos e dos depoimentos que se transcreveram supra, conclui-se que o Recorrente parou no sinal de STOP e que a vítima conduzia com uma taxa de álcool de 1.66g/l. 15. Por conseguinte, devem os factos considerados não provados - pontos B e C - passar a constar da factualidade provada. 16. Cumpre destacar que, sob a égide do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o Tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto. 17. Não obstante, tal convicção sempre estará “[…] vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório […]” 18. De facto, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliando-as com sentido de responsabilidade e bom senso, valorando-as segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência. 19. Nesta feita, julgamos ser manifesto que, no caso em apreço, o iter da convicção trilhado pelo Tribunal a quo, relativamente aos documentos ante referidos e as declarações do Recorrente, ofende as regras da experiência comum. 21. Isto porque sempre seria expectável que, perante a prova produzida, não fossem considerados como não provados - os pontos B e C - da factualidade dada como não provada, com as inerentes repercussões quanto à matéria de direito. 22. Tal sustentação do Tribunal a quo ao considerar o Recorrente responsável em 80% na produção do acidente e o motociclista em apenas 20% é contraditória, incongruente, atenta a factualidade dada com provada na decisão ora recorrida bem como na reapreciação e consequente alteração da matéria de facto que aqui se requer. 23. Isto porque não pode o Tribunal a quo olvidar-se da factualidade dada como provada, na sua plenitude, bem como da respetiva alteração à mesma, que no relatório de autópsia, no ponto 3. das conclusões, refere que o resultado do exame toxicológico ao sangue periférico para pesquisa de álcool etílico revelou a presença de etanol na concentração de 1.66g/l, o que um condutor com uma tal taxa afetou a sua capacidade sensorial, percetiva, cognitiva e motora, afetando-lhe naturalmente, os seus reflexos a sua capacidade de resposta, a sua atenção e concentração e a perceção da realidade. 24. Se tal não acontecesse, o motociclista teria capacidade de reação que lhe permitia imobilizar o motociclo, pois, tal como consta do ponto 30. da matéria de facto dada como provada, o motociclista tinha margem de segurança para evitar o embate. 25. O que se conclui que foi a elevada taxa de álcool no sangue no motociclista o fator fundamental para a sua condução, desatenta e para a sua excessiva velocidade, pelo que se requer a reapreciação da matéria de facto quanto ao concurso de culpas na produção do acidente, devendo a percentagem da responsabilidade na produção do acidente ser invertida. Nestes termos, e por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso de apelação, desde logo revogando-se a douta decisão sub judice e proferida decisão no sentido das conclusões formuladas, Assim se fazendo inteira e sã Justiça! * As AA. e a R. contra-alegaram, pugnando pelo desatendimento das correspetivas pretensões.* II - Questões a decidira - da reapreciação da matéria de facto requerida pela R. e pelo interveniente; b - da medida da responsabilidade da vítima e do interveniente no acidente: a R. considera que a proporção da responsabilidade pelo acidente deve ser de 60% para a vítima e de 40% para o interveniente; o interveniente considera que a proporção deve ser de 80% para a vítima e de 20% para si; c - da medida da indemnização: i - do valor da perda do direito à vida; ii - do direito da A. AA a ser indemnizada por danos patrimoniais; iii - do direito das AA. a serem indemnizadas por danos não patrimoniais. * II - Fundamentação de factoA) Factos provados 1. A A. AA é viúva e a sua representada CC é a única filha de HH, conforme docs. 1 e 2 da PI. 2. que faleceu em 26/06/2022, vítima de acidente de viação, conforme doc. 3 da PI. 3. e de quem são as únicas e legais herdeiras, não havendo quem as pretira ou com elas concorra à respetiva sucessão, conforme doc. 4 da PI. 4. Conforme relatório de autópsia médico-legal realizada no âmbito do inquérito n.º 499/22.4GBPNF, do DIAP de Penafiel, 2.ª Secção, para averiguação do crime de homicídio por negligência (que originou a acusação constante do doc. junto a 31/05/2024), a morte de HH foi devida às lesões traumáticas crânio-encefálicas e torácicas resultantes de traumatismo de natureza corto-contundente ou como tal atuando, tal como o que pode ter sido devido a acidente de viação, colisão do motociclo (em que a vítima era condutor) com a viatura automóvel, com projeção, conforme documentos 5 e 6 da PI. 5. Acidente ocorrido a 26/06/2022, na Rua ... em Penafiel, em que foram intervenientes o motociclo da marca YAMAHA, com a matrícula ..-..-NG, tripulado pela vítima e o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Mercedes Benz, com a matrícula ..-..-NZ, conduzido por BB, residente na Rua ..., ..., em ..., Penafiel, ambos conduzidos no interesse dos próprios. 6. Dá-se por reproduzido o teor do doc. 7 da PI e doc. junto a 04/06/2024, relativamente ao veículo de matrícula ..-..-NG, pertença e conduzido por HH, sem seguro válido. 7. O ..-..-NZ era propriedade do condutor BB, residente na Rua ..., ..., em ..., Penafiel, com registo a seu favor na Conservatória do Registo Automóvel, conforme doc. 8 da PI. 8. A responsabilidade civil derivada de acidentes de viação causados pelo ..-..-NZ estava transferida para a R. pela apólice n.º ... válida à data do acidente, conforme doc. 1 da contestação. 9. O local do acidente é uma via urbana, com limite de velocidade de 50 km/h, com duas faixas de rodagem, uma no sentido ascendente que permite a circulação de sul para norte, ou seja, .../... e outra em sentido descendente, que permite a circulação de norte para sul, ou seja, .../..., sendo a distância entre a saída da Rotunda ... e o local do embate não superior a 80 metros. 10. No momento do acidente a via estava iluminada, o piso estava em bom estado de conservação e limpo e o estado do tempo era bom/seco. 11. O ..-..-NG circulava no sentido sul/norte e ao aproximar-se do entroncamento na via de uma outra à direita, esta devidamente assinalada com sinal de “stop”, foi surpreendido pelo ..-..-NZ. 12. Que entrou na via por onde circulava o ..-..-NG, para virar à esquerda e tomar o sentido norte/sul da Rua ..., cortando-lhe a trajetória e obstruindo por completo a hemifaixa de rodagem que competia ao ..-..-NG, desse modo intercetando a circulação/marcha deste veículo, que por isso foi colidir com a parte da frente na parte lateral esquerda do ..-..-NZ. 13. Após a descrita colisão, o motociclo ficou na hemifaixa direita da via, atento o seu sentido de marcha, o condutor e vítima do acidente prostrado na mesma paralelamente ao eixo com a cabeça virada para sul (...) e, o ..-..-NZ a ocupar essa hemifaixa e parcialmente a hemifaixa de rodagem contrária, esta ocupada com a frente deste veículo direcionada para sul, tendo a estrada no local a largura de cerca de 6,50 m e cada hemifaixa a largura de cerca de 3,25 m. 14. Do descrito acidente resultaram para a vítima, como seu efeito direto e necessário, as lesões referidas em 4., de que causal e adequadamente resultou a sua morte. 15. A vítima nasceu em ../../1983, pelo que tinha à data do acidente que o vitimou 38 anos de idade, conforme doc. 15 da PI. 16. Era condutor manobrador, atividade profissional que desempenhava por conta e à ordem da “B..., SA.”, com sede na Av. ..., em Lousada; auferia o salário base de € 800,00 x 14 meses, conforme doc. 9 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 17. A A. AA nasceu em ../../1986, pelo que à data do acidente tinha 36 anos de idade, conforme doc. 10 da PI. 18. A A. AA está desempregada e inscrita no Centro de Emprego como candidata a emprego, conforme doc. 11 da PI. 19. A sua filha e da vítima nasceu em ../../2006, pelo que tinha 16 anos à data do acidente, tendo sido reguladas as responsabilidades parentais a 15-12-2020, conforme doc. 2 da PI. 20. Frequentava em 2022 o curso profissional ... em Penafiel que dá a equivalência ao 12.º ano, conforme doc. 12 da PI. 21. Não têm bens, nem rendimentos e vivem de favor em casa da mãe e avó, DD, viúva, na morada indicada nos autos, que lhes dá cama e mesa, por ser total a carência económica e financeira das AA., a partir da morte da vítima, apenas mitigada pela reparação provisória resultante da providência cautelar. 22. A vítima era uma pessoa saudável, ágil, alegre, com vontade de viver e empreender. 23. A A. pagou as despesas de funeral da vítima que ascenderam a € 1 689,50, conforme docs. 20 e 21 da PI. 24. Face à sua situação de desemprego e às disponibilidades garantidas pelo salário da vítima, a A. tinha a expectativa de viver por muitos anos do rendimento de trabalho da vítima. 25. Em consequência da morte da vítima, a A. AA, além de ter ficado privada da sua convivência, sofreu e sofrerá de desgosto. 26. Face às disponibilidades garantidas pelo rendimento de trabalho da vítima, tinha a sua filha CC a expectativa de viver desse rendimento de trabalho pelo menos até aos vinte e cinco anos de idade, garantindo com o mesmo a sua formação académica. 27. Em consequência da morte da vítima, a CC, além de ter ficado privada da sua convivência, de que tem saudade, sofreu e sofrerá de desgosto. 28. Foi proposta providência cautelar de arbitramento de reparação provisória com o n.º 3080/ 22.4T8PNF do Juízo Local Cível de Penafiel, que terminou por transação, homologada por sentença notificada às partes em 04-11-2022, onde se fixou a quantia anual a pagar pela R. de € 7.800,00 a imputar, primeiro, a título de danos patrimoniais e, o eventual excedente, a título de danos não patrimoniais, com novo adiantamento de € 7 800,00 a partir de 03-11-2023, no caso de a ação ainda estar pendente, conforme docs. 18 e 19 da PI. 29. O ISS pagou à viúva e à filha do beneficiário falecido, HH, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, o montante global de € 8.142, 27, conforme documentos juntos com o pedido de reembolso de 27-01-2023 e a ampliação do pedido de 27/05/2024. 30. O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de Stop), tentou desviar-se e posteriormente travar, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... 31. O condutor do AO, BB, circulava com uma taxa de álcool no sangue de 0,55 g/l, o que, com a margem de erro, corresponde a uma taxa de álcool no sangue de 0,504 g/l, o que afetou a sua capacidade de perceção dos demais utentes da via, estando diminuídas as suas capacidades de atenção, concentração, perceção e reflexos. 32. A vítima levava o capacete colocado na cabeça aquando do embate, conforme doc. 6 da PI e doc. 1 junto a 12-07-2023. 33. A amostra de sangue da vítima para exame toxicológico, designadamente quanto ao álcool, foi colhida na autópsia, de sangue periférico, no dia 29-06-2022, a partir das 15H00, ou seja, pelo menos 84 horas após a declaração de óbito da vítima, que ocorreu às 03H25m do dia 26-06-2022. B) Factos não provados Não se provou que: A) O falecido HH conseguia, mensalmente e em média, um rendimento líquido de mais de mil euros. B) A vítima HH conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,66 g/l, o que afetou a sua atenção, concentração, perceção e reflexos. C) O condutor do AO parou no Stop durante segundos e apercebeu-se de que não circulava qualquer veículo na Rua ..., a mais de 100 ou 120 metros, a que tivesse de dar prioridade, inexistindo perigo ou embaraço para o trânsito e assim ingressou na hemifaixa da direita no sentido Norte/Sul, .../.... D) Não foi possível visionar os faróis do motociclo, que embateu no AO apesar de estarem livres alguns metros na hemifaixa de rodagem do motociclo, o que lhe permitia passar sem embater no AO. E) O motociclo percorreu a distância da Rotunda ... ao ponto de embate em menos de dois segundos, o que tornou impossível ao condutor do automóvel, não obstante ter parado, aperceber-se da sua presença. * III - Fundamentação de direito a - Da reapreciação da matéria de facto A R. pretende que os factos 24 e 25 assentes sejam dados como não provados e que o facto 30 não provado seja alterado. Mais requer que o ponto B) dos factos não provados passe a provado. Os factos 24 e 25 são os seguintes: 24. Face à sua situação de desemprego e às disponibilidades garantidas pelo salário da vítima, a A. tinha a expectativa de viver por muitos anos do rendimento de trabalho da vítima. 25. Em consequência da morte da vítima, a A. AA, além de ter ficado privada da sua convivência, sofreu e sofrerá de desgosto. A pretensão da R. Seguradora esteia-se na alegação de que se apurou que AA e HH viviam separados à data do óbito deste. Da prova documental carreada para os autos, por ordem cronológica, consta: - que em 6-8-2005 a A. e HH casaram entre si; - que em 13-1-2006 nasce a filha de ambos, CC; - que em 21-10-2020 nasce II, filha da A. AA e de terceiro; - que em 15-12-2020, por sentença proferida pelo Juiz 1 Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este - Juízo de Família e Menores de Paredes, foi homologado acordo de exercício das responsabilidades parentais nos termos do qual CC fixou a residir habitualmente com a mãe, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância exercidas em comum por ambos os progenitores; - que HH falece em 26-6-2022; - que a última residência de HH era a Rua ..., freguesia ..., Penafiel; - que em 15-7-2022, segundo a declaração do Instituto do Emprego e Formação Profissional, Centro de Emprego ..., a morada de AA era Largo ... ... ...; - que a A. AA fez constar a mesma morada aquando do pedido de proteção jurídica. Relativamente à prova testemunhal, EE, que vive em união de facto com irmão da A. AA há 14 anos, afirmou que HH e AA moravam juntos à data do óbito de HH. Instada, disse que essa questão era da vida particular de AA e que não sabe se estiveram algum tempo separados, tendo posteriormente voltado a viver juntos. Mais aquiesceu à pergunta da advogada da R. sobre se o óbito de HH causou transtorno psicológico a AA. A mãe da A., DD, com quem aquela reside, recusou prestar depoimento. A testemunha FF, irmã da testemunha EE, depôs no sentido de HH saber que II não era sua filha, que a A. e HH estiveram separados, mas que quando a II nasceu se juntaram novamente. Não se recorda do local em que HH ficou a viver quando estiveram separados. Sabe que se separaram pela irmã e que se juntaram também pela irmã. Instada sobre se HH morava onde AA morava, respondeu: não faço ideia, isso são coisas muito deles. Tendo EE reconhecido não saber, afinal, se HH e AA se separaram e se se juntaram, é forçoso concluir que as informações veiculadas por FF, cuja fonte de conhecimento, segundo a própria, era EE, não podem ser levadas em linha de conta como credíveis. Acresce que a própria FF acabou por reconhecer não saber dizer se HH e AA viviam juntos. Tudo visto, atenta a prova documental iniludivelmente produzida no sentido de que, volvidos 19 dias sobre o óbito de HH, AA se dá como residente em morada diferente daquele à data do seu óbito e que o poder paternal de CC foi regulado logo após o nascimento da filha de AA, ficando claro que HH e AA viveram separados, este tribunal gerou a convicção de que a separação entre ambos se manteve. De acordo com as regras da experiência, não seria expectável que AA e HH voltassem a viver juntos na sequência do nascimento de filha de AA e de terceira pessoa, e, a ter tal ocorrido, teria que ter sido produzido a atinente prova, o que, manifestamente, não ocorreu. Ao invés, provou-se mesmo que as moradas da A. e da vítima eram diferentes e a prova testemunhal foi inconsistente. Não é verosímil que, datando a homologação do acordo alcançado entre AA e HH de 15-12-2020, estes tivessem voltado a viver juntos após o nascimento de II em 21-10-2020. Mesmo concedendo que tal pudesse ocorrer, não existiria, então, fundamento para a regulação das responsabilidades parentais. Neste conspecto, afigura-se-nos não ter sido produzida prova minimamente convincente de que, face à sua situação de desemprego e às disponibilidades garantidas pelo salário da vítima, a A. tivesse a expetativa de viver por muitos anos do rendimento de trabalho daquela. Vivia separada do marido, tinha tido uma filha de outro homem e as responsabilidades parentais da filha que tinha em conjunto com HH tinham sido reguladas, o que não deixa dúvidas de que o pai e a mãe não viviam juntos. Não é, por isso, razoável que tivesse a expetativa de que HH, que auferia um vencimento de € 800, 00 mensais e contribuía para o sustento da filha do casal, providenciasse indefinidamente pelo seu sustento. Pela mesma ordem de razões, a A. AA não ficou privada do convívio com a vítima. Quanto ao sofrimento que possa ter tido, a verdade é que a única prova produzida foi a aquiescência de EE à pergunta da mandatária da A. sobre o transtorno psicológico causado pela morte de HH. No contexto de separação que vimos de descrever, não tendo sido produzida prova razoável do que AA possa ter concretamente sentido perante o ocorrido, também a matéria do facto 25 deverá ser dada como não provada. A R. pretende que o item 30 do elenco da matéria de facto dada como provada seja alterado nos termos seguintes: 30. O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de Stop ao mesmo tempo que o NG saía da rotunda), tentou desviar-se a cerca de 50 metros, passando a circular na via de trânsito adstrita ao sentido contrário e posteriormente travar, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... O tribunal de 1.ª instância configurou o facto 30 com o seguinte teor: 30. O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de Stop), tentou desviar-se e posteriormente travar, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... A alteração consiste, afinal, na introdução no facto 30) da expressão, passando a circular na via de trânsito adstrita ao sentido contrário. A R. alicerça a sua pretensão no relatório do “INEGI, Centro Pericial de Acidentes - CENPERCA” (pp. 12, 24, 25, 32, 36 e 38, nos trechos que transcreveu, e na figura 44). Da conjugação do aludido relatório com o relatório do órgão de polícia criminal é possível retirar que HH efetuou manobra de evasão, ou desvio, primeiro para a esquerda e em seguida para a direita. Assim, de modo a que a matéria de facto reflita, quanto possível, o ocorrido, o ponto 30 da matéria assente passará a adotar a seguinte redação: O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de stop), desviou-se primeiro para a esquerda e em seguida para a direita e travou, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... Quer a apelante seguradora, quer o apelante interveniente pretendem que o facto não provado B) transite para os factos assentes. O facto B) (não provado) tem o seguinte teor: B) A vítima HH conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,66 g/l, o que afetou a sua atenção, concentração, perceção e reflexos. Do parecer técnico-científico do especialista em ciências forenses JJ deflui, assinaladamente, que é de supor que houve refrigeração em câmaras apropriadas, já que, de outra forma, uma vez que a colheita se realizou aproximadamente 85 horas após o óbito, caso o cadáver tivesse sido acondicionado à temperatura ambiente, seriam evidentes sinais de putrefação, o que não foi referido (cf. pontos 17 e 18). O mesmo perito refere que determinar a concentração exata de etanol no sangue não é tarefa fácil por causa do risco de produção endógena de etanol no cadáver, e que, uma vez produzido este etanol, este é indistinguível do etanol de origem exógena. Não deixa, porém, de sublinhar que o tempo para a produção endógena de etanol é travado pela refrigeração do cadáver até à data da autópsia. O perito ouvido em audiência, GG, admitiu a produção de etanol se o cadáver não estiver nas condições ideais. Mais corroborou as limitações causadas pelo estado de alcoolemia, como sejam lentidão das reações, diminuição da visão periférica, visão dupla. Com interesse para a matéria lê-se no parecer forense do Instituto Nacional de Medicina Legal de Ciências Forenses (fls. ¾) que, como se trata de examinandos mortos, presume-se que a colheita de amostra de sangue seja efetuada no ato de realização da autópsia médico-legal. A determinação de que a realização da colheita de sangue deve ser efetuada no mais curto espaço de tempo aplica-se apenas a examinandos vivos, para obviar a diminuição da TAS (taxa de álcool no sangue) que seja devida aos mecanismos de metabolização e de eliminação de álcool que ocorrem nos organismos vivos em função do tempo. E mais adiante, no aludido parecer: consultado o processo de perícia toxicológica, não se encontra descrito nos respetivos registos qualquer referência que leve a considerar que a amostra de sangue analisada se apresentava adulterada, decomposta ou putrefacta. Refira-se que a metodologia analítica empregue pelos laboratórios nacionais de referência (SQTF do INMLCF) para a quantificação de TAS em amostras de sangue é suficientemente específica e com recurso a procedimentos internacionalmente acreditados pelo IPAQ, de modo que a apresentação do resultado de TAS expresso com incerteza confere um grau de confiança de 95% que não deve ser objeto de dúvida ou contestação. Por outro lado, valores de TAS tão elevados, como o obtido no processo em apreciação, não podem ter outra origem a não ser pela sua administração no organismo, muito provavelmente devido a ingestão de bebidas alcoólicas. Como não terá havido administração de álcool entre a hora do acidente e a morte, a TAS presente no organismo da vítima na hora do acidente seria, com grande probabilidade, superior à TAS detetada com referência ao momento da morte, em virtude dos mecanismos de metabolização ou outros. Mais se aduz que para um indivíduo que apresente uma taxa de alcoolemia (TAS) na ordem de 1,6 g/L, é expectável a ocorrência de alterações de comportamento, as quais poderão ser valoradas, adotando como referência a tabela de Kurt M. Dobowski (inicialmente publicada em 1957 e mais recentemente adaptada em 2012), através da qual se verifica que uma TAS daquele teor confere ao examinado um estado denominado de Excitação, o qual é definido para o intervalo de TAS entre 0,9-2,5g/L. Neste estádio encontram-se descritos sinais ou sintomas clínicos que podem levar a uma afetação ou diminuição da capacidade plena para a condução de veículo, tais como instabilidade emocional, descoordenação sensitivo-motora, nomeadamente com diminuição da acuidade visual e da visão periférica e com aumento do tempo de reação, bem como afetação do equilíbrio e provocando sonolência. Por tudo quanto se vem de explanar, não se pode acompanhar a tese vertida na fundamentação da matéria de facto pela 1.ª instância na parte em que considera que, atento o decurso de mais de 84 horas após a morte aquando da realização da autópsia e a possibilidade de produção de etanol post mortem, não é possível dizer-se que a taxa registada ocorreu por ingestão. Segundo o tribunal de 1. instância, o etanol poderia ter sido produzido após a morte, sendo inexistente no momento da condução. Entende-se que o Instituto de Medicina Legal estabeleceu, sem margem para dúvida relevante, que um valor de TAS tão elevado como o obtido - 1,66 g/l - não pode ter outra origem a não ser pela sua administração no organismo, muito provavelmente devido a ingestão de bebidas alcoólicas. Para ter havido produção de etanol post mortem o cadáver teria que ter sinais de decomposição, o que não se verificou. Tampouco é de esperar que estando o cadáver recolhido nos serviços adequados do Instituto de Medicina Legal deixasse de estar devidamente refrigerado. Atento o supra enunciado, é outrossim inequívoco que a taxa de alcoolemia em causa é suscetível de gerar perturbação na condução. Face ao exposto, é forçoso que o ponto B) da matéria não adquirida transite para os factos provados. O interveniente entende ainda ter sido produzida prova bastante da matéria da alínea C) dos factos não provados. Tem este, recorda-se, o seguinte teor: C) O condutor do AO parou no Stop durante segundos e apercebeu-se de que não circulava qualquer veículo na Rua ..., a mais de 100 ou 120 metros, a que tivesse de dar prioridade, inexistindo perigo ou embaraço para o trânsito e assim ingressou na hemifaixa da direita no sentido Norte/Sul, .../.... A fls. 25 do relatório do INEGI (relatório pericial do DIAP - secção de Penafiel) lê-se: refere-se que não é possível determinar as possíveis variações de velocidade para o veículo n.º 1 até ao instante do impacto, isto é, se se imobilizou na demarcação de STOP e iniciou marcha a partir da velocidade zero ou se realizou a manobra de travessia da via sem se imobilizar. A fls. 36 do relatório, por seu turno, lê-se: (…) muito possivelmente o veículo n.º 1 poderia estar imobilizado no STOP ou já em marcha muito lenta (…). A fls. 37: (…) relativamente ao condutor do veículo n.º 1 (Mercedes) é possível afirmar que este tinha visibilidade para o veículo n.º 2 e posteriormente quando inicia a sua manobra desde a linha delimitadora da via corta a trajetória do motociclo. E a fls. 39: a hipótese mais provável para a trajetória do veículo n.º 1 seria a sua imobilização e início da circulação desde o limite da via, uma vez que tem boa correlação com toda a dinâmica demonstrada no estudo do acidente. Outra hipótese plausível seria o veículo n.º 1 estar em marcha igualmente muito lenta antes de iniciar a manobra na Rua ... e sem parar no STOP, de modo a que o condutor do veículo n.º 2 já a tivesse de ter percecionado anteriormente. A testemunha KK depôs no sentido de só ter visto o carro aquando da colisão, pelo que não se pode extrair do seu depoimento que este se tenha detido no sinal de stop. Tampouco os depoimentos das testemunhas LL, que seguia com KK no carro, e de MM e NN, que seguiam no carro juntamente com o interveniente, permitiram alicerçar a convicção nesse sentido. Afigurou-se ao tribunal que não se aperceberam com exatidão do sucedido. Em todo o caso, em face das trajetórias de ambas as viaturas e do embate efetivamente ocorrido, tal como consta dos relatórios assinalados, quer o interveniente tenha efetivamente detido o veículo para, em seguida, retomar a marcha, quer a sua marcha tenha sido muito lenta, sem paragem, não é possível que o interveniente se tenha apercebido de que não circulava qualquer veículo na Rua ..., a mais de 100 ou 120 metros, a que tivesse de dar prioridade, inexistindo perigo ou embaraço para o trânsito. Não era possível ao condutor do AO ter parado o veículo ou ter circulado muito lentamente e não ter visto o motociclo. O próprio acabou por referir ter sido surpreendido pela mota quando se meteu à estrada. Não está, todavia, em causa matéria factual, já que, em bom rigor, se desconhece se qual das duas hipóteses (paragem ou significativo abrandamento) se verificou. Nada há, por isso, a alterar no que concerne ao teor da alínea C) dos factos não provados. * Súmula das alterações à matéria de factoAtentas as alterações efetuadas, os factos 24) e 25) são eliminados e os novos factos a tomar em consideração são os seguintes: 34 - O NG seguia a uma velocidade de cerca de 61 km/h e, ao deparar-se com a entrada na via do AO (que saía de um parque de estacionamento através de uma via que entronca pela direita com a Rua ... e com sinal de stop), desviou-se primeiro para a esquerda e em seguida para a direita e travou, originando rastos de travagem de oito metros, mas sem conseguir evitar o embate (a cerca de 51 km/h para o NG no momento da colisão), que ocorreu quando o AO ainda se encontrava na hemifaixa de rodagem do NG, no sentido .../.... 35 - A vítima HH conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,66 g/l, o que afetou a sua atenção, concentração, perceção e reflexos. * b - Da medida relativa da responsabilidade da vítima e do interveniente no acidenteNa sentença recorrida considerou-se que o lesado concorreu para a produção e agravamento dos danos em 20%. A R. considera que a proporção da responsabilidade pelo acidente deve ser de 60% para a vítima e de 40% para o interveniente. O interveniente pugna por que a proporção seja de 80% para a vítima e de 20% para si. A este propósito releva-se que HH seguia a velocidade excessiva para o local (de cerca de 61 km/h), com uma taxa de álcool no sangue de 1,66 g/l, o que afetou a sua atenção, concentração, perceção e reflexos. Quer a velocidade, quer os efeitos do álcool na perceção da realidade e reflexos constituem contributos para a produção e agravamento dos danos. Pondera-se, quanto ao condutor do AO, que este infringiu a obrigação que sobre si impendia por força do sinal de stop (sinal B2 - paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento). O sinal de stop ou sinal de pare é um sinal de trânsito que obriga o condutor a parar o veículo antes de entrar numa interseção rodoviária (cruzamento ou entroncamento), devendo ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar. Enfatiza-se que o potencial ofensivo do veículo automóvel é substancialmente superior ao do motociclo, encontrando-se o condutor deste último sobremaneira indefeso. Embora a velocidade excessiva, aliada ao embotamento dos sentidos do condutor do motociclo, tenha concorrido para o agravamento dos danos, não constitui fator determinante do embate em termos de causalidade adequada. É o facto de o condutor do AO ter intercetado a via quando se lhe deparava o sinal de stop que determina o embate, mesmo tendo detido a marcha ou avançado muito lentamente. Tudo visto, entende-se que a proporção fixada em 1.ª instância com reflexo na medida da indemnização foi adequadamente ponderada 80% para o interveniente e 20% para HH. * c - Da medida da indemnizaçãoi - Do valor da perda do direito à vida As apelantes entendem que a quantia de € 70.000,00 fixada pelo tribunal de 1.ª instância fica aquém da devida, propondo que a indemnização seja fixada em € 100.000,00 O art.º 495.º/3 do Código Civil dispõe que têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Prevê o n.º 2 do art.º 496.º do C.C.: por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. E o n.º 3: O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior. Não está em crise que a supressão da vida de uma pessoa constitui um dano passível de indemnização, representando a vida uma vantagem, um bem, amplamente protegido pelo direito. Discute-se, pois, e apenas, nesta parte, o montante indemnizatório fixado. Escrevia Laurinda Gemas (Revista Julgar n.º 8, 2009, nota de rodapé 57): a quase estagnação dos montantes indemnizatórios atribuídos a título de danos não patrimoniais não é fácil de ultrapassar, para ela contribuindo, por um lado, o baixo valor dos pedidos formulados (registando-se, por razões sociológicas, um certo “pudor em pedir dinheiro” para compensar uma dor que é irreparável, sendo frequentes as decisões judiciais que reconhecem a moderação do pedido); por outro lado, o não reconhecimento pelos tribunais da relevância da função punitiva da responsabilidade civil no âmbito dos acidentes de viação (uma vez que a condenação recai, em regra, sobre a seguradora) e também a necessidade de recurso comparativo às decisões proferidas em casos idênticos. Por isso, embora frequentemente invocada a necessidade de tendencial ampliação dos montantes indemnizatórios, essa subida não tem sido generalizada, por forma a acompanhar a subida do custo de vida e o mais amplo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais (vida, integridade física e saúde). A Portaria n.º 377/2008, ao invés de promover um salto quantitativo a este nível, cingiu-se a valores que, globalmente considerados, se afiguram moderados, podendo contribuir, se não for alvo de sucessivas atualizações, para agravar o problema. Uma fonte legislativa como a portaria aludida, atenta a hierarquia das fontes de direito, é insuscetível de se sobrepor ao critério legal fixado no Código Civil. As portarias integram o conceito de ato regulamentar do governo e visam pormenorizar e complementar as leis, no intuito de viabilizar a sua aplicação ou execução (art.º 112.º/1/2/6 da Constituição da República Portuguesa). Inexistindo, assim, uma tabela a aplicar pelos tribunais que fixe, quer o montante correspondente à perda da vida, quer os quantitativos adequados a indemnizar danos de natureza não patrimonial, a fim de tornar as indemnizações tão equilibradas quanto possível, e com vista a introduzir segurança no sistema, há que proceder a uma análise comparativa. Leia-se no ac. da Relação do Porto de 24-2-2022 - proc. 2374/20.8T8PNF.P1, Judite Pires: a determinação da compensação pecuniária devida pelo dano morte e correspondente lesão do direito à vida deve fazer-se com recurso à equidade, ponderando critérios de uniformidade na jurisprudência para situações similares, sem descurar, todavia, a especificidade do caso concreto. Tomemos em atenção que a vida é um bem para o próprio, mas também, dada a natureza intrinsecamente social do homem, um bem para todos os elementos da comunidade, principalmente para os que lhe são mais próximos, normalmente os pais, o cônjuge, os filhos. Nessa dimensão social o bem vida é também tutelado. No que diz respeito ao dano perda do direito à vida pela vítima e para efeitos de cálculo em concreto da indemnização, discute-se se haverá que atender a critérios tais como a idade, a saúde, o valor da vítima em termos de vida social e familiar. É notório um progressivo incremento das indemnizações arbitradas pelos tribunais superiores, atingindo-se valores de € 100.000,00 e de € 120.000,00, em especial quanto a vítima é jovem e saudável. Toma-se ainda em linha de conta, sendo caso disso, a circunstância de a vítima em nada ter contribuído para o acidente do qual venha a resultar a sua morte e a situação de superioridade económica dos réus. Procederemos a um breve excurso do que de mais substancial tem vindo a ser a evolução jurisprudencial neste capítulo. No ac. da Relação de Lisboa, de 18-6-2009 (proc. 337/2007-8, Bruto da Costa) expendeu-se que na violação do direito à vida estão em causa danos não patrimoniais que são relativamente pouco influenciados pela idade da vítima e que sendo mais chocante ver um jovem de 20 ou 30 anos morrer, a sua morte e principalmente o valor do bem supremo que lhe foi subtraído (a vida) é basicamente o mesmo do que o de uma pessoa idosa. Conclui que se deve levar em conta o critério dominante para a fixação da indemnização para qualquer idade, admitindo-se uma maior severidade desse critério nos casos em que a vítima é ainda jovem, mas não parecendo admissível a mitigação ou desvalorização da indemnização apenas porque a vítima é uma pessoa idosa. No ac. do S.T.J. de 14-7-2009 (proc. 1541/06.1TBSTS.S1, Sebastião Póvoas) defendeu-se que tendo a vida um valor absoluto, o seu valor para efeitos indemnizatórios não depende da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde da vítima. A corrente que se foi, porém, firmando foi no sentido de que, pese embora a vida seja um direito absoluto, tal não deve ser impeditivo de, em concreto e por razões de equidade, serem ponderados fatores como a idade, a condição sócio-cultural ou o estado de saúde da vítima, na determinação do montante da indemnização. No ac. do S.T.J. de 3-11-2016 (proc. 492/10.0TBBAO.P1.S1, António Joaquim Piçarra), citando extensa jurisprudência, constata-se que a reparação do dano morte é inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos arestos até €100.000,00. Neste acórdão, para um homem de 52 anos, fixou-se uma indemnização de € 60.000,00. No ac. do S.T.J. de 02-02-2017 (proc. 658/07.0TBBRR.L2.S1, Abrantes Geraldes, in O dano morte na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - Sumários de Acórdãos de 2016 a dezembro de 2021, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/03/danomorte.pdf), tendo o sinistrado 78 anos, considerou-se que tinha já esgotada a esperança de vida, entendendo-se como equilibrada in casu a fixação da indemnização de € 40 000 a título de direito à vida da vítima. No ac. do S.T.J. de 08-06-2017 (proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S2, Maria dos Prazeres Beleza, nos mesmos Sumários de Acórdãos) consta: em sede de indemnização por danos não patrimoniais, o critério à adotar, à luz do disposto no art.º 494.º ex vi art.º 496.º, n.º 4, do CC, é o da compensação do lesado em termos de lhe proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, relevando ainda como sanção à conduta culposa do agente na produção do dano. No ac. do S.T.J. de 28-09-2017 (proc. 1181/05.2TBFND.C2.S1, Távora Victor, nos mesmos Sumários de Acórdãos) enuncia-se: considerando a idade da vítima, à data do acidente (32 anos), bem como o sentido da jurisprudência do STJ em casos análogos, entende-se adequado o montante de € 70.000 a título de indemnização pela perda da vida. No ac. do S.T.J. de 05-06-2018 (proc. 370/12.8TBOFR.C1.S2, Salreta Pereira, nos mesmos Sumários de Acórdãos): a reparação do dano da morte, na jurisprudência do STJ, situa-se, em regra entre € 50.000 e € 80.000 ou, em alguns arestos mais recentes, € 100.000. Tendo a vítima, à data da morte, 78 anos de idade, mas gozava de boa saúde e grande vitalidade, garantindo, com autonomia, o desenvolvimento de múltiplas atividades económicas, não se considera excessivo o montante de € 60.000, arbitrado para reparação do dano de morte. E ainda: - no ac. do S.T.J. de 06-12-2018 (proc. 1685/15.9T8CBR.C1.S1, Hélder Almeida, nos mesmos Sumários de Acórdãos): na fixação da indemnização decorrente da perda do direito à vida pesam as circunstâncias de cada caso, sendo que, no caso de uma vítima de 61 anos de idade, estimada e inserida no meio em que vivia e suscetível de ganhar o seu sustento, mostra-se adequado fixar a indemnização a título do dano morte no montante de € 60.000,00; - no ac. S.T.J. de 11-04-2019 (proc. 465/11.5TBAMR.G1.S1, Oliveira Abreu nos mesmos Sumários de Acórdãos): provando-se que a vítima, à data da morte, tinha 72 anos, era uma pessoa ativa, gozava de boa saúde, era sociável e alegre, dedicava-se a uma agricultura para consumo familiar, sendo estimado e considerado no meio onde vivia, fazendo parte de uma tuna, e era bom marido, pai e avô, deverá ser fixado em € 70 000,00 o montante (anteriormente fixado em € 60 000,00) pela perda do direito à vida; - no ac. S.T.J. de 19-05-2020 (proc. 572/09.4TBVLN.G1.S1, Maria Olinda Garcia nos mesmos Sumários de Acórdãos): em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que o falecido marido da autora tinha 53 anos e se dedicava à sua atividade profissional, quando foi vitimado por um acidente de viação da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo objeto do seguro firmado na ré, à luz dos parâmetros mais recente da jurisprudência do STJ, tem-se por razoável arbitrar a quantia de € 80.000,00; - no ac. S.T.J. de 11-02-2021 (proc. 625/18.8T8AGH.L1.S1, Abrantes Geraldes, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima de 53 anos, atribuiu-se uma indemnização de € 80 000, 00; - no ac. do S.T.J. de 03-03-2021 (proc. 3710/18.2T8FAR.E1.S1, Maria do Rosário Morgado, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima 45 anos, atribuiu-se uma indemnização no valor de € 80.000,00; - no ac. do S.T.J. de 17-12-2020 (proc. 5306/16.4T8GMR.G2.S1, Jorge Dias, nos mesmos Sumários de Acórdãos), tendo a vítima 7 anos de idade, fixou-se uma indemnização de € 100.000,00; - no ac. do S.T.J. de 25-02-2021 (proc. n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1, Rosa Tching) fixou-se o valor em € 80.000,00 para vítima com 53 anos; - no ac. do S.T.J. de 13-05-2021, proc. n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1, Fernando Baptista), fixou-se o valor em € 80 000, 00 para vítima com 45 anos de idade; - no ac. da Relação do Porto de 27-11-2023 (proc. 11126/21.7T8PRT.P1, José Eusébio Almeida) considerou-se ser equitativamente adequada e jurisprudencialmente equilibrada a compensação pelo dano da morte em € 95.000,00, quando está em causa o falecimento num acidente de viação, sem qualquer culpa da sua parte, de um homem de vinte e sete anos, saudável física e emocionalmente, integrado na sociedade e na família que constituía com os seus pais. Derradeiramente, remetemos para o ac. da Relação do Porto de 04-05-2023 (proc. 2120/20.6T8PNF.P1, Isabel Silva), que enumera várias decisões, remetendo para o valor de € 85.000,00 como o tido como adequado pelos tribunais superiores. Na situação que ora nos ocupa, o facto de à data do óbito a vítima se tratar de um homem de 38 anos, trabalhador, com uma filha ainda menor, e o fenómeno inflacionista em curso, fazem-nos propender para aumentar o valor da indemnização para € 100.000,00. * ii - Do direito da A. AA a ser indemnizada por danos patrimoniais;Segundo a apelante AA, seria previsível que a partir dos 25 anos de CC a quantia de € 300, 00 fixada a favor desta enquanto montante da indemnização por danos patrimoniais, passasse a ser empregue pelo casal por si constituído com o falecido HH em proveito de ambos. No cálculo da indemnização deveria, por isso, levar-se em linha de conta um acréscimo de € 150,00 a partir da data em que CC atingisse a idade de 25 anos. Vem-se entendendo que a indemnização por danos patrimoniais devidos aos familiares, em caso de morte da vítima, se reconduz à prestação dos alimentos, sendo titulares deste direito os que os podiam exigir ao lesado. Sumaria-se no ac. do S.T.J. de 26-01-2016 (proc. n.º 2581/14.2T8GMR.S1, Hélder Roque: (…) - A indemnização a fixar, nos termos do art.º 495.º, n.º 3, do CC, não tem que corresponder a todos os danos patrimoniais futuros decorrentes da morte do lesado, traduzindo-se, habitualmente, em quantia bastante inferior aquela que seria arbitrada, no caso de o obrigado a alimentos ter sobrevivido, ainda que com incapacidade permanente absoluta. (…) À viúva são devidos alimentos, por morte da vítima, até ao final da sua vida, pois é de presumir que o marido lhos prestaria, até esse momento, sendo certo que este deveria assegurar à esposa uma situação patrimonial equivalente à condição económica e social da família, enquanto que, em relação à filha, a obrigação de alimentos termina, em princípio, quando esta atingir a maioridade ou quando findar a sua formação profissional ou deixar de frequentar curso médio ou superior, na pior das hipóteses, ao completar 25 anos de idade, estabelecendo-se uma percentagem entre ambas, relativamente ao total da indemnização arbitrada, tomando como referência a esperança de vida daquela, à data da morte do marido, e a distância que, então, separava a filha menor da idade de 25 anos, respetivamente. E no ac. do S.T.J. de 27-9-2022 (proc. 253/17.5T8PRT-A.P1.S1, Isaías Pádua) que, como decorre do n.º 3 do art.º 495.º do C.C., a indemnização pelos danos patrimoniais futuros circunscreve-se, na sua essência, à obrigação alimentar de que se viu privada a pessoa que dela beneficiava ou podia vir a beneficiar em termos previsíveis futuros. A A. AA pediu a quantia de € 300.000,00 a título de alimentos, invocando que o falecido contribuía para o sustento do lar, sendo o único a auferir rendimentos, sendo expectável que o fizesse até ao fim da sua vida. O direito da A. AA a perceber indemnização por danos patrimoniais esteava-se, essencialmente, no teor do facto provado 24, a saber, que face à sua situação de desemprego e às disponibilidades garantidas pelo salário da vítima, a A. tinha a expectativa de viver por muitos anos do rendimento de trabalho da vítima. Este facto foi eliminado da matéria assente na sequência do recurso da R. Seguradora. Da fundamentação da matéria de facto consta, sob o n.º 19, que as responsabilidades parentais da filha da A. AA e de HH tinham sido reguladas a 15-12-2020, donde decorre que os dois elementos do casal se encontravam separados de facto (artigos 1901.º e 1904.º-A/5 do C.C.). Não ficou demonstrado que o falecido contribuísse para o sustento da A. AA, nem era previsível, segundo um juízo de normalidade social, que o viesse a fazer. Datando a regulação, como se disse, de 15/12/2020, uma vez que a decisão constitui necessariamente o culminar da tramitação própria de processo de regulação das responsabilidades parentais, não sendo imediata, já anteriormente a A. e HH viviam em casas autónomas, cada um por si - registe-se que está comprovado o nascimento de filha da A. AA, II, em 21-10-2020. Já se defendeu que para alcançar a indemnização pela privação de alimentos em causa não é exigível a alegação e prova por parte do cônjuge sobrevivo (lesado) de que, na data do acidente de viação (evento danoso) recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber, designadamente, do requisito da necessidade de alimentos (cf. ac. do S.T.J. de 27-09-2016, proc. n.º 245/11.8T2AND.P1.S1, Hélder Roque). O exercício do direito a alimentos, nos termos do art.º 495.º, n.º 3 do C.C. bastar-se-ia com a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, cujo montante indemnizatório deve ser calculado nos termos do artigo 566.º nºs. 2 e 3, do C. C. (cf. ac. da Relação do Porto de 22-2-204, proc., 1830/21.5T8PVZ.P1, João Venade). Afigura-se-nos, contudo, que não poderão deixar de ser tidos em consideração os pressupostos gerais do direito a indemnização. A factualidade subjacente a jurisprudência como a mencionada integra situações de economia conjunta, de observância do dever de coabitação inerente ao casamento (art.º 1672.º do C.C.) e não hipóteses como a presente. Nos termos do art.º 562.º do C.C., quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E segundo o art.º 563.º constitui princípio fundamental da obrigação de indemnização, que esta só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. A A. e o falecido marido viviam separados, sem que haja notícia de que este último lhe prestasse alimentos. Tampouco é provável que HH lhos viesse a prestar, para o que não deixaria de contribuir a sua própria situação económica. Os autos fazem apenas menção a um vencimento de € 800,00, dos quais seria retirada parcela a título de alimentos à filha CC. A circunstância de a A. se encontrar desempregada à data do óbito do cônjuge não significa que se tratasse de situação irreversível. À época, a A. AA não tinha mais do que 36 anos, apenas mais 11 anos do que os 25 a partir dos quais se entende que a filha CC estará apta a prover ao seu sustento, sem o concurso de indemnização destinada a compensar a perda de alimentos que o pai, presumivelmente, lhe prestaria. Não é, pois, possível concluir que a morte de HH lesou a esfera patrimonial da A. AA - seria desconforme ao direito que a A. saísse beneficiada da morte de HH, entendendo-se este benefício no sentido de que a sua situação económica seria, afinal, mais atrativa tendo aquele morrido do que se o acidente não se tivesse dado. Tratando-se de decorrência da alteração à matéria de facto, impõe-se revogar a sentença na parte em que condena ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais à A. AA. No que concerne ao acréscimo por esta última peticionado após os 25 anos da filha CC, por maioria de razão, é manifesto que, por ausência de dano, não lhe assiste o direito a ser indemnizada. * iii - Do direito das AA. a serem indemnizadas por danos não patrimoniais.- Do direito da A. AA a ser indemnizada por danos não patrimoniais A R. Seguradora pugna pela revogação da sentença na parte em que esta reconheceu o direito da A. AA a ser indemnizada por danos não patrimoniais. Com interesse direto para a questão foi alterada a matéria de facto, suprimindo-se o ponto 25, segundo o qual, em consequência da morte da vítima, a A. AA, além de ter ficado privada da sua convivência, sofreu e sofrerá de desgosto. Conforme melhor consta da fundamentação à reapreciação de facto, apurando-se que AA e HH viviam separados, inexistindo, obviamente, a perda de convivência reportada, e, nada de concreto se tendo descortinado a este respeito, não pôde ser dada como assente a existência de sofrimento e desgosto. Repare-se que a ausência de prova do sofrimento não significa que este não tenha efetivamente existido, mas sim, e apenas, que nada de relevante se apurou a este propósito, assinaladamente quanto à sua gravidade, exigível para a respetiva ressarcibilidade nos termos do disposto no art.º 496.º/1 do C.C.. Procede, por conseguinte, a pretensão da R. Seguradora de ver revogada a decisão que a condenou a indemnizar a R. AA por prejuízos da assinalada natureza. * iv - Do montante da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais para a R. CCArredada que está a indemnização da A. AA a este título, resta-nos apreciar esta questão apenas sob a ótica do direito indemnizatório da R. CC. O tribunal de 1.ª instância fixou a indemnização da A. CC pelo sofrimento emergente do óbito de seu pai na quantia de € 20.000,00. As recorrentes propugnam pela fixação do valor de € 30.000,00. A quantificação do dano não patrimonial à luz dos critérios insertos no art.º 496.º/1, do C.C., é difícil por envolver a valoração de sofrimento com a rutura de laços afetivos devido à morte de um familiar próximo. Embora a alegação e a prova tenham sido parcimoniosas a este respeito, decorre da experiência comum e dos sentimentos das pessoas em geral, mormente quando está em causa o pai, que a mágoa, a tristeza e a saudade da filha de 16 anos, face à perda irremediável, serão extremas. Tendo em atenção os valores que vêm sendo praticados (confiram-se os acórdãos da Relação do Porto de 27-04-2021, processo n.º 1123/19.8T8PVZ, Rodrigues Pires e de 04-05-2023, proc. 2120/20.6T8PNF.P1, Isabel Silva, ambos com citação de jurisprudência), considera-se adequada a fixação de uma indemnização de € 30 000,00. * V - DispositivoNos termos sobreditos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação conforme se enuncia: a - condenando-se a R. Seguradora a pagar a cada uma das AA. a quantia de € 40.000,00 pelo dano morte de HH ((€ 100.000,00 x 80%): 2); b - revogando-se a sentença na parte em que condena ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais à A. AA, absolvendo-se a R. do pedido nesta parte; c - condenando-se a R. a pagar à A. CC a quantia de € 24.000,00 (€ 30.000,00 x 80%) a título de danos não patrimoniais. * Custas pela A. AA e pela R. e pelo interveniente, que, ponderando as respetivas sucumbências, se fixam na proporção de 1/2 para a A., de 1/4 para a R. e de ¼ para o interveniente.* Consigna-se que, tendo a A. CC atingido a maioridade em 13-1-2024, cessou a representação por sua mãe, pelo que deverá ser notificada para constituir mandatário.* Porto, 24-2-2025Teresa Fonseca José Nuno Duarte Fernanda Almeida |