Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2710/18.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
DEVERES LATERAIS
Nº do Documento: RP202004282710/18.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato de empreitada o empreiteiro está adstrito a realizar a obra, a obter certo resultado em conformidade com o convencionado e sem vícios, sob pena de incorrer em responsabilidade contratual, tendo aqui aplicação o disposto no art. 799º, nº 1 do Cód. Civil que faz presumir a culpa do empreiteiro.
II - Em ação proposta com vista à reparação de defeitos basta ao dono da obra alegar e provar a existência dos defeitos, sem ter que provar a sua causa, ficando o empreiteiro, para afastar a sua responsabilidade, com o ónus de alegar e provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
III - Decorrentes do princípio da boa fé surgem deveres laterais que impendem sobre o empreiteiro, como sejam os deveres de esclarecimento e conselho que variam substancialmente em função das circunstâncias e advêm do facto de o empreiteiro, sendo um técnico na matéria, conhecer as consequências e a melhor forma de obter o resultado pretendido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2710/18.7T8PRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 7
Apelação
Recorrentes: “B…, S.A.” e “C…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e José Igreja Matos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A autora “C…, Lda.”, com sede na Rua …, …, …, Valongo, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum contra a ré “B…, SA” pedindo que seja:
1. A ré condenada a indemnizar a autora, suportando todas as despesas inerentes à realização de obras urgentes no telhado e cobertura que seriam da responsabilidade da ré e que se cifram em 39.301,31€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
2. A ré condenada a pagar todas as obras urgentes no imóvel, provocadas pelas infiltrações de água e que se cifram em 6.800,00€ acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
3. A ré condenada a pagar à autora a substituição dos vidros do edifício que se encontrem com defeito no valor de 6.500,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
4. A ré condenada a substituir todos os painéis de revestimento da fachada que se encontrem com defeito e,
5. A ré ainda condenada a indemnizar a autora com a quantia a liquidar em execução de sentença, mas não inferior a 250€/dia, contados desde a citação, e enquanto a ré não efetuar as obras peticionadas;
6. A ré ainda condenada a indemnizar a autora de todas as quantias que vierem a ser exigidas por virtude de qualquer defeito de construção, incluindo as despesas por virtude desta ação, desde a interpelação da ré, remetendo-se para execução de sentença a respetiva liquidação;
7. A ré condenada em custas e procuradoria e demais despesas legais nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
A ré contestou excecionando uma situação de litispendência e negando a sua responsabilidade na eclosão das inundações, pelo que terminou pedindo a sua absolvição do pedido.
Foi realizada audiência prévia, na qual, sendo proferido despacho saneador, se julgou improcedente a exceção de litispendência, com posterior identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se a produção antecipada de prova e a realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Seguidamente foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e por via disso condenou a ré:
a) a limpar os painéis da fachada do edifício eliminando a mancha e os elementos de oxidação conforme fls. 73 e 74 do apenso;
b) a substituir os vidros exteriores que se encontram deteriorados com sujidade conforme fls. 72 do apenso, no número e dimensão que consta de fls, 56 verso.
No mais absolveu a ré dos restantes pedidos contra si formulados.
Inconformadas com o decidido interpuseram recurso de apelação tanto a autora como a ré.
A autora finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) A Apelante instaurou uma ação declarativa de condenação com o objetivo, entre outros, de ver a Ré condenada a pagar as despesas inerentes à realização das obras urgentes no telhado e cobertura quem seriam da sua responsabilidade e que se cifra em €39.301,31, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Nesta parte o pedido da autora foi improcedente, motivo pelo qual não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, entendendo que houve uma errada apreciação da matéria de facto e consequentemente na integração de direito;
B) Ora, salvo o devido respeito, a apreciação da prova pelo Meritíssimo Juiz a quo está incorretamente julgada nos seguintes pontos:
- A Douta Sentença, para a fundamentação fáctica, deu por provados os factos relativos aos diferentes mails trocados entre a Apelante e a Apelada, indo mais longe deu como reproduzido o documento a fls. 72 verso e nele fez uma leitura de que a ré “sempre alertou a autora para a necessidade de ter mais saídas de água, o que esta negava” concluiu que a ré não poderá ser responsabilizada por omissão do dono de obra
- A Douta Sentença limitou, em muito, a apreciação da prova àquela que proveio do depoimento das testemunhas da Ré, não dando qualquer valor ao depoimento das testemunhas do autor, pelo menos na parte em que elide a presunção da culpa da ré nos defeitos da obra, dando importância aos funcionários da Ré D… e E…, apesar da sua subordinação económica e jurídica à ré,
- O Tribunal a quo, na sua decisão, apenas ponderou o relatório da perita nomeada pelo tribunal- apesar da sua atividade profissional de responsável pelos contentores do F… e descredibilizando o depoimento das testemunhas G… que no seu depoimento refere “as causas subjacentes ao aparecimento destas patologias derivam de uma deficiente ligação entre a caleira de drenagem e a chapa sandwich de cobertura e a ausência de isolamento térmico da superfície inferior da caleira” e H…, engenheiros com depoimentos coerentes e com razão de ciência, apenas porque estes foram contratados e pagos pela autora.
- O Tribunal a quo, apesar de dar como credível o orçamento apresentado pela autora a fls. 50, por ser uma empresa idónea, não atendeu ao depoimento da testemunha I…, que tinha ido à cobertura e apontou os defeitos encontrados na sua execução.
- O Tribunal a quo, apesar de usar o depoimento da testemunha J… (que acompanhou a obra) para dar como provado que a ré foi reparar na cobertura dois buracos deixados pelos parafusos, não deu relevância no seu depoimento quanto à descrição como a cobertura foi colocada, estabelecendo um diálogo entre o depoimento desta testemunha com a testemunha I… e H….
- Que mantém-se a entrada de água no armazém apesar da última intervenção da ré em julho de 2017, lendo neste caso as declarações de parte da autora com o depoimento das testemunhas D… e H… e J….
C) O tribunal a quo deu como provado que “o motivo para a existência de uma quantidade significativa de água resulta de anomalias nos tubos de queda e/ou caixas de ligação, em pontos específicos onde se localizam na cobertura os algerozes e ligação ao tubos de queda (locais para onde é dirigida a água da cobertura (…), quando na verdade deveria ter dado como provado três causas para a entrada de água na cobertura.
- o aparafusamento do elemento à cobertura foi feito pela parte de cima, o que é errado, significa que se não apanharmos a parte saliente do perfil aí é um tiro cego, tenho que furar mais à esquerda ou mais à direita.
- Na cobertura foram feitos furos que não foram rematados.
- O material da cobertura com espessura de 3 cm, que do ponto de vista técnico se poderá pôr em questão.
- Na fixação das chapas, elas têm uma ondulação o aparafusamento foi feito na parte inferior, não deve ser feito, porque isso faz com que escorre a água.
- Há pontos de queda de água pingas no armazém.
- Na parte lateral das chapas, há uns chapins e esse chapim está colocado de uma maneira diferente, está precisamente ao contrário, a água tem que entrar por ali.
- Outra situação por onde entra a água é pelos calões. Os calões têm na zona de ligação entre os vários elementos, os calões faziam parte da estrutura inicial - é feito por troços e nesses troços, os elementos do calão são cravados e soldados de um modo que os tubos de descarga das águas que para aí drenam são chamados capitéis são inseridos nos calões, são soldados na sua zona de ligação.
- Antes das obras aqui em questão o edifício não tinha problema nos calões.
- A cobertura “morde” um pouco a largura do calão.
- As pessoas para fazerem a fixação da cobertura andaram em cima dos calões, ao andarem em cima dos calões (…) atendendo à idade dos mesmos as zonas de ligação entre elementos do calão, assim como também do capitel tenham “gemido” e é por isso que na realidade entra a água.
D) Deu ainda como provado que as infiltrações verificadas em obra, melhor descritas no relatório junto pela autora, encontram-se nas zonas de emenda dos caleiros, que a ré não alterou.
E) O tribunal deu ainda como provado que para operar a correção das infiltrações dever-se-á proceder à desmontagem de revestimentos existentes, remontagem de revestimentos para permitir a correta vedação da cobertura, remates de cobertura e (…).
Ora, depois destes factos serem dados como provados o tribunal conclui absolver a ré nesta parte porquanto não houve culpa sua dado que “sempre alertou a autora para a necessidade de maior saídas de água” e ainda afasta o dever lateral de boa fé porquanto conclui que “a ré aconselhou a autora a rever/aumentar as caleiras porque as saídas podiam não ser suficientes para escoar a água”. Quando do depoimento da testemunha G…, autor do relatório junto aos autos e referido no facto 33, resulta quanto à dimensão da caleira (9:35 a 9:47) “em termos de base é larga, não é comum”.
- Assim, face aos factos dados como provados a água infiltra-se nas zonas de emendas das caleiras e nos tubos de queda e/ou caixas de ligação, não resulta a entrada de água da insuficiência de caleiras. Até porque de acordo com o depoimento das testemunhas da ré, “nunca foi sugerido à autora mudar as caleiras, de acordo com o depoimento da testemunha D… e a testemunha E…, até refere ter ficado surpreendido quando verificou que a entrada de água era pelas caleiras, isto quando a cobertura já estava concluída e aquando da primeira queixa da autora quanto à entrada de água e, a sugestão dada pela ré é de criar mais uma saída de evacuação de água, e não rever/aumentar as caleiras, como conclui erradamente o tribunal a quo.
- tendo o tribunal dado como provada a forma de reparação dos defeitos, deveria ter concluído que as infiltrações de água se devem à má ligação da cobertura com a estrutura e os elementos da caleira já existentes, conforme depoimento dado pelas testemunhas I…, H…, G… e J….
- Face aos esclarecimentos prestados pela senhora perita que refere que houve má conceção da cobertura corroborado pelo depoimento da testemunha G… que refere que na posição de empreiteiro ao verificar a insuficiência do escoamento das águas não deveria ter avançado com a obra.
- (…), quando uma obra é concebida e executada e essa responsabilidade da conceção e execução é da empresa independentemente do que existe, terá que se garantir que terminada a execução do edifício ele garante o cumprimento dos requisitos mínimos, um deles é ser sem sombra de dúvida a estanquidade à água. (…) se as caleiras existiam, se elas não tinham a mínima capacidade de em conjunto com a obra feita de raiz, de garantir a estanquidade da água…colocando-nos da parte de um empreiteiro geral, não avançava com esta obra” (14:06 a 14:36).
D)[1] O tribunal deveria ter dado como provado apenas que a estrutura metálica da obra não sofreu qualquer intervenção por parte da ré;
- Decorrente do depoimento das testemunhas H…, I… e G…, assim como dos esclarecimentos prestados pela senhora perita que refere que para se fazer uma cobertura tem sempre que se mexer nas caleiras.
- As testemunhas H… e G… referem nos seus depoimentos que o problema está na ligação dos elementos da cobertura e da caleira.
E) O tribunal deveria ter dado como provado apenas que a Ré alertou a autora para a necessidade de criar mais uma saída de água a meio, após a denúncia da entrada de água.
- Conforme depoimento da testemunha E…, que se mostrou muito admirado quando verificou que a entrada de água ocorria pelas caleiras.
- o mail que suportou a prova do facto 35, e que o douto tribunal dá por reproduzido data de 10 de julho de 2017, já a cobertura estava posta desde fevereiro de 2017 (data em que a autora se mudou para o armazém) e no ponto c. do mail apenas se diz: as infiltrações verificadas na obra são nas zonas de emendas de caleiras, situação a que a B…, S.A. é totalmente alheia.
- a testemunha D… ainda refere que limparam as caleiras antes de colocar a cobertura e tiveram mais tarde no telhado a dar tela liquida deixando duas latas em obra para a autora dar.
- das declarações de parte abandonadas pelo tribunal a quo o legal representante da autora refere que contratou a ré para reparar a cobertura entre outras obras e era para fazer o que fosse preciso, em nenhum momento das suas declarações consta que a ré tivesse sugerido a necessidade de substituir as caleiras, pelo contrário foi-lhe dito que as caleiras estavam boas e,
- Nunca lhe falaram, nem consta dos autos de mediação a necessidade de aumentar as caleiras ou rever as caleiras porque estas podiam ser insuficientes para escoar a água.
- os autos de mediação são documentos elaborados pela ré e constam dos autos a fls… não constando deles qualquer menção a problemas de caleiras.
- dos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré nenhuma delas esteve ou assistiu às negociações tidas entre autora e ré e que levaram à elaboração da fatura que resultou no auto de medição número 1.
E) Da prova produzida deveria o douto tribunal ter concluído que, a ré com a sua conduta violou as boas práticas construtivas, por negligência, porquanto não se assegurou, nem propôs alterações aos restantes elementos construtivos que era sua obrigação.
- atento ao depoimento prestado pela testemunha G… e pelos esclarecimentos prestados pela senhora perita em audiência de julgamento.
F) Face à prova produzida em declarações de parte e do orçamento e autos juntos, o douto tribunal deveria ter dado como provado que:
- A autora só não mudou as caleiras porque a ré lhe garantiu que as mesmas se encontravam boas, conforme declarações de parte do legal representante da autora.
- As intervenções no telhado realizadas pela ré no ano de 2017 não resolveram a entrada de água no imóvel, de acordo com as declarações de parte do legal representante da autora, inclusive refere ter escrito uma carta a denunciar tal situação.
G) Face à prova produzida e ao documento fls.70 o ponto 38 deveria ter a seguinte redação: No dia 10 de julho de 2017, a ré executou a retificação das vedações dos caixilhos do piso 0 e piso 1, (…) não tendo retificado o telhado por entender não ser da sua responsabilidade (ponto c do mail de 10 de julho dado por integralmente reproduzido).
H) O douto tribunal, face aos factos provados e à prova produzida, deveria ter concluído que na fase da conceção e colocação do telhado a ré não se assegurou do fim último da obra - estanquidade da construção e escoamento do caudal de água, porquanto não consta do orçamento, não consta dos autos de medição, não consta das faturas, tudo prova documental junta aos autos a fls…nenhuma testemunha assistiu ou ouviu os termos do contrato realizado entre autora e ré, nem tal facto resulta dos factos provados.
I) O douto tribunal, face aos factos provados e à prova produzida, deveria ter concluído que a ré só após a cobertura estar concluída aconselhou o autor a colocar mais uma saída de água no meio, ressaltou a convicção do tribunal do depoimento prestado pela testemunha E…, o único que depôs acerca do assunto e de acordo com a transcrição do seu depoimento tal conselho só aconteceu quando ficaram espantados porque a água entrava pelas caleiras e não pela cobertura.
J) O douto tribunal, face aos factos provados e à prova produzida, deveria ter concluído que, a ré com a sua conduta, violou as boas práticas construtivas por negligência, não devendo dar como provado que a ré alertou a autora para a necessidade de mais saídas de água, o que esta negava, porquanto não resultou provado, de acordo com as declarações de parte do legal representante da autora, não ressalta do documento a fls. 70 verso porque este é de 10 de julho de 2017, já a cobertura estava feita e, refere apenas que o problema “é na zona das emendas”.
L) O douto tribunal, face aos factos provados e à prova produzida, deveria ter concluído que na fase da conceção e colocação do telhado a ré não se assegurou o fim último da obra estanquidade da construção e escoamento do caudal de água, atendendo à sua motivação na parte em que refere que a senhora perita diz “sempre que existe uma intervenção no telhado cumpre ao empreiteiro analisar, retificar e se necessário propor a alteração dos restantes elementos por forma a assegurar o fim último dessa obra (estanquidade da construção e escoamento do caudal de água), associado ao depoimento da testemunha G… que também imputa a responsabilidade ao empreiteiro pela conceção e ainda articulado com o depoimento da testemunha E… que refere que o seu patrão alertou o legal representante da autora para a necessidade de colocar mais uma saída de escoamento de água após ter sido denunciada a entrada de água no imóvel e quando ficaram espantados por verem que a água entrava pelas caleiras e não pela cobertura.
Pretende assim que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a ré a liquidar o valor de 39.301,11€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor para a realização das obras urgentes no telhado e cobertura que seriam da sua responsabilidade.
Por seu turno, a ré finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
i) A ora recorrente considera que os documentos por si juntos a 11 de Junho de 2019, sob a referência citius 22773189 e a 13 de Junho de 2019, sob a referência citius 22810086, bem como o depoimento da testemunha Sr. E1… impunham decisão diversa da que se recorre.
ii) Pois que deveria ter sido considerado provado que a ré, aqui recorrente, emitiu uma nota de crédito a favor da autora, aqui recorrida, no montante de €3.000,00 (três mil euros), precisamente para compensação dos factos referentes aos painéis da fachada e aos vidros.
iii) Mais considera que, também em face do facto provado sob o n.º 45 “Na acção 99588/17 que a ré intentou contra a autora foi proferida decisão de fls. 142 e seg., cujo restante teor se dá por reproduzido”, se impunha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo na parte em que condena a recorrente a limpar os painéis da fachada e a substituir os vidros exteriores.
iv) O requerimento de 11 de Junho de 2019 continha a junção da douta sentença proferida e transitada em julgado no processo n.º 99588/17.7YIPRT que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Valongo nos termos da qual resultou provado que “Relativamente à factura melhor identificada na alínea a) do ponto anterior foi emitida pela A (aqui recorrente) nota de crédito a favor da ré (aqui recorrida) no respectivo montante de 3.000,00 e a Ré liquidou o remanescente.”.
v) E o requerimento de 13 de Junho de 2019 continha a nota de crédito 2017/37, referida na indicada sentença, referente à compensação operada pela existência dos defeitos reconhecidos pela recorrente.
vi) Facto confirmado pela testemunha Sr. E1…, no depoimento prestado na audiência de julgamento que teve lugar a 12 de Junho de 2019, entre as 16.15.37 e as 16.45.47, constante da gravação efectuada sob o ficheiro informático com a identificação 20190612161536_15118039_2871444.
vii) O Tribunal a quo não considerou minimamente o teor da sentença proferida no processo n.º 99588/17.7YIPRT que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Valongo, nos termos do qual a aqui recorrente apresentou requerimento de injunção contra a recorrida C…, Ld.ª.
viii) Pois que conforme resulta da douta sentença proferida e transitada em julgado naqueles autos, a acção foi julgada parcialmente procedente por provada e, em consequência, a aqui recorrida foi condenada no pagamento do valor do capital considerando a nota de crédito supra referida.
ix) Ou seja, considerou aquele Tribunal provado que “Relativamente à factura melhor identificada na alínea a) do ponto anterior foi emitida pela A. nota de crédito a favor da ré no respectivo montante de 3.000,00 e a Ré liquidou o remanescente.”.
x) Mais considerou o Tribunal que: “É certo que a requerida (aqui recorrida) interpelou a requerente (aqui recorrente) para proceder à reparação de algumas incorrecções nos serviços a que se reportam as facturas mas também que a requerente, através de funcionários que deslocou ao local onde os mesmos foram prestados, os eliminou na sua totalidade em Julho de 2017. Nomeadamente a A. executou a revisão das vedações dos caixilhos do piso 0 e piso 1, fixou o perfil de remate e pintou o portão que se encontrava solto, reviu a pintura dos perfis verticais de remate dos painéis de fachada.”.
xi) Pelo que não subsiste qualquer defeito imputável à recorrida que careça de reparação.
xii) Ora, para além de o Tribunal a quo não ter considerado o teor da douta sentença proferida, também não considerou o documento junto pela recorrente a 13 de Junho de 2019: a própria nota de crédito.
xiii) O que muito se estranha uma vez que pese embora da leitura da motivação a decisão de facto resulte que: “Quanto aos vidros a ré admite a existência de defeitos e problemas na sua colocação (Sr. E1…), referindo apenas que eram 3 vidros e que a autora preferiu um desconto de 3 mil euros, porque iria substitui-los (devido ao calor gerado).”, da leitura do direito já resulta que: “Questão diversa é a relativa aos vidros e manchas nos painéis, por aí o defeito está demonstrado sem qualquer causa eximente (ex: devolução do preço).”.
xiv) A recorrente emitiu uma nota de crédito no valor de €3.000,00, exactamente para compensação dos danos sofridos pela recorrida, facto eximente.
xv) E eliminou na totalidade os restantes defeitos da sua responsabilidade em Julho de 2017, conforme resulta da sentença proferida no processo 99588/17.
xvi) A prova carreada para os autos impõe decisão diversa da que consta da sentença de que se recorre.
xvii) Pelo que deverá ser a mesma revogada e substituída por sentença que julgue totalmente improcedente o pedido formulado pela recorrida, absolvendo-se a recorrente de todos os pedidos.
A autora apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II. A recorrente alega que face à prova testemunhal produzida e face aos documentos juntos, impunha decisão diversa da que se recorre.
III. Sucede que não poderia ser considerado provado que a nota de crédito emitida pela recorrente no âmbito do processo nº 99588/17.7YIPRT no valor de €3000,00 seria para compensar os painéis e os vidros, porquanto não logrou do depoimento da testemunha sr. E1… sair tal afirmação, este apenas se limitou a dizer que “fizeram um valor, um crédito de três mil euros para, por causa desses dois ou três vidros”.
IV. Esta testemunha não logrou especificar, conforme a recorrente pretende que a nota de crédito emitida nos autos de injunção nº 99588/17.7YIPRT, tivesse por objetivo o alegado crédito, sobre dois ou três vidros, que nem a testemunha soube especificar.
V. O douto tribunal deu como integralmente reproduzida a sentença dos autos de injunção nº 99588/17.7YIPRT, sendo que é inequívoco que a Nota de Crédito junta pela recorrida nestes autos refere de forma expressa que: “3. Tais fornecimentos de bens e serviços originaram a emissão das seguintes facturas: a) factura n.º …../…, no valor de €5.875,48, vencida desde 28/08/2016; 4. Relativamente à factura melhor identificada na alínea a) do ponto anterior foi emitida pela A. nota de crédito a favor da ré no respetivo montante de 3.000,00 e a Ré liquidou o remanescente”
VI. Ora, o douto tribunal deu como provada a existência da fatura nº ….../.. de 29 de abril de 2016 no valor de €13.398,82, onde se inclui: fornecimento e montagem de vidros interiores, incluindo trabalhos necessários.
VII. Resultou provado que os vidros terão que ser substituídos na integra, dado o depoimento da senhora perita, para que não haja dúvidas “Ali, para não haver dúvidas tem que se substituir todo o painel do vidro, eu considero, para não haver dúvidas, parte daquela, tem que ser tudo removido e tudo aplicado, serão sempre necessários”.
V. Conforme resulta ainda provado o orçamento para a substituição dos vidros é de €6.500,00, acrescido de 30%, de acordo com o depoimento da testemunha K…, que foi à obra, tirou medidas e analisou convenientemente o vidro e a sua estrutura. “já não consigo fazer esse preço, tem que acrescer 30%, dentro disso”. “Estão partidos de baixo para cima tem a ver com a montagem dos vidros.“ Questionado sobre o número de vidros, refere que “são sete, dois deles estão partidos.”
VI. Assim, a alegada compensação, que não resultou provada, nem decorre da sentença junta, nem decorre da nota de crédito, pelo contrário. A ser dada relevância teria que ser dado como provado o transcrito na douta sentença sob o processo nº 99588/17, isto é que a dita nota de crédito, foi para abater a factura n.º …../…, junta a fls…
VII. A Douta sentença, considerou a Nota de Crédito e a sentença, contudo não lhe deu relevância quanto ao objeto do litigio e aos temas de prova, porquanto deu como provada a fatura que dizia respeito à liquidação do fornecimento de vidros e sua colocação (fls..26) e,
VIII. A sentença integralmente reproduzia refere-se à “emissão da nota de crédito a favor da ré no respetivo montante de €3000,00” reposta-se à fatura nº …../… no valor de €5.875,48, que nada tem que ver com fornecimento de vidros ou compensação pelo fornecimento defeituoso.
IX. Quanto à sanação dos defeitos, é certo que o douto tribunal e bem assim a sentença da injunção com o nº 99588/17.7YIPRT, deram como provado que ocorreram intervenções por parte da ré na obra, contudo, nem na sentença acima referida, nem nos presentes autos, foi dado como provado que a ré, ora recorrida, tivesse lixado e pintado o painel da fachada, conforme resposta ao quesito 16. E de acordo com o depoimento da senhora perita e da testemunha H…, ambos referem que tem “manchas” e “riscos”
X. Limpar, lixar e pintar o painel da fachada não se confunde com “pintura dos perfis verticais de remate dos painéis de fachada”. Tendo ficado provado tais intervenções, também resultou provado (ponto 16.) que “os paneis frontais da montra do lado esquerdo apresentam uma mancha de dimensão significativa por má coloração que pode ser limpa”
XI. Assim subsistem ainda defeitos imputáveis à recorrida, quer quanto aos vidros, quer quanto aos painéis.
XII. De facto a motivação do douto tribunal foi infeliz, quando refere que “quanto aos vidros a ré admite a existência de defeitos e problemas na sua colocação (sr. E1…), referindo apenas que eram três vidros e que a autora preferiu um desconto de 3 mil euros, porque iria substitui-los (devido ao calor gerado).”. Contudo, não resulta desta motivação que a nota de crédito com o nº …./.., junta em 13 de junho de 2019, fosse o alegado desconto. E, conforme resulta do depoimento desta testemunha, ela não será credível neste ponto, não só pela relação de subordinação que tem para com a recorrida, como também por não saber precisar o número de vidros.
XIII. O número de vidros com defeito e os diferentes defeitos foram sim esclarecidos quer pela perita, não só no relatório junto a fls.. como também nos esclarecimentos prestados ao tribunal, onde refere que “terá que ser substituído tudo, para que não haja dúvidas “, que também foi a opinião da testemunha H…, quando refere que “há vidros partidos”; “há vidros com condensação” e, ainda a testemunha K…, cujo orçamento foi dado como provado (ponto 26) e esclareceu as patologias e o número de vidros avariados (5 de 7).
XIV. Em suma, quanto aos painéis e vidros, tendo o tribunal a quo feito uma acertadíssima interpretação e aplicação do direito aos factos (corretamente) dados como provados.
Pretende assim que seja negado provimento ao recurso interposto pela ré.
A ré não apresentou contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se há que alterar a matéria de facto provada e não provada (recursos da autora e da ré)
II – Apurar se as infiltrações ocorridas na loja/armazém pertencente à autora são resultantes do deficiente cumprimento do contrato de empreitada por parte da ré (recurso da autora);
IIIApurar se há fundamento para a condenação da ré (empreiteira) na limpeza dos painéis da fachada do edifício e na substituição dos vidros exteriores que se encontram deteriorados (recurso da ré).
*
É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1. A A. é uma sociedade cujo objeto social é a compra e venda de automóveis e artigos para automóveis, além do equipamento de veículos automóveis de competição e organização de eventos neste ramo.
2. A Ré tem como atividade a construção civil detentora de Alvará nº …...
3. Por contrato verbal celebrado em Outubro de 2015, a Ré comprometeu-se com a A. a executar um conjunto de obras de reabilitação no imóvel propriedade da A. descrito no acordo de fls. 14 verso cujo teor se dá por reproduzido.
4. Tendo as partes convencionado que a obra ia sendo executada e paga por autos de medição, concluindo-se cada auto, era emitida a competente fatura que depois era liquidada pela A. mediante a emissão de cheques pré-datados
5. Na execução do contrato, a Ré, em 30 de Outubro de 2015, emitiu fatura nº …../… no valor de €32.205,00, emissão essa que teve por base o auto de medição de 1 de Novembro de 2015, de acordo com aquele auto a Ré executou os seguintes trabalhos: “Fornecimento e aplicação de painel de cobertura (…)”; vide doc. Fls. 21 verso, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Em Dezembro de 2015, através do auto de medição nº 2, a Ré identifica os trabalhos já medidos no auto de medição nº 1, e acrescenta: l) Fornecimento e montagem de divisórias interiores em vidro temperado, incluindo os trabalhos e acessórios necessários, contabilizando neste auto de mediação a quantia de €28.352,12 e, da qual emitiu fatura nº …../… de 30/12/2015 junta a fls. 22 verso e segs.
7. Em Janeiro de 2016, através do auto nº 3, a Ré emite a fatura nº …../…, de 29/01/2016, no valor de €17.745,28 relativo a trabalhos por si executados naquele período, onde se inclui um trabalho extra: m) Maior valia alteração e platibanda lateral; (doc de fls. 25, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
8. Em abril de 2016, mediante o auto de medição nº 4, a Ré emite a fatura nº …../.. de 29 de abril de 2016 no valor de €13.398,82, incluindo: n) Fornecimento e montagem de vidro interiores, incluindo os trabalhos necessários (Vide doc. de fls. 26 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. No âmbito do contrato, foram pela Ré fornecidos outros bens e serviços, contantes das faturas nºs …./… de 29.4.2016 no valor de 5.000,00 euros; junta a fls. 30 verso; factura …/…. A; no valor de 5.875,48 euros; junta a fls. 29 483/2016v no valor de 1835,16 euros junta a fls. 28 verso.
10. No quadro desse acordo a autora ficou, pelo menos, com um saldo devedor de €4.766,28, (vide doc. nº8) que intencionalmente não pagou.
11. A A., através do seu legal representante, e por diversas vezes, desde Outubro de 2016 insistiu com a Ré, na pessoa do Sr. E1…, no sentido de concluírem a obra,
12. No imóvel da autora existem locais onde as infiltrações de água são visíveis em particular nos espaços comerciais do rés-de-chão, 1º andar e copa.
13. Por causa da entrada de água há paredes, colunas e tetos danificados, no teto, paredes e pilar constante de fls. 71 do apenso cujo teor se dá por reproduzido.
14. Em algumas desses locais a tinta está empolada e a descascar, os danos mais relevantes na parede frontal do primeiro piso.
15. Os vidros das montras encontraram-se com resíduos no interior da caixa de ar resultantes de uma deficiente aplicação da caixilharia.
16. Os painéis frontais da montra do lado esquerdo apresentam uma mancha de dimensão significativa por má coloração que pode ser limpa.
17. Esses painéis apresentam zonas em que a caixilharia apresenta sinais de oxidação.
18. Há entrada de águas pluviais no armazém, na cozinha e loja de tal forma que são necessários vários recipientes para recolher água em diferentes pontos.
19. A autora viu-se obrigada a proceder a aberturas de buracos no pladur do teto para que a água não se espalhasse.
20. O pladur encontra-se danificado por causa das infiltrações de água.
21. Devido a essa infiltração a pintura apresenta anomalias em vários locais em particular no 1º piso.
22. O motivo para a existência de uma quantidade significativa de água resulta de anomalias nos tubos de queda e/ou caixas de ligação, em pontos específicos onde se localizam na cobertura os algerozes e ligação aos tubos de queda (locais para onde é dirigida a água da cobertura), os quais estão embebidos o que prejudica a inspeção em caso de anomalia a reparação.
23. Será necessário reparar, nos dois pisos os tetos e paredes de pladur incluindo pintura e rectificar estruturas de montagem de teto e pintura.
24. As principais infiltrações estão localizadas na fachada norte e sul.
25. É necessário reparar as anomalias, a manter-se a situação pode estar comprometidas a segurança para os utilizadores ao nível da instalação eléctrica e a degradação prejudica a imagem comercial da autora.
26. Foi apresentado um orçamento para substituição dos vidros referidos em 15) a fls. 56 no valor de 6500 euros com iva.
27. Foi apresentado um orçamento para reparação dos tetos danificados no imóvel da autora no valor global de 6800 euros conforme documento de fls. 17.
28. A A. solicitou a uma empresa idónea orçamento para reparar o telhado e os estragos provocados pelas infiltrações, de acordo com orçamento apresentado, o valor da reparação será de €39.301,81, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, conforme documento de fls. 50.
29. A autora enviou à ré a carta de fls. 31, que esta recebeu, cujo restante teor se dá por reproduzido na qual fixou o prazo de 16.12.2017 para “realização das obras”.
30. Em Junho de 2017 a autora enviou à ré a carta de fls. 32 que esta recebeu na qual alega que reapareceram e são visíveis sinais de humidade, empolamento de tintas e quando chove entra água no armazém.
31. No dia 13 de Junho de 2017, via correio electrónico, a autora enviou à ré um relatório de patologias denunciando defeitos que considerava serem da sua responsabilidade – cfr. doc. n.º 1 da contestação.
32. A estrutura metálica da obra e os caleiros não sofreram qualquer intervenção por parte da ré.
33. As infiltrações verificadas em obra, melhor descritas no relatório junto pela autora, encontram-se nas zonas de emenda dos caleiros, que a ré não alterou.
34. Não é da responsabilidade da ré a reparação de pavimentos exteriores ou de revestimentos de massas das paredes interiores.
35. A ré sempre alertou a autora para a necessidade de ter mais saídas de água, o que esta negava.
36. A ré sempre se disponibilizou para fazer as reparações e afinações que eram, efetivamente, da sua responsabilidade.
37. Autora e ré trocaram entre si os emails de fls. 70 a 72 verso cujo restante teor se dá por reproduzido.
38. No dia 10 de Julho de 2017, a ré executou a retificação das vedações dos caixilhos do piso 0 e piso 1, fixou o perfil de remate e pintou o portão que se encontrava solto, reviu a pintura dos perfis verticais de remate e dos painéis de fachada e retificou o telhado – cfr. doc. n.º 1 e 2 da contestação.
39. Por carta de fls. 33 cujo teor se dá por reproduzido em 21.7.2017 a autora exigiu a reparação “Coluna ao nível do piso superior com acabamento deficiente; 2. Painéis de revestimento exterior riscados e já com sinais evidentes de oxidação; 3. Painéis da fachada inacabados, faltando a sua limpeza; e, 4. Sujidade no interior dos vidros frontais”.
40. Desde aí a Ré não mais se deslocou à obra.
41. A reparação da causa das infiltrações é urgente.
42. Os danos identificados no imóvel e, as situações nelas detetadas, são consequência da inadequação das caleiras (número ou caudal) existentes no telhado.
43. Por forma a operar a correção das infiltrações dever-se-á proceder à desmontagem de revestimentos existentes, remontagem de revestimentos para permitir a correta vedação da cobertura, remates de cobertura e fachada novos.
44. Para reparar os danos causados pelos defeitos construtivos e suas reparações, terá que se proceder à reparação nos dois pisos nos tetos de pladur e paredes, incluindo pintura, ao nível do rés-do-chão e 1º andar; é necessário cortar teto danificado, retificar estruturas montagem de teto e pintura, incluindo das paredes.
45. Na acção 99588/17 que a ré intentou contra a autora foi proferida a decisão de fls. 142 e segs., cujo restante teor se dá por reproduzido.
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Foram dados como não provados os seguintes factos:
- Que a causa das infiltrações seja o telhado ou os trabalhos realizados pela ré;
- Que as inadequadas obras de reparação desses defeitos que a Ré vem levando a cabo durante o ano de 2017 foram a causa das infiltrações;
- Que a maior parte dos buracos situam-se na zona da loja, o que é esteticamente feio para os clientes que ali se deslocam e cria péssima imagem à A.;
- Que todo o imóvel apresenta cheiro a mofo;
- Que o valor em dívida da autora seja apenas o por esta alegado.
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Passemos à apreciação do mérito dos recursos.
I Apurar se há que alterar a matéria de facto provada e não provada
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Neste contexto, entendemos não existir razão para dissentir no essencial da convicção probatória formada pela 1ª Instância e devidamente expressa na sentença recorrida em sede de motivação da decisão de facto.
Há, contudo, que alterar a redação do nº 38 da matéria de facto provada [No dia 10 de Julho de 2017, a ré executou a retificação das vedações dos caixilhos do piso 0 e piso 1, fixou o perfil de remate e pintou o portão que se encontrava solto, reviu a pintura dos perfis verticais de remate e dos painéis de fachada e retificou o telhado], de modo a compatibilizá-la com o mail de fls. 72v remetido pela ré à autora e do qual não consta a retificação do telhado entre os trabalhos efetuados a título retificativo com referência à data de 10.7.2017.
Assim, esta redação passará a ser a seguinte:
“No dia 10 de Julho de 2017, a ré executou a retificação das vedações dos caixilhos do piso 0 e piso 1, fixou o perfil de remate, pintou o portão que se encontrava solto e reviu a pintura dos perfis verticais de remate e dos painéis de fachada.”
2. Passando à impugnação fáctica levada a cabo pela ré, que pretende que se considere provado que emitiu uma nota de crédito a favor da autora, no montante de 3.000,00€, para compensação de danos sofridos por esta no que tange aos painéis da fachada e aos vidros, há a referir que não há fundamento para a mesma.
Com efeito, por um lado, não se trata de matéria factual que tenha sido alegada pela ré na sua contestação e, por outro, a consideração da nota de crédito junta a fls. 155 sempre será possível face ao teor do nº 45 da factualidade assente, onde se deu como reproduzido o teor da sentença proferida na acção nº 99588/17.7 YIPRT, sendo que desta consta como nº 4 o seguinte facto: “Relativamente à factura melhor identificada na alínea a) do ponto anterior foi emitida pela A. nota de crédito a favor da ré no respectivo montante de 3.000,00€ e a ré liquidou o remanescente.”
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II - Apurar se as infiltrações ocorridas na loja/armazém pertencente à autora são resultantes do deficiente cumprimento do contrato de empreitada por parte da ré
1. Entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de empreitada, o qual é legalmente definido como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.» - cfr. art. 1207º do Cód. Civil.
Na execução da obra o empreiteiro deve executá-la em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – cfr. art. 1208 do Cód. Civil.
O empreiteiro está pois adstrito a realizar uma obra, a obter certo resultado em conformidade com o convencionado e sem vícios. Em suma, o contrato deve ser cumprido pontualmente (art. 406º do Cód. Civil) e de boa fé (art. 762º, nº 2 do Cód. Civil).[2]
Ocorrerá, porém, uma situação de cumprimento defeituoso sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada nos termos devidos; isto é, quando o cumprimento efetuado não corresponda à conduta devida. Ora, na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou com vícios.[3]
Neste ponto impõe-se atentar no disposto no art. 799º, nº 1 do Cód. Civil, onde se diz que «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Assim, baseando-se a responsabilidade do empreiteiro na culpa, haverá que ter em consideração a presunção de negligência do devedor, contida no citado art. 799º, nº 1, de tal forma que provado o defeito e a sua gravidade, prova que incumbe ao dono da obra (art. 342º, nº 1 do Cód. Civil)[4], presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro.[5]
Conforme escreve Cura Mariano[6], citado na sentença recorrida, “o estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal da ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas de verificação do incumprimento.”
Por seu turno, Pires de Lima e Antunes Varela[7] escrevem que “só o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como os motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado.”
Neste contexto, cabe concluir que ao dono da obra basta alegar e provar a existência do defeito, mesmo sem ter que provar a sua causa, ficando o empreiteiro com o ónus de alegar e provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua para afastar a responsabilidade.[8]
Regressando ao caso dos autos, o que se verifica é que a ré (empreiteira) demonstrou que as infiltrações de água, que originaram danos no interior da loja/armazém pertencente à autora, são consequência da inadequação das caleiras (número ou caudal) existentes no telhado, as quais não permitem a captação da totalidade das águas pluviais.
Ou seja, parte substancial dos defeitos reclamados pela autora decorrem de uma situação pré-existente relativa às caleiras, que não foram objeto de qualquer intervenção por parte da ré e que, apesar da renovação do espaço, se mantiveram idênticas (cfr. nºs 22, 32, 33 e 42).
2. Sucede, porém, que derivados da boa fé podem detetar-se certos deveres laterais que impendem sobre o empreiteiro. Com efeito, o contrato de empreitada pressupõe, as mais das vezes, a existência de uma relação de confiança, por força da qual podem emergir deveres de esclarecimento, de conselho, de cuidado, de segurança, etc.
Os deveres de esclarecimento e de conselho, que variam substancialmente em função das circunstâncias, advêm do facto de o empreiteiro, sendo um técnico na matéria, conhecer as consequências e a melhor forma de obter o resultado pretendido.[9]
Por conseguinte, não sendo objeto da empreitada a reparação das caleiras, impor-se-ia que a ré, como empreiteira, advertisse a autora quanto à sua inadequação, decorrendo esta advertência daquele dever lateral de boa fé que sempre impende sobre o empreiteiro nas suas relações com o dono da obra.
Aliás, se a intervenção se concretiza, em larga medida, no telhado do edifício o seu objetivo fundamental seria o de evitar a entrada da chuva, de tal modo que a obra se revelaria como manifestamente inútil se esse telhado não lograsse impedir tal entrada.
A advertência do empreiteiro no sentido do aumento das caleiras era, por isso, inteiramente justificada.
Só que a realização dessa advertência mostra-se comprovada, conforme resulta do nº 35 da factualidade assente, onde se deu como provado que a ré sempre alertou a autora para a necessidade de ter mais saídas de água, o que esta negava.
Deste modo, há que julgar improcedente o recurso interposto pela autora.
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III - Apurar se há fundamento para a condenação da ré (empreiteira) na limpeza dos painéis da fachada do edifício e na substituição dos vidros exteriores que se encontram deteriorados
Sustenta a ré na sua alegação recursiva que emitiu uma nota de crédito no valor de 3.000,00€ para compensação dos danos sofridos pela autora em relação aos painéis da fachada e aos vidros e que eliminou na totalidade os defeitos da sua responsabilidade em Julho de 2017, o que imporia a total improcedência da acção.
Acontece que da sentença recorrida resulta que os vidros das montras se encontram com resíduos no interior da caixa de ar resultantes de uma deficiente aplicação da caixilharia (nº 15), os painéis frontais apresentam uma mancha de dimensão significativa por má coloração que pode ser limpa (nº 16) e esses painéis têm também zonas em que a caixilharia apresenta sinais de oxidação (nº 17).
Concluiu-se, por isso, que no tocante aos vidros e às manchas nos painéis o defeito está demonstrado sem qualquer causa eximente, o que conduziu à condenação da ré nos termos já referidos.
Vejamos então.
Quanto à nota de crédito no valor de 3.000,00€ nada autoriza a que se conclua que a mesma foi emitida pela ré para compensar danos sofridos pela autora relativos aos painéis da fachada e a vidros, uma vez que da sentença proferida no processo com o nº 99588/17.7 YIPRT [dada como reproduzida no facto nº 45] decorre que a sua emissão se conexionou com a fatura nº …../…, no valor de 5.875,48€, vencida desde 28.8.2016, sendo que esta fatura (fls. 157) não se reporta nem a vidros nem a painéis.
Por outro lado, também não se pode ignorar que para substituição dos vidros foi apresentado um orçamento no valor de 6.500,00€ com IVA (cfr. nº 26), donde flui que os referidos 3.000,00€ nunca seriam suficientes para compensar os danos referentes aos vidros e aos painéis.
Prosseguindo, no que concerne à eventual sanação dos defeitos, há a salientar que embora se tenha dado como provado que, nesse sentido, ocorreram intervenções da ré, certo é que subsistem defeitos por reparar, mais concretamente os que respeitam aos vidros das montras e aos painéis frontais (mancha e sinais de oxidação) – cfr. nºs 15, 16 e 17.
Como tal, mostra-se acertado o decidido pela 1ª Instância, que determinou a condenação da ré, por um lado, na limpeza dos painéis da fachada do edifício, eliminando a mancha e os elementos de oxidação, e, por outro, na substituição dos vidros exteriores que se encontram deteriorados com sujidade, no número e na dimensão que constam de fls. 56v (facto nº 26).
Improcede pois o recurso interposto pela ré.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pela autora “C…, Lda.” e pela ré “B…, SA” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas dos recursos a cargo dos apelantes.

Porto, 28.4.2020
Rodrigues Pires
Márcia Portela
José Igreja Matos
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[1] Constata-se aqui um lapso na sequência das conclusões, com repetição das letras D e E.
[2] Cfr. Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, Almedina, 2ª ed., pág. 380.
[3] Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 468.
[4] Cfr. Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. III, 5ª ed., pág. 543.
[5] Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 472.
[6] In “A Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, 7ª ed., pág. 70.
[7] In “Código Civil Anotado”, vol. III, 3ª ed., pág. 55.
[8] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 6.9.2011, proc. 1883/04.0TBLRA.C1, relator Manuel Capelo, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 385/386.