Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
888/22.4T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
CONSTITUIÇÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
CONSTITUIÇÃO POR USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP20240606888/22.4T8AMT.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A questão é essencialmente factual, passando por julgar a divergência na valoração da prova.
Na reapreciação, não encontramos elementos convincentes para alterar o decidido.
II - A usucapião, e a destinação do pai de família constituem formas originárias não negociais de constituição de servidões.
III - A servidão por destinação de pai de família ocorre, se os dois prédios se separarem, e passarem a ser de proprietários diferentes, se ocorrerem os seguintes requisitos: a) Os dois prédios ou frações de um só prédio tenham pertencido ao mesmo proprietário; b) exista uma relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes e c) separação dos prédios em relação ao domínio e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação.
IV - A declaração em contrário constante do documento tem que ser expressa, ou objectiva.
V - A servidão constituída por destinação de pai de família, devido a sua natureza voluntária, não se extingue por desnecessidade. Apenas as servidões constituídas por usucapião e as servidões legais, podem extinguir-se por desnecessidade.
VI - Continua a ser francamente predominante na doutrina e praticamente uniforme na jurisprudência o entendimento de que a servidão por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 888/22.4T8AMT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Cível de ...


Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. João Maria Espinho Venade
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª. Isabel Silva

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



I- RELATÓRIO

O autor AA intentou acção comum contra BB e mulher CC (1º réus) e contra DD e mulher EE, (2 réus) pedindo que os réus sejam condenados a:
1- Reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário do prédio identificado no art. 1.º da petição inicial;
2- Reconhecer que, há mais de 60 anos, existe, a favor do prédio do autor, uma servidão de passagem, a pé, de veículo automóvel e agrícola, constituída por destinação de pai de família, nos termos do art. 1549 do CC;
3- Reconhecer que o caminho se inicia na Rua ... e se prolonga em paralelo à mesma, atravessando na extrema poente, os prédios dos réus, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento, até ao prédio do autor, tendo uma bifurcação a nascente, em direcção à casa do 1.º réu BB, com a largura de 4 metros e 30 metros de comprimento, num percurso em linha recta, em terra batida, paralelo ao prédio do autor e que lhe dá o acesso à casa e logradouro, a pé e de veículo automóvel e agrícola:
4- A respeitar a servidão de passagem pelo caminho, abstendo-se de praticar qualquer acto que limite ou impeça o seu exercício pelo autor, seu agregado familiar e por quem queira deslocar- se a sua casa, removendo o portão;
Caso assim, não se entenda;
5- A ver reconhecida a existência de servidão de passagem, a favor a prédio do autor, constituída por usucapião, sobre o caminho identificado nos arts. 10 e 11 da petição inicial e que atravessa os prédios dos réus;
6- A reconhecer e a respeitar a servidão de passagem a favor do prédio do autor, abstendo-se da prática de actos que impeçam ou perturbem o seu exercício, removendo o portão que se encontra colocado junto à Rua ...,
7- Em ambas as hipóteses, com a cominação ao réu de, não o fazendo, no prazo de 1 dia após o trânsito em julgado da decisão, serem condenados no pagamento de € 100 euros, por cada dia de atraso.
Invoca na petição inicial, em resumo que encontra-se registado a favor do autor AA, solteiro, maior, por partilha da herança de FF e mulher GG, pela Ap....51 de 21/06/2021, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, com logradouro e dependência, com a área coberta de 106 m2 e descoberta de 1.069 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...15 e descrito sob o n.º ...49.
- Encontra-se registado a favor do 1.º réu BB, casado com a 1.ª ré CC, pela Ap. ...15 de 11/11/2019, por sucessão hereditária e partilha por óbito de FF e mulher GG, o prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro, com a área coberta de 44,5 m2 e descoberta de 1.192,5 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...44 e descrito sob o n.º ...39.
- Encontra-se registado a favor do 2.º réu DD, casado com EE, pela Ap....98 de 27/09/2019, por partilha por óbito de FF e mulher GG, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro com a área coberta de 170,64 m2 e descoberta de 1.008,36 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...28, descrito sob o n.º ...28.
- O autor e os réus maridos são irmãos e todos adquiriram os seus prédios na partilha por óbitos dos pais FF e mulher GG.
- O prédio do autor foi adquirido pelos pais em 1955, apesar do registo em seu nome ter ocorrido apenas em 1963, aí tendo construído a sua casa de habitação e onde passaram a residir. Os restantes prédios pertença dos falecidos foram adquiridos durante essa década e confrontam entre si.
- O autor, tal como os seus pais já o faziam, usa a casa e o terreno, há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem interrupção ou oposição, com a convicção de ser o único dono e de a ninguém prejudicar.
- Os pais do autor eram também donos de mais 2 prédios, inscritos na matriz com os artigos ...12 e ...55, que foram adquirindo na década de 50, e que figuram na relação de bens do inventário.
- Para circular pelos 5 prédios, contíguos entre si, os pais rasgaram uma faixa de terreno por onde acediam aos prédios, onde cultivavam produtos hortícolas, cereais, oliveiras, árvores de fruta, vinho e criavam gado;
- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento;
- Sensivelmente a meio do leito do caminho, existe uma bifurcação para nascente, dando acesso à casa do 2.º réu DD, em linha recta e em paralelo ao prédio do autor;
- A bifurcação, configura uma inclinação com 4 metros de largura e 30 metros de comprimento;
- O autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus;
- Não existindo outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas;
- O caminho sempre foi usado pelos seus pais desde que adquiriram todos os prédios e. passaram a residir na casa do autor e a cultivar todos os prédios;
- O caminho já consta na declaração emitida pela Câmara Municipal de ..., em 6/09/1976, a propósito das negociações para a cedência de terreno para a construção da Rua ...;
- É ladeado por vegetação rasteira, algumas árvores e um muro de suporte de terras do lado esquerdo, com cerca de 20 metros de comprimento, até à bifurcação;
- O seu leito está pisado e despido de vegetação, com marcas de trânsito de rodados de veículos e de passagem a pé;
- O caminho era usado pelos pais do autor para aceder aos prédios dos réus, onde cultivavam vinha em ramada, milho, batatas e centeio e onde criavam galinhas, coelhos, vacas e ovelhas;
- Os pais do autor faziam a vindima todos os anos e transportavam as uvas em carro de bois e a pé, pelo caminho, para a prensa e lagar situados no prédio que é hoje do autor, onde produziam o vinho para seu consumo;
- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os prédios;
- O caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor;
- No seu início, junto à Rua ..., foi colocado um portão em madeira, pelo pai do autor, com um fecho que bastava levantar para abrir;
- Os réus substituíram o portão de madeira por outro em metal, de duas folhas;
- Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho.
Os réus contestaram a acção, onde se defenderam por impugnação tendo os 1.ºs réus BB e mulher CC formulado reconvenção, onde peticionaram que a servidão de passagem a favor do prédio do autor seja extinta por desnecessidade, sendo o autor condenado a não utilizar tal servidão de passagem e a passar a aceder ao seu prédio pela estrada municipal com a qual confronta e tendo os 2.ºs réus invocado o abuso de direito por o autor dispor de acesso próprio pelo seu prédio para a Rua ....
Foi elaborado o despacho-saneador nos seguintes termos, transcrevendo-se apenas parcialmente o seu teor, dada a impugnação á matéria de facto e referências na sentença recorrida aos temas de prova: «…
Admito a reconvenção formulada pelos 1.ºs réus BB e mulher CC por a mesma se basear nas causas de pedir da acção e da defesa – art. 266 n.º 2 alínea a) do CPC. Nesta decorrência, a acção assume agora o valor de € 16.000 euros.
Notifique.
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Objecto do Litígio: Apurar da existência/constituição do direito de servidão de passagem a favor do prédio dos autores, na positiva, aquilatar da obrigação do pedido de extinção da servidão de passagem por desnecessidade e da vinculação do autor a deixar de utilizar o caminho, passando a aceder ao seu prédio pela Estrada Municipal, com a qual, o mesmo confina.
TEMAS DA PROVA
1- Para circular pelos 5 prédios, contíguos entre si, os pais rasgaram uma faixa de terreno por onde acediam aos prédios, onde cultivavam produtos hortícolas, cereais, oliveiras, árvores de fruta, vinho e criavam gado;
2- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento;
3- Sensivelmente a meio do leito do caminho, existe uma bifurcação para nascente, dando acesso à casa do 2.º réu DD, em linha recta e em paralelo ao prédio do autor;
4- A bifurcação, configura uma inclinação com 4 metros de largura e 30 metros de comprimento;
5- O autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus;
6- Não existindo outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas;
7- O caminho sempre foi usado pelos seus pais desde que adquiriram todos os prédios e. passaram a residir na casa do autor e a cultivar todos os prédios;
8- O caminho já consta na declaração emitida pela Câmara Municipal de ..., em 6/09/1976, a propósito das negociações para a cedência de terreno para a construção da Rua ...;
9- É ladeado por vegetação rasteira, algumas árvores e um muro de suporte de terras do lado esquerdo, com cerca de 20 metros de comprimento, até à bifurcação;
10- O seu leito está pisado e despido de vegetação, com marcas de trânsito de rodados de veículos e de passagem a pé;
11- O caminho era usado pelos pais do autor para aceder aos prédios dos réus, onde cultivavam vinha em ramada, milho, batatas e centeio e onde criavam galinhas, coelhos, vacas e ovelhas;
12- Os pais do autor faziam a vindima todos os anos e transportavam as uvas em carro de bois e a pé, pelo caminho, para a prensa e lagar situados no prédio que é hoje do autor, onde produziam o vinho para seu consumo;
13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os prédios;
14- O caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor;
15- No seu início, junto à Rua ..., foi colocado um portão em madeira, pelo pai do autor, com um fecho que bastava levantar para abrir;
16- Os réus substituíram o portão referido em 15 por outro em metal, de duas folhas;
17- Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho;*
18- O prédio do autor confronta do norte com o 2.º réu DD, do sul e nascente com HH e do poente com a Estrada Municipal (Rua ...);
19- Os pais do autor eram os donos, além dos prédios do autor e réus, do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...55, (hoje da irmã de autor e réus HH) sendo todos eles contíguos;
20- No exercício das suas funções de cabeça de casal, a HH verificou a desconformidade das inscrições matriciais com a realidade dos prédios, decorrentes de alterações não comunicadas à matriz e da construção da estrada que liga a Jazente a ..., tendo ordenado a realização de levantamento topográfico de todos os prédios e procedido à actualização das inscrições matriciais, rectificando as suas composição, área e confrontações;
21- O processo de inventário decorreu já com as descrições matriciais e prediais actualizadas, incluindo o prédio do autor relacionado como verba n.º 4 composta de “prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Jazente no artigo ...15 constituído por três andares e com um poço que abastece de água os prédios inscritos na matriz predial urbana da sobredita freguesia com os n.º ...28 e ...44, sito na Rua ..., ... ..., o qual, confronta de Norte, Sul e Nascente com os proprietários e a Poente com Estrada, com uma área total de 1175 m2, sendo 192 m2 de área bruta de construção, 91,4 m2 de área bruta dependente e 106 m2 de área bruta privativa.”;
22- A demarcação e delimitação de todos os prédios no levantamento topográfico, por acordo de todos os interessados visou assegurar que todos os prédios ficavam a confinar com a via pública e que o acesso aos mesmos era feito directamente através da Rua ...;
23- Por acordo de todos os interessados o prédio do autor mantinha o acesso directo à via pública e não através de qualquer caminho através dos prédios dos réus;
24- Após a partilha, os réus e os demais irmãos a quem foram adjudicados prédios procederam ao fecho e vedação dos seus prédios;
25- O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...) que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro:
26- O prédio do primeiro réu BB referido em B destina-se à sua habitação familiar e está todo vedado/murado;
27- Os 1.ºs réus estão emigrados em França e teriam de se sujeitar a ver os seus portões abertos e o seu prédio franqueado ao autor e a quem se dirigisse ao seu prédio;
28- O prédio do autor confronta em mais de 30 metros com a via pública (Rua ... para a qual tem aberturas e portões que permitem o acesso pedonal e de veículos;*..»
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo-se realizado inspeção ao local.
No auto de inspeção ao local consta seguinte: «…AUTO DE INSPECÇÃO AO LOCAL
Chegados ao local, verificamos a existência do número de policia ...81..., que está aposto, na entrada e que foi atribuído à casa do autor referida em A dos factos assentes, tal entrada e portão acesa para o prédio do segundo réu, referido em C dos factos assentes e para o prédio dos primeiros réus, referido em B dos factos assentes, cujas casas se situam numa elevação à esquerda do referido portão.
Segundo a tese dos réus, ao autor não assiste o direito de utilizar a faixa do caminho que se inscreve para além do referido portão, onde estão apostas as três caixas de correio com os dizeres identificativos do prédio do autor e dos dois réus.
Percorrida a faixa litigiosa, deparam-se, após uma curva à esquerda, as três casas das partes, sendo a do autor a da direita, referida em A dos factos assentes, a do centro a casa do segundo réu referida em C dos factos assentes e à esquerda a casa do primeiro réu, referida em B dos factos assentes.
Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos.
Verificou-se ainda, que, o logradouro situado após o portão do autor, ao nível da entrada, pertence ao autor, embora, como se disse, a casa do mesmo esteja edificada num socalco com cerca de 1,5 metros.
Percorrida a rampa situada ao lado do dito socalco, constata-se existir um logradouro para o qual deitam as portas principais da casa do autor e que está situado no muro que sustenta tal socalco/patamar.
Do lado oposto às portas da casa do autor, existe uma leira encimada por um muro de suporte de terras e que é fronteira com o prédio da irmã HH. Após essa leira, existe outra parcela de terreno destinada a cultivo e que tem também um pequeno portão ao nível da Rua ..., no ângulo esquerdo do prédio, a partir da casa do autor.
Finda a inspecção ao local pelas 10.35 horas, pela Mm.ª Juiz foi ordenado o regresso ao Tribunal, para produção de alegações finais…»

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Na sentença recorrida foi decidido: «… IV DISPOSITIVO:
I. Em conformidade como acima exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em decorrência, condeno os réus a:
1- Reconhecer que o autor é dono e legítimo proprietário do prédio identificado no art. 1.º da petição inicial;
2- Reconhecer que, há mais de 60 anos, existe, a favor do prédio do autor, uma servidão de passagem, a pé, de veículo automóvel e agrícola, constituída por destinação de pai de família, nos termos do art. 1549 do CC;
3- Reconhecer que o caminho se inicia na Rua ... e se prolonga em paralelo à mesma, atravessando na extrema poente, os prédios dos réus, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento, até ao prédio do autor, tendo uma bifurcação a nascente, em direcção à casa do 1.º réu BB, com a largura de 4 metros e 30 metros de comprimento, num percurso em linha recta, em terra batida, paralelo ao prédio do autor e que lhe dá o acesso à casa e logradouro, a pé e de veículo automóvel e agrícola:
4- A respeitar a servidão de passagem pelo caminho, abstendo-se de praticar qualquer acto que limite ou impeça o seu exercício pelo autor, seu agregado familiar e por quem queira deslocar- se a sua casa, entregando aos autores um duplicado da chave do portão, ou, permitindo a extracção de uma cópia da chave, pelo autor.
Absolvo os réus dos restantes pedidos.
Custas da acção, na proporção de ¾ para os réus e ¼ para o autor, sem prejuízo da dispensa de elaboração da conta.
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II. Julgo a reconvenção improcedente, por não provada e absolvo o autor/reconvindo do pedido reconvencional formulado pelos 1.ºs réus.
Custas da reconvenção a cargo dos 1.ºs réus, sem prejuízo da dispensa de elaboração da conta.
Registe e notifique…..»(sic).
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Inconformados com tal decisão, vieram os réus BB e CC interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.
Os 1º réus com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«… CONCLUSÕES
I- OS AQUI RECORRENTES NÃO CONCORDAM COM A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
II - NÃO SE CONFORMANDO COM O DOUTAMENTE DECIDIDO, OS APELANTES INTERPÕEM O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, QUE VERSA SOBRE AS SEGUINTES QUESTÕES:
1) ERRO DE JULGAMENTO:
a. AO CONSIDERAR COMO PROVADA A MATÉRIA DOS FACTOS CONSTANTES DOS PONTOS 5, 6 E 17.
b. AO DAR COMO NÃO PROVADOS A MATÉRIA DOS FACTOS CONSTANTES DOS PONTOS 22, 23 E 24 DOS TEMAS DE PROVA.
2) INCORRECTA SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS AO DIREITO.
III - O QUE INQUINA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, HAVENDO, ENTRE O MAIS, NULIDADE DA SENTENÇA E ERRO DE JULGAMENTO.
IV - PARA CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 640.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, INDICAM-SE COMO PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA AS SEGUINTES
- DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS CUJAS GRAVAÇÕES ENCONTRAM-SE MELHOR IDENTIFICADAS NA MOTIVAÇÃO DO PRESENTE RECURSO, PARA A QUAL REMETEMOS
- PROVA DOCUMENTAL JUNTA AOS AUTOS
V - ENQUANTO OS DOIS PRÉDIOS OU AS DUAS FRACÇÕES PERTENCEM AO MESMO DONO, NÃO SE PODE FALAR, EM SERVIDÃO, EXISTINDO APENAS UMA SITUAÇÃO DE FACTO QUE NÃO TEM QUALQUER SIGNIFICADO JURÍDICO, POIS O PROPRIETÁRIO AO GOZAR AS UTILIDADES, USA DO DIREITO DE DOMÍNIO E NÃO DO DIREITO DE SERVIDÃO.
VI - O TRIBUNAL AD QUO DEU COMO PROVADO QUE “6) NÃO EXISTINDO OUTRO ACESSO MAIS RÁPIDO E CÓMODO QUE PERMITA A CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS, AUTOMÓVEIS OU AGRÍCOLAS, PARA AS SUAS CASAS;” E MAIS ADIANTE CONCLUIU QUE “22) O PRÉDIO DOS AUTORES TEM ACESSO DIRECTO À VIA PÚBLICA (Rua ...), QUE SE PROCESSA ATRAVÉS DE DOIS PORTÕES, UM PARA ACESSO AUTOMÓVEL COM CERCA DE 3 METROS E OUTRO PARA ACESSO PEDONAL COM CERCA DE 1 METRO”.
VII - TAIS CONCLUSÕES FACTUAIS SÃO CONTRADITÓRIAS, POIS POR UM LADO AFIRMA-SE QUE O PRÉDIO DO AUTOR NÃO TEM OUTRO ACESSO E MAIS ADIANTE CONCLUI-SE QUE TEM ACESSO DIRECTO À VIA PÚBLICA PARA ACESSO AUTOMÓVEL E PARA ACESSO PEDONAL.
VIII - FACE À CONTRADIÇÃO EXISTENTE ENTRE A FACTUALIDADE DADA COMO APURADA E A PROVA QUE CONSTA DOS AUTOS IMPÕE-SE QUE SE CONSIDERE COMO NÃO PROVADA A FACTUALIDADE VERTIDA NO ARTIGO 6.º DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS.
IX – O TRIBUNAL AD QUO DEU COMO PROVADO NO ARTIGO 5.º QUE “O AUTOR SERVE-SE DESSE CAMINHO PARA TER ACESSO À SUA CASA, TAL COMO JÁ O FAZIAM OS SEUS PAIS, ONDE MORARAM ATÉ FALECER E O MESMO, SUCEDE COM OS RÉUS.
X - O PRÓPRIO AUTOR AO INTENTAR A ACÇÃO PARA LHE SER RECONHECIDO O DIREITO E OS RÉUS OBRIGADOS A PERMITIR A PASSAGEM, CONFESSA QUE OS RÉUS NÃO PERMITIRAM, NEM PERMITEM QUE O AUTOR POR ALI CIRCULASSE.
XI - LOGO APÓS A DIVISÃO E PORQUE TAL FOI ACORDADO E PRESSUPOSTO DA PARTILHA, CADA UM DOS NOVOS PROPRIETÁRIOS PASSOU A SERVIR-SE PELO SEU TERRENO PARA ACEDER À VIA PÚBLICA.
XII - A RECOMPOSIÇÃO PREDIAL DE TODOS OS PRÉDIOS, OPERADA PELA CABEÇA DE CASAL VISOU PERMITIR QUE TODOS OS PRÉDIOS FICASSEM COM ACESSO DIRECTO À VIA PÚBLICA.
XIII – NENHUMA DAS TESTEMUNHAS INQUIRIDAS CONFIRMOU QUE APÓS AS PARTILHAS O AUTOR CONTINUASSE A UTILIZAR O CAMINHO PARA ACEDER AO SEU PRÉDIO
XIV - SE ATENTARMOS NA GLOBALIDADE DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELAS TESTEMUNHAS E NOS TRECHOS SUPRA APONTADOS, RESULTA CLARAMENTE QUE O TRIBUNAL AD QUO NÃO TINHA SUPORTE FÁCTICO PARA DAR COMO APURADO A FACTUALIDADE VERTIDA NO ARTIGO 5.º DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS
XV - PELO QUE A MATÉRIA DE FACTO CONSTANTE DO FACTO PROVADO NO ARTIGO 5 DEVE SER OBJECTO DE REAPRECIAÇÃO POR VOSSAS EXCELÊNCIAS JULGANDO-SE COMO NÃO PROVADO
XVI - ENTENDEU O TRIBUNAL AD QUO QUE FICOU PROVADO QUE “17) EM 23 DE MAIO DE 2022, OS RÉUS FECHARAM O PORTÃO À CHAVE IMPEDINDO QUE O AUTOR ACEDA À SUA CASA PELO
CAMINHO;”
XVII - DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO NÃO SE VISLUMBRA COMO CONSEGUIU O TRIBUNAL APURAR TAL FACTUALIDADE E CONCRETAMENTE O DIA QUE ALI FEZ CONSTAR.
XVIII – NENHUMA DAS TESTEMUNHAS INQUIRIDAS REFERIU O DIA OU CONFIRMOU TAL FACTO.
XIX - PELO QUE A MATÉRIA DE FACTO AQUI COLOCADA EM CRISE - FACTO PROVADO NO ARTIGO 17 - DEVE SER OBJECTO DE REAPRECIAÇÃO POR VOSSAS EXCELÊNCIAS JULGANDO-SE COMO NÃO PROVADO
XX – O TRIBUNAL AD QUO DEU COMO NÃO PROVADOS OS FACTOS CONSTANTES DOS ARTIGO 21, 22 E 23 DA BASE INSTRUTÓRIA
XXI - PARA DAR COMO NÃO PROVADOS ESSES FACTOS, A MERITÍSSIMA JUIZ AD QUO FUNDAMENTA A SUA DECISÃO NO FACTO DOS IRMÃOS QUE TESTEMUNHARAM SOBRE ESSA FACTUALIDADE ESTAREM DESAVINDOS COM O AUTOR.
XXII - O DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS II E HH RESULTAM SUSTENTADOS PELOS DOCUMENTOS JUNTOS AOS AUTOS, SEGUNDO O PONTO DE VISTA DE UM HOMEM DE FORMAÇÃO MÉDIA, A LÓGICA MAIS ELEMENTAR E AS REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM.
XXIII - ANTES DA DIVISÃO DOS PRÉDIOS, A TESTEMUNHA HH, ENQUANTO CABEÇA DE CASAL TER AJUSTADO A COMPOSIÇÃO DOS PRÉDIOS NO SENTIDO DE TODOS TEREM ACESSO DIRECTO E IMEDIATO À VIA PÚBLICA CONFIRMAM O SEU DEPOIMENTO E A FACTUALIDADE QUE SE PRETENDE VER DADA COMO PROVADA
XXIV – TENDO SIDO DADO COMO PROVADO NO ARTIGO 21.º QUE O PRÉDIO HOJE DO AUTOR TEM “UM POÇO QUE ABASTECE DE ÁGUA OS PRÉDIOS INSCRITOS NA MATRIZ PREDIAL URBANA DA SOBREDITA FREGUESIA com os n.º ...28 e ...44”, PRÉDIOS ESTES HOJE PERTENCENTES AOS RÉUS, CASO FOSSE PARA “MANTER” AS PASSAGENS POR TERRENO ALHEIO, TAL SERIA PLASMADO.
XXV - PELO QUE A MATÉRIA DE FACTO DOS ARTIGO 21, 22 E 23 DA BASE INSTRUTÓRIA DEVE SER OBJECTO DE REAPRECIAÇÃO POR VOSSAS EXCELÊNCIAS JULGANDO-SE COMO PROVADOS.
XXVI – SÃO PRESSUPOSTOS DA CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA:
- QUE OS DOIS PRÉDIOS EM CAUSA OU AS DUAS FRACÇÕES DO PRÉDIO TENHAM PERTENCIDO AO MESMO PROPRIETÁRIO;
- QUE EXISTAM SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES QUE REVELEM INEQUIVOCAMENTE UMA RELAÇÃO ESTÁVEL DE SERVENTIA DE UM PRÉDIO PARA COM O OUTRO;
- QUE OS PRÉDIOS OU AS FRACÇÕES DO PRÉDIO SE SEPAREM QUANTO AO SEU DOMÍNIO E NÃO HAJA NO DOCUMENTO RESPECTIVO NENHUMA DECLARAÇÃO OPOSTA À CONSTITUIÇÃO DO ENCARGO.
XXVII - NO INVENTÁRIO EM QUE SE PROCEDEU Á DIVISÃO DOS PRÉDIOS NO CASO DAS ÁGUAS FEZ-SE EXPRESSA REFERÊNCIA À SUA MANUTENÇÃO E QUANTO ÀS PASSAGENS NADA FOI DITO, PELA RAZÃO QUE TODOS OS PRÉDIOS FICARAM DOTADOS DE ACESSO À VIA PÚBLICA E NÃO SERIA PARA MANTER A PASSAGEM
XXVIII - NÃO FORAM PROVADOS FACTOS QUE PERMITAM CONCLUIR PELA VERIFICAÇÃO DO PRESSUPOSTO DA EXISTÊNCIA DE SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES, QUE – AQUANDO DA DESANEXAÇÃO E DA SEPARAÇÃO DO DOMÍNIO DOS DOIS PRÉDIOS – REVELEM INEQUIVOCAMENTE UMA RELAÇÃO ESTÁVEL DE SERVENTIA DO PRÉDIO DOS RÉUS EM RELAÇÃO AO PRÉDIO DO AUTOR.
XXIX - ERA EXIGÍVEL A PROVA DA VONTADE SUBJECTIVA DOS PROPRIETÁRIOS (NO CASO DOS AUTOS, O AUTOR E IRMÃOS, NA QUALIDADE DE HERDEIROS DO PRIMITIVO PROPRIETÁRIO) DE CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO DE SERVENTIA, E A PROVA DE SINAIS QUE REVELEM “A VONTADE OU CONSCIÊNCIA DE CRIAR UMA SITUAÇÃO DE FACTO ESTÁVEL E DURADOURA, UMA SITUAÇÃO QUE OBJECTIVAMENTE CORRESPONDA À DE UMA SERVIDÃO APARENTE”
XXX VERIFICA-SE A VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 154.º, 607.º n.º 4 e 5 DO C.P.CIVIL E 1549.º DO C. CIVIL E INVOCA-SE O DISPOSTO NO ART. 615.°, ALÍNEAS C) E D) DO CPCIVIL TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS. DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E CONSEQUENTEMENTE SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA E SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE CONSIDERE COMO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADOS, OS PEDIDOS FORMULADOS PELO AUTOR.
DANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO SERÁ FEITA, COMO SEMPRE, JUSTIÇA !!!.»(sic).
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Os 2 réus DD e esposa EE vieram igualmente recorrer da sentença, tendo esse recurso sido admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.
Os 2º réus com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«… CONCLUSÕES
1º Os Réus recorrem da sentença que decidiu: julgar a acção parcialmente procedente, condenando-os os reconhecer a existência, a favor do prédio do autor, de uma servidão de passagem, a pé, de veículo automóvel e agrícola, constituída por destinação de pai de família, nos termos do art. 1549 do CC; a reconhecer o teor dessa servidão; a respeitar a servidão.

2º A douta sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, uma vez que reconheceu uma servidão de veículos automóveis ou agrícolas sem que tenha ficado provado o trânsito desses veículos no caminho de servidão.

3º A própria sentença reconhece que os pais do Autor e Réus só transportavam a pé e nunca de carros de bois, e que nunca tiveram automóveis.

4º Os Recorrentes lamentam profundamente a péssima qualidade da gravação, com vários momentos inaudíveis e imperceptíveis com constante ruído e estática.

5º Os Recorrentes impugnam os factos provados sob os números 1, 5, 6, 7, 13 e 17 e o não provado sob os números 22, 23 e 24.

6º O ponto 6 dos factos provados contém termos conclusivos (“mais rápido e cómodo”) que devem dele ser expurgados.

7º Ademais, o ponto 6 é flagrantemente contrário aos pontos 22 e 25, os quais estão bem alicerçados na prova, pelo que o ponto 6 terá que sucumbir.

8º Pese embora a douta sentença faça uma extensa descrição de tudo quanto foi feito por cada uma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, não é dado verdadeiro e cabal cumprimento ao disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, porque os testemunhos não são avaliados criticamente, nem liados à prova de factos concretos.

9º Não é possível compreender quais os depoimentos que foram valorados e porque o foram.

10º O facto de uma testemunha estar desavinda com uma parte não implica a sua automática perda de credibilidade, sendo que as testemunhas II e HH depuseram de forma séria, coerente, isenta e, portanto, credível, contribuindo para a descoberta da verdade material.

11º Uma vez que da prova resulta que o caminho foi aberto para permitir o acesso ao prédio dos Recorrentes, onde os seus pais vieram a construir uma casa, que habitaram até à morte, deve ficar antes provado em 1 que: 1- Para aceder ao local onde construíram a casa que hoje pertence aos 2ºs Réus, os pais rasgaram uma faixa de terreno.

12º Mesmo das fotografias juntas pelo Autor é possível constatar que o leito do caminho se situa integralmente no prédio dos Réus, não adentrando o daquele, pelo que não existe prova do que ficou provado em 1, 5, 7, 11 e 13.

13º As testemunhas foram unânimes em referir que os pais iniciaram por habitar a casa que hoje pertence ao Autor e que se transferiram para a casa que hoje pertence aos 2ºs Réus, pelo que era para lá que se dirigiam quando circulavam pelo caminho em causa.

14º Deve, portanto, ser dado como não provados os factos constantes dos números 5 e 7.

15º O provado sob o nº 13 também não tem suporte na prova, sabendo-se, para além do mais, que em 2005 um incêndio consumiu a propriedade, conforme referiu a JJ.

16º Deve ficar provado que: “13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, a filha HH continou a cultivar e cuidar as terras, o que aconteceu até 2005, quando tudo ardeu”.

17º Ausência total de prova é o que aflige o artigo 17 dos factos provados, que, assim, deve ser não provado.

18º As fotografias juntas aos autos demonstram que o Autor tem acesso directo à via pública e que a partir dela consegue aceder sem entrave ao interior do seu prédio utilizando veículos automóveis, que vem totalmente suportado pelo Auto de Inspecção ao Local.
19º Mostram também que os prédios se encontram fisicamente delimitados.

20º Nas partilhas foram feitas diligências para que todos ficassem com acesso directo à via pública.

21º Deverá ser dado como provado que:

26- A demarcação e delimitação de todos os prédios no levantamento topográfico, por acordo de todos os interessados visou assegurar que todos os prédios ficavam a confinar com a via pública e que o acesso aos mesmos era feito directamente através da Rua ...;
27- Por acordo de todos os interessados o prédio do autor mantinha o acesso directo à via pública e não através de qualquer caminho através dos prédios dos réus;
28- Após a partilha, os réus e os demais irmãos a quem foram adjudicados prédios procederam ao fecho e vedação dos seus prédios.

22º O regime legal da servidão por destinação do pai de família vem no artigo 1549º do Código Civil e caracteriza-se pela existência de dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, havendo sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, vindo os prédios ou fracções a separar-se quanto à propriedade, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

23º Os prédios de Autor e Réus foram propriedade dos seus progenitores e, por via de inventário e partilha à morte destes, foram transferidos para a esfera jurídica das partes.

24º Não existem sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios ou que desvendem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”.

25º O caminho foi rasgado com o objectivo de aceder ao prédio que hoje pertence aos Recorrentes e o caminho não encontra continuação marcada e visível no prédio do Autor.

26º Sem prova da continuação do caminho no prédio do Autor não há prova de qualquer utilidade que por este possa ser gozada por intermédio do prédio serviente.

27º Os anteproprietários serviram-se do caminho para acesso à sua casa, que é a que hodiernamente pertence aos Recorrentes e não ao Autor.

28º Sempre percorreram o caminho a pé, fazendo dele um uso livre, como faziam uso de qualquer outro local da sua propriedade.

29º Ficou por provar que houvesse vontade de construir o caminho como se uma servidão aparente entre os dois prédios se tratasse.

30º No momento da separação dos prédios, os seus proprietários, os herdeiros, não estavam de acordo com a formação de uma servidão por destinação do pai de família, o que fica bem expresso na composição dos prédios pela cabeça de casal HH.

31º Tal deverá ser considerado para efeitos de oposição à constituição de servidão, conforme decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2019.

32º Os Recorrentes defendem que também não podem proceder os pedidos supletivos relacionados com a constituição da servidão por usucapião, por não estar provada o uso do caminho desde o falecimento dos pais das partes.

33º A Autor age em abuso de direito, revelado pela existência de acesso directo do seu prédio à via pública, mas também porque acordou com os irmãos que todos os prédios teriam acesso à via pública e vem, agora, reclamar servidão de passagem pelos prédios dos Réus.

34º A douta sentença violou o disposto nos artigos 1543º, 1544º e 1549º do Código Civil.
Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser proferida decisão que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, ou que julgue verificado abuso de direito por parte do Autor. Reclamam JUSTIÇA…» (sic).
*

Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

***


II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil .
Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que em resumo os recorrentes indicam os seguintes pontos a analisar:

Recurso dos 1ºRéus

A- NULIDADE

B- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

C- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE MÉRITO:


Recurso dos 2ºréus:

A- NULIDADE

B- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

C- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE MÉRITO:


***


III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, (sendo que essa enunciação será provisória, porque houve impugnação da matéria de facto) e a respectiva motivação:«… II
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados
Provenientes do Saneador
A
Encontra-se registado a favor do autor AA, solteiro, maior, por partilha da herança de FF e mulher GG, pela Ap....51 de 21/06/2021, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, com logradouro e dependência, com a área coberta de 106 m2 e descoberta de 1.069 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...15 e descrito sob o n.º ...49.
B
Encontra-se registado a favor do 1.º réu BB, casado com a 1.ª ré CC, pela Ap. ...15 de 11/11/2019, por sucessão hereditária e partilha por óbito de FF e mulher GG, o prédio urbano composto de casa de um pavimento e logradouro, com a área coberta de 44,5 m2 e descoberta de 1.192,5 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...44 e descrito sob o n.º ...39.
C
Encontra-se registado a favor do 2.º réu DD, casado com EE, pela Ap....98 de 27/09/2019, por partilha por óbito de FF e mulher GG, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e logradouro com a área coberta de 170,64 m2 e descoberta de 1.008,36 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...28, descrito sob o n.º ...28.
D
O autor e os réus maridos são irmãos e todos adquiriram os seus prédios na partilha por óbitos dos pais FF e mulher GG.
E
O prédio do autor foi adquirido pelos pais em 1955, apesar do registo em seu nome ter ocorrido apenas em 1963, aí tendo construído a sua casa de habitação e onde passaram a residir. Os restantes prédios pertença dos falecidos foram adquiridos durante dessa década e confrontam entre si.
F
O autor, tal como os seus pais já o faziam, usa a casa e o terreno, há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem interrupção ou oposição, com a convicção de ser o único dono e de a ninguém prejudicar.
G
Os pais do autor eram também donos de mais 2 prédios, inscritos na matriz com os artigos ...12 e ...55, que foram adquirindo na década de 50, e que figuram na relação de bens do inventário.

Provenientes da audiência de julgamento

1- Para circular pelos 5 prédios, contíguos entre si, os pais rasgaram uma faixa de terreno por onde acediam aos prédios, onde cultivavam produtos hortícolas, cereais, oliveiras, árvores de fruta, vinho e criavam gado;
2- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento;
3- Sensivelmente a meio do leito do caminho, existe uma bifurcação para nascente, dando acesso à casa do 2.º réu DD, em linha recta e em paralelo ao prédio do autor;
4- A bifurcação, configura uma inclinação com 4 metros de largura e 30 metros de comprimento;
5- O autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus;
6- Não existindo outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas;
7- O caminho sempre foi usado pelos seus pais desde que adquiriram todos os prédios e passaram a residir na casa do autor e a cultivar todos os prédios;
8- O caminho já consta na declaração emitida pela Câmara Municipal de ..., em 6/09/1976, a propósito das negociações para a cedência de terreno para a construção da Rua ...;
9- É ladeado por vegetação rasteira, algumas árvores e um muro de suporte de terras do lado esquerdo, com cerca de 20 metros de comprimento, até à bifurcação;
10- O seu leito está pisado e despido de vegetação, com marcas de trânsito de rodados de veículos e de passagem a pé;
11- O caminho era usado pelos pais do autor para aceder aos prédios dos réus, onde cultivavam vinha em ramada, milho, batatas e centeio e onde criavam galinhas, coelhos, vacas e ovelhas;
12- Os pais do autor faziam a vindima todos os anos e transportavam as uvas, a pé, pelo caminho, para a prensa e lagar situados no prédio que é hoje do autor, onde produziam o vinho para seu consumo;
13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os prédios;
14- O caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor;
15- No seu início, junto à Rua ..., foi colocado um portão em madeira, pelo pai do autor, com um fecho que bastava levantar para abrir;
16- Os réus substituíram o portão referido em 15 por outro em metal, de duas folhas;
17- Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho; *
18- O prédio do autor confronta do norte com o 2.º réu DD, do sul e nascente com HH e do poente com a Estrada Municipal (Rua ...);
19- Os pais do autor eram os donos, além dos prédios do autor e réus, do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...55, (hoje da irmã de autor e réus HH) sendo todos eles contíguos;
20- No exercício das suas funções de cabeça de casal, a HH verificou a desconformidade das inscrições matriciais com a realidade dos prédios, decorrentes de alterações não comunicadas à matriz e da construção da estrada que liga a Jazente a ..., tendo ordenado a realização de levantamento topográfico de todos os prédios e procedido à actualização das inscrições matriciais, rectificando as suas composição, área e confrontações;
21- O processo de inventário decorreu já com as descrições matriciais e prediais actualizadas, incluindo o prédio do autor relacionado como verba n.º 4 composta de “prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Jazente no artigo ...15 constituído por três andares e com um poço que abastece de água os prédios inscritos na matriz predial urbana da sobredita freguesia com os n.º ...28 e ...44, sito na Rua ..., ... ..., o qual, confronta de Norte, Sul e Nascente com os proprietários e a Poente com Estrada, com uma área total de 1175 m2, sendo 192 m2 de área bruta de construção, 91,4 m2 de área bruta dependente e 106 m2 de área bruta privativa.”;
22- O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro:
23- O prédio do primeiro réu BB referido em B destina-se à sua habitação familiar e está todo vedado/murado;
24- Os 1.ºs réus estão emigrados em França e teriam de se sujeitar a ver os seus portões abertos e o seu prédio franqueado ao autor e a quem se dirigisse ao seu prédio;
25- O prédio do autor confronta em mais de 30 metros com a via pública (Rua ... para) a qual tem aberturas e portões que permitem o acesso pedonal e de veículos;
*
Factos Não Provados:
Temas de Prova: 12 parte (só transportavam a pé e nunca de carros de bois, todos os testemunhos foram unânimes no sentido de que nunca os pais do autor tiveram carros, só os filhos), 22, 23, 24 (só os irmãos do autor desavindos com ele, sustentaram a versão da criação de um acesso exclusivo e privativo, o que fez com que não considerássemos seguro esse acordo, já que própria irmã HH e cabeça-casal mantém um litígio com o autor em juízo, a propósito do seu prédio).
*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA:

Particularizando e revendo a nossa convicção, o tribunal enfrentou o seguinte acervo probatório:
Testemunhas:
- JJ, irmã do autor e dos réus. Os pais fizeram um caminho para aceder à casa e cultivar os terrenos com vinha e oliveira e para criar animais. Era por esse caminho que se acedia à casa, a pé e de carro, desde 1965. Mais tarde foi aberta a EN, hoje Rua .... Os pais cederam terreno para integrar a rua. A casa, hoje do autor, é a que era dos pais e onde nasceram os irmãos mais novos. O caminho tem 4 metros de largura e 30 metros de comprimento na bifurcação. O caminho tem marcas de rodados e está calcado e até lá passam camiões. A entrada principal da casa está virada para esse caminho. O portão que dá acesso à EN, também dá acesso à casa, mas não tem as mesmas condições, largura e comodidade, pois não passa uma carrinha ou camioneta. Em 2005 tudo mudou e ficaram sem vinhas e sem culturas. Contudo, desde a morte dos pais, até 2005, a irmã HH que lá viveu, continuou a cultivar e a usar o caminho, como no tempo dos pais. A irmã HH foi cabeça-de-casal. Os irmãos BB e DD, em 2022, substituíram o portão de madeira, por um metálico, com chave, da qual, não deram um duplicado ao autor e ele ficou sem acesso, porque o novo portão ficou fechado. Tem 73 anos e há mais de 50 anos que ninguém se opõe à passagem no caminho e portão para a casa do autor. Reconhece que esteve emigrada 40 anos até 2004. As casas dos 3 irmãos e os portões foram feitos pelos seus pais, na década de 60. O autor não passa de carro para as traseiras da casa, pelo portão da casa dele, só a pé. Da parte traseira da casa, só acede a pé para a Rua .... O caminho era o único que servia os prédios todos. O portão do autor deita para as suas leiras e, por lá, passa um carro, mas não um camião. Todos os prédios, na partilha, ficaram providos de acesso directo à Rua ..., assim confirmando o tema de prova 22. Os pais viviam na casa do AA e, depois, mudaram para a casa do DD. Os pais nunca tiveram carro. Todos passavam de casa, para casa, dormindo indiscriminadamente na casa grande dos pais, quando vinham de férias. Ali no caminho, passavam tractores para descarregarem lenha na casa do DD, que era a maior. A função do caminho era servir as casas todas. Quando havia vindimas, os lagares eram na casa velha.
- KK, prestou serviços agrícolas esporádicos para os pais do autor, há mais de 40 anos, numas vindimas, ia ganhar a jorna na altura das vindimas. Usavam um caminho que partia da Rua ... e que faz uma recta e, depois, uma bifurcação. O caminho tem 30 metros e, depois, cortava -se à esquerda, para a casa dos pais do autor, a mais antiga. O caminho tem um desnível e tinha largura para passar um carro de bois, mas as vindimas eram feitas a acartar as uvas em cestos, às costas. O caminho tem a largura de 3 metros, no mínimo, se foi alargado mais tarde, não sabe. O caminho é em terra batida e agora está muito modificado. Trabalhou na propriedade, 2, 3 anos, na década de 70.
Depois do falecimento do casal ..., os prédios ficaram ao abandono e a monte. O portão foi colocado há 2 anos. O autor ficou com a casa antiga que era dos pais. O caminho estava calcado e pisado, com marcas de passagem. O casal cultivava vinha, batatas, produtos de quintal. Esteve emigrado 30 anos e regressou a Jazente há 10 anos. As vindimas, onde trabalhou como jornaleiro, ocorreram há 40 anos e, na altura, só havia a casa-mãe, a casa mais antiga era dos pais e agora é do autor. Há cerca de 3 anos, também, fez um transporte de materiais de sucata, tirando-os de casa do autor, ainda o portão não estava fechado. O portão do autor deita para a rua e dá acesso a todo o prédio do autor. O lagar ficava em casa da mãe, que agora, é do autor. A sua carrinha com que fez o transporte é uma pick-up e passou com ela pelo portão do autor, pela entrada do AA, o qual, fica à face da estrada e deita para ela ao nível do chão. Vai á casa do autor, às vezes, para conviver, e deixa a carrinha à face da estrada e, entrava pelo portão de madeira para a cozinha do autor. Vindimava do lado do AA e da HH, não do lado do DD. De carro entrou sempre pelo caminho antigo. Pelo portão, o autor só acede para os quintais, de carro, por ali, não passa para a casa, mas são 20 metros até á casa, trajecto mais curto e, sempre pelo dentro do talhão dele.
- LL, vizinho das partes. Foi o pai do autor e réus que rasgou o caminho para acesso à casa, há cerca de 45 anos. O caminho do autor tem cerca de 20 metros de comprimento e 2,5 metros de largura. O outro caminho que já existia é inclinado e sobe até á casa, depois é que foram construídos outros e, dava acesso às leiras, ao monte e às vinhas em bardo nas leiras e por ali se transportavam as uvas às costas. Era o único caminho que servia toda a quinta, quando era tudo do Sr. AA. O caminho era em terra batida e marcado pela passagem. Os falecidos pais do autor e réus não tinham carro, só se lembra de ver carros dos filhos a passarem no caminho. Saiu de Jazente em 1986 para trabalhar em ....
- MM, residente na freguesia vizinha de .... Não conheceu os pais do autor, mas já prestou serviços agrícolas, como tractorista, para todos os irmãos. Entrou sempre pelo caminho em terra batida que parte da Rua .... Passa um carro à vontade, por isso, tem cerca de 3 metros, o seu tractor passou á vontade. O caminho faz uma bifurcação e sobe até às casas. Noutra vez passou como tractorista pelo portão do AA, mas como o tractor não consegue passar nesse portão, deixou o tractor à porta. Nunca fez transporte de materiais para os irmãos do autor, mas já fez trabalhos de saneamento para o AA e para o DD. O portão do AA é mais próximo da casa, mas não está no mesmo plano. Os irmãos já estavam desavindos, por isso, entrou por este portão e como era para trabalhar na leira, no mesmo plano da rua, conseguiu fazer o trabalho à mesma e da mesma feição.
- II, irmão do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor. A casa do autor tem uma loja por baixo, tem cortes e por cima tem 1 andar e confina do nascente com a HH, do poente com o DD e do sul com estradão – Rua ..., numa extensão de mais de 30 metros. Todos os prédios eram dos seus pais. O autor tem rede e portão para a via pública com mais de 2,5 metros de largura, portão carral e um portão pequeno que permite o acesso a pé. Claro que no tempo do pai ele era senhor único e entrava e saía por todo o lado, em todos os prédios, não havia divisões nem barreiras. Quando outorgaram a partilha todos aceitaram ficar com os seus acessos exclusivos, aliás, os pais, nem nunca tiveram carro. As casas mais antigas ficaram, uma para o AA, outra para o BB e outra para o DD. Confirmou os temas de prova 18, 19, 25 e 28. O portão até foi oferecido por si. O lagar era ao nível do portão do réu e levavam as uvas às costas por aí. Pelo caminho de servidão, do lado do DD e do BB, nem sequer acedem às leiras do lado do portão. Os réus têm as casas deles para habitação e os prédios estão murados e fechados da via pública e conservam o portão fechado. O AA não carece de passar no terreno de ninguém, tem acesso directo da rua para o seu prédio e tanto assim, que até rebaixou o prédio dele para entrar de carro, percutiu “absolutamente nenhuma necessidade de passar em terreno alheio”. O portão da Rua ... está no lugar de uma cancela antiga que já existia no tempo dos pais. Depois das partilhas, todos ficaram com acesso à via pública nos seus prédios, passando a irmã HH a ter uma abertura para ela.
- HH, irmã do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor. Veio de França para cuidar dos pais, o pai tinha doença de Alzheimer e, como veio viver com eles por mais de 1 ano à data do óbito, foi ela a ser nomeada cabeça -de- casal. Depois da partilha, coube a cada prédio um acesso à via pública. A casa do AA tem 2 pisos, no rés-do-chão, ficavam os lagares, onde faziam o vinho, em cima havia uns arrumos e foi a 1.ª casa dos pais. A casa feita de raiz pelos pais, e inicialmente era a casa de habitação da família. Os pais não tinham automóvel, carro de bois ou tractor, cultivava-se à sachola. Os pais não precisavam de entrar pelo terreno do DD, entravam na casa, pelo monte que agora, constitui a rua. O acesso pelo outro caminho é só para o BB e para o DD, porque essas casas já tinham garagem e não se podia passar de carro para a casa dos pais porque era só fraga. Cada um na partilha ficou com a área de medição prévia e a sua entrada para a via pública, só tiveram de estipular a repartição da água, o resto, não era preciso definir por escrito. Aliás, quando o seu prédio lhe foi adjudicado, ela própria, teve de rasgar o seu acesso. A casa do autor tem acesso a pé e de carro a partir da via pública. O DD está reformado e vive em França. Os prédios dos réus estão fechados e murados, vivem em França e, para serem devassados ou assaltados, não podem manter os portões abertos. Os portões metálicos no prédio do autor foram colocados após a partilha no lugar dos portões velhos que lá existiam. O pai como sofria de doença de Alzheimer e fugia de casa, por isso os portões tinham de estar fechados. Entravam para a casa dos pais, pelo caminho que, hoje, é a rua.
- NN, marido da irmã HH e cunhado do autor e dos réus. Trazia materiais de França para negociar cá e, a carrinha ficava, carregada na estrada, já ia descarregar pela Rua ... que era monte e pelo caminho de trás. Era nessa estrada das fotografias que se acedia à casa dos sogros. O prédio do autor confina, do lado direito com a HH e do lado esquerdo com o DD, mais precisa mente com o caminho que foi feito para acesso às casas deles. Todos os terrenos ficaram com acesso directo à Rua .... Os réus, seus cunhados, são emigrantes e passam quase todo o ano em França e têm os prédios vedados e fechados, embora, não, entre si, para terem segurança e privacidade. O autor rebaixou o seu terreno em frente à casa e dizia que ia fazer a garagem em frente à rua.
- OO, vizinha e amiga da 1.ª ré CC e sua empregada doméstica e do jardim, desde 2007. Os 1.ºs réus estão emigrados, o prédio está vedado e murado. A entrada do autor foi ampliada na abertura e o portão foi trocado. O autor faz a vida normal em casa por aquela entrada. Antes do portão ser fechado o autor também entrava pela casa dos 1.ºs réus e parava o carro no terreno do DD, não o levava até casa.
- PP, prima do autor e dos réus e que já morou na casa deles e dos pais, cerca de 8 anos, na década de 90. Conduz e ia de carro até lá cima, pelo caminho de terra batida e deixava o carro num larguinho à beira da casa do BB. Carros de bois não passavam lá, as vindimas eram feitas com os cestos às costas. A carrinha fez as suas mudanças pelo caminho e não pela cancela da Rua ....
Por fim militaram os documentos juntos, com destaque para as fotografias e para a certidão do inventário com os levantamentos topográficos, revelando-se ainda crucial a inspeção ao local vertida no respectivo auto, que serviu para constatar as medidas, “à vista”, mas que não são disputadas por ninguém.
Exame crítico da prova: todas as partes estão, na realidade de acordo que os pais transitavam livremente no caminho para as 3 casas que ao tempo deram do casal. No que divergem, é na existência de um acordo coevo do inventário no sentido de, após as adjudicações e levantamentos topográficos que alicerçaram as actualizações matriciais e registrais, cada casa ter um acesso próprio e privativo para a rua, sem passar em prédios dos irmãos. Já cima vimos que o suporte dessa versão são os irmãos que estão desavindos com o autor e, ademais, seria expectável que, a existir tal convénio e finalidade, tal definição de passagem própria constasse no inventário, o que não sucedeu, nas antípodas da água do poço do prédio do autor que na verba 4 da relação de bens ficou logo com a definição de abastecer os prédios dos réus. De resto, entre os prédios dos 2 réus existem vasos comunicantes e as 3 casas têm as caixas de correio no início do caminho.
Assim como resulta intuitivo e unânime da recensão da prova testemunhal, os pais do autor pelo caminho acediam a todos os seus imóveis a pé, e todos os filhos usavam o caminho de carro quando o património estava por partilhar e, nenhuma menção contrária a esse trajecto se verteu no inventário.
Por fim, os portões privativos da casa do autor, só permitem o acesso carral às leiras, mas não às portas de acesso à casa que está situada num patamar superior, o qual, é fronteiro às 3 casas.
De resto, muito mal se percebe que desembocando o caminho nas frentes das 3 casas, ele pudesse servir para ser usado apenas por 2 delas, sendo elas contíguas, precisamente, os 2 irmãos que se dão bem e apesar de deitar para a casa do autor, este já não se pudesse servir dele, o que resulta lógico e compreensível do auto e sobretudo das fotografias, que evidenciam que as 3 casas são sobranceiras ao caminho e se situam no alto de uma elevação.»(sic).

***


IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


Estamos perante dois recursos deduzidos um pelos 1º réus e outro pelos 2º réus.
Dado que o objecto dos mesmos coincide quanto aos tópicos a analisar iremos analisar, por uma questão de sequência lógica, em primeiro lugar as nulidades invocadas por ambos os réus, e depois a impugnação da matéria de facto suscitadas por ambos os apelantes e por fim a impugnação de mérito de cada um dos recursos.

A- Nulidades

Os 1º réus vieram invocar a nulidade da sentença nos seguintes termos: «..o de entenderem que o Tribunal: 1) Incorreu em erro de julgamento: a. ao considerar como provada a matéria dos factos constantes dos pontos 5, 6 e 17. b. ao dar como não provados a matéria dos factos constantes dos pontos 22, 23 e 24 dos temas de prova.
2) Incorrecta subsunção jurídica dos factos ao direito.
O que inquina a Douta Sentença proferida, havendo, entre o mais, nulidade da sentença e erro de julgamento..».
Nos termos do artigo 615 do CPcivil, a sentença é nula, quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC de 06-11-2012, disponível ma base de dados da DGSI:« Sumário: I – Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)..”.
No caso os 1º réus invocam a nulidade da sentença proferida por erro de julgamento ao impugnarem a matéria de facto considerando que a sua alteração determina a improcedência da acção.
Todavia, a discordância quanto á factualidade provada e não provada e a sua motivação não se traduzem numa nulidade, sendo que essa impugnação contende com uma reapreciação da matéria de facto.
Pelo exposto, é manifesto que a sentença não padece de nenhuma nulidade dado que o alegado erro de julgamento não se enquadra em nenhuma nulidade.
Assim, verifica-se que a sentença não padece de qualquer nulidade por erro de julgamento (sem prejuízo de se ir analisar a impugnação de facto e de direito).
*

Por outro lado os 2 réus invocam a existência de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil (que estabelece que é nula a sentença quando: Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Alegam, neste segmento, que a sentença condenou os Réus a: “2- Reconhecer que, há mais de 60 anos, existe, a favor do prédio do autor, uma servidão de passagem, a pé, de veículo automóvel e agrícola, constituída por destinação de pai de família, nos termos do art. 1549 do CC;
3- Reconhecer que o caminho se inicia na Rua ... e se
prolonga em paralelo à mesma, atravessando na extrema poente, os prédios dos réus, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento, até ao prédio do autor, tendo uma bifurcação a nascente, em direção à casa do 1.º réu BB, com a largura de 4 metros e 30 metros de comprimento, num percurso em linha recta, em terra batida, paralelo ao prédio do autor e que lhe dá o acesso à casa e logradouro, a pé e de veículo automóvel e agrícola”.
Referem que a leitura dos factos provados permite observar que não há qualquer menção a trânsito de veículo automóvel ou agrícola no caminho.
Somente o ponto 6 contém os vocábulos “veículos, automóveis ou agrícolas”, mas não em termos que estabeleçam que o trânsito com esses veículos se desenvolvia pelo caminho.
Referem que, o que consta do ponto 6 é que não existe outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas. Mas referem que nada é afirmado quanto à sua circulação efectiva no caminho.
Referem ainda que existe a ausência de prova também de quem circulava com veículos, automóveis ou agrícolas, pelo caminho e, ainda, a que título o fazia. E que, para além do mais, este artigo 6 é conclusivo e está em contradição flagrante com os artigos 22 e 25, pelo que deve ser dado como não escrito ou não provado, conforme se defenderá infra.
Alegam ainda, por outro lado, que os fundamentos da sentença são, igualmente, os factos dados como provados, mas também os motivos pelos quais determinados factos foram julgados não provados.
E referem que na fundamentação da matéria não provada, o Tribunal de 1ªinstância fez constar que só deu como provado parte do ponto 12 dos temas da prova, precisamente porque os pais do Autor e Réus só transportavam a pé e nunca de carros de bois, uma vez que todos os testemunhos foram unânimes no sentido de que nunca os pais do autor tiveram carros, só os filhos.
Referem os apelantes que não existe prova de que, a haver servidão, a mesma respeite a trânsito de veículos automóveis ou agrícolas, como o demonstra e comprova a lista dos factos provados e a fundamentação da decisão da matéria de facto.
Concluem, assim que quando decidiu pela existência de servidão de passagem, a pé, de veículo automóvel e agrícola, constituída por destinação de pai de família, o Tribunal contradiz os fundamentos por detrás dessa decisão, cometendo uma nulidade, clara e inegável.
Assim, referem que “Os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”, pelo que se verifica a nulidade do artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Peticionam que uma vez que a matéria de facto não contempla o trânsito de veículos e que o próprio Tribunal a quo o assume como certo na fundamentação, por total ausência de prova, a sanação da nulidade apenas poderá ocorrer por eliminação da condenação no reconhecimento de servidão de passagem com veículos.
Nos termos do artigo 615 nº1 alínea c):«…é nula a sentença quando: ..c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.».
Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Nos termos do art. 607 do CPCivil a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar e seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito.
Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada.
Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado:
Identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
De facto a sentença final deve apresentar-se sob a forma de um silogismo ao menos implicitamente enunciado, por forma a que exista um nexo lógico entre as premissas e a conclusão - cfr. RE 6.10.88, CJ, t.2, pg. 257.
Fazendo aqui um paralelismo com a causa de pedir resulta que em tal silogismo a premissa maior é constituída pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é preenchida com as razões de facto e o pedido corresponderá à conclusão daquele silogismo. Por isso mesmo a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido e, como afirma A.Varela (in RLJ, ano 121º,122 ), «a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e desdizer simultâneos, uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu », ou seja, uma contradição intrínseca ou substancialmente insanável (Ac STJ, de 14.03,90, AJ., 2º, /90, pg.14), contradição esta que é dada ao julgador através da norma aplicável à pretensão formulada. (no mesmo sentido, (Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1987, pg. 491, Rodrigues Bastos, “Notas”, I, pg.390.
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Após a exposição das referidas noções teóricas, e voltando ao caso sub judice, resulta que os recorrentes não invoca nenhuma situação enquadrável no artigo 615 nº1 c) do CPC, visto que não existe nenhuma nulidade de sentença uma vez que o alegado pelos réus se insere na diferente valoração dos meios de prova e fixação da factualidade provada, sendo que tal reconduz-se afinal ao plano da impugnação da matéria de facto.
Assim, na medida em que os recorrentes também invocam como fundamento do seu recurso um erro da decisão sobre a matéria de facto, será no quadro do previsto no art. 662º do n.C.P.Civil (“modificabilidade da decisão de facto”) que a questão será por nós substancialmente apreciada, ao que se procede de seguida.
Assim, julga-se improcedente a invocada nulidade

Por outro lado, os 2º réus invocam no contexto da impugnação da matéria de facto que pese embora a sentença faça uma extensa descrição de tudo quanto foi feito por cada uma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, não é dado verdadeiro e cabal cumprimento ao disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Referem que não é feita uma verdadeira análise crítica da prova, designadamente da prova testemunhal.
A única menção ao contributo da prova testemunhal para a formação da convicção do julgador é o seguinte parágrafo: “Assim como resulta intuitivo e unânime da recensão da prova testemunhal, os pais do autor pelo caminho acediam a todos os seus imóveis a pé, e todos os filhos usavam o caminho de carro quando o património estava por partilhar e, nenhuma menção contrária a esse trajecto se verteu no inventário.”
Referem que, para dar cumprimento à obrigação legal o Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para conferir prevalência a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou para justificar o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados.
“O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.
Concluem que da sentença não é possível compreender quais os depoimentos que foram valorados e porque o foram e é impossível associar o depoimento de uma testemunha com a prova de um facto concreto.
Isto porque, o Tribunal na súmula que faz do quanto cada uma declarou, não identifica quais os momentos em que considera que a testemunha falou verdade, quais os momentos de maior imprecisão ou os momentos de total descrédito.
Referem que resulta é a de que todos os depoimentos foram igualmente valorados, ainda que tenham declarado factos conflituantes, o que resulta confuso e insindicável.
Alegam esses réus que esta alegação resulta da circunstância de considerarem ser completamente ininteligível o motivo pelo qual foi desconsiderado o “acordo coevo do inventário no sentido de, após as adjudicações e levantamentos topográficos que alicerçaram as actualizações matriciais e registrais, cada casa ter um acesso próprio e privativo para a rua, sem passar em prédios dos irmãos”.
Alegam que aparentemente, o Tribunal a quo não o deu como provado porque “o suporte dessa versão são os irmãos que estão desavindos com o autor”, sedo que consideram que esta afirmação é manifestamente insuficiente para justificar qualquer tipo de falência na sua credibilidade.

nomeadamente, na análise crítica da prova, prejudicam o conhecimento do raciocínio do julgador, quer pelos destinatários da decisão, quer pelo Tribunal de recurso, em termos tais que a apreciação da decisão em sede de recurso pode ser impossível, exigindo-se a remessa do processo ao Tribunal de 1ª instância para que o mesmo fundamente convenientemente a sentença (sendo mister que o Tribunal ad quem ordene a baixa dos autos para que as deficiências na análise da prova sejam supridas).

Apesar de os 2 réus invocarem o acima referido no contexto da impugnação da matéria de facto, ter-se-á de concluir que estão a invocar a nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Essa fundamentação tem de ser expressa, clara e coerente e suficiente, não se devendo deixar às partes o ónus de descobrir as razões da decisão.
Este dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral encontra-se previsto e fundamentado no art. 154º do CPC, onde se prescreve:
1. As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento, salvo se for despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Nos termos do art. 607º do CPCivil:
1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e quais os que julga não provados analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito.
Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada.
Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado: identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
Como é sabido na fixação dos factos da causa, determina o art. 607º nº 4 que: - o juiz tomará em consideração:
- os factos admitidos por acordo (cfr. arts. 490º e 505º); - os factos provados por documento (cfr. arts. 523º e 524º); - os factos provados por confissão reduzida a escrito (cfr. arts. 356º e 358º do CC); ; e a estes acrescem: - os factos que resultem de presunção legal ou judicial (cfr. arts. 349 a 351º do CC); os factos notórios (cfr. art. 514º nº 1); - os factos de conhecimento oficioso; e procede ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
Nos termos do artigo 615, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b).
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607º, nº 3 e 4, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Conforme ensina A. Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág243, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar ou motivos da sua decisão.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade..
O juiz deve justificar os motivos da sua decisão (quer quanto aos factos provados quer quanto aos não provados) individualizando os meios de prova atinentes e esclarecendo os motivos de dar mais credibilidade a uma dada testemunha ou valorar ou não um dado documento ou outro meio de prova (depoimento de parte, declarações de parte, prova pericial).

No caso dos autos verifica-se que não existe nenhuma nulidade por falta de pronuncia porque o tribunal na sentença fixou os factos que considerou provados e os não provados e a sua motivação tanto para os que considerou como provados como não demonstrados.
Por outro lado, realizou a motivação indicando o teor dos depoimentos sendo totalmente perceptível quais as testemunhas e documentos que permitiram considerar provados e não provados certos factos.
Acresce que o tribunal esclareceu o motivo de não ter dado como provados os factos que indica e qual o fundamento de não ter dado credibilidade aos depoimentos dos irmãos das partes inversamente ao depoimento da irmã das mesmas dadas as relações entre cada um adas partes.
Assim, improcede neste segmento o recurso, dado que a sentença não é nula, não existindo nenhuma omissão de pronuncia.

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B - DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Nas alegações de recurso vieram os apelantes, requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.
Os recorrentes consideram incorretamente julgados vários pontos que enunciam.

Os 1º réus referem que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar como provada a matéria dos factos constantes dos pontos 5, 6 e 17. E ao dar como não provados a matéria dos factos constantes dos pontos 22, 23 e 24 dos temas de prova (e que essa incorrecta subsunção jurídica dos factos ao direito determinaria uma nulidade e erro de julgamento).
Referem neste segmento que da apreciação crítica da prova vertida na sentença, não logra perceber-se o raciocínio que subjaz à convicção adquirida quanto a concretos aspectos supra referidos e que infra se irão especificar, tornando por isso atacável a decisão, socorrendo-se os recorrentes do duplo grau de jurisdição, que reforça as garantias de uma decisão justa. E que discordam ainda do processo de formação da convicção seguido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, do juízo indutivo que conduziu à decisão, e da valoração de provas, por entenderem que o mesmo está inquinado na base, o que levou a uma errada apreciação dos factos e consequentemente a uma decisão injusta.
Alegam que, consideram que atenta a prova efectivamente produzida, a decisão que se impunha seria no sentido da improcedência total dos pedidos formulados pelo autor/recorrido.
Neste segmento quanto a alegadamente referirem não lograr perceber o raciocínio da convicção d tribunal, desde logo cumpre referir que se poderia considerar estarem a invocar, ainda que implicitamente, uma nulidade de sentença (artigo 615 b) e c) do CP Civil), sendo que no entanto a mesma seria improcedente porque o tribunal concretizou os factos que considera provados e não provados e igualmente especificou os fundamentos de facto e de direito subjacentes á decisão.

Alegam os 1º apelantes que a ponderação de todas as provas e a formulação de juízos de inferência, as regras de normalidade e juízos de experiência comum, impunham que algumas respostas dadas à matéria de facto fossem no sentido inverso daquele que o Tribunal decidiu.
Referem que o FACTO DADO COMO PROVADO NO ARTIGO 6 ESTA EM CONTRADIÇÃO COM O FACTO DADO COMO PROVADO NO ARTIGO 22.º
Invocam neste ponto que, por um lado, o Tribunal ad quo deu como provado que “6) Não existindo outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas;” e mais adiante concluiu que “22) O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro”.
Alegam os apelantes que é manifesto que tais conclusões factuais são contraditórias, pois por um lado afirma-se que o prédio do autor não tem outro acesso e mais adiante conclui-se que tem acesso directo à via pública para acesso automóvel e para acesso pedonal. Refere que se o prédio confina e tem acesso directo à via pública, será necessariamente este o mais rápido e cómodo, pois acede-se directa e imediatamente da via pública.
Concluem, os 1 réus que se verifica uma contradição entre a matéria de facto que inquina, segundo regras da experiência comum a convicção e tornam ininteligível a decisão da matéria factual e constitui um erro na construção do silogismo judiciário, o que deve ser declarado e reparado.
Mais alegam, ainda neste ponto que, toda a prova constante dos autos, nomeadamente as testemunhas:
- JJ- diligência _888- 22.4T8Amt_2023-09-04_11-01-55
- KK- diligência _888-22.4T8Amt_2023- 09-04_11-40-22
- LL- diligência _888- 22.4T8Amt_2023-09-04_12-10-53
- MM- diligência _888-22.4T8Amt_2023-09- 04_12-35-36
- II- diligência _888-22.4T8Amt_2023- 09-04_14-14-08
- NN- diligência _888- 22.4T8Amt_2023-09-04_15-22-44
Confirmam a existência de acesso directo à via pública e a sua utilização pelo autor. E que esses depoimentos são corroborados pelos documentos n.º 13 e 14 juntos com o requerimento com a ref.ª 9025999 e os documentos n.º 4 e 5 juntos com a contestação dos recorrentes.
Concluem, assim que face À CONTRADIÇÃO EXISTENTE ENTRE A FACTUALIDADE DADA COMO APURADA E A PROVA QUE CONSTA DOS AUTOS IMPÕE-SE QUE SE CONSIDERE COMO NÃO PROVADA A FACTUALIDADE VERTIDA NO ARTIGO 6.º DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS.
Desde logo cumpre referir que a sentença não diz em local nenhum que o autor não tem outro acesso (nomeadamente o da via publica), o que diz no ponto 6 é que o acesso pelo caminho objecto dos autos é o acesso mais comodo para aceder de carro. A sentença refere que existe outro acesso a casa do autor pela via pública tal como resulta da prova testemunhal mas esse facto não contraria em nada o que ficou provado no ponto 6, dado que o que ficou provado é que esse é o acesso mais fácil e comodo e não existe outro acesso (nomeadamente o da via pública que seja mais rápido e comodo).
No que diz respeito a este segmento da impugnação da matéria de facto, resulta que o mesmo terá de ser julgado improcedente, porque não existe nenhuma contradição entre o facto dado como provado no ponto 6 e no ponto 22, porque desde logo se deve conjugar esses factos com o teor do ponto 2 dos factos provados (- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento) e com o teor do próprio facto dado por provado sob o ponto 22 (22- O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro).
Ora, resulta que o caminho objecto destes autos tem a largura de 4 metros ao passo que o acesso do prédio dos autores á via pública tem 3 metros, o que é u valor inferior e nessa medida é manifesto que o acesso pelo caminho é o meio mais fácil de aceder.
Acresce que a sentença recorrida remete para o teor do auto de inpecção ao local e no mesmo consta de forma expressa o seguinte: «.. Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos….».
Assim, é manifesto que o facto provado sob o artigo 6º deverá continuar a ter-se em provado porque é o acesso mais comodo e rápido para a casa do autor através de automóvel e não existe nenhuma contradição com o teor do ponto 22º dos factos provados.
Assim, improcede neste ponto a impugnação da matéria de facto.
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O FACTO DADO COMO PROVADO NO ARTIGO 5.º
Referem os 1 réus que deu-se como provado no artigo 5.º que “O autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus.”
Invocam que é certo que os Pais do autor e réus utilizavam diversos caminhos, nomeadamente o reclamado pelo autor, para aceder à sua casa e circular entre os seus prédios. Mas que, todavia tal facto não tem qualquer virtualidade para efeitos de constituição de servidão. Relevante é a colocação e intenção dessa colocação de sinais reveladores da servidão e o momento da divisão dos prédios.
Referem que não foi feita qualquer prova que o autor se servisse – após a divisão dos prédios operada por inventário - desse caminho para aceder à casa de habitação. Mais invocam que é o próprio autor ao intentar a presente acção para lhe ser reconhecido o direito e os réus obrigados a permitir a passagem, quem confessa que os réus não permitiram, nem permitem que o autor por ali circulasse.
Alegam que nenhuma das testemunhas inquiridas referiu que após a divisão acede ao prédio do autor por aquele caminho. Tedo transcrito os depoimentos das testemunhas: JJ (referindo resultar que antes e depois do falecimento dos pais do autor o mesmo usava o caminho sem oposição de ninguém, mas que após as partilhas e só após os réus terem posto o portão o autor ficou impedido de aceder ao caminho); KK (resulta que o autor usava o caminho e há cerca de 2 ou 3 anos ao colocaram o portão ficou impedido de usar o caminho); LL (que referiu ter entrado pelos dois locais e que mais recentemente o caminho tem um portão fechado); II (indica a colocação do portão no caminho após as partilhas, mas que previamente todos circulavam pelo mesmo ); NN- (que refere que após as partilhas todos ficaram com acesso á via pública).
Mais invocam os apelantes que a corroborar a sua tese, deve-se ter em conta a factualidade apurada nos artigos 20.º No exercício das suas funções de cabeça de casal, a HH verificou a desconformidade das inscrições matriciais com a realidade dos prédios, decorrentes de alterações não comunicadas à matriz e da construção da estrada que liga a Jazente a ..., tendo ordenado a realização de levantamento topográfico de todos os prédios e procedido à actualização das inscrições matriciais, rectificando as suas composição, área e confrontações;
21) O processo de inventário decorreu já com as descrições matriciais e prediais actualizadas, incluindo o prédio do autor relacionado como verba n.º 4 composta de “prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Jazente no artigo ...15 constituído por três andares e com um poço que abastece de água os prédios inscritos na matriz predial urbana da sobredita freguesia com os n.º ...28 e ...44, sito na Rua ..., ... ..., o qual, confronta de Norte, Sul e Nascente com os proprietários e a Poente com Estrada, com uma área total de 1175 m2, sendo 192 m2 de área bruta de construção, 91,4 m2 de área bruta dependente e 106 m2 de área bruta privativa.”; 22) O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro.
Alegam os apelantes que logo após a divisão e porque tal foi acordado e pressuposto da partilha, cada um dos novos proprietários passou a servir-se pelo seu terreno para aceder à via pública. E que a recomposição predial de todos os prédios, operada pela cabeça de casal visou permitir que todos os prédios ficassem com acesso directo à via pública. Demonstrativo que sabendo que quando pertenciam ao mesmo proprietário se circulava livremente entre eles, pretenderam dotar todos os prédios de condições de aceder directamente à via pública sem necessidade de invadir prédios vizinhos.
Mais referem que quanto à “manutenção” da servidão de águas ficou estabelecido que efectivamente a mesma seria para manter. E referem que acaso fosse para manter os acesso também seria descrito e ficado a constar da relação de bens.
Invoca, ainda neste ponto que, é certo que existe um caminho com sinais de passagem, não para a casa do autor, mas para a casa dos réus. Os sinais: existência de caminho, limpo e com o leito marcado é para acesso às residências dos réus.
PELO QUE A MATÉRIA DE FACTO CONSTANTE DO FACTO PROVADO NO ARTIGO 5 DEVE SER OBJECTO DE REAPRECIAÇÃO JULGANDO-SE COMO NÃO PROVADO

Neste segmento da impugnação da matéria de facto verifica-se que o mesmo terá de ser julgado improcedente porque resultou provado após o falecimento dos pais do autor e réus (../../2000 e ../../2001) os filhos continuaram a usar esse caminho para circular e que só em Maio de 2022 os réus fecharam o portão á chave impedindo a circulação.
Tal factualidade consta dos seguintes ponos:«13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os prédios;
14- O caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor;
15- No seu início, junto à Rua ..., foi colocado um portão em madeira, pelo pai do autor, com um fecho que bastava levantar para abrir;
16- Os réus substituíram o portão referido em 15 por outro em metal, de duas folhas;
17- Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho; .».
Assim, é manifesto que improcede este segmento da impugnação mantendo-se como provado o facto referido no ponto 5º.
*

O FACTO DADO COMO PROVADO NO ARTIGO 17
Alegam os apelantes que entendeu o Tribunal ad quo que ficou provado que “17) Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho;”
Referem que da motivação da decisão da matéria de facto não se vislumbra como conseguiu o Tribunal apurar tal factualidade e concretamente o dia que ali fez constar, alegado que nenhuma das testemunhas referiu essa data.
Concluem, assim que o ponto 17 deve ser dado como não provado.
Resulta que a presente impugnação terá que ser julgada improcedente porque o autor na petição inicial no ponto 26 alega que os réus no dia 23 de Maio fecharam o portão á chave. E os 2~reus na sua contestação no ponto 3º expressamente admitiram a veracidade do alegado sob o ponto 26 dos factos alegados. Apesar de os 1 réus terem impugnado esse facto na sua contestação, resulta que esse facto sob o ponto 17 deverá continuar a ter-se como provado desde logo pela confissão numa das contestações e por outro lado resultou do depoimento da testemunha JJ (irmã do autor e dos réus) a qual referiu de forma expressa que os irmãos BB e DD, em 2022, substituíram o portão de madeira, por um metálico, com chave, da qual, não deram um duplicado ao autor e ele ficou sem acesso, porque o novo portão ficou fechado.


Por fim, alegam os 1 apelantes que OS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS DOS ARTIGOS 22, 23 e 24 deveriam ser tidos como provados.
Alegam que no despacho saneador foram fixados, designadamente os seguintes temas de prova:
“22- A demarcação e delimitação de todos os prédios no levantamento topográfico, por acordo de todos os interessados visou assegurar que todos os prédios ficavam a confinar com a via pública e que o acesso aos mesmos era feito directamente através da Rua ...;
23- Por acordo de todos os interessados o prédio do autor mantinha o acesso directo à via pública e não através de qualquer caminho através dos prédios dos réus;
24- Após a partilha, os réus e os demais irmãos a quem foram adjudicados prédios procederam ao fecho e vedação dos seus prédios;
Alegam que para dar como não provados esses factos, o tribunal fundamenta a sua decisão no facto dos irmãos que testemunharam sobre essa factualidade estarem desavindos com o autor. Mas referem que as testemunhas HH e II – irmãos de autor e réus – depuseram de forma serena, esclarecida, apresentando um conhecimento directo e fundado sobre os mesmos.
Mais referem que a testemunha JJ, irmã de autor e réus, também está desavinda com os réus, apresentou um depoimento crispado e tendencioso e acabou por ser valorado para a decisão da matéria de facto.
Alegam que os depoimento das testemunhas II e HH são sustentados pelos documentos juntos aos autos e pela racionalidade e normalidade. Referem que a corroborar esses depoimentos temos os documentos n.º 5 e 7 juntos com a petição inicial, onde se verifica a divisão dos prédios com barras de ferro.
Também o facto de antes da divisão dos prédios, a testemunha HH, enquanto cabeça de casal ter ajustado a composição dos prédios no sentido de todos terem acesso directo e imediato à via pública confirmam o seu depoimento e a factualidade que se pretende ver dada como provada.
Invocam ainda que decisivo na sentença foi também, é o facto de ter sido dado como provado no artigo 21.º que o prédio hoje do autor ter “um poço que abastece de água os prédios inscritos na matriz predial urbana da sobredita freguesia com os n.º ...28 e ...44”, prédios estes hoje pertencentes aos réus. Quanto à “manutenção” da servidão de águas ficou plasmado na relação de bens e no título de transmissão que seria para manter. E concluiu o tribunal que caso fosse para “manter” as passagens por terreno alheio, tal seria plasmado.
Consideram os apelantes que não se deve ter esse raciocínio, sendo que nada disso foi dito, e porque todos os prédios ficaram dotados de acesso directo e imediato à via pública.
PELO QUE A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO NÃO PROVADA NOS ARTIGO 21, 22 E 23 DA BASE INSTRUTÓRIA - DEVE SER JULGANDA COMO PROVADA.
Este segmento da impugnação da matéria de facto terá de ser julgado improcedente porque as únicas testemunhas que indicaram essa matéria foram dois irmãos do autor: II (irmão do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor), e a testemunha - HH (irmã do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor). As preditas testemunhas não demonstraram essa matéria porque o seu depoimento de que o autor não precisaria de passar pelo caminho objecto dos autos é infirmado pelo próprio teor da inspecção ao local do qual resultou que «.. Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos..».
Por outro lado, e tal como se refere na sentença, carece de qualquer lógica a existência desse alegado acordo, uma vez o caminho objecto dos autos desemboca nas frentes das 3 casas que são contiguas e não faz sentido que o mesmo só pudesse ser usado só pelos 2 irmãos que têm boas relações e não pudesse ser pelo autor.
Por fim, resulta que não consta nenhuma prova documental desse alegado acordo entre as partes, ao contrário de que consta documentado o acordo quanto á agua nos autos de inventário (sendo que se consideraria lógico se existisse esse invocado acordo dever ficar expresso no inventário tal como foi realizado quanto á agua).
Assim, improcede esse segmento da impugnação da matéria de facto.
*

Cumpre agora analisar a impugnação á matéria de facto realizada pelos 2º réus/2 apelantes, os quais alegam que o presente recurso visa a alteração da decisão quanto à matéria de facto, com vista a uma distinta subsunção ao direito, culminando numa decisão que julgue a acção improcedente (referindo que a impugnação será feita com recurso á prova testemunhal).
Os 2º apelantes impugnam os factos provados sob os números 1, 5, 6, 7, 13 e 17. E impugnam também os não provado sob os números 22, 23 e 24.

Alegam que existe uma contradição interna da matéria de facto entre o facto/conclusão vertido no ponto 6 e os factos vertidos no ponto 22 e 25.
Lê-se no ponto 6, por referência ao caminho descrito nos pontos 2 a 4, a seguinte conclusão, à guisa de facto: “Não existindo outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para as suas casas”.
Alegam que conjugando este enunciado com o facto 5 obtém-se a afirmação de que não existe outro acesso mais rápido e cómodo que permita a circulação de veículos, automóveis ou agrícolas, para a casa o Autor.
Referem que “mais rápido” e “cómodo” são conceitos conclusivos, para além de vagos e imprecisos, sendo que definir o mais rápido é o resultado de um trabalho comparativo entre diversas possibilidades em existência. Mas invocam que a sentença não identifica as diversas alternativas, a metodologia de medição da velocidade e os resultados que cada alternativa produziu. E que o termo cómodo liga-se a comodidade, a qual pode advir de conveniência ou de conforto, sendo impossível ao intérprete entender em que sentido o mesmo foi empregue na sentença.
Concluem, assim que enquanto conclusivos e sem matéria capaz de produzir o seu preenchimento por forma a deslindar indubitavelmente o sentido em que foram empregues, tais termos não deveriam constar da matéria de facto e nessa medida deveriam ser retirados da matéria de facto.
Referem por outro lado que, no que concerne ao trânsito de veículos terrestres o caminho mais rápido será o mais curto, ressalvando-se o estado da via ou a existência de limitação de velocidade de outra natureza.
Ora, no ponto 22 ficou provado que: “O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro”.
Já no ponto 25 assentou-se de forma idêntica: “O prédio do autor confronta em mais de 30 metros com a via pública (Rua ... para) a qual tem aberturas e portões que permitem o acesso pedonal e de veículos.”
Consideram os apelantes que a circunstância de o prédio dos Autores confrontar com a Rua ... em mais de 30 metros e de nessa confrontação possuir um acesso para automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de um metro, invalida completamente o que ficou provado sob o ponto 6.
Referem que respeitando as leis da física o acesso mais rápido para a circulação de veículos entre a via pública e o prédio do Autor onde se encontra a sua casa é, sem margem para dúvidas, o portão existente na confrontação entre esse seu prédio e a Rua. E que o percurso mais rápido entre dois locais é aquele onde os mesmos confrontam, existindo apenas como separação um portão com mais de 3 metros de largura que permite o trânsito automóvel, conforme bem representado na imagem junta como documento 2 da Contestação dos Recorrentes, onde o tal portão surge destacado.
Mais alegam que o ponto 6 dos factos provados não resiste à sua confrontação com a demais matéria de facto provada. Tampouco resiste ao escrutínio dos ficheiros de imagem existentes nos autos, onde se conta o documento 6, junto pelo Autor com a sua Petição Inicial, que captura o portão na extrema que confronta com a Rua.
Ou o documento 7 junto com o mesmo articulado, onde se vêm as marcas de rodagem em direcção ao dito portão (situado atrás à direita do ponto onde foi capturado o fotograma).
O mesmo portão é o objecto da fotografia junta sob o nº 4 com a Contestação dos Co-Réus BB e mulher, sendo a entrada pedonal perfeitamente retratada na fotografia seguinte, junta sob o nº 5.
Alegam que estas fotografias permitem, ademais, confirmar que existe ligação feita entre o portão e a Rua, não havendo qualquer degrau ou fosso capaz de impedir a normal progressão de veículos e pessoas.
Referem, que a matéria dos pontos 22 e 25 sobrevive ao teste da prova produzida no processo, não só a prova documental, mas também a testemunhal, conforme consta, aliás, da fundamentação de facto e análise crítica da prova da sentença.
Em resumo, os recorrentes requerem, portanto, a eliminação do ponto 6 dos factos provados uma vez que consideram:
1. O cerne desse enunciado é constituído por termos conclusivos;
2. Existe flagrante contradição com o provado nos pontos 22 e 25;
3. E que o mesmo não tem suporte na prova testemunhal ou documental.
Cumpre referir que os termos constantes desse ponto 6 não são conclusivos dado que se tratam de conceitos perceptíveis em termos de linguagem do comum das pessoas, tendo a sentença caracterizado na motivação as características do caminho objecto dos autos e as características do acesso pela rua.
Por outro lado, não existe nenhuma contradição entre esse ponto 67º, e os pontos 22 e 25º, porque a sentença não diz em local nenhum que o autor não tem outro acesso (nomeadamente o da via publica), o que diz no ponto 6 é que o acesso pelo caminho objecto dos autos é o acesso mais comodo para aceder de carro. A sentença refere que existe outro acesso a casa do autor pela via pública tal como resulta da prova testemunhal mas esse facto não contraria em nada o que ficou provado no ponto 6, dado que o que ficou provado é que esse é o acesso mais fácil e comodo e não existe outro acesso (nomeadamente o da via pública que seja mais rápido e comodo).
No que diz respeito a este segmento da impugnação da matéria de facto, resulta que o mesmo terá de ser julgado improcedente, porque não existe nenhuma contradição entre o facto dado como provado no ponto 6 e no ponto 22 e 25, porque desde logo se deve conjugar esses factos com o teor do ponto 2 dos factos provados (- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento) e com o teor do próprio facto dado por provado sob o ponto 22 (22- O prédio dos autores tem acesso directo à via pública (Rua ...), que se processa através de dois portões, um para acesso automóvel com cerca de 3 metros e outro para acesso pedonal com cerca de 1 metro).
Ora, resulta que o caminho objecto destes autos tem a largura de 4 metros ao passo que o acesso do prédio dos autores á via pública tem 3 metros, o que é u valor inferior e nessa medida é manifesto que o acesso pelo caminho objecto da acção é o meio mais fácil de aceder.
Acresce que a sentença recorrida remete para o teor do auto de inpecção ao local e no mesmo consta de forma expressa o seguinte: «.. Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos….».
Acresce que essa factualidade do ponto 6º resulta da conjugação do teor da prova testemunhal e da inpecção ao local (a testemunha JJ, irmã do autor e dos réus esclareceu que era por esse caminho que se acedia á casa a pé e de carro, desde 1965 (O caminho tem 4 metros de largura e 30 metros de comprimento na bifurcação e tem marcas de rodados e está calcado e até lá passam camiões e que a entrada principal da casa está virada para esse caminho) e que apesar da abertura da rua o portão, também dá acesso à casa, mas não tem as mesmas condições, largura e comodidade, pois não passa uma carrinha ou camioneta e que o autor não passa de carro para as traseiras da casa, pelo portão da casa dele, só a pé).
O caminho era o único que servia os prédios todos e da inspecção ao local resultou demonstrado esse facto 6º (onde se discrimina a configuração do caminho e a acessibilidade e o acesso da rua).
Assim, é manifesto que o facto provado sob o artigo 6º deverá continuar a ter-se em provado porque é o acesso mais comodo e rápido para a casa do autor através de automóvel e não existe nenhuma contradição com o teor do ponto 22º e 25 dos factos provados.
Assim, improcede neste ponto a impugnação da matéria de facto.
*

Por outro lado, os apelantes referem que no ponto 1, ficou provado que “1- Para circular pelos 5 prédios, contíguos entre si, os pais rasgaram uma faixa de terreno por onde acediam aos prédios, onde cultivavam produtos hortícolas, cereais, oliveiras, árvores de fruta, vinho e criavam gado”.
Alegam que não existe prova de que o caminho tenha sido aberto com essa finalidade, ou seja, que tenha sido aberto para permitir aos pais das partes circular pelos seus 5 prédios, contíguos entre si.
Alegam que conforme resulta provado em E, os prédios não foram adquiridos todos ao mesmo tempo. O primeiro lote a advir à propriedade dos progenitores foi adquirido em 1955 e corresponde ao prédio que hoje é do Autor; os restantes foram adquiridos na década de 60, não estando fixada na sentença a data de adquisição de cada um deles.
Alegam que a testemunha JJ, irmã de Autor e Réus, referiu entre o minuto 01:37 a 01:47 – 1º segmento – que o caminho foi aberto pelos pais para a construção da casa no prédio dos aqui Recorrentes. E disse também a testemunha que quando os pais tinham apenas a casa que agora pertence ao Autor o acesso era feito pelo acesso abaixo e que o caminho foi construído depois pelos pais para dar acesso à casa dos Recorrentes. Mais referem que resultou do depoimento do outro irmão das partes II, que o prédio da casa do Autor foi comprado em primeiro lugar e que o pai construiu a casa e que o terreno dos aqui Recorrentes, onde se encontra implantado o caminho, foi adquirido foi adquirido posteriormente. E que em termos de acesso, ao primeiro prédio os pais acediam pelo local onde hoje existe o portão para veículos do Autor e que foi para acesso aos prédios dos Réus que depois se construiu o caminho
aqui reivindicado como de servidão.
Invocam que o testemunho de NN revela que que entrava pelo local onde há a entrada para o prédio do Autor e que o caminho foi feito para acesso à nova casa.
Concluem, assim que não está provado que a finalidade da abertura do caminho fosse para permitir a circulação pelos 5 prédios, contíguos entre si. Referem que não há nenhuma testemunha que atestou a finalidade da construção do caminho. E que atenta a imagem junta como documento 2 da contestação dos recorrentes onde se vê o segmento ascendente do caminho e o
prédio do Autor e que nessa imagem é perceptível que no terreno do Autor não existiam, em Março de 2010, data em que a mesma foi captada, quaisquer marcas de visíveis e permanentes de caminho e que apenas se vêm as marcas do caminho no prédio dos Recorrentes.
Concluem, que não existem sinais de que esse caminho estivesse usado para aceder a outros prédios da propriedade, nomeadamente ao prédio da irmã HH, que fica depois do prédio do Autor. E que essa imagem infirma, não só o provado sob o nº 1, como o provado sob os números 5, 7, 11 e 13.
Pelo exposto, os apelantes consideram que houve um erro na sentença quando deu esses factos como provados, devendo considera-los como não provados. Ou que em alternativa poderá a redacção do facto ser reformada, passando a constar: 1- Para aceder ao local onde construíram a casa que hoje pertence aos 2ºs Réus, os pais rasgaram uma faixa de terreno.
O facto provado 5 tem o seguinte texto: “5- O autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus.”
Por seu turno, o facto provado 7 reza assim: “7- O caminho sempre foi usado pelos seus pais desde que adquiriram todos os prédios e passaram a residir na casa do autor e a cultivar todos os prédios”.
Referem que as testemunhas que sobre essa factualidade depuseram foram unânimes em referir que os pais iniciaram por habitar a casa que hoje pertence ao Autor e que se transferiram para a casa que hoje pertence aos 2ºs Réus: a JJ, referiu que: “Os pais viviam na casa do AA e, depois, mudaram para a casa do DD.”; a testemunha PP, referiu que habitou na casa dos pais das partes durante 8 ou 10 anos, nos anos 90 do século passado e identificou a casa como sendo a casa, não a casa antiga.
Os apelantes mencionam também LL, afiançou que, a partir de 1987, sempre encontrou os pais das partes a habitar na “casa grande”, que hoje é pertença dos Recorrentes.
E que HH, reportou que os pais passaram a viver na casa grande e que, desde esse momento não vivia ninguém na casa do Autor.
Concluem, que face a esses depoimentos ficariam infirmados os factos dados por provados nos pontos 5 e 7, designadamente quanto ao local onde habitavam os progenitores das partes (pese embora não seja possível afirmar sem dúvida o momento em que essa mudança ocorreu, é incontroverso na prova testemunhal produzida que os pais do Autor, e bem assim, dos Réus, passaram a habitar a casa que hoje pertence aos aqui Recorrentes desde a década de 1980, onde permaneceram até ao seu decesso).
Concluem que não há prova em contrário e assim esses factos tem de ser dados como não provados, sendo que referem que o autor não fez prova de que os seus pais moraram na sua casa até falecer ou que até esse momento, fizeram uso do caminho para cultivar os seus prédios.
Consideram, assim que deve ser dado como não provados os factos constantes dos números 5 e 7.
Resulta que este segmento da impugnação deve ser julgado improcedente porque esses factos resultaram do teor do depoimento da testemunha JJ, irmã do autor e dos réus do qual resultou de forma objectiva que os pais fizeram um caminho para aceder à casa e cultivar os terrenos com vinha e oliveira e para criar animais e que era por esse caminho que se acedia à casa, a pé e de carro, desde 1965 e que esse era o único que servia os prédios todos (O caminho tem marcas de rodados e está calcado e até lá passam camiões) e que desde a morte dos pais, até 2005 a irmã HH que lá viveu, continuou a cultivar e a usar o caminho, como no tempo dos pais.
Igualmente resulta que os mesmos ficaram demonstrados pelo depoimento da testemunha LL, vizinho das partes, do qual resultou que foi o pai do autor e réus que rasgou o caminho para acesso à casa, há cerca de 45 anos e que esse era o único caminho que servia toda a quinta, quando era tudo do Sr. AA.
Acresce que mesmo a testemunha II, irmão do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor refere que todos os prédios eram dos seus pais e que no tempo do pai ele era senhor único e entrava e saía por todo o lado, em todos os prédios, não havia divisões nem barreiras.
Assim, improcede este segmento da impugnação permanecendo os preditos factos como provados.
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Alegam os apelantes que sob o nº 13 provou-se: “13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os prédios”.
Referem, todavia que sobre este facto apenas se referiu a JJ, em modo oposto ao que ficou dado como assente.
Referem que essa a testemunha, refere que depois dos pais falecerem, o que ocorreu em 2000 e 2001, a irmã HH manteve-se a habitar na casa e os prédios apenas se foram cultivados até que tudo ardeu em 2005. E que nada foi referido quanto às culturas que a D. HH lá manteve ou ao modo de cultivo.
Refira-se, igualmente, a imagem junta sob o nº 2 da Contestação dos Recorrentes onde se vê que em 2010 não havia marcas de circulação no prédio do Autor para o prédio da irmã HH, o que comprova que não havia cultivo, sementeira ou colheita.
Concluem, que é, obrigatório alterar a redacção do facto provado, no seguinte sentido: “13- Após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, a filha HH continuou a cultivar e cuidar as terras, o que aconteceu até 2005, quando tudo ardeu”.
Quanto a este segmento teremos de considerar o mesmo improcedente porque resultou demonstrado de forma objectiva pelo depoimento da testemunha JJ que há mais de 50 anos que ninguém se opõe à passagem no caminho e portão para a casa do autor e que esse caminho era o único que servia todos os prédios (e que o autor não passa de carro para as traseiras de casa porque da parte traseira da casa só acede a pé para a rua) e que existem marcas de rodados.
De resto este depoimento foi valorado sendo que o mesmo está em total sintonia com o teor do auto de inspecção e por tal motivo teve credibilidade.
Resulta do auto de inspeção:«.. Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos.».
Acresce que do depoimento da testemunha OO, vizinha e amiga da 1.ª ré, resulta que o autor antes de o portão ser fechado o autor circulava e entrava pela casa dos 1 réus (o que demonstra que transitava nesse caminho).
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Por outro lado os réus referem que o facto dado por provado sob o ponto 17 com o seguinte texto: “17- Em 23 de Maio de 2022, os réus fecharam o portão à chave impedindo que o autor aceda à sua casa pelo caminho”. Mas que nenhuma testemunha referiu a data de colocação do portão no caminho., nem que o portão ficou fechado nessa altura.
Assim, concluem deve esta matéria (facto 17) ser julgada não provada.
Resulta que a presente impugnação terá que ser julgada improcedente porque o autor na petição inicial no ponto 26 alega que os réus no dia 23 de Maio fecharam o portão á chave. E os 2 réus na sua contestação no ponto 3º expressamente admitiram a veracidade do alegado sob o ponto 26 dos factos alegados. Apesar de os 1 réus terem impugnado esse facto na sua contestação, resulta que esse facto sob o ponto 17 deverá continuar a ter-se como provado desde logo pela confissão numa das contestações e por outro lado resultou do depoimento da testemunha JJ (irmã do autor e dos réus) a qual referiu de forma expressa que os irmãos BB e DD, em 2022, substituíram o portão de madeira, por um metálico, com chave, da qual, não deram um duplicado ao autor e ele ficou sem acesso, porque o novo portão ficou fechado.


Invocam por outro lado os apelantes que a segunda imagem junta com a contestação que representa a casa do autor do lado direito e as dos réus do lado esquerdo e demonstra sem margem para dúvida que o autor tem acesso Directo á via pública e que a partir dai consegue aceder sem entrave ao interior do seu predo usando veículos. E que os documentos 6 e 7 da Petição Inicial, por seu turno, mostram o interior do prédio do Autor e, bem assim, os ferros colocados na divisão entre o seu prédio e o dos 2ºs Réus.
Alegam ainda que o auto de inspecção ao local indica que o autor tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos.
Alegam que da inspecção ao local resulta aquilo que os Réus sempre defenderam, ou seja, que o prédio do Autor confina com a Rua e que o portão colocado nessa confrontação lhe permite acesso directo com um automóvel (e que o mesmo não tem qualquer necessidade de utilizar o portão e caminho dos Réus para aceder ao seu prédio e à sua casa, seja a pé ou de automóvel).
Concluem que fica prejudicada a teoria da constituição de uma servidão porque a casa do autor sempre foi servida por uma estrada
Neste segmento igualmente resulta que a sentença refere na factualidade que o autor acede á rua mas que esse acesso pela rua não lhe permite aceder de da mesma forma que o caminho discutido nos autos, porque resulta do auto de inspecção que:«…Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos..».

Por outro lado os apelantes referem que o vertido nos artigos 22, 23 e 24 dos temas da prova, consta: “22- A demarcação e delimitação de todos os prédios no levantamento topográfico, por acordo de todos os interessados visou assegurar que todos os prédios ficavam a confinar com a via pública e que o acesso aos mesmos era feito directamente através da Rua ...;
23- Por acordo de todos os interessados o prédio do autor mantinha o acesso directo à via pública e não através de qualquer caminho através dos prédios dos réus;
24- Após a partilha, os réus e os demais irmãos a quem foram adjudicados prédios procederam ao fecho e vedação dos seus prédios;”.
E consideram que os mesmos deveriam ser dados como provados tendo-se em conta que a testemunha JJ informou que nas partilhas todos os lotes ficaram com acesso à via pública. E II, outro irmão das partes, referiu que nas partilhas a irmã HH tratou de fazer levantamentos para que cada um soubesse aquilo com que ficava e todos o aceitaram e que o Autor fez uma vedação na confrontação com o prédio da irmã HH. E que a irmã HH também vedou o seu terreno e fez uma entrada nova. Por sua vez que a testemunha HH, referiu que cada um ficou com um levantamento da sua parte e ficou acordado que cada um tinha de providenciar pelo seu acesso para a via pública.
Concluem assim que não foram apenas os irmãos desavindos com o Autor quem depôs sobre esta matéria, já que a sua irmã e testemunha JJ também referiu que nas partilhas foram feitas diligências para que todos ficassem com acesso directo à via pública.
Mais demonstra esta prova que as testemunhas II e HH depuseram de forma séria, coerente, isenta e, portanto, credível.
Assim, consideram que esta prova demonstra o erra da sentença e que estes factos deveriam ser tidos como provados.
Deverá ser dado como provado que:
26- A demarcação e delimitação de todos os prédios no levantamento topográfico, por acordo de todos os interessados visou assegurar que todos os prédios ficavam a confinar com a via pública e que o acesso aos mesmos era feito directamente através da Rua ...;
27- Por acordo de todos os interessados o prédio do autor mantinha o acesso directo à via pública e não através de qualquer caminho através dos prédios dos réus;
28- Após a partilha, os réus e os demais irmãos a quem foram adjudicados prédios procederam ao fecho e vedação dos seus prédios.

Este segmento da impugnação da matéria de facto terá de ser julgado improcedente porque as únicas testemunhas que indicaram essa matéria foram dois irmãos do autor: II (irmão do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor), e a testemunha - HH (irmã do autor e dos réus e que está de relações cortadas com o autor). As preditas testemunhas não demonstraram essa matéria porque o seu depoimento de que o autor não precisaria de passar pelo caminho objecto dos autos é infirmado pelo próprio teor da inspecção ao local do qual resultou que «.. Mais se verificou, que a casa do autor, tem um portão ao nível da Rua ..., o qual, permite a entrada de um carro para o terreno fronteiro à casa, situada a um nível superior, mas não permite que o carro aporte desse lado às entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos..».
Por outro lado, e tal como se refere na sentença, carece de qualquer lógica a existência desse alegado acordo, uma vez o caminho objecto dos autos desemboca nas frentes das 3 casas que são contiguas e não faz sentido que o mesmo só pudesse ser usado só pelos 2 irmãos que têm boas relações e não pudesse ser pelo autor.
Por fim, resulta que não consta nenhuma prova documental desse alegado acordo entre as partes, ao contrário de que consta documentado o acordo quanto á agua nos autos de inventário (sendo que se consideraria lógico se existisse esse invocado acordo dever ficar expresso no inventário tal como foi realizado quanto á agua).
Assim, improcede esse segmento da impugnação da matéria de facto.

Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, não existe nenhuma razão para se realizar qualquer alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida.
A prova produzida não impõe nos termos do artigo 662 do CPCivil decisão diversa quanto á matéria de facto.

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C- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE MÈRITO

A sentença recorrida quanto á decisão de mérito considerou o seguinte (transcrevendo-se apenas a parte objecto de impugnação): «… Foi reconhecido nestes autos, pelo menos implicitamente, por todas as partes, quando assim reconhecem que a passagem era comum e livre no tempo dos pais e da herança indivisa, pelo leito do caminho, embora os pais não tivessem carros e só os filhos por ali passassem de carro, com o que que se encontra constituída, por destinação do pai de família, uma servidão de passagem que onera o prédio dos réus, em favor do prédio do autor, com o que resulta prejudicada a apreciação do pedido subsidiário formulado pelo autor em 5 e 6.
Contrapuseram os réus pelo acordo em sentido contrário atributivo de passagens privativas para a via pública, o qual, não ficou vertido no título da partilha e não se firmou, sequer, de forma verbal.
Pugnam os 1.ºs réus, na reconvenção pela desnecessidade da referida servidão e os 2.ºs réus pelo abuso de direito, por o autor dispor de saída própria para a via pública.
No caso, tendo em conta a factualidade provada – cfr. factos 1 a 17 – é patente a verificação dos requisitos da constituição da servidão por destinação do pai de família, pelo que prejudicada fica a apreciação do reconhecimento do direito de servidão de passagem por usucapião – cfr. art. 554 do CPC.
Assim também, no acto de separação do domínio dos prédios, no inventário e suas adjudicações, as partes não emitiram uma declaração contrária à constituição da servidão.
Por isso, se a servidão não se tivesse constituído por destinação, ela resultaria de contrato, que a confirmou, proporcionando-lhe um novo fundamento, podendo dizer-se que passou a ser também "de origem contratual ou de confirmação contratual" (Henrique Mesquita, RLJ 129-273).
Pugnaram os 1.ºs réus, na reconvenção, pela desnecessidade da servidão constituída por destinação do pai de família.
Em suma, podemos afirmar que se é certo que tal caminho ainda representa uma utilidade para o prédio do autor que não dispõem de acesso de carro directo para a casa, mas apenas para o logradouro situado a um nível inferior, a restrição que ele comporta ao direito de propriedade dos réus sobre os seus prédios é por demais elevada, quando comparada com aquela utilidade, que é objectivamente diminuta. O prédio do autor, pelo menos no quintal, onde é fácil criar uma rampa para as portas da casa, consegue agora ter acesso fácil e cómodo por outra via, que não o caminho de servidão, e tem, em função disso, aplicação ou aproveitamento que antes lograva através da servidão de passagem para o logradouro, já vimos, que não para a casa.
É em função disso que se pode concluir pela desnecessidade da referida servidão de passagem, na percepção de que a sua continuidade comporta um sacrifício desproporcionado e injustificado para o direito de propriedade dos réus sobre os seus prédios, face à reduzida utilidade que assegura para o prédio dominante, do autor, o qual pode construir ele próprio, uma rampa para acesso ao socalco ou promontório onde se inscrevem as portas de acesso à casa, parte da habitação.
Como se referiu, a questão que aqui se coloca é a de saber se a servidão, assim constituída, pode ser extinta por desnecessidade.
Perante esta norma, a doutrina é francamente predominante no sentido de que a servidão por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade
Dizem ainda os 1.ºs réus que estão emigrados, e que o seu prédio está todo vedado e murado, não podendo ser devassado ou fragilizado por falta de segurança, com a passagem do autor.
Contudo esta objecção, só procederia se se tratasse de um direito potestativo de constituição de servidão legal de passagem nos termos do art. 1.551 do CC e não de uma servidão de matriz voluntária.
IMPROCEDE ASSIM O PEDIDO RECONVENCIONAL FORMULADO PELOS 1.ºS RÉUS
DO ABUSO DE DIREITO INVOCADO PELOS 2.ºS RÉUS
Os 2.ºs réus na contestação destacam que dispondo o autor, no seu prédio, de um portão e de uma frente aberta de trajecto mais curto para a via pública, não tem qualquer necessidade de usar o caminho, por se perpetuar uma servidão que não traz qualquer benefício, constituindo um encargo injustificado para os prédios servientes. Dispondo agora o autor de um acesso mais rápido e cómodo à via pública, a utilização do caminho em questão só pode representar um acto de abuso de direito.
Sem razão, parece-nos.
Desde logo, porque o acesso pelos portões do autor, não permite o acesso carral à casa e às portas que a servem, logo, este caminho é o caminho mais rápido e cómodo para veículos, caso contrário, só nos adentramos de carro para a zona do quintal ou logradouro.
Ora, esta situação não ficou provada. Pelo contrário, ficou demonstrado que o caminho ainda conserva alguma utilidade para o acesso de automóvel à casa, que o autor continuava a usar.
Apesar de se reconhecer a desnecessidade da servidão, aferida em função da desproporção entre a sua utilidade para o prédio dominante e o sacrifício que da mesma resulta para o prédio serviente, concluiu-se que "o instituto jurídico do abuso de direito jamais poderá servir para se alcançar um resultado substantivo que o específico regime jurídico aplicável (designadamente o regime da servidão constituída por destinação de pai de família) claramente rejeita".
Assim parece, de facto.
Para além disso, para ser ilegítimo, o exercício do direito tem de revelar um excesso manifesto, designadamente dos limites que decorrem do fim social ou económico desse direito.
O excesso é manifesto se o exercício se pode considerar clamorosa e intoleravelmente ofensivo da justiça.
No caso, porém, o autor limitou-se a exercer um direito juridicamente reconhecido e tutelado, conformando-se a sua actuação com o fundamento dessa tutela legal.
Não existe, por isso, abuso do direito.
Será útil acrescentar-se o seguinte:
Mesmo assim, é compreensível e, em abstracto, legítima (cfr. art. 1305º do CC) a pretensão dos réus, como proprietários, de porem fim à servidão. Mas esta não tem, pela razão referida, o efeito negativo de um abuso de direito.
O que constitui abuso de direito, outrossim, é reclamar a remoção do portão, quando a passagem se basta com a entrega ao autor de um duplicado das chaves do mesmo…»(sic).
*

Quanto á impugnação da decisão de mérito os 1º réus alegam que não existem dúvidas que o prédio de autor e réus pertenceram ao mesmo proprietário (os pais de autor e réus e, subsequentemente, ao autor e irmãos, na qualidade de herdeiros), tendo os prédios ficado a pertencer a proprietários diferentes no acto da partilha.
O mesmo não se diga do pressuposto da separação do domínio de um e outro prédio sem que do documento respectivo – no caso, os documentos do inventário – constasse declaração oposta à constituição do encargo. Com efeito, resulta que, do inventário, no caso das águas fez-se expressa referência à sua manutenção e quanto às passagens nada foi dito, pela razão que todos os prédios ficaram dotados de acesso à via pública
Também não foram provados factos que permitam concluir pela verificação do pressuposto da existência de sinais visíveis e permanentes, que – aquando da desanexação e da separação do domínio dos dois prédios – revelem inequivocamente uma relação estável de serventia do prédio dos réus em relação ao prédio do autor.
Referem ainda que era exigível a prova da vontade subjectiva dos proprietários (no caso dos autos, o autor e irmãos, na qualidade de herdeiros do primitivo proprietário) de constituição da relação de serventia, e a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objetivamente corresponda à de uma servidão aparente” - como defendem Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 243 e Menezes Leitão (Direitos Reais, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pág. 361, nota 747).
Ora, o que apenas se extrai da prova é que existe um acesso à casa dos réus, no seu terreno que confronta com o prédio do autor e a prova da utilização de tal caminho, há 60 anos, pelos Pais do autor e pelos herdeiros.
Entende-se que – mesmo que não procedesse a impugnação da matéria de facto não resulta a prova de sinais visíveis e permanentes, que mostrem de forma inequívoca a alegada relação de serventia entre os prédios de autor e réus, reportada ao acto de partilha operada em inventário.
*

Por outro lado os 2º réus invocam quanto ao segmento da impugnação da decisão de mérito que para a determinação da existência de uma servidão constituída por destinação do pai de família é necessário apurar se os dois prédios eram pertença do mesmo proprietário e se se separaram quanto ao domínio.
Esses dois requisitos estão provados, até porque quanto a eles as partes estão totalmente de acordo.
Os prédios de Autor e Réus foram propriedade dos seus progenitores e, por via de inventário e partilha à morte destes, foram transferidos para a esfera jurídica das partes.
Segue-se a indagação da existência de sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios.
Alegam que a sentença deu-o como provado com uma simples remissão para os factos provados 1 a 17, sem mais discorrer sobre quais os factos concretos que constituiriam esses sinais visíveis e permanentes, nem desvendar em que medida os mesmos expressam a relação de serventia entre os prédios.
Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários (no caso dos autos, o A. e irmãos, na qualidade de herdeiros do primitivo proprietário) de constituição da relação de serventia, mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objetivamente corresponda à de uma servidão aparente” (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 243), posição a que expressamente adere Menezes Leitão (Direitos Reais, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pág. 361, nota 747).”.
Supra manifestaram os Recorrentes o seu desacordo com o que ficou provado sob o ponto 1 e demonstraram, com apoio na prova produzida nos autos, que não deveria ter sido julgado assente que o caminho foi aberto para circular pelos 5 prédios.
Ao invés do que erradamente ficou escrito na decisão em crise, a prova toda indica que o caminho foi rasgado com o objectivo de aceder ao prédio que hoje pertence aos Recorrentes.
A conclusão é, ademais, simplificada por dois factos acessórios, não considerados na douta sentença, mas por demais notórios na prova:
• O primeiro prédio adquiridos pelos pais foi o prédio do Autor e que era acedido pelo local onde o prédio agora exibe um portão em ferro;
• Os demais prédios foram adquiridos em datas diferentes.
Tal demonstra que, por um lado o caminho não foi aberto para servir um prédio que dele não necessitava, porque tinha o seu próprio acesso, que os pais das partes e a sua família sempre utilizaram para nele adentrar e circular.
Mais torna patente que o caminho não foi aberto para criar ou facilitar o trânsito pelos 5 prédios, dado que foi os mesmos não existiam na propriedade dos pais no momento da sua abertura.
Sem prescindir, nem sequer está dada como assente a data de abertura do caminho ou a data de aquisição dos prédios, pelo que não podia o douto Tribunal fazer a associação entre as duas dimensões sem estar a laborar em factos extraprocessuais.
Também não está nada provado quanto ao percurso do caminho no prédio do Autor que exprima essa serventia entre os prédios.
Provou-se que: “2- O caminho configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento;
3- Sensivelmente a meio do leito do caminho, existe uma bifurcação para nascente, dando acesso à casa do 2.º réu DD, em linha recta e em paralelo ao prédio do autor;
4- A bifurcação, configura uma inclinação com 4 metros de largura e 30 metros de comprimento;
14- O caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor”.
Não há, nos factos provados, qualquer facto que indique o que caminho prossegue no prédio do Autor.
Tal como estão os factos, está provado que o caminho traça uma recta paralela à Rua ... e que bifurca para nascente, em paralelo ao prédio do Autor e dando acesso à casa dos Recorrentes.
Mas, tudo isto no prédio dos Recorrentes.
De valorizar é também a imagem junta com a Contestação dos Recorrentes que demonstra a ausência de marcas de passagem no prédio do Autor.
Com efeito, mesmo as fotografias juntas sob os números 5 e 6 com a Petição Inicial comprovam que o caminho se encontra integralmente situado no prédio dos Recorrentes, não sendo possível afirmar marcas antigas de passagem entre os dois prédios a partir desses registos fotográficos.
Contrariamente, o que elas demonstram é que o caminho não serviu o prédio do Autor nos moldes em que o mesmo o alegou, sendo o seu uso para lhe aceder meramente casual e nunca com intenção de constituir uma servidão a seu favor.
Nada de facto provado existe quanto à existência e percurso do caminho no prédio do Autor, pelo que não é possível afirmar utilidade do caminho para esse prédio.
Se não há prova da continuação do caminho no prédio do Autor não há prova de qualquer utilidade que por este possa ser gozada por intermédio do prédio serviente.
Uma leitura atenta e imparcial dos factos provados demonstra que não há qualquer benefício para o prédio do Autor que possa ou deva ser gozado à custa dos prédios dos Réus.
Ainda sem prescindir, deve proceder a alteração à matéria de facto protagonizada pelos Recorrentes e considerar-se para efeitos de subsunção ao direito o seguinte facto: 1- Para aceder ao local onde construíram a casa que hoje pertence aos 2ºs Réus, os pais rasgaram uma faixa de terreno.
Os Recorrentes também tornaram bem claro acima que os pais das partes não moraram na casa do Autor até ao seu falecimento, mas que se mudaram para a casa ao lado na década de 80, ficando aquela habitação desocupada.
Assim, os anteproprietários serviram-se do caminho, outrossim, para acesso à sua casa, que é a que hodiernamente pertence aos Recorrentes e não ao Autor.
Certo será que também utilizaram o caminho para se deslocar entre os diversos prédios que constituíam a sua propriedade, incluindo o do Autor, mas não foi com esse propósito que o caminho foi aberto e trilhado, sempre a pé, pelos seus anteriores proprietários.
Fazendo apelo à decisão supra citada, ao Autor caberia, por força da disposição do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, fazer a prova de que os sinais deixados (i. e. a existência do caminho) são reveladores de uma “vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objetivamente corresponda à de uma servidão aparente”.
É indiscutível que o Autor não conseguiu fazer essa prova e que apenas fez prova da existência da materialidade do caminho.
Isto é, o Autor fez prova da existência do caminho e do seu percurso, mas tal não é suficiente para considerar verificado o pressuposto de constituição da servidão.
O que resulta da prova é que os seus pais faziam uso do caminho como faziam uso de qualquer outro local da sua propriedade, para circular livremente no que era seu.
Que tanto acediam aos prédios por uma ou outra entrada e se dirigiam onde bem entendiam, nomeadamente, para efeitos de cultivar a sua propriedade sem demais vontade de beneficiar um prédio específico com um acesso determinado.
Não há prova de que o caminho tivesse como finalidade a circulação de acesso ao prédio do Autor e que fosse utlizado com essa específica função ou vontade.
Ficou por provar o elemento volitivo essencial à formação da servidão por destinação do pai de família.
Por outras palavras, o Autor não logrou carregar prova para os autos capaz de sustentar que o caminho foi objecto da “vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objetivamente corresponda à de uma servidão aparente”.
E, portanto, tinha sempre a sua acção que ser julgada improcedente.
Acresce, finalmente, que deve ser considerado provado que, no momento da separação dos prédios, os seus proprietários, os herdeiros, não estavam de acordo com a formação de uma servidão por destinação do pai de família.
Pelo contrário, havia consenso quanto à necessidade de cada um ter acesso directo e independente à via pública, sendo isso o que resultou do labor da cabeça de casal HH, quando constituiu os lotes que foram adquiridos por cada um dos herdeiros.
Isso será o que resulta do provado sob os números 26 a 28, correspondendo aos números 22 a 24 dos temas da prova.
Conquanto tal resulte indiciado, pelo menos atendendo ao que as testemunhas II e HH revelaram quanto à sua própria pessoa e à sua convicção de que cada prédio ficaria independente.
Não há prova de sinais que possam ser interpretados como revelando a vontade inequívoca de constituição de servidão, ao menos nos anos em que os prédios pertenceram à herança dos progenitores das partes.
Também não o há no período em que os prédios pertenceram ao património indiviso das suas heranças.
Consequentemente, à data da separação não existia esse elemento volitivo por parte dos proprietários capaz de se materializar na constituição de servidão no momento da cisão do património.
Ainda que nada tenha ficado exarado no documento da separação, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2019, que: “Tendo os donos de um prédio tomado disposições concretas para excluir a constituição de uma servidão de passagem, praticando atos integrados na divisão do prédio que deixavam perceber claramente essa exclusão, apesar de nada se ter dito na escritura de doação de uma das frações desse prédio, a
referida vontade de exclusão da servidão deve ter-se por operante e eficaz, por ser do conhecimento e aceitação dos donatários, que, para deixarem de utilizar a entrada e caminho existente, em conjunto com os doadores abriram uma nova entrada para a parte do prédio que lhes foi doada.
Essa vontade está expressa na já referida repartição dos artigos matriciais, de forma a que todos tivessem acesso à via pública, pelo que deverá ser considerada pelo Tribunal.
Votando a acção à improcedência e a sentença a ser revogada, em favor de uma que assim decida, por violação do disposto nos artigos 1543º, 1544º e 1549º do Código Civil.
Antes das conclusões, os Recorrentes defendem brevemente que também não podem proceder os pedidos supletivos relacionados com a constituição da servidão por usucapião.
Não está provada a prática de actos, nomeadamente o uso do caminho, nos anos após o falecimento dos progenitores de Autor e Réus.
Ou seja, não está provada a prática contínua dos actos que constituem o núcleo da servidão – passagem de carro, a pé, pelo caminho existente no prédio dos Réus para acesso ao prédio do Autor – uma vez que há um período de quase 20 anos sem notícia de que alguém por ali tenha transitado com esse propósito.
O que está provado, sem margem para contestação, é a sua desnecessidade, em virtude do acesso direto à Rua, proporcionado por dois portões abertos na vedação do prédio do Autor no local onde o mesmo confronta com esta.
Por isso não estão reunidas as condições para julgar constituída uma servidão por usucapião, pelo que, também estes pedidos terão que improceder.
Não obstante tudo o que foi alegado, os Recorrentes afirmam, no epílogo destas suas alegações, que o Autor age em abuso de direito, revelado pela existência de acesso directo do seu prédio à via pública.
Por esse acesso, cuja existência é mesmo anterior ao caminho reclamado, o Autor tem acesso pedonal e automóvel ao interior do seu prédio.
Age também em abuso de direito porque acordou com os irmãos que todos os prédios teriam acesso à via pública e vem, agora, reclamar servidão de passagem pelos prédios dos Réus.
Há um uso manifestamente abusivo do direito que o Autor pretende exercer, o que deve conduzir, igualmente, à improcedência da acção.
*

Ir-se-á analisar a impugnação á decisão de mérito relativamente a todos os réus. Todavia, desde já se salienta que os 2 réus na parte da impugnação jurídica invocam alterações á matéria de facto que não ocorreram e nessa medida não se irá tornar a analisar esse contexto atinente á impugnação de facto.
No que respeita à reapreciação do direito quanto ao alegado pelos réus no que diz respeito á improcedência da acção e procedência da reconvenção, em certos segmentos as alegações dos apelantes pressupõem e apoiam-se, nas alterações da decisão proferida relativamente à matéria de facto por si defendidas, pretensão que os apelantes não lograram atingir, pelo que, nesse segmento a apelação terá de improceder sem necessidade de outras considerações quanto a esse segmento.


Verifica-se que a autora pugna pela existência da servidão tanto por usucapião como por destinação de pai de família.
A destinação do pai de família e a usucapião são duas formas de constituição do direito de servidão que é um direito real menor.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac RC Processo: 1155/13.0TBVNO.C1 Data do Acórdão: 13-05-2014 Sumário (local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência): 1 - Não têm a mesma causa de pedir e pedido acções em que, numa, se pede o reconhecimento de servidão constituída por usucapião e, na outra, se pede o reconhecimento de servidão constituída por destinação de pai de família; sendo o respectivo título constitutivo que define o conteúdo, extensão e modo de exercício duma servidão, não tratam ambas as acções da mesma concreta servidão (por muitas semelhanças que a alegação factual e o pedido possam ter)…»(sic). E vide, igualmente o Ac STJ 1021/15.4T8PTG.E1.S1 Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO, Data do Acórdão: 13-09-2018 Sumário:
I - Não pode confundir-se a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por usucapião com a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por destinação do pai de família.
II - Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do art. 1547.º do CC, é necessário que: (i) os dois prédios ou as duas fracções do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; (ii) existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e (iii) que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. art. 1549.º do CC).
III - Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários de constituição da relação de serventia mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”.
IV - Apenas se extraindo da prova a existência no prédio do réu de um “corredor”, com um certo traçado arquitectónico, que era utilizado há mais de 50 anos pelo autor e, antes dele, pelos seus pais e outras pessoas, tal não é suficiente para considerar verificado tal pressuposto.
VI - Incidindo sobre o autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC), a falta de prova dos mesmos tem como consequência o não reconhecimento do direito.».
Estamos perante duas causas de pedir concorrentes ou alternativas e nessa medida o tribunal pode fundamentar a declaração do direito em qualquer uma delas.
Estabelece o artigo 1549º do CC: Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.
São assim pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família:
- a existência de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio que pertençam ao mesmo proprietário;
- a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios;
- a separação dos prédios ou fracções quanto ao domínio;
- Inexistência no documento respectivo de declaração contrária à constituição da servidão.
Esta servidão constitui-se no momento em que os prédios ou fracções de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.
Tendo-se em conta a factualidade provada nos autos e acima referida é patente a verificação dos requisitos da constituição da servidão por destinação do pai de família, dado que no momento da separação dos prédios havia sinais reveladores dessa servidão sobre o prédio dos réus a favor do autor.
Ao contrário do que invocam os apelantes o autor logrou demonstrar a constituição dessa servidão e da existência de sinais que revelam a relação de serventia, dado que ficou provado, nomeadamente que, para circular pelos 5 prédios, contíguos entre si, os pais rasgaram uma faixa de terreno por onde acediam aos prédios (caminho que configura uma recta, paralela à Rua ..., em terra batida, com 4 metros de largura e 60 metros de comprimento) e que o autor serve-se desse caminho para ter acesso à sua casa, tal como já o faziam os seus pais, onde moraram até falecer e o mesmo, sucede com os réus. Ficou igualmente demonstrado que não esse caminho sempre fi usado pelos pais e que não existe outro acesso mais rápido e comodo que permita a circulação de veículos para as casas.
Estão provados os sinais dado que esse caminho já consta na declaração emitida pela Câmara Municipal de ..., em 6/09/1976, e o mesmo é ladeado por vegetação rasteira, algumas árvores e um muro de suporte de terras do lado esquerdo, com cerca de 20 metros de comprimento, até à bifurcação; e o seu leito está pisado e despido de vegetação, com marcas de trânsito de rodados de veículos e de passagem a pé;
Por outro lado ao contrário do invocado pelos 2º réus está demonstrado o uso do caminho pelo autor dado que está provado que o caminho situa-se na extrema poente dos prédios dos réus e descreve uma linha recta, paralela à Rua ..., até ao prédio do autor e que após o falecimento do FF, em ../../2000 e da GG, em ../../2001, os filhos continuaram a cultivar e cuidar as terras, da mesma forma que seus pais faziam, usando o caminho para circular entre os Prédios.
Pelo exposto, está demonstrada a servidão de passagem a onerar o prédio dos réus constituída por destinação do pai de família e nessa medida confirma-se neste segmento da sentença recorrida., aderindo-se á sua fundamentação, ficando prejudicada a análise quanto á usucapião.

Por outro lado, os apelantes invocam que existiria uma declaração de oposição á constituição da servidão no âmbito do inventário, mas não lograram demonstrar esse alegado acordo (de resto quanto á águas ficou expresso um acordo, mas nada consta quanto á servidão).
Referem que resulta do inventário, no caso das águas fez-se expressa referência à sua manutenção e quanto ao caminho nada foi dito, pela razão que todos os prédios ficaram dotados de acesso à via pública.
No acto de separação do domínio dos prédios, as partes intervenientes não emitiram nenhuma declaração contrária á constituição da servidão, isto porque aquando do inventário não consta nenhuma declaração expressa contrária á constituição da servidão, e não é a circunstância de terem acesso á via pública que por si só demonstra uma declaração em sentido contrário quanto á constituição da servidão.
A mera existência de acesso á via publica referida no inventário não implicaria ser uma declaração em sentido contrário á constituição da servidão, porque a mesma carecia de ser expressa.
Neste sentido, vide o Ac da RG processo 4684/17.2T8GMR.G1, Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES, 28-11-2019 Sumário: III- São requisitos da servidão por destinação de pai de família prevista no art. 1549º do C.C.: a) que os dois prédios, ou as duas fracções de um só prédio, tenham pertencido do mesmo dono; b) a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um prédio para outro ou de uma fracção para a outra; c) que se verifique a separação dos prédios ou das fracções e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição da mesma servidão.
IV- A declaração em contrário constante do documento tem que ser expressa, especial, clara e terminante, não bastando a aposição da cláusula “livre de ónus e encargos”.
Aderindo ao entendimento deste acórdão, perfilhamos a tese de que servidão transforma-se automaticamente e ope legis em servidão no momento da separação, a menos que, no documento que formaliza esta, as partes digam de forma clara e expressa que se opõem à sua manutenção, não bastando a mera indicação de existir acesso á via pública, para se considerar uma oposição á manutenção da servidão.
Invocam por outro lado os apelantes a extinção dessa servidão.
Tendo-se em conta que a servidão se constituiu por destinação de pai de família a mesma não se poderá extinguir porque uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família é uma servidão voluntária, de criação ope legis, mas não uma servidão legal. E, por isso, não é susceptível de extinção por desnecessidade (conforme referido no Ac RP Relator: RUI MOREIRA Processo: 3546/15.2T8LOU.P1 12/07/2017).
Mas mesmo que assim não fosse considerado e se considerasse que a servidão resultou apenas da usucapião entendemos, que apesar do prédio do autor ter uma outra ligação á rua a mesma não tem dimensões mais reduzidas que a servidão e o acesso pela estrada não permite aceder de veículo desse lado ás entradas da casa que fazem um ângulo de 90º para as casas dos irmãos (conforme consta do auto de inspeção).
Com efeito, nos termos do artigo 1569º, n.º 2, do Código Civil, as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
A desnecessidade corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante. Este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, atento o principio da proporcionalidade entre as características do prédio serviente e o que beneficiaria com a extinção da servidão e a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da extinção da servidão.
No caso a extinção da servidão implicaria a impossibilidade de aceder de carro ao lado da casa que fazem angulo de 90º para as casas dos irmãos.

Neste sentido e para mais desenvolvimentos, vide Ac da RC 60/16.2T8AGN.C1, Relator LUÍS CRAVO 24-04-2018 Sumário:
I – A desnecessidade da servidão traduz-se numa situação em que se conclui que o prédio dominante não precisa da servidão.
II – A lei (art.1569º, nº2, do C.Civil) exige que a desnecessidade da permanência da servidão deve ser aferida pelo momento da introdução da acção em juízo, mas, em princípio, a desnecessidade será superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante.
III – No entanto, a desnecessidade tem de ser aferida pela situação existente no momento em que a acção é proposta (objetiva e actual), e não só após a realização de alterações a levar a cabo no prédio dominante determinada na sentença.
IV – Só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante; fazer equivaler a desnecessidade à indispensabilidade não é consistente com a possibilidade de extinção por desnecessidade de servidões que não sejam servidões legais; a necessidade/desnecessidade não equivale a indispensabilidade/dispensabilidade, sendo que a mera circunstância de a servidão não ser absolutamente necessária ou indispensável não equivale à sua desnecessidade.
V – Incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão o ónus da prova da desnecessidade.
VI – Não é possível concluir pela positiva quando, no caso, se apura que que a entrada/acesso alternativa não proporciona igual ou semelhantes condições de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante do A., no confronto com o outro acesso existente, que se traduz na servidão de passagem ajuizada, antes aquele acesso apenas possibilita condições proporcionalmente agravadas, mormente no que ao transporte de bens e mercadorias diz respeito.»
E igualmente, vide o AC do STJ 558/20.8T8GMR.G1.S1 Relator: FERNANDO SAMÕES Data do Acórdão: 25-05-2021 Sumário: «..VI. A desnecessidade susceptível de permitir a extinção judicial de uma servidão de passagem deve ser objectiva, típica, exclusiva e superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante, e deixar de ter qualquer utilidade para este mesmo prédio.
VII. O ónus da prova da desnecessidade incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão.
VIII. Não é suficiente para essa declaração a mera confinância do prédio dominante com as vias municipais.»

Por fim invocam os apelantes a existência de um abuso do direito por parte do autor, com a inerente improcedência da acção, porque o mesmo tem acesso direto à Rua, proporcionado por dois portões abertos na vedação do prédio do Autor no local onde o mesmo confronta com esta tendo acesso pedonal e de automóvel.
E igualmente estaria a agir com abuso do direito porque acordou com os irmãos que todos os prédios teriam acesso à via pública e vem, agora, reclamar servidão de passagem pelos prédios dos Réus.
Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser o exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem (para maiores desenvolvimentos, vide Fernando Augusto Cunha e Sá, Abuso Do Direito, 1973, Lisboa, pág. 164 a 188 e Ac. S.T.J de 11/5/1995, Cj 1995, t. 3, pág. 100).
O Conselheiro Jacinto Bastos (notas ao Código Civil, v. 2, pág. 103) refere que esta fórmula abrange não só o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem, mas também o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade de modo a comprometer o gozo dos direitos dos outros e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências que os outros têm de suportar.
No caso dos autos verifica-se que o autor não incorre em nenhum abuso de direito dado que não ficou provado que o mesmo haja acordado com os irmãos prescindir desse caminho por ter acesso pela via pública. E igualmente esse acesso pela via publica não afasta por abuso do direito a existência dessa servidão dado que resulta de forma objectiva que o caminho de servidão tem dimensões superiores relativamente á da via publica.

Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que os presentes recursos de apelação terão, por conseguinte, de improceder.
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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações deduzidas pelos 1 e 2 réus, improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes (art. 527º, nºs 1 e 2).






Porto, 6/6/2024
Ana Vieira
João Venade
Isabel Silva