Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6590/13.0TBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
NATUREZA
DANOS ABRANGIDOS
PESSOA COLECTIVA
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RP202002066590/13.0TBMTS-B.P1
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A indemnização em sede de litigância de má fé não é ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil, mas meramente sancionatória e compensatória.
II - Assim, o reembolso das despesas e honorários previsto no artº 543º, nº1, al. a) do CPC está limitado aos honorários e despesas que resultem directamente da má fé da parte (não se determinando em função da globalidade do processo e dos pedidos efetuados); ou seja, apenas são ressarcíveis na indemnização aludida naquele normativo os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação de quem litiga de má fé e não a totalidade dos honorários devidos ao mandatário pelos serviços prestados ao seu constituinte.
III - Se assim não se entendesse, então cairíamos na situação (impensável) de a parte que apenas decaiu num de vários pedidos que haja formulado ter de indemnizar a parte vencida por todas as despesas em que aquela tivesse incorrido, incluindo, portanto, a totalidade dos honorários reclamados pelo mandatário dessa parte vencida.
IV - Com efeito, no incidente previsto no artº 543º, nº3, CPC apenas se considera uma indemnização “específica”, focalizada no mau uso do processo nos termos do nº 2 do artº542º CPC, directamente emergente dessa postura processual condenável.
V - Às pessoas colectivas assistem direitos subjectivos que são estruturalmente idênticos aos direitos de personalidade (como são o direito ao nome, ao bom nome, à honra, ao crédito e consideração social).
VI - São direitos cuja violação dá direito a indemnização nos termos gerais, sempre que cause danos (sejam de natureza patrimonial indirecta, sejam de natureza não patrimonial).
VII - Assim, uma pessoa colectiva pode receber uma indemnização por danos morais.
VIII - Porém, estes danos (não patrimoniais) não podem ser ressarcidos em sede de indemnização por litigância de má fé.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 6590/13.0TBMTS-B. P1
Relator: Fernando Baptista
Adjuntos:
Des. Amaral Ferreira
Des. Deolinda Varão

SUMÁRIO:
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I- RELATÓRIO:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

No Acórdão proferido, nos presentes autos, em 8 de Março de 2019, pelo Tribunal da Relação do Porto, foi a (ali 1ª) Ré “B…, CRL, com sede na …, …, …, Matosinhos, condenada como litigante de má-fé em multa de 13 UC’s e em indemnização à Autora C…, LDA., com sede na …, …, …, Matosinhos, para cuja fixação se ordenou a notificação desta, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 542º, nº3 do Código de Processo Civil.
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A Autora pronunciou-se nos termos constantes de fls. 1.540 e segs., requerendo a fixação de uma indemnização global de € 38.396,80, sendo que €19.434,00 deveriam ser pagos directamente ao mandatário forense da Autora (artº 543º nº4 do CPC).

De acordo com a Autora, tal montante indemnizatório corresponde:
- Aos honorários do mandatário da Autora, os quais, de acordo com a nota de honorários que lhe foi remetida, orçam em €22.140,00, sendo que parte desse valor já foi pago pela Autora ao seu mandatário;
- Às despesas de deslocação da legal representante da Autora a todas as sessões da Audiência de julgamento, que totalizam o valor global de €280,80;
- Às deslocações da Autora ao escritório da sua mandatária, nas quais despendeu a quantia global de €150,00;
- Ao valor despendido pela Aurora com o pagamento de taxas de justiça e preparos despendidos para a tramitação da acção e seus incidentes, no total de €4.830,21;
- Ao montante de €250,00 suportado com a constituição da hipoteca e emissão da garantia bancária realizadas no âmbito do incidente de prestação de caução;
- Ao valor de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais, decorrentes da grave afectação da sua imagem, bom nome e credibilidade decorrentes da actuação da Ré;

Sobre o requerimento da Autora emitiu pronúncia a Ré, rematando que o pedido da Autora deve improceder, por manifestamente excessivo e desproporcional.

Foi, então, proferida a decisão que consta de fls. 147 destes autos de recurso em separado, na qual se fixou no montante de €8.150,00 (oito mil. cento e cinquenta euros) a indemnização a pagar pela Ré «B…, CRL» à Autora, pela sua conduta como litigante de má fé.

Inconformada com o assim decidido, a Autora (C…, LDA) interpõe o presente recurso, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:

1- A conduta e prática dolosa da Ré e que presidiu à sua condenação como litigante de má- fé, passou, já pela negação da realidade do que a Ré B… transmitira à representante legal da A. e aqui Recorrente, já pela realidade do espaço locado, já pela conduta posterior da Recorrida, e que se veio a provar, em especial:
- que os representantes da B… haviam assegurado à legal representante da Ré aquando da visita ao que veio a ser o locado da possibilidade da realização de obras que permitissem unir as duas fracções (então apenas separadas por um murete - factos 23 e 24 dos factos provados na sentença de 1ª instância ) e que asseguraram, também, que o espaço exterior ajardinado era de utilização exclusiva e privativa das fracções a arrendar (facto provado sob o nº 26);
- que a Ré B… sabia que entre as duas fracções se interpunha uma área que era comum ao prédio em que as fracções a locar se integravam e que, como tal, não podia dar tal espaço de arrendamento, e que obviamente, era impossível a união física das fracções, tal como sabia que o espaço exterior ajardinado não lhe pertencia, nem era de utilização exclusiva de qualquer uma das fracções;
- sabendo ainda a Ré B… que qualquer uma dessas circunstâncias, era, como foi, fundamental para que a representante legal da Recorrente tivesse celebrado o arrendamento e, posteriormente, a recorrente tivesse adquirido tal posição contratual

2- A conduta e negação da realidade pela Ré B…, que veio a determinar a sua condenação como litigante de má-fé, ocorreu logo na contestação e, como tal, essa sua conduta, dolosa e de má-fé, determinou, não só a produção de articulado de pronúncia em relação aos documentos juntos com a contestação, como resposta aos factos de excepção, como, também, a produção de prova pericial a tal respeito, mormente para determinação da realidade que a Ré bem conhecia e que dolosamente omitiu ao Tribunal, ou seja, que a Ré B… arrendou à Autora partes do imóvel que não lhe pertenciam.

3- Não obstante a perícia realizada nos autos ao locado e imóvel que o mesmo integra ser taxativa no sentido da infirmação da versão factual, falsa sustentada pela Ré e Recorrida, esta manteve a posição tomada nos autos, tendo tal questão - a de que aquando da negociação e celebração do arrendamento, a Ré havia enganado a representante da A., convencendo-a de que as duas fracções eram contíguas, quando tal, como se provou, não era verdade, atenta a existência de uma área comum do edifício entre elas - sido longamente discutida nos autos, mormente nas 13 sessões por que perdurou a audiência de julgamento, o mesmo ocorrendo em relação ao espaço exterior ajardinado, pois, mesmo perante as evidências e a prova pericial, a Ré manteve, durante toda a instrução do processo, a sua posição de deturpação e ocultação a verdade.

4- Como os autos documentam, para além da prova pericial, quer os depoimentos de parte, quer as declarações de parte, quer as testemunhas indicadas pela Autora, quer as indicadas pela Ré depuseram longamente sobre tais questões nas 13 sessões de julgamento, e, especialmente os representantes da Ré negando, até à exaustão, a realidade do que ocorrera e veio a ser demonstrado.

5- O mesmo tendo ocorrido em relação à transmissão da posição contratual desde a representante legal da A. para esta, pois a Ré, logo na contestação negou tal facto que bem sabia e havia reconhecido - tal como se demonstrou nos factos provados sob os números 32 e 33 da sentença de primeira instância - o que provocou, directamente, não só a realização de diligências probatórias, como a junção dos documentos e extractos bancários da Ré e a realização de perícia a propósito do envio de e-mail visando a comprovação desse facto (que a Ré soube da constituição a A. e da transmissão da posição contratual), como o prolongamento da audiência de julgamento, quer nos depoimentos de parte, quer nas declarações de parte, quer na prova testemunhal, a respeito do estabelecimento desse facto. Tudo o que igualmente ocorreu em relação à verdadeira data e momento em que foi celebrado o contrato de arrendamento e em relação à emissão e entrega dos recibos de renda, pois a falsidade da alegação e posição processual da Recorrida, só se veio a demonstrar após produção de articulados, diligências probatórias (que passaram pela junção de recibos de renda, notificações à AT) e demoradas inquirições.

6- Como flui dos autos, grande parte, a maior parte, da actividade processual anterior à realização do julgamento e, também da prova produzida nas 13 sessões de julgamento, decorreu, precisamente da conduta processual da Ré, ao negar e deturpar dolosamente, em seu favor e prejuízo da A. a realidade dos factos, que bem conhecia, tal como decidiu doutamente este Tribunal da Relação, de tal forma que, da matéria de facto dada como provada e objecto de instrução, apenas os pontos 13 a 21 dos 26 temas da prova, respeitam a questões que não contendem directamente com a conduta processual a Ré enquanto litigante de má-fé, pois no mais, que constitui a parte mais substancial da actividade probatória produzida nos autos (cerca de 2/3 dos temas a provar), os mesmos resultam da posição processual que, dolosamente, a Ré B… assumiu nos autos, contra a verdade e absolutamente indiferente às suas consequências.

7- Não fosse a conduta processual a Ré e a sua actividade processual e ter-se-ia evitado a realização da prova pericial (cfr relatório de fls 953 dos autos), que não versou a questão da determinação das obras efectuadas pela Recorrente e valorização do prédio mas, sim, a questão da ocupação de áreas comuns pelo que foi locado à representante da Recorrente e à propriedade ou exclusividade de utilização do espaço exterior (que apenas figurou na matéria controvertida por força da posição processual da Ré B… que determinou a sua condenação como litigante de má-fé), a perícia respeitante ao envio e recepção de um e-mail comunicando a constituição da Recorrente como sociedade (já que a Ré, caso não tivesse litigado de má-fé, teria confessado saber da constituição da Recorrente e tê-la reconhecido como arrendatária)., a quase totalidade das notificações efectuadas a terceiros, a junção de documentos aos autos (posto que relativos e visando a demonstração de factos respeitantes à emissão e recibos, transmissão da posição contratual para a A. Recorrente, negociações mantidas e ocupação e inclusão no arrendamento de espaços comuns) e toda a tramitação a respeito delas ocorrida nos autos e a maior parte da produção de prova em julgamento, porque restrita às questões do tipo de obras realizadas, às despesas efectuadas pela Recorrente, respectiva valorização e valor, para determinação dos prejuízos sofridos pela Recorrente e seu ressarcimento.

8- Toda essa actividade processual e probatória, directamente provocada pela litigância da Ré, de má-fé, teve influência directa, majorando o valor dos honorários a pagar à sua mandatária forense, pois a maior parte dos serviços prestados e das horas de trabalho necessárias a tal prestação decorreu, precisamente da discussão das questões que a Ré B… suscitou com a sua litigância de má-fé.

9- Os pedidos formulados pela A. recorrente, a título principal de anulação, condenação da Ré B… no pagamento e reparação os danos causados e de reconhecimento do seu direito de retenção, procederam, ainda que, quanto à anulação por via da declaração de nulidade e não integralmente quanto ao quantum indemnizatório, sendo que os demais pedidos formulados o foram a título subsidiário, não ocorrendo, assim, decaimento em face da procedência da sua pretensão deduzida a título principal.

10- A Ré B… não deduziu qualquer pedido reconvencional, maxime visando a condenação da A. Recorrente, quer ao pagamento das rendas, quer de qualquer quantia em virtude da ocupação dos espaços locados, pois, por força da sua litigância, de má-fé, veio sustentar que não se havia transmitido a posição contratual no contrato de arrendamento celebrado para a A., decorrendo, por isso, a condenação da Ré no pagamento da contrapartida directamente da Lei e da actividade jurisdicional, no âmbito da relação e liquidação que com a anulação do contrato ocorreu.

11- A indemnização a pagar pela Recorrida B…, enquanto litigante de má-fé deveria ter sido fixada em montante idêntico à totalidade dos honorários que está obrigada a pagar à sua mandatária forense e se deram como provados e adequados à concreta actividade levada a cabo, ou, no mínimo, em medida nunca inferior a 2/3 do mesmo.

12- A sanção indemnizatória decorrente da condenação da Recorrida enquanto litigante de má-fé expressamente integra as despesas que a Recorrente se viu incursa e obrigada a efectuar por força dessa litigância de má-fé, extravasando, assim, o plano do reembolso das custas pela parte que não obteve vencimento da sua pretensão, pois esse aplica-se e está reservado às partes que litigam com correcção e de boa-fé, pelo deveria a Recorrida ter sido condenada a pagar a totalidade do montante que se deu como provado no facto 8 ou no mínimo às despesas com taxas de justiça e encargos suportadas pela Recorrente como consequência directa da litigância de má-fé da Recorrida, mormente, as decorrentes da produção das provas periciais (no valor global de € 1.464,21 = 1.250+ 214.21), da interposição de recurso e resposta ao recurso da Ré B… e incidente de prestação de caução, por decorrerem directamente da litigância de má-fé da Recorrida,

13- O mesmo ocorrendo, data venia, no que versa aos custos que a A. recorrente suportou no âmbito do apenso de prestação de caução, pois os mesmos decorreram da necessidade de evitar as consequências dos efeitos dos recursos interpostos da sentença de 1ª instância, agravadas, como se disse, pelo decurso do tempo de litigância e pendência judicial, causados, na sua quase totalidade pela má conduta processual a Ré B… enquanto litigante de má-fé.

14- Deverá ser alterada a decisão da matéria de facto quanto à alínea a) dos factos não provados, dando-se como demonstrado o que dela consta, isto é, que os custos das deslocações que a gerente da autora efectuou em veículo próprio custos foram suportados pela própria Autora à razão de € 0,36 por cada quilómetro, no total de € 280,80

O que resulta, da análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, em especial do depoimento prestado pela testemunha D… (inquirido na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 10.10.06 horas e términus pelas 10.44.23 horas, e cuja duração foi de 34 minutos e 17 segundos) em específico de 04.25 a 05.07, 05.17 a 06.00, 06.20 a 07.29, e pela testemunha E… (inquirida na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 09.51.44 horas e términus pelas 10.09.04 horas, e cuja duração foi de 17 minutos e 19 segundos) em específico de 02.50 a 03.10, 03.20 a 05.46 desse depoimento.

15- Não obstante a invocação do “interesse” da testemunha D…, aditado da ausência de prova documental, na decisão de facto como fundamento para a não demonstração desse facto, o Mtmº Juiz a Quo não referiu qualquer circunstância concreta do seu depoimento ou da forma como o mesmo foi prestado que inculcasse que a testemunha não depôs de forma séria, credível, coerente e no respeito da verdade dos factos, o que, de resto é contrariado pela circunstância do seu depoimento ter também contribuído para demonstração das deslocações da gerente da A. a julgamento e da perturbação que a ausência de gerência e trabalhadores causaram na organização do serviço da A.

16- Deverá ser alterada a decisão da matéria de facto quanto à alínea f) dos factos não provados, dando-se como demonstrado, ainda que restritivamente, que a situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional.

O que resulta, da análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, em especial do depoimento prestado pela testemunha D… (inquirido na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 10.10.06 horas e términus pelas 10.44.23 horas, e cuja duração foi de 34 minutos e 17 segundos) em específico de 17.20 a 19.00, 19.20 a 20.50, e pela testemunha E… (inquirida na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 09.51.44 horas e términus pelas 10.09.04 horas, e cuja duração foi de 17 minutos e 19 segundos) em específico de 01.50 a 02.37, 06.07 a 08.40, 10.50 a 12.03, 12.40 a 13.12 do seu depoimento.

17- Deverá ser alterada a decisão da matéria de facto dando-se como demonstrado do alegado nos pontos 29 a 33 do requerimento da A. de 9/3/2019, com a refª CITIUS 32541572 que:
- os sócios, a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos;
- que tal provocou neles angústia, preocupação e revolta;
- que, durante todos estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento a Ré B… lograsse atingir os objectivos a que se propôs quando deduziu a sua pretenso em juízo (com dolosa má-fé) e se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores que se veriam, assim, lançados no desemprego, tudo o que condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A, e do seu estabelecimento, ao longo da tramitação da acção judicial.
O que resulta, da análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e em função das regras de experiência de vida, em especial do depoimento prestado pela testemunha D… (inquirido na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 10.10.06 horas e términus pelas 10.44.23 horas, e cuja duração foi de 34 minutos e 17 segundos) em específico de 21.10 a 24.57, 25.00 a 25.40, e pela testemunha E… (inquirida na sessão de julgamento de 17/10/2019, cujo depoimento ficou gravado no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", assim como em suporte físico (CD), com início pelas 09.51.44 horas e términus pelas 10.09.04 horas, e cuja duração foi de 17 minutos e 19 segundos) em específico de 09.00a 10.42 e 13.30 a 15.30 do seu depoimento.

18- Na atribuição e computo da indemnização decorrente da litigância de má-fé, deveria ter sido incluída uma componente respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pela recorrente, por força da conduta e posições processuais assumidas pela Recorrida, porquanto a difusão e conhecimento no conjunto habitacional em que o estabelecimento da recorrente se integra, da posição nestes autos assumida pela Ré B… (no sentido que de que a recorrente ocupava o locado sem pagar renda, sem qualquer causa ou justificação) afectou gravemente a imagem e bom nome da Recorrente, afastando da sua clientela grande parte das crianças que poderiam frequentar o sue estabelecimento (das residentes ou com familiares residentes nesse conjunto habitacional) e, também porque a posição que a Ré B… assumiu nos autos, provocou, não só angústia e preocupação na gerente e sócios da A. (determinando mesmo a doença que assolou a gerente), como instabilizou, perturbou e inquietou, quer esses sócios e gerente, quer os seus funcionários, assim afectando a imagem e bom nome da Recorrente e causando-lhe danos de natureza não patrimonial.

19- Verifica-se a, mormente no que respeita à angustia, preocupação e instabilidade sentidos no seio da Recorrente, por sócios, gerente e funcionários, uma directa relação e nexo de causalidade, pois todos eles souberam e foram defrontados com a posição que a Ré assumiu nos autos, negando a verdade do ocorrido, e que, obviamente determinou esse sofrimento e afectação, causando dano de natureza não patrimonial, cujo ressarcimento, data venia se impunha, e impõe.

20- Devendo, em face do acima alegado, ser relevado em sede de fixação da indemnização a atribuir à recorrente por força da litigância de má-fé da recorrida B…, o ressarcimento dos danos de carácter não patrimonial que sofreu por via dela, mormente pelo pagamento da quantia de € 10.000,00, conforme a recorrente requereu nos autos - requerimento de 9/3/2019, com a refª CITIUS 32541572.

21- Violou, assim, a decisão recorrida as regras dos artºs 542º, 543º nº 1 do Código de Processo Civil, 12º, nº2, do Constituição da República Portuguesa, 17º, 160º, nº1 e 484º, todos do Código Civil e 6º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais.

Foram apresentadas contra-alegações, nelas se concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. AS QUESTÕES

Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões suscitadas no recurso são:

DA MATÉRIA DE FACTO:
1. Se deve ser considerada provada a matéria constante da al. a) dos factos não provados (ou seja, que os custos das deslocações que a gerente da autora efectuou em veículo próprio custos foram suportados pela própria Autora à razão de € 0,36 por cada quilometro, no total de € 280,80).
2. Se deve ser considerada provada a matéria constante da al. f) dos factos não provados (ou seja, que A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional).
3. Se deve ser dada como provada a seguinte matéria fáctica, da alegada nos pontos 29 a 33 do requerimento da A. de 9/3/2019, com a refª CITIUS 32541572:
- Que os sócios e a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos;
- que tal provocou neles angústia, preocupação e revolta;
- que, durante todos estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento a Ré B… lograsse atingir os objectivos a que se propôs quando deduziu a sua pretenso em juízo (com dolosa má-fé) e se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores que se veriam, assim, lançados no desemprego, tudo o que condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A, e do seu estabelecimento, ao longo da tramitação da acção judicial.

DA MATÉRIA DE DIREITO
1. Se a indemnização a pagar pela Recorrida B…, enquanto litigante de má-fé, devia ter sido fixada em montante idêntico à totalidade dos honorários que estava obrigada a pagar à sua mandatária forense e se deram como provados e adequados à concreta actividade levada a cabo;
2. Se deve a Recorrida ser condenada a pagar a totalidade do montante provado a título de taxas de justiça devidas pela interposição da acção, pela interposição de recurso, pela resposta ao recurso interposto pela Ré B…, pela dedução do incidente de prestação de caução e quantias devidas a título de preparos para a realização da prova pericial?
3. Se deve ser fixada indemnização à Autora a título de danos não patrimoniais por força da litigância de má fé e, na afirmativa, em que montante.

II.2. OS FACTOS

No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos com relevo para a causa:
1. Através da nota de honorários cuja cópia está junta aos autos a fls.1.546 e segs., com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Ilustra mandatário da Autora reclamou desta, a título de honorários pelo patrocínio na presente acção e respectivos apensos, a quantia de € 22.140,00;
2. A Autora suportou já, como provisão desses honorários, a quantia global de € 2.706,00;
3. Após o recebimento da referida nota de honorários, a Autora pagou ao seu mandatário a quantia de €3.075,00;
4. A legal representante da Autora acompanhou, através da sua representante legal e gerente, F… a todas as 13 sessões da audiência de julgamento;
5. A legal representante da Autora efectuou ao longo da duração do processo deslocações para intervenção em reuniões no escritório da sua mandatária;
6. Bem como se viu privada do concurso e funções da sua gerente durante as sobreditas sessões de julgamento, obrigando à reorganização do serviço;
7. Viu-se privada do concurso das funções de três testemunhas suas funcionárias durante as sessões da audiência de julgamento a que estas tiveram de comparecer, o que obrigou a reorganizações no seu serviço;
8. A Autora despendeu as quantias inerentes ao pagamento das taxas de justiça devidas pela interposição da acção, pela interposição de recurso, pela resposta ao recurso interposto pela Ré B…, ela dedução do incidente de prestação de caução e ainda as quantias devidas a título de preparos para a realização da prova pericial, num total de € 4.830,21;
9. Suportado ainda as quantia de € 250,00 para constituição da hipoteca e € 745,79 para emissão da garantia bancária, no âmbito do apenso de prestação de caução;
10. Foi difundido e chegou ao conhecimento, quer dos funcionários e trabalhadores da Ré, quer de pais de alunos, quer dos moradores e vizinhos do conjunto habitacional que Autora era uma sociedade incumpridora, que ocupava o estabelecimento sem pagar a renda, e sem qualquer outra justificação que não fosse a intenção de se locupletar à conta e à custa da B…;
11. Em Abril do corrente ano de 2018, foi dirigida à Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares o documento cuja cópia está junta a fls. 1371 e vs, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido que consubstancia uma denúncia pelo funcionamento ilegal do estabelecimento de infantário explorado nas fracções arrendadas;

Foram, ao invés, considerados, designadamente, como não provados os seguintes factos com relevo para decisão da causa:
a) Os custos das deslocações que a gerente da autora efectuou em veículo próprio custos foram suportados pela própria Autora à razão de € 0,36 por cada quilometro, no total de € 280,80;
b) A Autora deslocou-se por 15 distintas ocasiões ao escritório do seu mandatário;
c) Os custos das deslocações da legal representante da Autora ao escritório do seu mandatário importaram em €280,00;
d) Os custos das deslocações das testemunhas e da gerente da Autora a tribunal importaram em quantia não inferior a €150,00 e foram suportados pela Autora;
e) A situação referida em 10) chegou ao conhecimento da entidade franqueadora e da Câmara Municipal …;
f) A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional.

III. APRECIANDO

A. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Cremos que A Apelantes deu cumprimento bastante ao disposto no artº 640º do CPC, cumprindo os ónus ali contidos: especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; indicar com exactidão as passagens da gravação e identificar e localizar no processo os documentos em que funda a sua impugnação; indicar a decisão (de facto) que, em seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados (art. 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Sendo que estatui, por seu turno, do n.º 2 do mesmo artigo, que:
«No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»

Impende sobre o recorrente o ónus a que se reporta o art.º 639º do CPC, e que é o de, na interposição de qualquer recurso, apresentar a sua alegação, na qual deve concluir, embora de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que acresce o ónus previsto no citado art.º 640º, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão relativa à matéria de facto.

As conclusões não são, portanto, uma reprodução de toda a argumentação desenvolvida na fundamentação do recurso, mas uma síntese dessa argumentação que terá de permitir a identificação clara dos motivos de discordância do recorrente e integrar a formulação do pedido de alteração da decisão recorrida, em conformidade.
Ou seja, se é certo que as conclusões de recurso não têm de transcrever ou copiar o que se escreveu no corpo da alegação, no entanto não podem deixar de sintetizar as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, tendo de permitir a identificação clara dos motivos de discordância do recorrente, tanto mais porque são elas que definem o objecto do recurso, conforme resulta do disposto no art.º 635.º, n.º 4, do CPC.

Lendo as conclusões do recurso, parece evidente que tais ónus estão ali bem evidenciados, não se perdendo, como tal, mais tempo neste segmento.
***
Entende a Apelante que o tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, rematando que:
a. Deve ser considerada provada a matéria constante da al. a) dos factos não provados: que os custos das deslocações que a gerente da autora efectuou em veículo próprio custos foram suportados pela própria Autora à razão de € 0,36 por cada quilometro, no total de € 280,80;
b. Deve ser considerada provada a matéria constante da al. f) dos factos não provados: que A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional).
c. Deve ser dado como provado que:
- os sócios, a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos;
- tal provocou neles angústia, preocupação e revolta;
- durante todos estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento a Ré B… lograsse atingir os objectivos a que se propôs quando deduziu a sua pretenso em juízo (com dolosa má-fé) e se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores que se veriam, assim, lançados no desemprego, tudo o que condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A, e do seu estabelecimento, ao longo da tramitação da acção judicial.

Sem embargo do que abaixo se dirá a propósito do âmbito da indemnização prevista nos arts. 542º e 543º do CPC, sempre se dirá o seguinte:

• Quanto à al. a) dos factos não provados (custos das deslocações que a gerente da autora efectuou em veículo próprio...):

A testemunha que sustenta esta factualidade alegada é o D….
Ora, é evidente que, sendo, como é, sócio da Apelante e marido da legal representante desta, essa testemunha tem um claro e directo interesse no desfecho da causa.
É isso que ressalta das regras da experiência comum. E sendo-o, não vemos razões fortes para alterar a convicção firmada pelo Senhor juiz a quo, atendendo a que ele (que não nós) ouviu e viu a testemunha depor, com toda a riqueza que a imediação e oralidade contêm. Não se vislumbrando razões para modificar a decisão de facto neste segmento, nos termos do artº 662º do CPVC.
É claro que ficou provado que a legal representante da A. efectuou deslocações para intervenção em reuniões no escritório da sua mandatária (isso mesmo também corroborou a testemunha E…, funcionária da Apelante). Mas tal não significa, de todo, que tenha sido a Autora a suportar a mesmas, pois isso não resulta assente da prova testemunhal (nem documental) carreada aos autos.

Assim se mantém como não provada a matéria constante da al. a) dos factos não provados.

• Quanto à al. f) dos factos não provados: deve ser dado como provado que A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional?

Cremos que em (boa) parte tem razão a Apelante.
Com efeito, a testemunha E… (funcionária do estabelecimento desde 2014 – que já antes ali estagiara) prestou um depoimento bem esclarecedor e convincente neste ponto, dizendo ao tribunal que o número de crianças residentes ou familiares de residentes que frequentavam o estabelecimento da recorrente reduziu muito por causa das notícias que circulavam no conjunto habitacional de que a recorrente era incumpridora das suas obrigações contratuais, não pagando, sem justificação, a renda devida pela ocupação do espaço que tomou de arrendamento.
Assim, não temos apenas o D… (este, como dissemos supra, obviamente interessado no desfecho da demanda) a dizer isto (que disse). Antes é corroborado pela aludida funcionária. E não vemos razões para não dar crédito ao seu depoimento, neste aspecto.
No entanto, uma coisa é ter havido redução da procura por banda dessas crianças – que se provou ter ocorrido – , outra, bem diferente, é ter-se provado (como pretende a apelante) que “...A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário, todas as crianças”. Todas não terá afastado – pelo menos isso não nos parece resultar dos depoimentos prestados em julgamento – aliás, o contrário resulta do depoimento do próprio D…, pois que o que este disse ao tribunal foi tão somente que (como, aliás, vem referido nas alegações de recurso – cfr. fls. 14 das mesmas) a maior parte das crianças, filhos ou familiares dos moradores do conjunto habitacional......., deixou de frequentar, ou não frequentou, o estabelecimento por causa das notícias referidas em 10 dos factos provados.

Adita-se, assim, aos factos provados a seguinte matéria de facto (sob o nº 10-A):
“A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário uma grande parte das crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional”.

• Quanto à demais matéria de facto que se pretende que seja considerada provada:
- Que os sócios, a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos;
- Que tal provocou neles angústia, preocupação e revolta; e
- Que durante todos estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento a Ré B… lograsse atingir os objectivos a que se propôs quando deduziu a sua pretenso em juízo (com dolosa má-fé) e se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores que se veriam, assim, lançados no desemprego, tudo o que condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A, e do seu estabelecimento, ao longo da tramitação da acção judicial.

A factualidade provada nos autos, em conjugação com as regras da experiência, permitem concluir pela prova da factualidade aqui em apreciação.
Obviamente que esta factualidade é direcionada aos alegados danos não patrimoniais.
A factualidade provada nos pontos 10) e 11) (denúncia, .. junto da Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares,...pelo funcionamento ilegal do estabelecimento de infantário explorado nas fracções arrendadas) já é bastante para criar algum medo – senão mesmo algum pânico – nos sócios e na gerente da recorrente, levando-os a vivenciar a perspectiva de se verem privados do estabelecimento. O que, naturalmente, lhes provocou angústia, preocupação e revolta, receando terem de encerrar, de um momento para o outro, o estabelecimento.
É esta a normalidade das coisas: é natural que qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias sentisse isso mesmo.
Por isso, não duvidamos da verdade da declaração do D… quando refere que a apontada situação criou dentro da recorrente (na gerência e nos seus funcionários) um clima de permanente incerteza, seja pela manutenção da actividade, seja pelo pagamento pontual de salários e demais compromissos financeiros assumidos pela recorrente.
O que foi corroborado pela funcionária E…, que referiu a instabilidade vivenciada pelos funcionários da recorrente.

Regista-se, porém, que a redacção dada pela Apelante à redacção da matéria que pretende ver levada aos factos provados não pode vingar in integrum, desde logo porque contém algumas expressões conclusivas e de direito.

Assim, adiciona-se à relação dos factos provados os seguintes:
12) “Os sócios, a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos”
13) “Tal provocou neles angústia, preocupação e revolta”.
14) Durante estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores, o que tudo condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A. e do seu estabelecimento ao longo da tramitação da acção judicial.

Nestes termos procede parcialmente a apelação no que tange à impugnação da matéria de facto.

B. DA MATÉRIA DE DIREITO

1. DOS HONORÁRIOS
A indemnização a pagar pela Recorrida B…, enquanto litigante de má-fé deve ser fixada em montante idêntico à totalidade dos honorários que está obrigada a pagar à sua mandatária forense e se deram como provados e adequados à concreta actividade levada a cabo?

O artº 542º, nº1, do CPC diz que a indemnização à parte contrária em que é condenada a parte que litigou de má fé (se esta a pedir), pode consistir “No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos”.

Entende a Apelante que os honorários aqui previstos são aqueles que a parte está incursa a pagar ao seu mandatário.
Já assim não entendeu o tribunal recorrido: considerando, por um lado, o facto da A. ter decaído parcialmente na acção que intentara (ao ponto de ela própria haver sido condenada a pagar à primeira Ré um significativa quantia monetária equivalente à contrapartida pela ocupação do espaço pertença da primeira Ré) e, por outro lado, atendendo ao concreto ilícito processual que determinou a condenação da primeira Ré como litigante de má fé, o grau de culpa (doloso) da primeira ré, entendeu ajustado fixar a indemnização correspondente ao reembolso dos honorários do mandatário da Autora em €8.000,00 (oito mil euros).

É certo que o valor dos honorários apresentados pela mandatária da A. (de €22.140,00 – que imputa à conduta processual da Ré enquanto litigante de má fé, pois não fora esta e ter-se-ia evitado todo o rol de trabalho e diligências que a Apelante descreve nas suas doutas alegações, tais como diligências probatórias, perícia, demoradas inquirições, prolongamento de audiências de julgamento[1] - não foi questionado pela Ré B…. Como na própria decisão recorrida se dá conta, a primeira Ré nem sequer levanta qualquer questão quanto ao valor dos honorários em si mesmos considerados.
Mas, como ali igualmente se observa, tal não significa que os honorários a pagar ao mandatário da parte tenha de corresponder àquele valor (à sua totalidade).

Com efeito o que ressalta à evidência do artº 543º, nº1, al. a) do CPC é que o reembolso das despesas e honorários ali previsto está, naturalmente, limitado aos honorários e despesas que resultem directamente da má fé da parte. Apenas são ressarcíveis a tal título os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação de quem litiga de má fé.
Se assim não se entendesse, então cairíamos na situação (impensável) de a parte que apenas decaiu num de vários pedidos que haja formulado ter de indemnizar a parte vencida por todas as despesas em que aquela tivesse incorrido, incluindo, portanto, a totalidade dos honorários reclamados pelo mandatário dessa parte vencida!
O incidente previsto no artº 543º, nº3, CPC – que permite reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pepa parte – não é o meio próprio para fazer indagações completas sobre a medida precisa dos honorários devidos ao mandatário da parte por todas as diligências e trabalho que teve com a demanda. Aqui apenas se considera uma indemnização “específica”, focalizada no mau uso do processo nos termos do nº 2 do artº542º CPC, directamente emergente dessa postura processual condenável. Ou seja, como dito, não está aqui em causa obrigar a parte a pagar todas as despesas havidas pelo litigante de má fé, designadamente as havidas a título de honorários, mas apenas as que tenham uma relação directa com a má fé do litigante, dela sejam consequência. Não são os honorários devidos na ponderação ou consideração do todo do processo e dos respectivos pedidos; são, antes e apenas, os honorários que possa dizer-se que só resultaram de trabalho directamente emergente da conduta de litigância de má fé da parte.
Em suma, os honorários a fixar no âmbito da má fé a que alude o artº 543º-1-a) CPC são aqueles que, face aos factos provados, é possível quantificar ou determinar como resultando directamente da má fé da contraparte e tendo em conta o resultado da demanda face ao(s) pedido(s). E não em função da globalidade do processo e dos pedidos ali efetuados. Não se destinando a indemnização aludida naquele normativo da lei adjrectiva civil a reembolsar a totalidade dos honorários devidos ao mandatário pelos serviços prestados ao seu constituinte.

Ora, desde logo há que atentar que a Autora formulou no processo vários pedidos, principais e subsidiários:
“a) Ser declarada a anulação do contrato de arrendamento celebrado, com as legais consequências, condenando-se a 1ª Ré B… a restituir à Autora tudo aquilo que lhe foi prestado em virtude e por causa do mesmo;

b) Ser a 1ª Ré B… condenada a pagar à Autora a quantia de € 256.741,26, a título de reparação dos danos causados, compensação por benfeitorias realizadas nas fracções autónomas supra identificadas e, sempre, por enriquecimento sem causa, nos termos e em consequência do acima alegado, bem como, daqueles cuja quantificação deverá ser relegada para execução de sentença conforme se alegou supra;
c) Se declare que a Autora goza do direito de retenção sobre as duas fracções autónomas acima identificadas para garantia de pagamento da quantia € 203.582.95 e a 1ª Ré condenada a reconhecê-lo, com as consequências legais;
Subsidiariamente
d) Se declare válida e operante a resolução do contrato de arrendamento operada pela Autora e a 1ª Ré B… condenada a tal reconhecer;
e) Serem, em consequência da procedência do pedido da alínea d), julgados procedentes os pedidos formulados nas alíneas b) e c), condenando-se a 1ª Ré nesses precisos termos.

Ainda, subsidiariamente,
f) Ser declarada a anulação do contrato de cessão da posição contratual celebrado, com as legais consequências, condenando-se a Ré F… a restituir à Autora tudo aquilo que lhe foi prestado em virtude e por causa do mesmo;
g) Ou, subsidiariamente, ser declarada a resolução operada do contrato de cessão da posição contratual celebrado, com as legais consequências,
condenando-se a Ré F… a reconhecê-la.
h) Ser, em consequência da procedência dos pedidos das alíneas f) ou g), condenada a Ré F… a pagar à Autora a quantia de € 256.741,26, a título de reparação dos danos causados, nos termos e em consequência do acima alegado, bem como, daqueles cuja quantificação deverá ser relegada para execução de sentença conforme se alegou supra.
i) Serem as Rés condenadas a pagar os juros vincendos à taxa legal, actualmente, de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.”.

Em boa parte deste peticionado decaiu a Autora.
Aliás, a sentença nem, sequer, conheceu dos pedidos subsidiários, atento o decidido sobre a nulidade do contrato de arrendamento aludido nos autos.
Além disso, é evidente que boa parte da actividade processual (serviços prestados) em que interveio o mandatário da Autora/Apelante e que justificou (e justifica) a reclamação de honorários extravasa do âmbito da litigância de má fé: quer na alegação factual vasta e diversificada e, outrossim, no estudo e trato de múltiplas questões jurídicas que os autos suscitaram; quer no exercício do contraditório ao longo de todo o processo; quer em diligências probatória – vários dos temas da prova extravasam a conduta processual da Apelada consubstanciadora de litigância de má fé (cfr., v.g., temas 6 a 8 e 13 a 30).

Assim, percute-se que os honorários apresentados pela Autora, na nota que juntou aos autos, está bem além do que poderá e deverá exigir da Ré/Recorrida a título ou por causa da litigância de má fé desta, objecto da condenação na decisão recorrida.

É que a responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual. Daí que os danos referidos peso art. 543º do CPC – correspondente ao artº 457º do CPC anterior – só podem ser os resultantes desse ilícito processual e já não os resultantes de ofensas de posições jurídicas substantivas a que o litigante de má fé possa igualmente dar lugar com o seu comportamento.

O princípio da boa-fé é um dos pilares do sistema processual civil e encontra-se expressamente consagrado nos arts. 266.º-A do CPC e 8.º do NCPC[2], o que bem se compreende: sendo a boa fé um dos cânones modeladores das relações sociais e as relações jurídicas, não é de estranhar que o legislador tenha imposto a todos os intervenientes processuais determinadas regras de comportamento como factor imprescindível para a obtenção de decisões justas e céleres.
Embora o direito de acção conviva legitimamente com a não existência do direito invocado, casos há em que a manifesta falta de pressupostos de ordem substantiva ou de natureza formal não pode deixar de ser integrada ou complementada com o recurso a outros institutos, designadamente o do abuso de direito (art. 334.º do CC) e o da litigância de má-fé (arts. 456.º e segs. do CPC e 542.º e segs. do NCPC).
O processo integra uma liça judiciária, na qual cada uma das partes tem o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão, apoiada em certos factos ou razões de direito, quando esteja razoavelmente convencida da sua razão. No entanto, tal direito de cariz processual tem certos limites e consequências que visam impedir ou sancionar a litigação abusiva.
Daí que o sistema adjectivo instituído aposte na responsabilização dos vários intervenientes processuais e se funda primacialmente no princípio da auto-responsabilidade das partes: cada uma tem o direito de agir em juízo, sem que lhe possam ser opostos entraves excessivos de natureza formal; mas, em contrapartida, a parte está sujeita a determinadas consequências se do seu comportamento processual resultar uma adulteração dos objectivos visados pelo Estado.
Assim, a lide deixa de ser justa e legítima quando uma das partes deixa de agir dentro das regras da boa-fé, colocando ao tribunal pretensões ou alegações de factos ou de normas jurídicas sabendo ou devendo saber que a razão não está do seu lado.

A Reforma processual civil de 1995-1996 exacerbou ainda mais o princípio da boa-fé, autonomizando-o numa norma adjectiva e introduzindo paralelamente modificações no instituto da litigância da má-fé, de modo a alargar a previsão das situações censuráveis. Se antes era corrente o entendimento de que apenas eram passíveis de serem sancionados comportamentos (por acção ou omissão) imputáveis a título de dolo (pelo menos eventual), com a Reforma passou a prever-se expressamente a aplicação das sanções da litigância de má-fé às actuações caracterizadas pela negligência grave ou grosseira.
Não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias, as partes estão, pois, sujeitas aos deveres de cooperação, probidade e boa-fé no confronto que as opõe e em relação ao Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à verdade e ao direito, sob pena da protecção jurídica que reclamam não ser alcançada, com desprestígio para si mesmas, para a justiça e os tribunais.

Aqui, portanto, a razão de ser dos normativos dos arts 542º e 543º do CPC. Deles resulta com clareza que os deveres atingidos pela má fé processual são deveres com relevância e interesse público; trata-se de um instituto que visa proteger, de facto, um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e a eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestigio da justiça. Isso mesmo é claramente atestado, v.g., pela existência de multa a castigar o procedimento do litigante improbo.

É neste espírito e/ou pressuposto que se terá de concluir que o critério da indemnização na litigância de má fé não é a medida do dano, nem tão pouco a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, já que, em vez de se atender, como sucede na responsabilidade civil, à situação do lesado, considera-se antes a situação do autor do facto ilícito. A finalidade visada pela indemnização em sede de litigância de má fé não é ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil, mas meramente sancionatória e compensatória.

Daí, portanto, a conclusão vertida supra: o reembolso das despesas na litigância de má fé, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, não inclui ou abrange (não pode abranger) todas as despesas que a parte contrária haja realizado, mas tão somente as que resultem directamente daquela má fé desse litigante, por ela condenado.

Na determinação dos honorários, no âmbito da condenação por litigância de má fé, há sempre alguma margem de subjectividade, pois é sempre difícil quantificar com precisão qual a concreta actividade do mandatário que adveio directamente dessa postura censurável da parte condenada por má fé.
Como vimos, há que considerar aqui, designadamente, a totalidade do peticionado na demanda e o resultado da mesma. E, como tal, que em boa parte deste peticionado decaiu a Autora.
Aliás, a sentença nem, sequer, conheceu dos pedidos subsidiários perante o decidido sobre a nulidade do contrato de arrendamento aludido nos autos.
Como há que levar em conta que muitas das questões e/ou temáticas alegadas pelo mandatário da Apelante e que (seguramente, até pelo cuidado e mesmo certa profundidade que lhes dedicou, a exigir, naturalmente, muito tempo no seu estudo – veja-se, por exemplo, os temas da prova referidos supra), bem como diligências probatórias sobre as mesmas incidentes, extravasam da conduta processual da Apelada que deu origem à sua condenação como litigante de má fé. O mesmo se podendo dizer de diligências ou situações requeridas nos autos pelo mandatário da Apelante, como a prestação de caução, perícia, etc.

Mas, da mesma forma, não podemos deixar de considerar que muita da actividade do mandatário da Autora não teria lugar se a demandada tivesse tido a postura de probidade processual que lhe era exigível e que não teve e deu origem à condenação por litigância de má fé.
Ora, cremos que a maior parte da actividade do mandatário descrita na Nota de Serviços e Honorários que juntou aos autos se pode e deve considerar abrangida pela previsão do citado artº 543º, nº1, al. a) do CPC, por se poder considerar que resulta do ilícito processual que foi a litigância de má fé, sendo danos causados à Apelante pela actuação litigante da Apelada, pois tais despesas (no âmbito do processo) não teriam existido se tal conduta reprovável não tivesse ocorrido.
Sem reconhecer, também, que vária da actividade do mandatário foi, obviamente, motivada ou causada pela litigância perfeitamente normal e lícita do mandatário da Apelada, que a ela teve de responder: quer em primeira instância, quer, mesmo, em sede de recurso para o tribunal superior. E, é claro, que esta actividade não pode ser aqui indemnizada (a título de honorários).

Tudo ponderado (nomeadamente: tempo de duração do processo; pedidos feitos; decisão final sobre os mesmos – com decaimento parcial da Autora/Apelante, ao ponto de ela própria haver sido condenada a pagar à primeira Ré uma quantia monetária equivalente à contrapartida pela ocupação do espeço pertença da primeira Ré; diligências probatórias que se revelaram infrutíferas – incluindo perícia; várias questões discutidas nos autos que apenas estavam relacionadas com as obras feitas pela Apelante, sua valorização e valor) e concatenado com o teor da referida Nota de Serviços e Honorários apresentada pelo Ilustre mandatário da Apelante (fls. 131), cremos razoável e equilibrado fixar a indemnização correspondente ao reembolso dos honorários do mandatário da Autora (portanto, devidos ou causados pela litigância de má fé da Ré/Apelada) na quantia de €11.000,00 (onze mil euros).

Nesta parte procede a questão suscitada.

2. DAS TAXAS DE JUSTIÇA
Deve a Recorrida ser condenada a pagar a totalidade do montante provado a título de taxas de justiça devidas pela interposição da acção, pela interposição de recurso, pela resposta ao recurso interposto pela Ré B…, pela dedução do incidente de prestação de caução e quantias devidas a título de preparos para a realização da prova pericial?

Considerou a decisão recorrida que os valores despendidos com taxas de justiça e encargos “não deverá ser indemnizado nesta sede porquanto terá direito a receber da Autora, na medida do seu vencimento, custas de parte da primeira Ré, as quais abrangem as taxas de justiça pagas e o valor despendido a título de encargos (art. 26º do Regulamento das custas judiciais).”
Quanto às despesas que comprovadamente a Autora suportou com a constituição da caução por si oferecida nos termos e para os efeitos previstos no art. 647º, n.º 4 do CPC, considerou-se na mesma decisão que não eram indemnizáveis nesta sede por “não configurarem um dano imputável, em termos de nexo de causalidade, à actuação processualmente ilícita da primeira Ré, mas antes de um custo proveniente do exercício de uma faculdade legal que, em seu benefício, ponderando o teor da (sua) condenação em primeira instância (e por causa dela) decidiu lançar mão.”.
E cremos que com razão.

Apenas uma nota relativamente à prova pericial e dedução do incidente de prestação de caução: a perícia foi requerida pela Autora porque assim quis, no âmbito da sua estratégia processual.
E quanto à prestação de caução, dir-se-á que foi a mesma requerida, também, em benefício exclusivo da Autora, no âmbito da sua estratégia processual, não se vislumbrando o que tal tenha a ver com a questão da litigância de má fé da Ré. Trata-se duma mera faculdade ínsita no nº 4 do artº 647º do CPC (que reza: .....o recorrente, ...pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável e se ofereça a prestar caução .....”.

O mesmo vale, diga-se, para a prestação de hipoteca: foi requerida tão somente em benefício da Autora, que a tal não era obrigada no âmbito do normal decurso dos autos.

Não são, como tal, ressarcíveis estes danos no “capítulo” da indemnização a que alude o artº 543º do CPC.

Assim improcede esta questão.

3. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

Deve ser fixada indemnização à Autora a título de danos não patrimoniais por força da litigância de má fé? E, na afirmativa, em que montante?

Diz a Apelante, nas suas doutas alegações: “... a difusão e conhecimento no conjunto habitacional em que o estabelecimento da recorrente se integra, da posição nestes autos assumida pela Ré B… (no sentido que de que a recorrente ocupava o locado sem pagar renda, sem qualquer causa ou justificação) afectou gravemente a imagem e bom nome da Recorrente (....).
E a posição que a Ré B… assumiu nos autos, provocou, não só angustia e preocupação na gerente e sócios da A. (determinando mesmo a doença que assolou a gerente), como instabilizou, perturbou e inquietou, quer esses sócios e gerente, quer os seus funcionários.
Tudo o que, não só afectou a imagem, como lhe causou danos de natureza não patrimonial.
Sendo certo que se verifica, mormente no que respeita à angustia, preocupação e instabilidade sentidos no seio da Recorrente, por sócios, gerente e funcionários, uma directa relação e nexos de causalidade, pois todos eles souberam e foram defrontados com a posição que a Ré assumiu nos autos, negando a verdade do ocorrido, e que, obviamente determinou esse sofrimento e afectação, causando dano de natureza não patrimonial, cujo ressarcimento, data venia se impunha, e impõe.”.

Uma pergunta prévia se impõe: uma pessoa colectiva pode receber uma indemnização por danos morais?
Cremos que sim.

O artigo 484º, do CCiv, sob a epígrafe «Ofensa Crédito ou do bom nome», dispõe que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Conforme escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[3], «Exista ou não, por parte das pessoas singulares ou colectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom nome, considera-se como anti-jurídica a conduta que ameace lesá-los, nos termos prescritos. Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) a pessoa goze ou o bom conceito no meio social em que vive ou exerce a sua actividade (…)». Em contrário, PESSOA JORGE[4] exige que o facto seja falso para ser gerador de responsabilidade.
Mais à frente, advertem: «a afirmação ou divulgação do facto pode, no entanto, não ser ilícita se corresponder ao exercício de um direito ou faculdade ao cumprimento (…).»
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/06/2005, disponível em www.dsgi.pt, as sociedades comerciais operam no mundo dos negócios com o objectivo do lucro. É próprio da sua natureza que o bom nome, a reputação e a imagem comercial lhes interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar. Assim, toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projectar num dano patrimonial revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas (e perda de lucros), por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.
E refere PEDRO PAIS DE VASCONCELOS[5] que o artigo 160º ao referir os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do objecto social pretende significar que só devem ser considerados fora desta área os actos ou actividades que não sejam sequer instrumentais, que não sejam sequer úteis para a prossecução do objecto social, isto é, do qual não resulte, nem sequer indirecta ou reflexamente, algum contributo, mesmo que apenas coadjuvante para a realização do objecto social. Só os actos completamente estranhos ao objecto social se devem considerar fora da actividade da própria pessoa colectiva.
Pelo que, conclui-se no aresto em citação, não estão excluídos da capacidade de gozo da apelante alguns direitos de personalidade, como é o caso do direito ao bom-nome e à honra na sua vertente da consideração social (artigos 26º/1, da Constituição, 70º/1 e 72º/1, do CCiv).
Não obstante, a ilicitude pode ser afastada por qualquer causa justificativa.
Também no âmbito da violação dos direitos de personalidade, como o direito à honra e ao bom nome, se colocam não só problemas de colisão com outros direitos fundamentais, como se o juízo sobre a ilicitude deve ter em conta o princípio da unidade da ordem jurídica. Por isso, nas causas de justificação da ilicitude de ofensas à honra impõe-se considerar o princípio da ponderação dos valores conflituantes na situação concreta, designadamente quando inseridos na titularidade de direitos subjectivos ou no cumprimento de deveres jurídicos[6].

Assim, portanto, às pessoas colectivas assistem direitos subjectivos que são estruturalmente idênticos aos direitos de personalidade, como são o direito ao nome, ao bom nome, à honra, ao crédito e consideração social. São direitos cuja violação dá direito a indemnização nos termos gerais, sempre que cause danos (sejam de natureza patrimonial indirecta, sejam de natureza não patrimonial). Obviamente desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Neste sentido, ainda, o Ac. do STJ de 12.09.2013[7], o Ac. da Rel.de Coimbra de 27-04.2017[8] e o Ac. do TCA Sul, de 19/12/2017, in www.dgsi.pt[9].
Sumariou-se neste último:
I - Na aplicação da Convenção Europeu dos Direitos do Homem e na densificação dos respectivos conceitos, como é o caso do conceito de danos morais indemnizáveis, tem, necessariamente, de atender-se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), a qual tem entendido que uma pessoa colectiva pode receber uma indemnização por tal tipo de danos.
I – De acordo com a jurisprudência do TEDH, os danos não patrimoniais de uma sociedade comercial podem incluir a respectiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a ruptura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão.
II - Nos termos dessa mesma jurisprudência, os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na actuação da justiça merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de os mesmos poderem ser ilididos, ou seja, deve presumir-se que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar, abrangendo tal presunção danos distintos conforme se esteja perante pessoa singular (angústia, ansiedade, frustração, etc.) ou colectiva (incerteza no planeamento da decisão, ruptura na gestão da empresa, etc., conforme explicitado em I.
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Como resultado da impugnação da decisão da matéria de facto, foi decidido supra aditar à relação dos factos considerados provados os seguintes:
10-A) “A situação referida em 10), afastou da frequência do infantário grande parte das crianças, filhas ou familiares dos moradores nesse conjunto habitacional”
12) “Os sócios, a gerente da recorrente viveram assaltados com a perspectiva de se verem privados do estabelecimento ao passo que manteriam a obrigação de pagar às entidades financiadoras (bem como à franqueadora) tudo quanto ai haviam investido, indemnizando trabalhadores e pais de alunos”
13) “Tal provocou neles angústia, preocupação e revolta”.
14) Durante estes anos a A., sua gerente, sócios e funcionários, sempre temeram e recearam que, a qualquer momento se vissem obrigados, de um momento para o outro, a ter de encerrar o estabelecimento, encaminhar os alunos para outras escolas, indemnizar os trabalhadores, o que tudo condicionou e perturbou, de forma grave e reiterada, até permanente, o funcionamento da A. e do seu estabelecimento ao longo da tramitação da acção judicial.”.

Ora, parece evidente que se trata de danos de natureza não patrimonial, “que, pela sua gravidade” merecem a “tutela do direito” (ut artº 496º, nº1, do CC).

Pergunta-se, então: estes danos (não patrimoniais) sofridos pela Autora/Apelante podem ser ressarcidos em sede de indemnização por litigância de má fé?
Não o cremos. E a razão vem referida, com suficiência na decisão recorrida: por “não se verificar o nexo de causalidade entre os mesmos e a actuação processual da Ré, já que não podem ser considerados o resultado de qualquer posição processual assumida pela aqui Ré, mas antes de uma actuação extraprocessual que nem sequer se provou ser imputável à própria Ré ou a pessoa susceptível de a vincular”.

Naturalmente que tais danos poderiam ser exigidos em (normal) acção declarativa de condenação, de processo comum, desde que ali provados. O que não parece é ser possível inserir tal pedido em sede de indemnização por litigância de má fé.
Com efeito, como já acima observámos, no artº 543º, nº3, do CPC apenas se pode considerar a atribuição duma indemnização “específica”, focalizada no mau uso do processo nos termos do nº 2 do artº542º CPC, directamente emergente dessa postura processual condenável. Indemnização que tenha como causa uma relação directa com a má fé do litigante, dela seja consequência (aqui apenas se inserem as despesas (incluindo os honorários) que resultaram em exclusivo do trabalho directamente emergente da conduta de litigância de má fé da parte).
Ora, os danos não patrimoniais aqui peticionados não emergiram directamente dessa litigância da Ré, mas de toda uma complexa situação extraprocessual que se foi criando, arrastando e agravando ao longo do tempo (acabando por “cair” em discussão na barra do tribunal).

Assim improcede esta questão.
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IV. DECISÃO:

TERMOS EM QUE
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, em função do decidem:
1. Julgar parcialmente procedente a impugnação sobre a matéria de facto, nos sobreditos termos;
2. Alterar a decisão recorrida e, em consequência, fixar no montante de €11.000,00 (onze mil euros) a indemnização (a título de litigância de má fé) a pagar pela Ré «B…, CRL» à Autora/Apelante B…, Lda.
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Custas na proporção do vencimento.

Porto, 6 de Fevereiro de 2020
Fernando Baptista
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
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[1] Diz a Apelante:
“Não fosse a conduta processual a Ré e a sua actividade processual e ter-se-ia evitado a realização da prova pericial (cfr relatório de fls 953 dos autos), que não versou a questão da determinação das obras efectuadas pela Recorrente e valorização do prédio mas, sim, a questão da ocupação de áreas comuns pelo que foi locado à representante da Recorrente e à propriedade ou exclusividade de utilização do espaço exterior (que apenas figurou na matéria controvertida por força da posição processual da Ré B… que determinou a sua condenação como litigante de má-fé).
Ter-se-ia, também evitado a perícia respeitante ao envio e recepção de um e-mail comunicando a constituição da Recorrente como sociedade (já que a Ré, caso não tivesse litigado de má-fé, teria confessado saber da constituição da Recorrente e tê-la reconhecido como arrendatária).
Ter-se-ia, ainda evitado a quase totalidade das notificações efectuadas a terceiros para junção de documentos aos autos (posto que relativos e visando a demonstração de factos respeitantes à emissão e recibos, transmissão da posição contratual para a A. Recorrente, negociações mantidas e ocupação e inclusão no arrendamento de espaços comuns) e toda a tramitação a respeito delas ocorrida nos autos.
E ter-se-ia evitado a maior parte da produção de prova em julgamento, porque restrita às questões do tipo de obras realizadas, às despesas efectuadas pela Recorrente, respectiva valorização e valor, para determinação dos prejuízos sofridos pela Recorrente e seu ressarcimento.
Tudo o que foi longamente discutido nos autos, advindo, directa e necessariamente, da conduta dolosa da Recorrida B…”.
[2] Acrónimo de novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.
[3] Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. rev. e act., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 486.
[4] Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, p. 310.
[5] Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Edição, apud Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 21/04/2009, acessível n www.dgsi.pt
[6] Ver, desenvolvidamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/05/2006, in www.dgsi.pt, versado sobre a violação da personalidade singular.
[7] In www.dgsi.pt.
[8] Igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[9] Aliás, referido pela Apelante.