Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
92/13.2IDPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA TROVÃO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADO
SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL
Nº do Documento: RP2024042492/13.2IDPRT-A.P1
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão do processo penal tributário, prevista no artigo 47º do RGIT, fundada na pendência de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, só se justifica nos casos em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal.
II – Só haverá relação de prejudicialidade relativamente ao processo penal, com base no nº 1 do art. 47º do RGIT, quando na impugnação judicial se discutirem matérias especificamente fiscais em que esteja em causa a correção da aplicação das normas fiscais específicas.
III - O legislador no art. 47º nº 1 do RGIT pressupõe que está em causa uma situação tributária do ponto de vista estritamente jurídico-fiscal, e só assim se devolve ao tribunal administrativo e fiscal, a resolução da questão prejudicial e se suspende o processo penal tributário.
IV - É restritiva, a interpretação a fazer do disposto no nº 1 do art. 47º do RGIT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 92/13.2IDPRT-A.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Vila do Conde – Juiz 2


Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

A sociedade comercial arguida denominada “A..., Lda.” vem interpor recurso do despacho, proferido em 20/09/2023, que indeferiu a suspensão dos presentes autos, requerida ao abrigo do disposto no artigo 47º nº 1 do RGIT e em consequência, se desse sem efeito a audiência de julgamento designada para o dia seguinte.


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Da motivação apresentada, a arguida “A..., Lda.” extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

“Termos nos quais o despacho recorrido:

1. Viola o n.º 2 do art.º 24.º do CPTA e o artigo 2.º da Portaria n.º 380/2017 de 13 de Dezembro, ao entender que estas normas estabelecem com único modo de apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais é o SITAF.

2. Viola o art.º 20.º da Constituição ao entender que a ora recorrente estaria impedida do acesso aos tribunais por via de um erro informático no sistema informático que o Estado colocou ao serviço dos cidadãos com o nome de SITAF. A Justiça não pode ser negada por falta ou erro de meios tecnológicos ou informáticos. Tal interpretação tem de se considerar inconstitucional. O direito do acesso aos tribunais é um direito tanto natural como positivo, previsto tanto na Constituição, como já se referiu, como na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Com a entrada da petição inicial de impugnação judicial passou a haver um processo no tribunal administrativo. Por isso não poderia o tribunal a quo ter rejeitado a suspensão do processo prevista no art.º 47.º do RGIT por via da violação do art.º 20.º da Constituição. Aliás, a demonstrar que havia um processo é o facto jurídico de a dita impugnação judicial ter ido à distribuição e estar a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

3. Não há caso julgado, pelo menos não nos termos do despacho de que ora se recorre. Caso julgado há sim no que se refere à indicação de que o arguido AA é parte ilegítima para agir como autor na impugnação judicial. E que parte legítima seria a arguida A... Ld.ª Tudo como consta no processo administrativo e fiscal já julgado e com acórdão transitado em julgado que acima, nas alegações, se identificou e que consta dos documentos que se juntam a este recurso.

4. Também anda mal o despacho ora recorrido ao colocar como fundamento para a decisão a dúvida acerca da tempestividade da impugnação judicial, dado que isso não é trabalho da sua lavra., É um assunto da exclusiva competência do tribunal administrativo.

5. Violou também o artigo 47.º n.º 1, do RGIT, que determina que se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças. É uma condição objectiva. Donde resulta que a declaração de suspensão do processo penal, nas circunstâncias previstas no artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT, não é uma faculdade e não depende de critérios de oportunidade nem de análise dos pressupostos da impugnação judicial feitos pelo tribunal penal, sendo antes o reconhecimento da verificação de uma situação objectiva à qual a lei atribui efeitos no processado. É um efeito ope legis.

6. Acresce ainda que o estabelecido no RGIT, enquanto norma especial, prevalece sobre as normas do Código de Processo Penal, nomeadamente sobre o disposto no artigo 7.º n.º 2 do CPP. Medida na qual também violou esta norma jurídica ao dar-lhe um alcance e uma dimensão normativa que não tem. Assim, a suspensão do processo não está na dependência da decisão do juiz do processo penal tributário. A paralisação do processo penal tributário é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo.

7. Mas ao não ordenar a suspensão do processo crime nos termos do art.º 47.º n.º 1 do RGIT, o despacho ora recorrido toma uma decisão inconstitucional também por violação do preceito constitucional, ínsito no art.º 212.º, n.º 3, da Constituição, que comete à jurisdição administrativa e fiscal a dirimição dos litígios incidentes sobre relações jurídicas administrativas e fiscais - incluindo os casos em que estes se configuram como "prejudiciais" relativamente à matéria sobre que versa o processo criminal, necessariamente da competência dos tribunais judiciais. Determinar a continuidade do processo penal tributário, nos termos em que o tribunal a quo o fez, é violador também desta norma constitucional. E as questões prejudiciais de natureza fiscal são, por definição, questões cuja resolução se revela necessária para a definição criminal da questão principal - mas é quase inconcebível que num processo penal tributário não seja imprescindível resolver questões de natureza fiscal a ponto de a distinção entre questão principal e questão prejudicial fiscal se chegar mesmo a esbater. Dizendo-o de outro modo, não tem competência o juiz do processo penal tributário determinar quando suspende ou não o processo desde que esteja em causa a aplicação do regime do art.º 47.º n.º 1 do RGIT. A isso o obriga o RGIT, o CPP e a Constituição.

Nestes termos deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado, sendo reconhecido que o presente processo deve ficar suspenso nos termos do art.º 47.º n.º 1 do RGIT, pois apenas desse modo se fará a costumada e serena JUSIÇA “.


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O recurso foi admitido em 12/10/2023.

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A este recurso respondeu o MºPº junto do Tribunal a quo sem formular conclusões, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada, na íntegra, a decisão recorrida.

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Nesta Relação, a Exmª Sra. Procuradora-Geral Adjunta, em 10/12/2023, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, nos termos a seguir reproduzidos:

“Em causa nos autos, a suspensão do processo penal tributário consagrada no artº 47º nº 1 do RGIT e a questão se saber se os pressupostos de tal instituto se verificam no presente caso.

Tal como expendido no despacho judicial em crise, afigura-se-nos que instaurada ação de impugnação judicial ou de oposição à execução nos termos do Código de Procedimento administrativo e do Processo Tributário a suspensão do processo penal tributário a que alude o artº 47º nº 1 do RGIT não tem aplicação automática no processo penal, não atuando opes legis, antes impondo uma análise da matéria em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, sendo insuficiente a mera referência à existência de uma ação de impugnação, ainda mais sem a especificação da factualidade.

A ação de impugnação interposta pela sociedade arguida A..., Lda. a correr termos no Tribunal Fiscal de Almada não contende com o objecto do processo crime e como tal não é apta a suspender o mesmo.

Assim, concordando integralmente com o Digno magistrado do Ministerio Público na 1ª instância entende-se que o recurso não merece provimento”.


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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não tendo havido resposta.

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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi realizada a conferência.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação e considerando as questões de conhecimento oficioso, a única questão a apreciar e a decidir (considerando que a impugnação judicial foi distribuída e encontra-se a correr termos no Tribunal competente) é a de saber se se verificam os pressupostos para a suspensão dos presentes autos nos termos do disposto no art. 47º nº 1 do RGIT.


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O despacho objeto de recurso tem o seguinte teor (transcrição):

“Refª 36693171 datado de 19.09.2023

    Veio a sociedade arguida A..., Ld.ª informar os presentes autos que interpôs impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, juntando cópia da respetiva petição de impugnação que remeteu nesse mesmo dia por email para esse tribunal, e o respetivo email de envio onde refere não ter remetido a mesma petição inicial pelo SITAF por erro de sistema que comprova por print screen que igualmente junta.

    Alega que, na impugnação judicial se discutem os factos que estão em questão os factos constantes no processo dos presentes autos e os factos que são imputados à arguida e requer a suspensão dos presentes autos ao abrigo do artigo 47º do RGIT e se dê sem efeito a audiência de julgamento ora designada para amanhã.

Cumpre decidir, sendo certo que importa desde já adiantar que, tendo sido a audiência de julgamento dos autos designada já a 23.05.2023, muito se estranha que, a sociedade arguida apenas apresente a impugnação judicial um dia antes da data de realização da audiência de julgamento, nada justificando a sociedade arguida a propósito.

Acresce referir que com a entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13 de Dezembro (que estabeleceu como único modo de apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais o SITAF), era admissível a apresentação dessas peças processuais e documentos por correio eletrónico, ao abrigo do art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, desde que cumpridas as respetivas exigências legais, entre as quais ora relevam a assinatura digital avançada e a certificação por entidade certificadora [cfr. art. 2.º, alíneas c), o) e u) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redação do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril de 2003], o que deixou de ser possível por essa via, desde a entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13 de Dezembro e a partir de 16.11.2019 é obrigatória a tramitação eletrónica dos processos administrativos e fiscais, no SITAF, nos termos do artigo 24.º/2, do CPTA. O alegado erro de sistema e constrangimento técnicos de acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (SITAF ) será suscetível de densificar “justo impedimento”, dada a situação de excecionalidade, apenas sendo de exigir às partes que atuem com a diligência normal e sendo certo que, perante circunstância de justo impedimento para o uso da via eletrónica, é admitido o uso das vias alternativas previstas nas als. a), b) e c), do nº5, de tal artigo e nos termos do nº 7, dentro do prazo legal.

Porém, certo é que a decisão de admissibilidade de tal peça processual competirá ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, não relevando para os efeitos pretendidos pela sociedade arguida a demonstração de envio da citada peça por email para o identificado tribunal. Para além de que poderá ainda estar em causa a tempestividade da impugnação judicial ora apresentada.

   Acresce que, a suspensão do processo penal tributário, prevista no artigo 47.º do RGIT (redação da Lei n.º 53/-A/2006, de 29-12), tem como pressuposto a pendência da impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, o que implica que se demostre que esteja pendente processo de impugnação judicial, e não apenas que se demonstre o envio da petição inicial de impugnação judicial por email.

No que respeita à matéria da impugnação judicial, verdade é que, a sociedade arguida apenas alega que na impugnação judicial se discutem os factos que estão em questão no processo dos presentes autos e os factos que são imputados à arguida, sem especificar quais são estes fatos, designadamente discute aí questão relativa aos fatos tributários que constam da acusação mas de cuja definição em sede tributária depende a qualificação criminal dos factos imputados à sociedade arguida impugnante.

Compulsada a acusação deduzida nestes autos (fls. 456 e ss), para a qual remete o despacho instrutório de pronúncia (fls. 593 e ss.), verifica-se que os factos imputados foram praticados no ano de 2009, com o uso indevido pela sociedade arguida “B...” de faturas falsas que foram emitidas pela sociedade arguida ora impugnante e que o crime imputado nestes autos consuma-se com a utilização e obtenção ilegítima de vantagem em sede de IRC e IVA, por parte da sociedade utilizadora, no caso a “B...”.

  E como refere a Digna Magistrada do MP, essa matéria foi já apreciada em sede tributária, no âmbito do processo 979/14.5BEPRT, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 23.01.2020 e transitado em julgado em 12.06.2020, na sequência de impugnação apresentada pela sociedade arguida “B...”, e diremos nós que, não podendo ser apreciada novamente atendendo a que faz caso julgado ou autoridade de caos julgado.

Atentando ainda no teor da impugnação verificamos que a mesma é deduzida pela sociedade arguida A..., Lda. mas são aduzidos fatos relativos à reversão fiscal na pessoa do seu socio gerente, ali se impugnado a violação das formalidades legais desse processo de reversão - que não é o impugnante. Também ali se invoca a prescrição do procedimento criminal que é matéria dos presentes autos e que já foi decidida nestes autos. E relativamente aos fatos desses autos apenas é ali alegado, singelamente, que a AT desconsiderou erradamente as faturas por si emitidas que correspondem a trabalhos reais e que a AT fez correções que não demonstrou.

Em conformidade com o exposto, porque não se vê que a petição de impugnação judicial enviada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada contenda com o objeto deste processo criminal, indefere-se a requerida suspensão e o requerimento da sociedade arguida de se dar sem efeito a audiência de julgamento ora designada para o dia de amanhã.

Notifique “.


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O despacho de acusação, datado de 15/07/2015 (referência 354908899), tem o seguinte teor (transcrição):

“O Ministério Público acusa, em Processo Comum e para julgamento com intervenção do Tribunal Singular:

"- B..., Lda", sociedade comercial por quotas, com o NIPC ...64, com sede na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia;

- BB, solteiro, empresário, filho de CC e de DD, nascido a ../../1966, natural de ..., Porto, titular do BI n.º ...03, residente na Rua ..., ..., ..., Porto;

- EE, casado, empresário, filho de FF e de GG, nascido a ../../1968, natural de ..., Porto, titular do CC n.º ...18, válido até 31/10/2018, residente na Rua ..., ..., ...;

- HH, solteiro, comercial, filho de II e de JJ, nascido a ../../1981, natural de ..., Porto, titular do CC n.º...27, residente na Rua ..., ..., ..., ...;

KK, casado, gerente, filho de LL e de MM, nascido a ../../1972, natural de ... , titular do CC n.º ...52, válido até 22/01/2016, residente na av Dr. F. A. nº ...46, ...... hab 2.4, ..., Matosinhos;

- A..., Lda, sociedade comercial por quotas, com o NIPC ...17, com sede na Rua ..., ..., ...;

- AA, casado, empresário taurino, filho de NN e de OO, nascido a ../../1971, natural do ..., titular do CC n.º ...45, residente na Rua ..., ....

Porquanto:

1.º

A arguida "B... - Lda" contribuinte fiscal nº ...64, com sede na Rua ..., ..., nesta comarca de Vila Nova de Gaia, é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste no comércio por grosso de brinquedos, jogos e artigos de desporto, importação e exportação, comércio por grosso e a

retalho de parafusos, ferragens, ferramentas, artigos para mobílias, produtos químicos e afins, comércio por grosso e a retalho de brindes publicitários, importação e exportação de materiais e equipamentos de proteção, higiene e segurança no trabalho, comércio, representações, assistência técnica e formação dos produtos mencionados, assim como máquinas ferramentas e outros equipamentos para a indústria e construção, pelo que efectua inúmeras transacções sujeitas a tributação.

2.º

Assim, na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, está colectada para o exercício da actividade a que corresponde o CAE (Código das Actividades Económicas) 46494 "Outro comércio por grosso de bens consumo N.E" desde 01/09/2009 e com a o CAE 46493 - "Comércio por grosso de brinquedos, jogos e artigos de desporto" desde 13/03/2013, pelo 1° Serviço de Finanças ..., estando enquadrada em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal de periodicidade mensal e para efeitos de IRC está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável.

3.º

Os arguidos BB, EE, HH e KK são sócios gerentes da sociedade desde ../../2006, pelo que sempre foram os seus legais representantes e responsáveis pela gestão e administração da sociedade arguida.

4.°

O arguido HH renunciou à gerência da sociedade arguida em 27/10/2011.

Os arguidos BB, EE renunciaram à gerência em 14/11/2012.

Os arguidos dirigiam, por isso, no ano de 2009, toda a actividade daquela sociedade competindo-lhes tomar, em exclusivo, todas as decisões relativas à gestão comercial e financeira daquela empresa, incluindo as obrigações para com as Finanças.

5.º

Ora, pelo exercício da actividade da sociedade arguida e de acordo com as regras vigentes em matéria de IRC, os arguidos BB, EE,HH e KK enquanto legais representantes da arguida "B..., Lda", bem sabiam que estavam legalmente obrigados a declarar à Administração Tributária os rendimentos auferidos em cada exercício fiscal sujeitos a tributação, fazendo-os constar das competentes declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC e respectivas declarações anuais de informação contabilística e fiscal que tinham que entregar àquela.

6.º

Não obstante, em data não concretamente apurada mas que se situará entre o mês de Abril e o mês de Novembro de 2009, os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, decidiram obter para si e para a sociedade arguida "B... Lda"

vantagens patrimoniais indevidas à custa do prejuízo do erário público da Fazenda Nacional, através do não pagamento integral do IVA e IRC que, na realidade era devido ao Estado.

7.º

Os arguidos BB, EE, HH e KK decidiram levar a efeito um plano no sentido de obterem para eles, e para a sociedade arguida "B... Lda" proveitos económicos ilegítimos à custa do prejuízo do erário público da Fazenda Nacional, através do pagamento de impostos indevidamente reduzidos e, por isso, substancialmente inferiores aos que na realidade eram devidos ao Estado, introduziram indevidamente na contabilidade duas facturas da sociedade “A..., Lda”, com os nºs 313 datada de 14-04-2009 no montante global e € 3,000,00 e a factura nº 368 datada de 01-11-2009 no valor global de €117.000,00([1]).

8.º

Tais facturas não correspondiam a qualquer serviço prestado pela dita sociedade “A..., Lda”,” e foram fabricadas pelo arguido AA, ou por terceiro a seu mando, com o propósito conseguido da sociedade arguida e seus representantes defraudarem o erário público da Fazenda Nacional em sede de IVA e de IRC([2]).

9.º

A sociedade arguida “ A... , Lda”, é uma sociedade comercial por quotas, com o NIPC ...17, tendo por objecto a organização de eventos tauromáticos, compra, venda e aluguer de praças de toiros e cedência de material, venda de toiros, aluguer e sua compra.

10.º

O arguido AA foi gerente de facto e de direito da sociedade "A..." desde 30/07/2003.

No ano de 2009 a sociedade arguida "A..." apenas teve uma funcionária durante parte do ano, não tinha qualquer bem imóvel ou veículo motorizado, não tinha capacidade empresarial para prestar os serviços,pois não tinha funcionários, nem instalações.

Mais, a sociedade arguida "A..." não entregou a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, nem as declarações periódicas de IVA de 2009/2010([3]).

11º

As facturas emitidas pela sociedade "A..." à sociedade "B..." não correspondiam quaisquer serviços efectivamente prestados e foram forjadas pelo arguido AA, ou por alguém a seu mando, apondo-lhe datas, e os valores que melhor serviam os interesses da sociedade arguida "B..."([4]). Assim foram emitidas as seguintes facturas:

 

Factura nºDataPreçoIVAValor Total
31314-04-20092.500,00 €500,00 €3.000,00 €
36801-11-200997.500,00 €19.500,00 €117,000,00 €

12.º

As aludidas facturas foram registadas na contabilidade da sociedade arguida "B...", com o intuito conseguido de defraudar a Fazenda Nacional através do não pagamento dos impostos que eram devidos ao Estado em sede de IVA e de IRC.

As facturas nºs 313 e 368 não correspondem a qualquer serviço efectivamente prestado, mais, as facturas foram processadas sem os elementos necessários não indicam os serviços prestados, nem as datas, nem tão pouco quantidades ou preços unitários, desrespeitando o disposto no artº 36º, nº5, al. b) ,c) e f), do CIVA.

13.º

Todos os arguidos ao actuarem do modo supra descrito, isto é, ao dar uma aparência formal aos serviços inexistentes através daquelas facturas, deliberadamente fabricadas para tal efeito, que depois contabilizadas na contabilidade, como se de verdadeiras transacções se tratassem aumentaram ficticiamente os custos da sociedade arguida " B...", diminuindo, o seu lucro tributável e, consequentemente, o montante de IRC a pagar ao Estado, e ainda diminuindo (ou anulando) o IVA a entregar ao Estado obtido pela diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA supostamente suportado pelas compras, o que quiseram e conseguiram([5]).

14.º

Logrou a arguida "B... Lda" e os arguidos BB, EE, HH, KK não pagar ao Estado:

- a título de IRC relativo ao exercício de 2009, a quantia de € 36.808,05 (trinta e seis mil, oitocentos e oito euros e cinco cêntimos) montante da vantagem patrimonial obtida naquele exercício, que deixou de pagar ao Estado, por ter conseguido diminuir a matéria tributável desse exercício.

- a título de IVA correspondente ao valor indevidamente deduzido de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros) na declaração periódica de 2009/11.

15.º

Todos os arguidos BB, EE, HH, KK actuaram em conjugação de esforços, em beneficio próprio e da sociedade "B..., Lda ” que representam e em concertação com os arguidos AA, por si e em representação da sociedade "A..." sempre norteados pelo propósito da sociedade " B..." se furtar ao pagamento do IRC que tinha de pagar ao Estado, referente ao exercício de 2009 e ao IVA do período de Novembro de 2009.

16.º

Todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária, deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Pelo exposto, cometeram os arguidos:

- BB, EE, HH, KK e AA em co-autoria material um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artº 103º,nº1, al. a) e c) e artº 104º, nº2, al. a) e b) do RGIT;

- As sociedades arguidas “B..., Lda e A... Lda" e por força do artº 7º, nº1, do RGIT, aprovado pelo artº 1º nº1 da Lei nº15/2001 um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artº 103º, nº1, al. a) e c), e artº 104º, nº2,al. a) e b), do RGIT “.


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Com interesse para o conhecimento do objeto do presente recurso, são ainda relevantes as seguintes ocorrências processuais (constantes quer da certidão que instruiu o recurso a subir em separado, quer da consulta dos autos principais):
1) Em data não apurada, a sociedade comercial arguida “B..., Lda.” deduziu impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto relativa à liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 2009, no montante de € 39.503,57;
2) Essa impugnação judicial foi julgada improcedente por sentença datada de 13/06/2019;
3) Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 23/01/2020, transitado em julgado em 12/06/2020, foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida (referência 26263775);
4) Entre os factos provados consta o seguinte facto: “F) No exercício de 2009, a Impugnante registou na sua contabilidade duas facturas emitidas pela empresa "A...; Lda." a seguir discriminadas: Factura nº 313 de 14/04/2009, no valor de € 2.500,00, designação "cumprimento da cláusula 8.g do protocolo assinado entre as partes"; Factura nº 368 de 01/11/2009, no valor de € 117.000,00; designação "cumprimento da cláusula 8.9 do protocolo assinado entre as partes"; - Cf. fls. 48 e ss do PA apenso aos autos (RIT, facto não impugnado) e fls. 16 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5) Entre os factos não provados, consta o seguinte: “1) A “A... Lda.” prestou à impugnante os serviços a que se reportam as facturas nºs 313 de 14/04/2009 e 368 de 01/01/2009”;
6) Em sede de fundamentação, no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte pode ler-se o seguinte: “ (…) no decurso de uma acção inspectiva levada a efeito ao emitente das facturas - a sociedade "A..." - a AT apurou que "nos anos de 2009 e 2010 aquela tem em falta as declarações de IVA e de IRC; apenas possui na base de dados da Segurança Social uma trabalhadora, tendo-se verificado que em 2009, atendendo ao valor da remuneração auferida, só terá sido funcionária em parte do ano; não possui viaturas, nem quaisquer imóveis; não demostra possuir estrutura empresarial adequada à realização daqueles serviços, uma vez que não tem pessoal nem instalações para desenvolver a actividade e desconhece-se que possua equipamento compatível com o exercício da actividade publicitada; desconhece-se a existência de fornecedores da empresa nos exercícios em análise (2009), tendo-se concluído em acções inspectivas anteriores a 2009 que os serviços facturados pelos fornecedores não foram realizados; a cópia da frente dos cheques que terão sido utilizados para as facturas remetem, por norma, para a cláusula 8a do protocolo assinado com os clientes, onde apenas é indicada a forma de pagamento" (cfr. alínea B) da factualidade).
Os factos assim apurados levaram a AT a concluir que a sociedade "A..." não prestou os serviços titulados pelas facturas que desconsiderou, dado não ter meios próprios para, de forma isolada, realizar tais serviços, indiciando a emissão e utilização de facturas que não titulam, na totalidade, serviços efectivamente prestados.
Mas, perante tal circunstancialismo a AT, ainda em sede inspectiva, ouviu os sócios gerentes da Recorrente e instou-a a comprovar de forma inequívoca a veracidade das operações tituladas pelas mencionadas facturas.
Nessa sede, a Recorrente juntou vários documentos {conta corrente do fornecedor 2... - "A..." de 2010 a 2012; acordo de pagamento e confissão de dívida datado de 14/09/2010; declaração de quitação datada de 19/06/2013, emitida já no decurso da acção inspectiva, com assinatura aposta pela "A..." e fotocópia certificada em 30/07/2013 do Protocolo celebrado entre a impugnante/Recorrente e a sociedade *A...", assim como faxes, cheques ...67 (3.000) e ns ...45 (117.000) do Banco 1... emitidos pela Recorrente e talão de depósito emitido pelo Banco 2... relativo ao cheque de 3.000 euros) que foram devidamente analisados.

A AT, depois de analisar os documentos e esclarecimentos produzidos pela impugnante/Recorrente e os seus sócios gerentes em sede inspectiva, concluiu que não foram juntos documentos que comprovassem a veracidade das operações tituladas pelas facturas nº 313 e nº 368 e que os elementos apresentados relacionados com a forma de pagamento das referidas facturas espelhavam uma enorme incongruência e confusão (cfr. ponto B) da factualidade).
A principal questão dos autos é a de saber se a Administração Tributária recolheu indícios sérios, credíveis e suficientes que sustentem a desconsideração das facturas que constam da contabilidade da Recorrente emitidas pela sociedade "A..., Lda." por se entender que as mesmas não titulam a prestação efectiva de serviços de publicidade.
Dispõe o nº l, do art. 74° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do imposto e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.
Tal como é dito por Diogo Campos Leite (Lei Geral Tributária, pag. 161), a relação tributária "como relação complexa que é, tem direitos, deveres e ónus para cada uma das partes".
Diz a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que foram recolhidos pela AT indícios sérios e credíveis da não prestação os serviços, uma vez que nenhum dos factos apurados em sede inspectiva respeita directamente às facturas desconsideradas, nem lhes acrescenta quaisquer indícios de falsidade.
Atentemos.
Constata-se, desde logo, que quanto a tal matéria ao Tribunal a quo não se ofereceram dúvidas, uma vez que, entendeu que "conjugados entre si os factos índice recolhidos pela AT conclui-se que os mesmos são suficientes para fundar a conclusão de que as facturas emitidas não correspondem a transacções reais. Com efeito, demonstrando a AT que a "A..." apenas possuía uma trabalhadora em parte do ano de 2009, não possuía viaturas, nem quaisquer imóveis e estrutura empresarial adequada ò realização dos serviços, ou seja que não tem capacidade para o exercício de qualquer actividade (instalações, equipamentos, funcionários, viaturas), apresentando um esvaziamento visível no que respeita aos factores e variáveis necessários ao desenvolvimento de uma actividade com a amplitude declarada são tais factos indicadores de que as operações tituladas pelas facturas desconsideradas pela AT não corresponderam à realidade, pois não é credível a concretização das mesmas nos montantes a que elas ascenderam sem qualquer estrutura de apoio. Note-se que a AT não fundou a sua convicção no facto dos emitentes das facturas serem conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa, mas antes reuniu um conjunto de factos que demonstram um circuito comercial inverosímil que descredibiliza serviços nos montantes em causa. A falta de meios que permitisse desenvolver a actividade que as facturas revelam repercute-se inevitavelmente nas operações declaradas pela Impugnante; pois nõo é possível organizar-se corridas de toiros que justifiquem patrocínios na ordem de € 117.000,00 sem qualquer estrutura. Assim, a AT provou a inverosimilhança do circuito comercial em causa nos presentes autos sustentada em factos credíveis, sérios e objectivos."
Mas o Tribunal a quo não se ficou por aqui e concatenou tal apreciação com a prova realizada pela Recorrente quer em sede inspectiva, quer na própria impugnação, para dizer que "Em bom rigor, a Impugnante nem sequer alegou factos essenciais para tal, pois não concretizou as datas e os locais em que os serviços foram efectivamente prestados, limitando-se a alegar deforma genérica nõo ser verdade que os serviços facturados pela "A..." nõo foram efectivamente prestados, o que não é alegação idónea e suficiente para cumprir o ónus que sobre ela impendia. De facto, se as facturas aludem ao cumprimento da cláusula 8.2 do protocolo e se este dispunha que a Impugnante cedia o nome da sua empresa a título de exclusividade à "A..." para esta publicitar como patrocinador as corridas de toiro onde os seus toireiros toureiem bem como em todas as corridas de toiros organizadas pela empresa "A..., Lda." durante o ano de 2009, impunha-se à Impugnante que alegasse e provasse que corridas de toiros foram organizadas em 2009 em que o seu nome foi publicitado, o que não sucedeu, sendo que não é razoável que a Impugnante não evidencie conhecimento dessas mesmas corridas e que terá justificado um compromisso de pagar um montante superior a € 100.000,00, Note-se que nem no procedimento inspectivo a impugnante evidenciou esse conhecimento> como se extrai do relatório, nem na petição inicial foi alegada tal factualidade que era crucial para o cumprimento do ónus de alegação que sobre a Impugnante impendia" (negrito nosso).
Perante tal circunstancialismo não vislumbramos nós onde ocorre o alegado erro de julgamento de facto e de direito, nem sequer onde se incumpriu o dever do inquisitório, traduzido na omissão de "requerer mais elementos e diligências de prova" que os indícios recolhidos justificavam, diga-se de passagem que a Recorrente não especifica que diligências ou elementos deveriam ser recolhidos, além dos recolhidos e ponderados em sede inspectiva.
E pese embora a Recorrente invoque na impugnação a existência de um protocolo, a certidão de não dívida à DGCI e Segurança Social da "A..."; o objecto definido no protocolo; o preço e cláusulas de pagamento para afirmar que os serviços foram prestados, como bem se refere na sentença recorrida, os indícios recolhidos pela AT abalam a credibilidade dos referidos elementos documentais, daí que se impunha que a Recorrente demonstrasse que os serviços foram prestados, pois no que em concreto diz respeito aos meios de pagamentos invocados pela Recorrente em sede inspectiva os SIT entenderam que "Quanto às provas de pagamento e recibo de quitação, os SIT entenderam que os elementos apresentados relacionados com a forma de pagamento das referidas facturas espelham uma enorme incongruência e confusão, pois tal como se exarou no RIT: a conta-corrente do fornecedor "A..." apresenta saldo credor no valor de € 117.000,00 desde 30/11/2009 até 31/12/2012, altura em que com base num documento interno é saldada por crédito da conta 2531 - participantes de capital-empresa-mãe suprimentos e não por crédito de uma conta de disponibilidades; trata-se de um mero lançamento contabilístico em que a dívida ao fornecedor é transferida para os sócios; no protocolo é referido que o montante de € 117.000,00 seró pago até 01/11/2009 (cláusula 8.s); em 14/01/2010 é enviado o cheque n.e ...45 s/ Banco 1..., no valor de € 117.000,00 para pagamento da factura n.s 368; o acordo de pagamento e confissão de dívida datado de 14/09/2010 refere que essa dívida será paga em numerário em 13 prestações mensais no valor de € 9.000,00 cada e só em 19/06/2013, já no decurso da acção inspectiva é declarada a quitação da dívida; o acordo de pagamento e confissão de dívida, datado de 14/09/2010, refere que as 13 prestações mensais em numerário no valor de € 9.000,00 cada devem ser entregues na sede da “A..." até ao dia 20 de cada mês; em 16/09/2013 é feito um aclaramento das declarações prestadas pelo sócio-gerente BB em 05/09/2009, no qual é referido que este tinha feito pessoalmente o primeiro pagamento sendo os restantes efectuados pelos serviços financeiros da "B..." aquando das visitas do Sr. AA ao Porto; relativamente ao referido plano prestacional, pelas análises realizadas, a "B..." não demonstra dificuldades financeiras que justifiquem a necessidade de diluir o pagamento por vários meses; da documentação anexa ao protocolo consta um relatório de fax cuja data de 04/08/2006 foi manualmente rasurada para 03/12/2009; relativamente ao cheque ...67 s/ Banco 1... utilizado como meio de pagamento da factura n.g 313 de 14/04/2009 no valor de € 3.000,00 verificou-se que foi depositado na conta bancária da "A..."; relativamente à factura nºs 368 de 01/11/2009 no valor de € 117.000,00 declararam os sócios-gerentes do sujeito passivo que terão sido efectuados pagamentos em numerário, contrariando o disposto no art.? 63. da LGT, que determina que os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial devem através de conta bancária exclusivamente afeta à actividade.".
In casu, a sentença recorrida entendeu que a Administração Tributária procedeu a um trabalho sério e credível quando elaborou o relatório, provando a inverosimilhança do circuito comercial em causa titulado pelas facturas questionadas, firmando a liquidação num conjunto de indícios sérios, objectivos, consistentes e credíveis que levaram à conclusão de que as facturas emitidas e contabilizadas pela impugnante não tinham subjacentes operações reais, mas antes correspondiam a negócios simulados e não vemos nós motivo para dela dissentir.
Pois, os indícios recolhidos só se compreendem no contexto das chamadas facturas falsas, por vezes utilizadas para contabilização de custos e perdas, comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC e para dedução de IVA.
Por outro lado, a impugnante/Recorrente nem em sede inspectiva, nem na impugnação logrou trazer aos autos prova em sentido contrário, ou seja, não provou a existência, materialidade e a quantificação dos factos tributários.
(…).
Na verdade, configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, quando a Administração Tributária procede a correcções da matéria colectável declarada por considerar que as facturas que documentam custos, em IRC, não correspondem a operações reais, compete-lhe reunir e demonstrar factos que permitem, com recurso às regras de experiência, concluir que as facturas visadas não correspondem a operações reais e efectivas.
Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes das mesmos, comprovando que os custos que contabilizou, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, por o artigo 100.5 do CP PT não ser aplicável neste caso. {vide neste sentido a cs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo n^ 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.e 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.e 02887/04- Viseu, e acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27/02/2019, proc. n.2 01424/05, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que foram recolhidos indícios concretos e objectivos de que as facturas emitidas pela "A..." e contabilizadas pela aqui Recorrente, não titulavam transacções reais, pois, não tiveram na base a prestação de serviços por parte da sociedade emitente das mesmas à Impugnante, que, por isso, não incorreu nos custos veiculados, ficticiamente, portais documentos.
No caso em apreço não há dúvida de que os factos mais razoáveis e de acordo com a experiência são os que nos leva à convicção que a AT fez a prova que lhe era exigida, quanto ao bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa e, naturalmente conduz à improcedência das conclusões das alegações e do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.
Com efeito, a partir dos factos provados, podemos concluir que a Recorrente não provou a efectiva prestação dos serviços que estão suportados pelas facturas. Daí que, incumbindo à Impugnante, aqui Recorrente, o ónus da prova, nos termos do artigo 74.2 da LGT, tais montantes não possam ser considerados como custos para efeitos fiscais.
Impõe-se, pois, na improcedência de todas as conclusões do recurso, negar provimento ao presente recurso”;
7) Em 07/09/2021, o arguido AA apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (29883677), que deu origem ao processo nº 502/21.5BEALM;
8) Juntou aos autos, comprovativo da remessa da impugnação ao TAF de Almada e cópia da petição inicial da impugnação apresentada (referência 29837208);
9) Por despacho proferido em 09/12/2021 (referência 430945241), foi ordenada nova suspensão dos autos nos termos do art. 47º nº 1 do RGIT;
10) Por sentença proferida em 29/07/2022 no dito proc. nº 502/21.5BEALM, foi julgada verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do impugnante AA e, em consequência, absolvida a Fazenda Pública da instância;
11) O arguido AA interpôs recurso desta sentença para o Tribunal Central Administrativo do Sul, o qual, por acórdão proferido em 16/02/2023, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida (dizendo que o recorrente não é sujeito passivo da relação jurídica tributária vinculado ao cumprimento da prestação tributária, não é o responsável subsidiário não tendo sido ordenada contra si a reversão no âmbito do processo de execução fiscal e não é, pois, titular de um interesse legalmente protegido, porquanto não é na sua esfera jurídica que se projetam os atos de liquidação impugnados. Não é assim titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, na medida em que não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto nem é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável tributário”) – destacado e sublinhado da nossa autoria;
12) Em 23/05/2023, a audiência de julgamento, nos presentes autos, foi designada para o dia 21/09/2023 pelas 09.30 horas (referência 448526407); 
13) Por requerimento de 19/09/2023 a sociedade arguida “A..., Lda.” veio informar que interpôs impugnação Judicial contra a Autoridade Tributária no TAF de Almada, com o seguinte teor:
“1. A Arguida A... Lda. interpôs impugnação Judicial contra a Autoridade Tributária no TAF de Almada;
2. Impugnação onde se discutem os factos que estão em questão os factos constantes no processo dos presentes autos e os factos que são imputados à arguida;
3. Pelo que o aqui subscritor tem o imperativo de apresentar a peça processual tal como lhe foi entregue;
4. Assim, nos termos e para os efeitos do número 1 do artigo 47º do RGIT deverá o Tribunal ordenar a suspensão dos presentes autos até ao respectivo trânsito em julgado no Tribunal Tributário;
5. Deverá, nessa sequência, igualmente, dar sem efeito a data ora designada para a audiência próximo dia 21 de Setembro de 2023.
Junta: Comprovativo da remessa da impugnação do TAF de Almada “;
14) Esta nova impugnação judicial, deu origem ao processo nº 657/23.4BEALM, a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada;
15) A petição inicial da impugnação judicial consta da referência 37328525 (certidão que instruiu o presente recurso a subir em separado);
16) Em 20/09/2023 foi proferido o despacho recorrido (referência 451907746);
17) Por despacho proferido em 25/09/2023, a impugnação judicial foi liminarmente admitida e ordenada a notificação da Fazenda Pública para contestar no prazo de 90 dias e ainda juntar aos autos o processo administrativo;
18) Por despacho judicial proferido em 05/11/2020, foi julgada improcedente a invocada prescrição do presente procedimento criminal, a qual transitou em julgado (cfr. referências 390984028 e 418884887).
*

Análise do mérito do recurso
No presente recurso a recorrente entende que se verificam os pressupostos para a suspensão dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 47º nº 1 do RGIT, uma vez que interpôs impugnação judicial contra a Autoridade Tributária no TAF de Almada que deu origem ao proc. nº 657/23.4BEALM a correr termos na Unidade Orgânica 2, na qual “se discutem factos que constituem objeto do presente processo e que são imputados à arguida”, pois em relação à recorrente, não existe qualquer caso julgado. 

Vejamos se lhe assiste razão.

Os factos que constituem o objeto dos presentes autos, segundo a acusação, consistem na utilização pela sociedade coarguida “B..., Lda.”, na sua contabilidade, de duas faturas taxadas de falsas, com os nºs 313 e 368 (no valor de € 3.000,00 e de € 117.000,00, respetivamente), emitidas pela aqui recorrente “A..., Lda.”, as quais tiveram como resultado aumentar ficticiamente os custos da sociedade “B..., Lda.”, diminuindo o seu lucro tributável e consequentemente, o montante do IRC a pagar ao Estado (obtendo vantagem patrimonial no valor de € 36.808,05 a título de IRC) e ainda diminuindo (ou anulando) o IVA a entregar ao Estado obtido pela diferença entre o IVA liquidado nas faturas de venda e o IVA supostamente suportado pelas compras, o que quiseram e conseguiram.

O alvo da liquidação adicional e consequentemente, sujeito da obrigação de pagar imposto a título de IRC e IVA resultante dessa liquidação adicional efetuada pela autoridade tributária (por ter considerado inexistentes as operações que as facturas utilizadas na contabilidade procuravam documentar) foi apenas a sociedade coarguida “B..., Lda.”.

Na esfera jurídica da sociedade coarguida ora impugnante “A..., Lda.”, em termos fiscais, não existe nenhuma decisão da autoridade tributária que a abranja.

A resolução da questão colocada reside apenas em torno do disposto no art. 47º nº 1 do RGIT e da interpretação a dar-lhe.

Dispõe esta norma que “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças “.

Conforme vem sendo uniformemente entendido na doutrina e na jurisprudência, a suspensão do processo penal tributário, prevista no artigo 47º do RGIT, fundada na pendência de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, só se justifica nos casos em que a existência de infração criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal.
Esta suspensão, não é automática, antes depende da análise das questões discutidas na impugnação judicial apresentada pelo arguido junto do TAF para poder aferir se a questão nela suscitada é prejudicial relativamente ao objecto do processo penal tributário.

Aqui chegados podemos retirar da norma do nº 1 do art. 47º do RGIT que só poderá haver relação de prejudicialidade relativamente ao processo penal quando na impugnação judicial estiverem em causa matérias especificamente fiscais em que está em causa a correção da aplicação das normas específicas fiscais. Ou seja, pressupõe o legislador no art. 47º nº 1 do RGIT que esteja em causa uma situação tributária do ponto de vista estritamente jurídico-fiscal. Só nessa base se justifica que seja devolvida ao tribunal administrativo e fiscal, enquanto tribunal especializado nessas matérias, a resolução da questão prejudicial e se suspenda o processo penal tributário. 

Aplicando o que acaba de dizer-se ao caso concreto dos autos, concluímos que não existe uma relação de prejudicialidade: se analisarmos a petição da impugnação judicial apresentada pela arguida impugnante “A..., Lda.” (referência 37328525), verificamos que a mesma vem discutir, logo à partida, uma questão de facto: que as facturas nºs 313 e 368 descritas na acusação pública correspondem a transações reais.

Ou seja, a recorrente na impugnação judicial apresentada não está a discutir questão que tem a ver com a interpretação de normas tributárias, com matérias especificamente fiscais ou com a interpretação estritamente fiscal das normas tributárias, mas a colocar uma questão de facto.  E em matéria de facto, quer o TAF quer o tribunal penal são ambos competentes para a resolver. O que quer dizer que também no presente processo penal, na audiência de julgamento, terá a recorrente a possibilidade de  fazer prova de que as faturas descritas na acusação pública documentam transações reais e, nessa medida não se pode argumentar que lhe está a ser coartado qualquer direito de defesa. 

Em suma e atalhando caminho, quanto a esta parte (veracidade documentada pelas faturas descritas na acusação), a impugnante aqui recorrente, está a tentar resolver uma questão penal pela via do processo administrativo e fiscal, paralisando o presente processo penal.  
Ora não é essa a situação prevista no nº 1 do art. 47º do RGIT para que ocorra a suspensão do processo penal tributário, mas o seu inverso.
Assim e com base neste argumento, não existe motivo para a suspensão do presente processo penal.

Mas ainda uma outra razão existe para que tal suspensão não devesse ocorrer: na verdade e como alega a sociedade arguida na impugnação judicial, nunca a “A..., Lda.” e o seu legal representante foram notificados da inspeção tributária.

Pois não. Nem teria(m) que o ser porque (a sociedade arguida) não era sujeito passivo dos atos tributários controvertidos, nem responsável solidário ou subsidiário do pagamento dos mesmos como ficou decidido pelo TAF de Almada no âmbito do processo nº 502/21.5BEALM originado pela impugnação judicial apresentada no decurso do presente processo penal pela pessoa singular AA (que é sócio e gerente da coarguida “A... Lda.”) e posteriormente confirmado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

Aliás, e nessa senda, agora extrapolando para a impugnação judicial apresentada pela sociedade comercial recorrente e aqui analisada, a recorrente/impugnante não foi objeto de qualquer ato administrativo tributário que possa impugnar, pois a situação tributária da coarguida “A..., Lda.” não foi afetada por nenhuma decisão da autoridade tributária que a abranja e possa refletir-se no presente processo penal no sentido de o fazer paralisar nos termos do art. 47º nº 1 do RGIT, e, por essa via, não tem legitimidade para discutir uma liquidação alheia (que incidiu apenas sobre a coarguida “B..., Lda.”).

Disto mesmo já a sociedade comercial impugnante tinha conhecimento (ou poderia ter tido nos termos do art. 89º do CPP pela consulta dos presentes autos) em face do decidido pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 16/02/2023 no âmbito do processo nº 502/21.5BEALM que negou provimento ao recurso interposto por AA e confirmou a sentença recorrida dizendo que o recorrente não é sujeito passivo da relação jurídica tributária vinculado ao cumprimento da prestação tributária, não é o responsável subsidiário não tendo sido ordenada contra si a reversão no âmbito do processo de execução fiscal e não é, pois, titular de um interesse legalmente protegido, porquanto não é na sua esfera jurídica que se projetam os atos de liquidação impugnados. Não é assim titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, na medida em que não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto nem é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável tributário”.

No referido aresto foi sumariado, entre o mais, o seguinte: “Não é titular de um interesse passível de justificar a sua intervenção e para ser admitido a discutir a legalidade do ato de liquidação, quem não é diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, porquanto não é sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável tributário “.

Pese embora tal Acórdão tenha decidido quanto ao ali impugnante, apenas a pessoa singular AA (que também é legal representante da sociedade arguida “A..., Lda.”), o ali decidido também vale quanto à sociedade coarguida “A..., Lda.”, que não foi alvo de qualquer decisão por parte da autoridade tributária.

Vejamos o último argumento apresentado na impugnação judicial: a questão da prescrição da responsabilidade criminal pela prática, em coautoria material, do imputado crime de fraude fiscal qualificada.

Nesta sede e abrindo um parêntesis, alinhamos pelo decidido no Ac. da R.P. de 27/10/2023([6]), segundo o qual a fraude fiscal consuma-se “com a incorporação dessas faturas na contabilidade do contribuinte”, ou seja, da aqui sociedade utilizadora “B..., Lda.”, “de modo a induzir em erro a Administração fiscal e desse modo pagar menos imposto. Sem que a fatura entre no circuito contabilístico dessa entidade / sociedade / contribuinte, não há hipótese de defraudar (e esse é a finalidade) a Administração. Sendo um crime de resultado cortado, a sua consumação ocorre, não com a emissão da fatura mas a sua utilização por parte da sociedade (in casu) contribuinte que a inseriu na sua contabilidade. É este o momento da consumação. Ou seja a fraude fiscal consuma-se quando o agente adopte uma das condutas legalmente descritas, colocando em perigo o património tributário do Estado (ac. RP de 19/3/2003 www.dgsi.pt)”.

Mais uma vez a impugnante não pede ao TAF a resolução de uma questão de natureza estritamente jurídico-fiscal que se apresente como prejudicial relativamente ao presente processo penal para o fazer paralisar nos termos do art. 47º nº 1 do RGIT.
E a questão de saber quando se considera consumado o crime de fraude fiscal e a partir daí a contagem do prazo de prescrição é uma questão que compete ao tribunal penal conhecer e, no caso presente, essa questão mostra-se já decidida nestes autos por despacho proferido em 22/03/2018, que transitou em julgado.

Aqui chegados, há que concluir que face às questões colocadas na impugnação judicial apresentada pela aqui recorrente junto do TAF, não se verifica qualquer relação de prejudicialidade que justifique a paralisação do presente processo penal nos termos previstos no art. 47º nº 1 do RGIT.

Consequentemente, o presente recurso deve improceder.


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III – DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide negar provimento ao recurso interposto pela sociedade comercial arguida “A..., Lda.”.

Custas pela recorrente fixando-se em 4 UC a taxa de justiça– cfr. arts. 513º nº 1 do CPP e 8º nº 9 do RCP, com referência à Tabela III anexa ao referido diploma legal.

Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.




Porto, 24/04/2024

Lígia Trovão
Pedro Vaz Pato
Paulo Costa
__________________________
[1] Destacado da nossa autoria.
[2] Destacado da nossa autoria.
[3] Destacado da nossa autoria.
[4] Destacado da nossa autoria.
[5] Destacado da nossa autoria.
[6] Cfr. proc. nº 174/16.9IDPRT-B.P1, relatado por José Carreto, acedido in www.dgsi.pt