Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1473/22.6T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RP202406061473/22.6T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As nulidades da sentença, encontram-se taxativamente previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito
II - Decorre do disposto no artigo 289º, n.º 1 do Código Civil que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
III - Declarada ou reconhecida a nulidade, estabelece-se entre as partes uma relação de liquidação: devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
IV - Contudo, existem situações de facto em que os efeitos do contrato inválido não podem ser apagados, quando as partes cumpriram as prestações a que estavam vinculadas e uma das prestações não pode ser restituída.
V - Estando em causa um contrato de empreitada em que uma das partes beneficia de um serviço, a restituição em espécie não é possível, por não ser possível restituir os materiais e mão-de-obra utilizada na execução da obra, os quais perdem individualidade quando se materializam na obra executada.
VI - Destarte, não sendo possível a restituição em espécie, deve ser restituído o valor correspondente à obra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:1473/22.6T8AVR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A..., Sociedade Unipessoal, Lda., com sede na Zona Industrial ..., Lote ..., ... Arouca instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA e BB, com domicílio em Portugal na Urbanização ..., ..., concelho ..., ... ..., e com residência habitual em ..., ... - ..., Suíça, onde concluiu pedindo que os Réus sejam condenados a pagar à Autora a quantia de € 47.715,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que os RR., em 2016, solicitaram à Autora que esta executasse trabalhos de carpintaria na moradia que possuem, tendo a Autora apresentado um orçamento no valor de € 48.915,55, aceite pelos RR.
Acrescenta, ainda, que a autora efectuou os trabalhos acordados que foram aceites, sendo certo que os Réus foram protelando o pagamento, pagando apenas € 1.200,00, o que foi tolerado pela Autora, atentas as relações familiares existentes.
Alega, por fim, que os Réus afirmam não poder pagar por falta de dinheiro disponível.
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Citados, os réus contestaram.
Alegam, em síntese, que a Autora durante os anos de 2015/2016 pretendeu comercializar artigos do seu negócio na Suíça, onde residem os Réus, sendo que os Réus se prontificaram a colaborar com o legal representante da Autora de quem são primos, no sentido de lhe arranjarem clientes.
Acrescentam que na sequência da acção dos Réus, a autora vendeu na Suíça diversos móveis, auferindo ganhos e lucros.
Mais alegam, que o sócio gerente decidiu compensar os Réus oferecendo-lhes os móveis para a sua casa, não estando, porém, abrangidos na referida oferta os electrodomésticos facturados em 2016, sendo certo, porém, que nessa parte o crédito encontra-se prescrito.
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Procedeu-se à elaboração de despacho saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição, fixou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença que condenou os Réus AA e BB a pagar à Autora A... - Sociedade Unipessoal, Lda. a quantia de € 46.905,55, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os réus AA e BB interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:
I. Não retirando o Tribunal os devidos efeitos da nulidade do contrato de empreitada que o próprio Tribunal verificou, este introduziu na decisão recorrida nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, (prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), pois parece revelar neste particular um vício real na lógica-jurídica que presidiu à subsequente decisão, na medida em que os factos provados e fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido mas o Tribunal “a quo” na sentença estatui a seguir que :“…. No caso, a restituição em espécie já não é possível. De facto, o trabalho efectuado pela autora está incorporado na casa dos réus, não sendo possível, retirar a obra feita. Aliás, mesmo que fosse possível, desincorporar as obras feitas, tal não configuraria uma verdadeira restituição. De facto, essa desincorporação, necessariamente, causaria danos nos bens, que, neste momento, têm mais de 7 anos de uso, sendo muito duvidoso que pudessem ser reutilizados. Acresce que essa restituição nunca contemplaria a mão de obra incorporada.
Assim, os Réus não podem restituir o que foi prestado. Têm, pois que restituir o valor
Correspondente (…)“

II. Em momento algum da audiência de julgamento, foi produzida qualquer prova testemunhal, documental ou pericial ou qualquer outra no sentido de que a restituição era impossível, como consequência incontornável da nulidade que o Tribunal considerou verificada, e prevista nos termos do art. 289º do Código Civil, pelo que a decisão que consta da sentença recorrida a esse propósito e que acabou por dar sem efeito a nulidade do contrato e as consequências desse vício, pois considerou que não haveria lugar à restituição prevista nos ternos do 289 do CC, constitui uma conclusão inusitada, sem sustentação de facto ou de direito, também em violação do disposto nas al. b) e c) do nº 1 art. 615 do CPC.

III. E foi rematada ainda por um outro raciocínio incorrecto e infundamentado, quando depois, na sentença em causa se diz que … essa desincorporação, necessariamente, causaria danos nos bens, que, neste momento, têm mais de 7 anos de uso, sendo muito duvidoso que pudessem ser reutilizados… , pois, outra vez sem qualquer prova que nesse sentido tivesse sido feita e portanto sem sustentação fáctica que a justificasse e sem sequer ter sido suscitada e alegada pela parte , neste caso A., a quem tal raciocínio beneficiava, e também em violação do disposto nas al. b) e c) do nº 1 art. 615 do CPC, e tendo-o até considerando duvidoso o que é certo é que o Tribunal , como se disse sem factos e, sem sequer nessa parte da decisão estar acompanhado pela própria A, que a não invocou, não se preocupou com a enunciação nem com a causa e a subsistência de tais duvidas, tal decisão está ferida pela incerteza e falta de fundamentação, tendo optado pela via duma incomprovada impossibilidade de restituição que,
para os recorrentes não tem cabimento lógico, factual nem legal.

IV. A decisão recorrida sustenta ainda outra inusitada infundamentada conclusão, agora do ponto de vista do direito, em violação das consequências da nulidade do contrato, e sem qualquer correspondência no conteúdo específico do contrato de empreitada e da imensa jurisprudência nesse sentido, quando depois diz que ….
Acresce que essa restituição nunca contemplaria a mão de obra incorporada…, pois neste particular também, por sua iniciativa e sem qualquer alegação, e muito menos sem qualquer prova, (nem sequer a testemunhal) pela parte a quem eventualmente tal matéria interessava, neste caso a A., o Tribunal “ a quo “ depois e em contra mão do que declarou logo no inicio da parte da sentença em que estatui que Face à matéria provada é patente que entre Autores e Réu foi celebrado um contrato de empreitada definido no art. 1207º do CC…

V. Desse modo o Tribunal, de forma ambígua e surpreendente, resolve cindir e inventar uma outra espécie de empreitada, criando essa nova espécie nova de contrato de empreitada em que contabilizou, de forma autónoma, os serviços prestados e não o resultado.

VI. No seu incorrecto percurso intelectual e para fundamentar a decisão quando à forma como acabou por desconsiderar a nulidade que ela própria aceitou como verificada, a sentença socorre-se do que foi decidido no acórdão do STJ de 06/10/2021, no processo 101387/15.0YIPRT.L1.S1, mas na opinião dos recorrentes, lendo-se o que nesse acórdão do STJ se estatui, é notório que este acórdão não tem aplicação à matéria em causa e que parece lançar mais obscuridade na decisão recorrida.

VII. Nesse caso o que o STJ defende é, conforme ele próprio define de forma clara, a necessidade de dar resposta à questão de se saber se “a prova do preço num contrato de empreitada declarado nulo, por falta de forma escrita, poder ser feita mediante prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova…mas na sentença recorrida essa questão não se colocava e não se suscitava dúvidas pois nela foi declarada a nulidade do contrato de empreitada entre A. e RR, sem rodeios e sem qualquer controvérsia.

VIII. Tal consideração, feita no sentido de que a restituição em espécie já não é possível porque alegadamente o trabalho efectuado pela A. está incorporado na casa dos réus, e assim, não sendo possível retirar a obra feita, está mesmo em contradição com o que foi dado como provado no ponto 2 dos factos dados como provados, ou seja tudo bens móveis ou claramente amovíveis.

IX. A decisão a este respeito da Senhora “Juíza a quo“ não foi sustentada em nenhuma prova, testemunhal ou documental, pois nenhuma feita pela A, tendo o Tribunal decidido, assim, neste aspecto da sentença recorrida, substituir-se à parte ( neste caso à A, que era quem poderia fazer se o quisesse mas não o fez) para invocar a impossibilidade de restituição determinada por força da nulidade decretada pelo Tribunal, violando-se o principio do dipositivo consagrado consagrado no art.º 3.º do CPC, ou em violação do disposto na alínea d) do nº 1 art.º. 615 do CPC.

X. Consideramos recorrentes que os objectos que a sentença considera incorporados se tratam, pela própria espécie e natureza e pelo normal tipo de utilização que lhes é intrínseco, de objectos ou amovíveis ou não incorporados, e que podem ser perfeitamente removidos e utilizados noutro espaço qualquer, e assim, não podem ser consideradas incorporados as portas, os próprios rodapés, muito menos o mobiliário de cozinha e respectivos electrodomésticos, cortinados, tapetes, etc., e a sua remoção e restituição à A não implica a desincorporação que a sentença recorrida também se socorre sem qualquer justificação documental e factual e contra quer o significado de tais bens, e mesmo , em função da sua natureza e da sua fácil amobilidade.

XI. Os Recorrentes não residem na casa onde tais artigos foram colocados, pois residem na Suíça e nem se percebe sequer que prova é que sustenta o facto de se dizer que não possam ser utlizados, pelo que a decisão recorrida violou desse modo o disposto no artigo 289 do CC., o art. 26º da lei 41/2015, e na portaria n.º 119/2012, de 30 de Abril, e nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).

XII. Tendo a A. junto aos autos, como documento nº 3, uma factura ( nº ...) emitida em nome do filhos dos recorrentes, CC como responsável pelo seu pagamento, datada de 29/12/2016 e com data de vencimento nesse mesmo dia, e os RR, nos pontos 26 a 33 da sua contestação (peça esta que os recorrentes também indicam no presente recurso nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640.º , nº 1 do CPC), aceitado que tais electrodomésticos foram entregues na casa dos RR como uma compra e venda distinta do contrato de empreitada, muito embora aí aleguem factos contrários aos da A no que respeita à responsabilidade pelo seu pagamento, incompreensivelmente, apesar do que alegou nos aludidos pontos 8, 9 e 10 da sua petição, a A. no ponto 19 já veio exigir não do CC mas dos recorrentes o pagamento dessa factura, alegando agora o seguinte Assim, os RR. encontram-se em mora relativamente à importância de 5.083,09 euros desde, pelo menos, 29.12.2016, data de vencimento da fatura nº ... e relativamente ao montante de 41.822,46 euros desde 28.08.2021, data de vencimento da fatura nº ....

XIII. O Tribunal no que respeita às declarações dos RR e de CC declara o seguinte:
“Quanto ao depoimento do Réu e do seu filho, CC, não mereceram qualquer credibilidade, também no que a esta matéria se refere. Assim, depuseram no sentido de os electrodomésticos serem uma oferta do filho para os pais, pagos com o que o filho auferia em trabalhos efectuados no âmbito escolar. A emissão e pagamento da factura teria sido combinada entre o legal representante da Autora e o filho dos Réus. Ora, o conteúdo destes depoimentos, para além de serem absolutamente contrários ao que é usual acontecer (são os pais instalados na vida que ajudam os filhos e não estes que com os pequenos rendimentos auferidos em trabalhos escolares ou a tempo parcial que ajudam os pais), foram, mais uma vez, genéricos”, mas o Tribunal a quo, outra vez sancionando apenas as declarações do socio gerente da A. e da única testemunha que sobre isso depôs, ( a sua mulher), depois de declarar o que declarou quanto ao que os RR e o filho disseram a este respeito, já quanto às declarações do sócio gerente da A. e sua mulher, aceitou-as o Tribunal como suficientes e mesmo sérias, e normais e do ponto de vista da experiência comum, fundamentadas com esta incompreensível explicação:
…No que se refere aos pontos 7 e 8 dos factos provados e C), D), E) e F) dos factos não provados no documento 3 junto com a petição inicial e constante de fls. 12 e ss. O legal representante da Autora e testemunha DD confirmaram essa matéria. Explicaram ainda que, no que se refere aos electrodomésticos, tiveram de facturar de imediato, por causa do período de garantia. Explicaram ainda que a factura foi passada em nome do filho dos Réus, CC, pois tal lhes foi pedido pelos Réus que pretendiam fazer um empréstimo em nome do filho, por ser mais vantajoso. Na altura, o filho teria 16 ou 17 anos havendo, por isso, necessidade de aguardar que ele atingisse a maioridade….

XIV. Para o Tribunal é pois credível aquilo que dizem o socio gerente da A e da sua mulher quando justificam porque é que foi emitida a factura em nome dum menor, mas quando são os réus a justificarem-se quando referem o que combinaram com o mesmo menor, já o conteúdo destes depoimentos, para além de serem absolutamente contrários ao que é usual acontecer (são os pais instalados na vida que ajudam os filhos e não estes que com os pequenos rendimentos auferidos em trabalhos escolares ou a tempo parcial que ajudam os pais. …

XV. O Tribunal recorrido, menosprezando a anormalidade disto tudo, a falta de sentido destas declarações e contra as regras da experiencia, que bem revelam a gritante incoerência e falta de seriedade do socio da A e da sua mulher, aceita ainda que seja credível serio e legal o que a A. faz e o seu gerente diz , conhecendo o socio gerente que o filho dos RR era menor este em nada se incomodou com isso e emite uma factura de mais de 5 000 € a um menor de idade que, diz a A, depois… por ser mais vantajoso, e inverte tudo isto, refunde todos estes actos e passa por conveniência da sua demanda, a dar tal factura passada em nome do menor como que anulada sem sabermos se o foi, por exemplo para efeitos de IVA, e declara que afinal os bens a que tai factura se refere têm que ser pagos pelos pais do menor, sendo que essa factura continua no mundo sem o adequado estorno, apesar de ter sido extinta dessa forma, a produzir os efeitos para os quais foi criada designadamente fiscais e contabilísticos…

XVI. Ou seja sendo os próprios socio gerentes da A. a dizê-lo, aceita o Tribunal a conduta empresarial do socio da A na responsabilização dum menor, depois de descredibilizar o depoimento do R marido nesta parte quando disse que…..são os pais instalados na vida que ajudam os filhos e não estes que com os pequenos rendimentos auferidos em trabalhos escolares ou a tempo parcial que ajudam os pais), mas depois, incompreensivelmente, outra vez sancionando o que disse o sócio da A. quando refere que afinal era o filho a pagar tais bens pois iria fazer um empréstimo.!

XVII. Assim o desequilíbrio ambiguidade e mesmo a contradição dos raciocínios e das conclusões, parece aos recorrentes visíveis na sentença recorrida, e a falta de fundamentação que justifiquem porque é que é aceite esta conduta da A, como são aceites as declarações do sócio gerente da A. e da sua mulher, a testemunha DD e desprezadas as dos RR e da testemunha EE.

XVIII. Adensando a ambiguidade e a obscuridade da sentença recorrida e se é verdade
e válido para o Tribunal o que diz o socio da A. e a sua mulher acerca da factura ter sido passada em nome do filho dos RR., ficamos sem entender então porque é que, nesta acção, veio exigir o seu pagamento aos RR., verificando-se ambiguidade e erro grosseiro da sentença recorrida em mais outro aspecto, cfr. as al. c) e d) do art. 615 do CPC.

XIX. Quanto à questão de se saber porque e que afinal foi passada uma factura pela A. em 2016 e só passados 5 anos foi passada a factura do restante, com cabimento, na opinião dos recorrentes, nos temas de prova 5 e 6 , a este propósito os RR não podem deixar de referir a falta de coerência e conduta empresarial da A., cuja apreciação foi menosprezada também pela sentença recorrida.

XX. independentemente da flagrante violação do disposto ‘no Artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, que define que a A. teria sempre que respeitar o prazo legal de emissão e formalidades das faturas, consideram os recorrentes ser sintomático que só passados 5 anos contados da factura passada em nome do filho menor dos recorrentes é que resolveram facturar o restante.

XXI. Estes factos e esta conduta da A tiveram ainda uma perversa consequência na esfera dos ónus de prova dos RR. pois redundaram no deliberado acréscimo de dificuldades por parte dos RR. de fazerem a prova que muito mais facilmente poderiam ter feito na altura devida (em 2016) se considerasse então a A. o que considera nesta demanda e na causa de pedir mas que, do modo como as coisas se passaram pois só ao fim de 6 anos é que recorreu a Tribunal e 8 anos realizada a audiência de julgamento, dificultando a vida aos RR., designadamente o ónus de apresentarem as provas de que nunca houve a obrigação do pagamento do preço da empreitada, excepto dos electrodomésticos.

XXII. Não foram levadas em consideração as declarações da testemunha EE, e que comprovam a existência duma parceria entre a A. e os RR. nem é explicado porque é que estes suportaram a suas expensas, a estadia do socio gerente da A , dos vários empregados da A. em casa daqueles, com comida e dormida, com despesas de transporte de e para os locais onde, na Suíça, a A. fez pelo menos 2 ou 3 empreitadas iguais às que fez para os RR, sem que a A. tivesse que pagar um único cêntimo com as despesas que tal deslocação e estadia normalmente teria que comportar, evitando pagar milhares e milhares de euros como seguramente evitou.

XXIII. A razão de nunca ter a A. apresentado as contas que apresentou aos RR. nesta acção pela empreitada e pelos móveis que produziu e que colocou em casa dos RR. e que só o fez passados tantos anos, violando o acordo com os RR. deve-se precisamente ao acordo e à parceria que fez com os RR em 2015 e nos anos seguintes, e que permitiu à A fazer contratos de empreitada iguais ao que fez com os RR., na Suíça, para onde a empresa A deslocou por varias vezes os seus meios, os seus empregados, incluindo o sócio gerente da A. e onde lucrou com os trabalhos e com os valores que recebeu à custa do empenho dos recorrentes sem nada ter pago a estes últimos.

XXIV. Tais factos constituem uma parte da parceria que deveria ter sido dado como provada pois doutra forma não se explica porque razão a A. admite tais contratos de empreitada, admitiu ter ficado em casa dos recorrentes na Suíça, admitindo que foram os recorrentes que suportaram as despesas integrais com tal estadia, admitido que foram os recorrentes que tudo pagaram em temos de alimentação, inclusivamente os pagamentos do custos transporte de casa dos recorrentes para os locais onde a A. iria cumprir com os contratos que fez através dos RR., admitindo que foi através dos RR que tais contratos foram firmados na Suíça, admitindo até que foram os RR. quem pagaram aos custos com o aluguer de carros para deslocação dos sócio gerente da A. e dos seus empregados e transporte de materiais na Suíça e admitido que aí se deslocou com todos esses seus meios por varias vezes, tendo a mulher do sócio gerente admitindo pelo menos 3 vezes que a A. foi para a Suíça nesse condições com estadia de pelo menos de 15 dias de cada vez que aí se deslocou.

XXV. Contrariando mesmo a tese de que tais contratos foram feitos depois da conclusão da empreitada a favor dos RR. admitiu mesmo a mulher do sócio gerente da A que tais contratos e tais trabalhos na Suíça começaram antes do contrato de empreitada feito com os RR.( Neste sentido os próprio documento ( emails) junto pela A. no seu requerimento de 03/11/2022, com a referencia 13695332) parece aos recorrentes que deveriam ter sido dados como provados os factos A, B, C e D dos factos não provados.

XXVI. É esta a razão que explica a inexistência de facturas (desde o ano de 2016 ate 2021, até ao momento em que se zangaram as partes) e é esta a razão de ser dum outro facto inexplicado pela A.: a inexistência do envio para aos RR., dum único email através do qual a A., o seu sócio gerente e a sua mulher reclamasse, qualquer pagamento ou parte dele, só pode explicar que na verdade nunca os RR. pagaram porque o acordo que fizeram nunca permitiu à A. a exigência do preço nem qualquer outro tipo de interpelação pela A. aos RR. para pagamento da empreitada: A A. compensava os RR., desobrigando-os do pagamento do preço da empreitada que fizerem a favor destes na sua casa da ... como forma de lhes pagar e os compensar dos trabalhos que os RR. lhe conseguiram arranjar na Suíça e dos lucros que com estas empreitadas obteve.

XXVII. Esta falta de interpelação foi mesmo verificada no interrogatório feito pela Juiz “a quo” à mulher do socio gerente.

XXVIII. Nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, os recorrentes consideram que, de forma incorrecta, na sentença recorrida , resultou provado o que consta dos pontos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, e para os mesmos efeitos os recorrentes consideram que, de forma incorrecta, na sentença recorrida não resultou provado o que consta dos pontos A, B, C, DE e F que, na opinião dos RR, tais factos deveriam ter sido dados como provados e constam do processo ou do registo ou gravação nele realizado os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente da sentença recorrida, sobre os pontos da matéria de facto impugnados designadamente, a petição inicial, junta a 20/04/2022, com a referência nº 12896005, o documento junto pela A como doc. nº 1 (certidão permanente) donde consta que a sociedade A foi constituída em 04/10/210, e dela sócio único e sócio gerente já na data da constituição era casado com a testemunha DD, no regime de comunhão de adquiridos, o documento classificado pela A como doc. n.º 3 (factura nº ...) emitida em nome do filhos dos recorrentes, CC como responsável pelo seu pagamento, datada de 29/12/2016 e com data de vencimento nesse mesmo dia, a contestação dos RR, junta aos autos no dia 12/09/2022, e que deles consta com a referência 13447829, o documento nº 2 junto pela A no seu requerimento de 03/11/2022, com a referência 13695332, as declarações da testemunha da A DD, com depoimento gravado e disponível no “Habilus Media Stúdio”, com inicio às 09.54.53 e fim às 10.40.17, as declarações da testemunha dos RR EE com depoimento gravado e disponível no “Habilus Media Stúdio”, mãe do Reu, com início de 11.11.14 a 11.30.45).

XXIX. Consideram os Recorrentes que o tribunal errou pois na apreciação dos depoimentos de parte e das declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas nos autos, de forma tal que a sentença revela a valorização das declarações de parte do socio gerente da A e da sua mulher, sendo, como se disse, que a mulher do socio gerente da A ( DD) é -lhe creditada a qualidade de testemunha imparcial que foi infirmada em audiência de julgamento, e desvalorizando por completo as declarações de parte do R marido e das suas testemunhas, principalmente da testemunha EE, mãe do R marido, mas fazendo-o sem qualquer fundamentação e sem qualquer explicação das razões que levaram o tribunal a atribuir credibilidade à referida mulher do socio gerente da A no seu depoimento e nenhuma à mãe do R marido.

XXX. Consideram os RR que a prova testemunhal útil e determinante para o desfecho da decisão recorrida conforme ela assim foi proferida, foi a que o Tribunal “ a quo “ retirou das declarações do socio gerente da A e da mulher deste, DD, não sancionando o seu interesse e a sua imparcialidade, pois que quanto a esta DD é mulher do sócio da A ela própria o assumiu, e que já era casada com o socio gerente da A no regime de comunhão de adquiridos na data da constituição da A, consta até da certidão permanente referente à A, documento n.º 1 junto pela A com a sua pi, o que determina ser essa mulher do R, a DD, proprietária plena e em igualdade com o socio gerente da A de metade das quotas e dos restantes direitos e activos corpóreos ou outros da A.

XXXI. Não podem os RR aceitar que a decisão recorrida se tenha sustentado unicamente no depoimento do próprio sócio gerente da A e depois, tendo em vista essa gritante insuficiência de prova, para justificar ainda essa inaceitável comprovação da matéria impugnada e controvertida que ele, sócio gerente da A evidentemente lhe interessava provar, e ser dada como provada, ser apenas repetida por alguém que é nada mais nada menos que a sua cônjuge com quem já era casado quando a A. foi constituída e no regime de comunhão de adquiridos, e quanto a esta, não tenha o Tribunal recorrido verificado que, a todas as confortáveis perguntas que lhe foram feitas pelo mandatário da A tenha a mulher do sócio gerente referido respondido sem hesitação mas, depois dessa aparente consistência e conhecimento de factos, já no âmbito do interrogatório feito pelo mandatário dos RR, e mesmo do que foi feito pela própria Juíza de 1.ª Instancia, tenha passado a revelar a total falta de certezas quanto ao que antes foi por ela era dito da forma como lhe convinha, alterando mesmo o que antes dissera, fugindo ao esclarecimento da factualidade e matéria que antes conhecia e que não poderia deixar de conhecer tendo em vista o que antes disse e a sua alegada qualidade de empregada de escritório, e mesmo cônjuge do único gerente e único socio da A.

XXXII. Na segunda fase do seu interrogatório, passou a mulher do socio gerente da A, DD a declarar que o que de forma tão clara antes conhecia e sabia, nada afinal conhecia e nada se passara na sua presença, nada passando a saber quando antes de tudo parecia ter conhecimento profundo pois tudo presenciara, alterando o que disse, fugindo às mesmas perguntas com outras respostas, invariavelmente declarando que, afinal, o essencial já não era do seu conhecimento mas apenas do seu marido e só dele, e quando afinal lhe foi perguntado, de forma diferente da pergunta que lhe foi feita pelo seu advogado, para que dissesse com verdade o que de facto ouvira e presenciara quanto à matéria essencial (os acordos com os RR e a inexistência da obrigação de pagamento) já não deu a resposta que antes dera mas sim aquela que conseguiu encontrar no espaço privado da procura mental a que teve que aceder nesse instante em que o Tribunal exigia uma declaração sua e que afinal , para ela DD, habitava escondida no único sito que descobriu depressa nessa demanda de respostas convenientes que ainda pôde dar do outro lado da vídeo conferência: a “ logica das coisas” …

XXXIII. Ao encontro destas conclusões reparam os recorrentes que, na sentença recorrida, apenas se faz referência ao que foi alegado pelas restantes testemunhas da A, numa passagem cuja importância é mínima senão mesmo irrelevante no desfecho do litigio pois não é por acaso que mais nenhuma referencia é feita às testemunhas da A e, consideram os recorrentes que tal constatação é sintomática e como se disse, confirma o que acima constatam os recorrentes: A prova testemunhal útil e determinante para a presente demanda e para o desfecho da decisão recorrida conforme ela assim foi proferida, foi a que o Tribunal “ a quo “ retirou das declarações do socio gerente da A e da mulher deste, DD.

XXXIV. Quanto ao valor que deu às declarações do socio gerente da A e da sua mulher, a referida DD, está ele revelado nas seguintes passagens, com que alegadamente o Tribunal a quo fundou a sua convicção: “No que se refere aos factos constantes dos pontos 2 a 6 da matéria provada e A) a B) da matéria não provada no documento 2 junto com a petição inicial e constante de fls. 10 e ss Sobre essa matéria depôs a testemunha DD, esposa do legal representante da autora e que aí trabalha como empregada de escritório, confirmando, de forma convincente, o teor desse documento que, segundo explicou, foi elaborado pelo marido. Também o legal representante da Autora, confirmou o teor do orçamento. Ambos afirmaram que, para além do orçamento, não é usual fazerem qualquer contrato escrito.”

XXXV. E ainda estas passagens: No que se refere aos pontos 7 e 8 dos factos provados e C), D), E) e F) dos factos não provados no documento 3 junto com a petição inicial e constante de fls. 12 e ss. O legal representante da Autora e testemunha DD confirmaram essa matéria. Explicaram ainda que, no que se refere aos electrodomésticos, tiveram de facturar de imediato, por causa do período de garantia. Explicaram ainda que a factura foi passada em nome do filho dos Réus, CC, pois tal lhes foi pedido pelos Réus que pretendiam fazer um empréstimo em nome do filho, por ser mais vantajoso. Na altura, o filho teria 16 ou 17 anos havendo, por isso, necessidade de aguardar que ele atingisse a maioridade…….No que se refere aos pontos 10, 11 e 12 dos factos provados nos documentos de fls. 13 e 14 juntos com a petição inicial e ainda nos depoimentos do legal representante da Autora e testemunha DD, que atento tudo o supra exposto, mereceram inteira credibilidade…

XXXVI. Não foi pois adequadamente verificado na sentença recorrida, o notório interesse por parte da “testemunha” DD”, mulher do socio gerente da recorrida, e beneficiada directamente com a arrecadação de muitas dezenas de milhares de euros que lhe proporcionou o desfecho do processo, é de tal forma que no seu depoimento assumiu sempre, ao longo de 45 minutos, a sua íntima e interessada posição de esposa do socio gerente e nunca com a distância que a qualidade de testemunha deveria revelar a sentença não observou, pois nas suas declarações, que revelam de forma evidente a imparcialidade, a resposta fácil e comprometida com a da A é de tal forma que, em todas elas, não teve qualquer hesitação em se referir à A/recorrida, como nossa empresa , como como “ nós “, sem qualquer receio da confusão de interesses que passou a revelar de forma clara, fazendo dessa forma a fusão dos seus próprios interesses, os do marido e os da firma A, que a ambos, a ela e ao marido, pertence directa ou indirectamente.

XXXVII. as declarações, as certezas e os factos que essa DD narrou e prestou no interrogatório feito pelo mandatário da A, que revelaram, nessa fase, um conhecimento apreciável da matéria factual controversa, desapareceram por completo e algumas são mesmo ao contrário das que deu no contra interrogatório a que depois foi sujeita a instancias do mandatário dos RR, e da própria Juíza a quo, pois quando teve que responder ao mandatário dos RR, tudo o que anteriormente deu como certo foi substituído pelo desconhecimento, pela ausência e por uma fuga às respostas que revelam bem, só com esse recuo, a falta de credibilidade que tal depoimento deveria merecer, dizendo mesmo que o que sabe lhe era e foi contado pelo marido, aqui não só revelando que nada sabia dos factos mas o que sabia era na qualidade de esposa do socio gerente da recorrida.

XXXVIII. As declarações de DD foram feitas por alguém que revelou um total interesse no desfecho da questão, de mais a mais porque sendo cônjuge do socio gerente da A é por força do seu regime de bens tão proprietária da própria A e dos seus activos como se fosse socia de 50 % da A , o que sempre determinaria especiais cuidados na apreciação do seu depoimento, tendo em vista o seu interesse evidente num desfecho favorável da demanda em favor da A e tendo-lhe sido atribuído uma credibilidade que não faz sentido e é mesmo não admissível face às regras da experiência comum.

XXXIX. De forma incoerente e infundamentada o Tribunal “ a quo” refere-se ao depoimento de EE, pelos vistos por ser mãe e sogra dos RR e nada mais, pois nenhuma explicação foi dada a esta testemunha cuja relação de parentesco com os RR nada retira à sua credibilidade, que nada ganha ou ganhou ou perdeu com o desfecho da demanda, ao contrario da mulher do A que nesse aspecto e não só, ganha dezenas de milhares de euros com a procedência da demanda, sem referir um único facto, uma única declaração incoerente dessa testemunha, sem explicar que deveria ser como a definiu porque ela hesitou, porque se contradisse, porque foi infirmada pelo depoimento de quem quer que seja, porque não poderia ser como ela disse, porque não poderia ter presenciado os factos que presenciou, sem se fundamentar na logica das coisas com que até conformou o depoimento da mulher do sócio gerente da A, sem dizer a meritíssima “Juíza a quo porquê afinal , foi considerado que o seu depoimento não mereceu credibilidade.

XL. Quanto ao valor e à credibilidade desta testemunha dos RR, porque como se disse, o Tribunal nada refere e nada justifica quanto à credibilidade que lhe não reconheceu, pelos vistos parece ter seguido as considerações que o mandatário da A dela fez quando a esta testemunha se referiu, designando-a este com uma complacência falsa e com o desdém que achou dever realçar com o facto de ser a mãe do R marido (pois com essa expressão e esse tom o que o que quis dizer foi que como é mãe do R marido, é, por isso, mentirosa )e mais ainda, (porque só isso pode não ser suficiente) e designando-a também com o atributo improprio de pessoa com um limitadíssimo vocabulário, com a 4:ª classe, caracterizando-a deste modo esta mulher, como se fosse portadora dum indirecto handicap e duma espécie de incapacidade mental e testemunhal …

XLI. Não indicando afinal em que é que a 4.ª classe e em que é que esse vocabulário impediu a testemunha EE de falar e dizer o que viu e ouviu, foi com estes argumentos que a A., cujo socio gerente é sobrinho da referida testemunha e poucas mais serão as suas habilitações classificou o depoimento em causa, a fim de menosprezar a autenticidade com que depôs, ferindo a substância das declarações não propriamente pelo seu conteúdo mas pela inaceitável imagem que dela a A quis deixar impressa na mente do julgador.

XLII. No que respeita às declarações que a testemunha EE produziu, aos factos que presenciou, ao que disse ter ouvido da boca do socio gerente da A no tempo em que este com os RR eram duma amizade profunda em Portugal e na Suíça, nada pôde a A. fazer e em momento algum foram informadas contraídas por qualquer outra prova.

XLIII. Passados 5 anos da data dos factos e 8 aos até à audiência de julgamento, não puderam os recorrentes apresentar mais nenhumas outras testemunhas poderiam os RR apresentar senão as que constituem o seio da sua família, que mais do que quaisquer outras acompanharam de perto este caso e negócio subjacente a este litigio enquanto as partes tiveram um relacionamento amistoso, um acordo que ela, mãe do R marido pôde conhecer como mais ninguém, e que os dispensava da obrigação de pagamento de preço da empreitada.

XLIV. Os recorrentes consideram que antecedentemente cumpriram o ónus secundário de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados, os termos definido nos art. 640 do CPC, ( al.b do nº 2), indicando ainda que as passagens da gravação ou do registo sonoro do depoimento da testemunha DD, ( gravação com início às 09.54.53 e fim às 10.40.17) em que fundam o seu recurso, estão registadas aos seguintes minutos e os segundos seguintes : 17:37; 17:50; 18:04; 18:23; 18:42; 18:48; 18:58; 18:58; 19:06; 19:32; 19:43; 19:48;19:58; 20:03; 20:13; 20:42;20:20:58; 21:50; 22:02; 22:06; 22:36; 22:49; 23:16; 23:18; 24:03; 25:01; 25:20; 25:23; 25:43; 26:06; 26:09; 26:18; 26:28; 26:49; 26:50; 27:36; 27:59; 28:07; 28:46; 29:15; 29:36; 30:13; 30:15; 30:21; 30:30; 30:35; 30:37; 30:43; 31:05; 31:06; 31:22; 31:33; 31:42; 32:08; 32:13; 32:26; 32:50; 33:07; 33:09; 33:15; 33:20; 32:25; 33:33; 34:39; 34:45; 35:05; 35:26; 35:37; 36:08; 36:23; 36:41; 37:02; 37:15; 37:45; 38:08; 38:09; 38:16; 38:28; 39:15; 39:42; 39:50;39:52; 40:15; 40:25; 40:54; 41:11; 41:40; 41:55; 42:03: 42:34; 42:53; 43:30; 43:42; 43:55; 44:06; 44.10; 44:52; 44:58: 45:02; 45:08.

XLV. As passagens da gravação ou do registo sonoro do depoimento da testemunha EE, (Gravação de 11.11.14 a 11.30.45) em que os recorrentes fundam o seu recurso, estão registadas aos seguintes minutos e segundos do seu depoimento : 2:08; 2:13; 2:30; 2:39; 2:40; 2:49; 2:53; 3:00; 3:13; 3:21; 3:24; 3:26; 3:33; 3:43; 3:55; 4:05; 4:13; 4:16; 4:25; 4:35; 4:40; 4:43; 4:47; 4:54; 5:04; 5:04; 5:27; 5:37; 5:57; 5:59; 6:04; 6:24; 6:26; 6:35; 6:43; 6:58; 7:04; 7:14; 7:17; 733; 7:35; 7:44; 7:47; 7:57;8:01; 8:10; 8:16; 8:21; 8:51.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A A Autora é uma sociedade comercial unipessoal de responsabilidade limitada que se dedica ao fabrico de carpintaria para construção civil e obras públicas, bem como mobiliário, incluindo a sua aplicação nas respetivas obras.
2. No exercício da referida atividade, os RR. solicitaram à Autora, em abril de 2016, que esta executasse os trabalhos de carpintaria, incluindo portas, rodapés, apainelados, piso flutuante, mobiliário de cozinha e respetivos eletrodomésticos, de casas de banho, de sala e quartos, cortinados, tapetes e outras peças, no imóvel que os mesmos possuem na Urbanização ..., ..., concelho ..., ... ....
3. Para o efeito, a Autora elaborou e apresentou aos RR. o orçamento dos trabalhos, e equipamentos e outros bens encomendados, sendo que o preço dos referidos trabalhos e fornecimento de bens ascendia a 39.768,74 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, o que, tudo, perfazia a importância de 48.915,55 euros.
4. Os RR. concordaram com o referido preço e ordenaram a execução dos trabalhos e fornecimento adjudicados, o que a Autora fez incorporando-as na referida obra.
5. Autora e Réus não reduziram a escrito o referido acordo para além do que consta do mencionado orçamento.
6. Concluídos trabalhos e entregue a obra e os bens fornecidos, os RR. não apontaram quaisquer defeitos ou anomalias de execução nem o incumprimento de quaisquer dos termos ou condições convencionados.
7. Porém, os RR., alegando dificuldades em proceder ao pagamento, de imediato, da totalidade do preço, pediram ao gerente da Autora que apenas faturasse nessa altura e em nome do filho do casal, CC, os eletrodomésticos e outros bens que a empresa adquirira para aplicar na obra, como roupas de cama, tapetes e cortinados.
8. Atentas as relações familiares entre os RR. e o único sócio e gerente da Ré, e as dificuldades invocadas, esta acabou por aceder, emitindo de imediato apenas a fatura ..., no montante de 5.767,74 euros, acrescidos de IVA, o que, tudo, perfaz o valor de 7.093,09 euros.
9. Acontece que, relativamente à referida fatura os RR. apenas pagaram a importância de 1.200,00 €, mantendo-se o restante por pagar, no valor de 5.083,09 €.
10. Os RR. foram adiando o pagamento e pedindo à Ré para esperar mais algum tempo para emitir a fatura do preço do trabalho e dos materiais restantes, no valor de 34.002,00 euros, acrescidos de IVA, o que tudo perfaz o montante global de 41.822,46 euros.
11. Situação que perdurou até 13 de Agosto de 2021, data em que a Autora, depois de avisar os RR que agora tinham mesmo de pagar e emitiu a fatura em falta, nº ..., no referido montante de 41.822,46 euros, com data de vencimento no dia 28.08.2021.
12. Fatura que foi enviada ao Réu por correio nesse mesmo dia 13.08.2021 e que o mesmo Réu devolveu à Autora no dia 16.09.2021, sem invocar qualquer razão para o fazer e sem pagamento.
13. A A. efectuou alguns trabalhos na Suíça em 2014/2015 e em 2019, auferindo ganhos e lucros, sendo que esses trabalhos foram conseguidos pelos Réus.
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2.2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a)O Autor dissesse aos Réus que os compensaria devidamente pela angariação dos trabalhos referidos em 13.
b) O sócio gerente da A, e esta, decidissem compensar os RR oferecendo-lhes os moveis para a casa que os RR têm em Portugal, que assim foram entregues aos RR em compensação dos esforços que desenvolveram para que a A vendesse os seus produtos a clientes suíços.
c) Fosse só por isso que a A não facturasse os móveis em causa, em 2016.
d) Esse acordo só não abrangesse os electrodomésticos, o montante referente a colchas (coberturas de cama) e tapetes pois a Autora teria que comprar estes produtos.
e) Estes objectos (electrodomésticos e artigos de roupa de cama e tapetes) fossem facturados em nome do filho dos RR pois esta fosse a própria vontade do socio gerente da A na sequência de conversa e acordo que o socio gerente da A manteve com os RR e com o filho dos RR.
f) Fosse o socio gerente da A quem acertasse com o filho dos RR a compra desse objectos, e fosse por isso a A quem disse aos RR que os facturaria em nome do filho destes e que o filho os pagaria com as suas poupanças ou da forma que pudesse.
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2.3. Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
No que se refere aos factos constantes do ponto 1 da matéria provada, no documento 1 junto com a petição inicial a fls. 8 e ss. dos autos
No que se refere aos factos constantes dos pontos 2 a 6 da matéria provada e A) a B) da matéria não provada no documento 2 junto com a petição inicial e constante de fls. 10 e ss
Sobre essa matéria depôs a testemunha DD, esposa do legal representante da autora e que aí trabalha como empregada de escritório, confirmando, de forma convincente, o teor desse documento que, segundo explicou, foi elaborado pelo marido.
Também o legal representante da Autora, confirmou o teor do orçamento.
Ambos afirmaram que, para além do orçamento, não é usual fazerem qualquer contrato escrito.
Confirmaram a realização das obras que foram aceites pelos Réus (o que também não é posto em causa por estes).
A realização das obras foi também confirmada pela testemunha FF, funcionário da Autores, bem como pelas testemunhas GG e HH, a quem a Autora subcontratou a aplicação do pavimento flutuante. Estas testemunhas referiram ainda ter sido pagas pela Autora pelos serviços prestados.
O Réu AA prestou depoimento afirmando que a obra realizada pela Autora foi uma compensação pelos serviços por si e por sua esposa prestados, na angariação de clientes na Suíça e no suporte logístico dado ao legal representante da Autora e seus trabalhadores, quando iam executar os trabalhos angariados.
Depoimento similar teve a testemunha EE, sua mãe.
No entanto, o seu depoimento não mereceu credibilidade.
De facto, embora resulte dos mails juntos aos autos (cf. fls. 35, 41 verso, 42, 43, 44) e de algumas facturas (fls, 46 e ss), que a Autora prestou trabalhos na Suíça, o que é admitido pelo legal representante da Autora, que admitiu também que esses trabalhos foram angariados pelos Réus (ponto 13 dos factos provados), não parece que esses trabalhos (no valor total de 60.000 € a 70.000 €) como é admitido pelo Réu, justificassem uma oferta no valor de perto de 50.000,00 €. Note-se que o valor de 70.000,00 não se refere a lucro mas ao valor dos trabalhos facturados.
Assim se alguma compensação ficou acordada, terá sido, certamente, outra. Nesse sentido, aliás, o Autor afirmou que compensou as ajudas prestadas com alguns trabalhos que efectuou na casa que os Réus habitam na Suíça.
Acresce que os depoimentos do Réu e de sua mãe foram genéricos, não concretizando nem o número de dias que o legal representante da autora e seus funcionários ficaram em casa dos Réus, nem os serviços efectivamente prestados e montantes despendidos nesses serviços – número de refeições servidas, transporte efectuados etc.
Assim, os elementos probatórios apresentados pelos Réus manifestamente insuficientes para fundamentar a sua alegação.
No que se refere aos pontos 7 e 8 dos factos provados e C), D), E) e F) dos factos não provados no documento 3 junto com a petição inicial e constante de fls. 12 e ss.
O legal representante da Autora e testemunha DD confirmaram essa matéria.
Explicaram ainda que, no que se refere aos electrodomésticos, tiveram de facturar de imediato, por causa do período de garantia.
Explicaram ainda que a factura foi passada em nome do filho dos Réus, CC, pois tal lhes foi pedido pelos Réus que pretendiam fazer um empréstimo em nome do filho, por ser mais vantajoso. Na altura, o filho teria 16 ou 17 anos havendo, por isso, necessidade de aguardar que ele atingisse a maioridade.
Quanto ao depoimento do Réu e do seu filho, CC, não mereceram qualquer credibilidade, também no que a esta matéria se refere.
Assim, depuseram no sentido de os electrodomésticos serem uma oferta do filho para os pais, pagos com o que o filho auferia em trabalhos efectuados no âmbito escolar. A emissão e pagamento da factura teria sido combinada entre o legal representante da Autora e o filho dos Réus.
Ora, o conteúdo destes depoimentos, para além de serem absolutamente contrários ao que é usual acontecer (são os pais instalados na vida que ajudam os filhos e não estes que com os pequenos rendimentos auferidos em trabalhos escolares ou a tempo parcial que ajudam os pais), foram, mais uma vez, genéricos.
Assim, a testemunha CC (neste momento com 24 anos), não soube precisar qual o valor que, alegadamente, entregou aos pais para estes entregarem à Autora. Referiu ainda que parte da quantia terá sido paga por cheque.
Curiosamente, esse cheque foi passado pela Ré, como consta do documento junto a fls. 64 verso e 65 (Ponto 9 dos factos provados). Não foi apresentado qualquer outro meio de pagamento, sendo que essa falta de pagamento é confirmada pelos legal representante da autora e pela testemunha DD.
No que se refere aos pontos 10, 11 e 12 dos factos provados nos documentos de fls. 13 e 14 juntos com a petição inicial e ainda nos depoimentos do legal representante da Autora e testemunha DD, que atento tudo o supra exposto, mereceram inteira credibilidade.”
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da nulidade da sentença por violação das alíneas b), c) e d), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
- Da impugnação da matéria de facto - alteração da decisão de apuramento de matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da nulidade da sentença por violação das alíneas b), c) e d), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

4.1.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam.

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação.
Resulta do disposto no artigo 607º, n.º 3, do Código de Processo Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”
Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o artigo 615º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz - cf. J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139. Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. - cf. Acórdão do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt.
Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” – cf., neste sentido, por todos, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis, in Ob. citada, Vol. V, pág. 140, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” - cf. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222.
Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito.
Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que a Sr.ª Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental e testemunhal.
Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela procedência da acção.
Porque tal ocorre, e nesta perspectiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respectivos destinatários exercer, de forma efectiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância.
Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional.
Não podemos, porém, confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma.
A recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto (o que contenderá com a decisão de mérito e que pode conduzir à sua revogação ou alteração), mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme o exposto, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação (de facto e/ou de direito) - de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em crise - pode levar ao decretamento da nulidade da decisão.
Destarte, neste segmento, improcede a apelação.

4.1.2 Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível

De acordo com o disposto na alínea c), do n.º 1, do citado artigo 615º, do Código de Processo Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respectivas premissas argumentativas.
Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada.
A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela, em comentário ao preceituado no artigo 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC - correspondente ao atual artigo 615º, n.º 1, al. c) do NCPC –, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.”.
No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” – cf. acórdão da Relação do Porto de 29.06.2015, proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator Alberto Ruço e acórdão do STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos in www.dgsi.pt.
Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório.
A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta - improcedência da causa -, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta - procedência - ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direcção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do acto jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respectiva parte decisória final.
Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, in Ob. citada, pág. 141, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
“Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” Cf. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 151.
Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nele convocada, sem prejuízo de os apelantes discordarem da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da procedência parcial da acção.
Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível.
Naturalmente, os recorrentes podem discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como podem sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, pode considerar que a factualidade revelada nos autos não resulta da prova produzida ou que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida.
Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito.
Por conseguinte, a questão suscitada pelos apelantes não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica.
Improcede, pois, a apelação dos recorrentes neste particular.

4.1.3 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Segundo o disposto no artigo 615º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta previsão legal está em consonância com o comando do artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, in ob. cit., pág. 151, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.”
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”. - Abrantes Geraldes In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 283.
Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir - cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das excepções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes - pedidos formulados, excepções deduzidas, (…) - e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.
A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Feitas estas considerações, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida.
De resto, ao invés do que agora preconizam os Apelantes, não competia à Autora alegar factos que, uma vez provados, demonstrassem que a restituição em espécie não era possível ou não reconstituia a situação existente antes da celebração do contrato nulo, tanto mais que na acção pedia o pagamento do preço acordado da mão-de-obra e dos materiais, mas sim aos RR./Apelantes fazê-lo como meio de demonstrar que a restituição em espécie era possível, obstando, assim, ao pedido efectuado formulado. E não tendo os RR. alegado tais factos não se vê como sobre os mesmos deveria ser produzida “prova testemunhal, documental ou pericial ou qualquer outra”, como invocam.
Termos em que se considera que também não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada.
*
4.2. Da impugnação da Matéria de facto
Os apelantes em sede recursiva manifestam-se, ainda, discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto, pretendendo que a mesma seja alterada, sendo dados como não provados os factos 2 a 4 e 6 a 11, bem como sejam dados como provados os factos elencados de a) a f), julgados não provados.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Tendo presentes os elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.
Conforme atrás referimos, impugnam os Apelantes a decisão que deu como provados os factos 2 a 4 e 6 a 11, bem como como não provados os factos das alíneas a) a f) da sentença.
Vejamos, desde já, a redacção dos referidos factos provados alvo de impugnação:
“2. No exercício da referida atividade, os RR. solicitaram à Autora, em abril de 2016, que esta executasse os trabalhos de carpintaria, incluindo portas, rodapés, apainelados, piso flutuante, mobiliário de cozinha e respetivos eletrodomésticos, de casas de banho, de sala e quartos, cortinados tapetes e outras peças, no imóvel que os mesmos possuem na Urbanização ..., ..., concelho ..., ... ....
3. Para o efeito, a Autora elaborou e apresentou aos RR. o orçamento dos trabalhos, e equipamentos e outros bens encomendados, sendo que o preço dos referidos trabalhos e fornecimento de bens ascendia a 39.768,74 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor,
4. Os RR. concordaram com o referido preço e ordenaram a execução dos trabalhos e fornecimento adjudicados, o que a Autora fez incorporando-os na referida obra.
(…)
6. Concluídos trabalhos e entregue a obra e os bens fornecidos, os RR. não apontaram quaisquer defeitos ou anomalias de execução nem o incumprimento de quaisquer dos termos ou condições convencionados.
7. Porém, os RR., alegando dificuldades em proceder ao pagamento, de imediato, da totalidade do preço, pediram ao gerente da Autora que apenas faturasse nessa altura e em nome do filho do casal, CC, os eletrodomésticos e outros bens que a empresa adquirira para aplicar na obra, como roupas de cama, tapetes e cortinados.
8. Atentas as relações familiares entre os RR. e o único sócio e gerente da Ré, e as dificuldades invocadas, esta acabou por aceder, emitindo de imediato apenas a fatura ..., no montante de 5.767,74 euros, acrescidos de IVA, o que, tudo, perfaz o valor de 7.093,09 euros.
9. Acontece que, relativamente à referida fatura os RR. apenas pagaram a importância de 1.200,00 €, mantendo-se o restante por pagar, no valor de 5.083,09 €.
10. Os RR. foram adiando o pagamento e pedindo à Ré para esperar mais algum tempo para emitir a fatura do preço do trabalho e dos materiais restantes, no valor de 34.002,00 euros, acrescidos de IVA, o que tudo perfaz o montante global de 41.822,46 euros.
11. Situação que perdurou até 13 de Agosto de 2021, data em que a Autora, depois de avisar os RR que agora tinham mesmo de pagar e emitiu a fatura em falta, nº ..., no referido montante de 41.822,46 euros, com data de vencimento no dia 28.08.2021.”
Por sua vez, os factos não provados dados como impugnados têm a seguinte redacção:
“a. O Autor dissesse aos Réus que os compensaria devidamente pela angariação dos trabalhos referidos em 13.
b. O sócio gerente da A, e esta, decidissem compensar os RR oferecendo-lhes os móveis para a casa que os RR têm em Portugal, que assim foram entregues aos RR em compensação dos esforços que desenvolveram para que a A vendesse os seus produtos a clientes suíços.
c. Fosse só por isso que a A. não facturasse os móveis em causa, em 2016.
d. Esse acordo só não abrangesse os electrodomésticos, o montante referente a colchas (coberturas de cama) e tapetes pois a Autora teria que comprar estes produtos.
e. Estes objectos (electrodomésticos e artigos de roupa de cama e tapetes) fossem facturados em nome do filho dos RR pois esta fosse a própria vontade do sócio gerente da A na sequência de conversa e acordo que o sócio gerente da A. manteve com os RR. e com o filho dos RR.
f. Fosse o sócio gerente da A quem acertasse com o filho dos RR a compra desse objectos, e fosse por isso a A. quem disse aos RR que os facturaria em nome do filho destes e que o filho os pagaria com as suas poupanças ou da forma que pudesse”.
Vejamos, de novo, a fundamentação da convicção do Tribunal a quo para considerar como provados os factos 2 a 6, bem como não provados os factos constantes da matéria não provada:
“No que se refere aos factos constantes dos pontos 2 a 6 da matéria provada e A) a B) da matéria não provada no documento 2 junto com a petição inicial e constante de fls. 10 e ss.
Sobre essa matéria depôs a testemunha DD, esposa do legal representante da autora e que aí trabalha como empregada de escritório, confirmando, de forma convincente, o teor desse documento que, segundo explicou, foi elaborado pelo marido.
Também o legal representante da Autora, confirmou o teor do orçamento.
Ambos afirmaram que, para além do orçamento, não é usual fazerem qualquer contrato escrito.
Confirmaram a realização das obras que foram aceites pelos Réus (o que também não é posto em causa por estes).
A realização das obras foi também confirmada pela testemunha FF, funcionário da Autores [é lapso manifesto, deve ler-se Autora], bem como pelas testemunhas GG e HH, a quem a Autora subcontratou a aplicação do pavimento flutuante. Estas testemunhas referiram ainda ter sido pagas pela Autora pelos serviços prestados.
O Réu AA prestou depoimento afirmando que a obra realizada pela Autora foi uma compensação pelos serviços por si e por sua esposa prestados, na angariação de clientes na Suíça e no suporte logístico dado ao legal representante da Autora e seus trabalhadores, quando iam executar os trabalhos angariados.
No que se refere aos pontos 7 e 8 dos factos provados e C), D), E) e F) dos factos não provados no documento 3 junto com a petição inicial e constante de fls. 12 e ss.
O legal representante da Autora e testemunha DD confirmaram essa matéria.
Explicaram ainda que, no que se refere aos electrodomésticos, tiveram de facturar de imediato, por causa do período de garantia.
Explicaram ainda que a factura foi passada em nome do filho dos Réus, CC, pois tal lhes foi pedido pelos Réus que pretendiam fazer um empréstimo em nome do filho, por ser mais vantajoso. Na altura, o filho teria 16 ou 17 anos havendo, por isso, necessidade de aguardar que ele atingisse a maioridade.
Quanto ao depoimento do Réu e do seu filho, CC, não mereceram qualquer credibilidade, também no que a esta matéria se refere.
Assim, depuseram no sentido de os electrodomésticos serem uma oferta do filho para os pais, pagos com o que o filho auferia em trabalhos efectuados no âmbito escolar. A emissão e pagamento da factura teria sido combinada entre o legal representante da Autora e o filho dos Réus.
Ora, o conteúdo destes depoimentos, para além de serem absolutamente contrários ao que é usual acontecer (são os pais instalados na vida que ajudam os filhos e não estes que com os pequenos rendimentos auferidos em trabalhos escolares ou a tempo parcial que ajudam os pais), foram, mais uma vez, genéricos.
Assim, a testemunha CC (neste momento com 24 anos), não soube precisar qual o valor que, alegadamente, entregou aos pais para estes entregarem à Autora.
Referiu ainda que parte da quantia terá sido paga por cheque.
Curiosamente, esse cheque foi passado pela Ré, como consta do documento junto a fls. 64 verso e 65 (Ponto 9 dos factos provados). Não foi apresentado qualquer outro meio de pagamento, sendo que essa falta de pagamento é confirmada pelo legal representante da autora e pela testemunha DD.
No que se refere aos pontos 10, 11 e 12 dos factos provados nos documentos de fls. 13 e 14 juntos com a petição inicial e ainda nos depoimentos do legal representante da Autora e testemunha DD, que atento tudo o supra exposto, mereceram inteira credibilidade”.
Realizada a transcrição da referida motivação, constatamos que a Sr.ª Juiz a quo explicita devidamente as razões pelas quais deu credibilidade ao depoimento da testemunha DD e às declarações de parte do sócio gerente da Autora.
Insurgem-se, porém, os RR., sem razão, tentando demonstrar que assim não deveria ter sido atentas as fragilidades que aponta ao depoimento da testemunha, DD, esposa do legal representante da A. e empregada de escritório da A.
Com efeito, a instâncias do mandatário da A., quando instada acerca dos concretos fornecimentos, a testemunha DD elencou-os e explicou o motivo pelo qual os RR. teriam optado pelos serviços prestados pela A.. Referiu terem sido os próprios RR. a solicitar ao empreiteiro que essa parte fosse excluída da empreitada que o vendedor levava a efeito, já que, adquirindo o imóvel, que ainda estava em construção, sem estar incluída essa parte dos trabalhos, e contratando-a directamente com a A., de cujo legal representante o R. era primo directo, tal circunstância permitiria diminuir o valor e tornar a aquisição mais económica.
Quando questionada se tinham sido discutidos preços com os RR., a testemunha confirmou que sim, que lhes havia sido fornecido um orçamento, e que eles escolheram os materiais e decidiram o que queriam com o II, legal representante da A., que se encarregou de elaborar o orçamento “como para outro cliente qualquer”.
A testemunha esclareceu, ainda, que, não obstante confirmar que o negócio se concretizara pelos laços familiares que uniam os RR. e o legal representante da A., o processo observou as formalidades adoptadas com os clientes normais, nomeadamente no que à orçamentação respeita, tendo sido perentória ao afirmar que o acordado foi que tais trabalhos seriam pagos pelos RR., e não oferecidos pela A..
A propósito do pagamento, a testemunha referiu que o que ficou combinado foi que, uma vez que existia esta relação de parentesco e amizade entre todos, os RR. começariam “a pagar mais à frente, houve uma ajuda no sentido de não terem de começar a pagar na altura”.
De resto, inquirida sobre o motivo pelo qual uma das facturas (a única que foi emitida na altura dos fornecimentos) foi emitida em nome do CC, filho dos Réus, a testemunha explicou que, uma vez concluídos os trabalhos, pelos RR. foi levantada a possibilidade de tais fornecimentos serem facturados ao filho CC, em virtude de os mesmos não terem ainda a certeza se seria o filho a pedir o empréstimo para a aquisição do imóvel, pelo que, na empresa, foram protelando e ficaram a aguardar instruções dos RR. nesse sentido.
A referida testemunha esclareceu, também, que, no final do ano de 2016, como não havia ainda nenhuma decisão por parte dos RR., enviou um email à R. a questionar como é que deveria fazer com a factura dos eletrodomésticos e dos têxteis, que tinham de ser facturados nesse mesmo ano, atento o prazo de garantia e recebeu da parte daquela a resposta de que a factura deveria ser emitida em nome do filho CC, o que fez, tendo a mesma sido paga apenas parcialmente, mediante cheque que lhes foi entregue pela R..
Além disso, questionada sobre o motivo pelo qual a segunda factura foi emitida apenas em 2021, a testemunha afirmou que havia “uma boa vontade da nossa parte” em aguardar que os RR. tivessem condições para pagar e isso nunca aconteceu.
De resto, quando inquirida sobre a hipótese da existência de um acordo nos termos do qual os trabalhos realizados pela A. seriam oferecidos aos RR., como contrapartida pelos trabalhos arranjados à A. pelos RR., na Suíça, a testemunha afirmou convictamente que a mesma não tem fundamento nenhum.
Destarte, muito embora reconhecendo que o seu marido e legal representante da A., II, fez trabalhos na Suíça, esclareceu que os mesmos ocorreram numa fase posterior (“talvez uns dois anos depois”), não existindo perspectiva de que os mesmos viessem a ocorrer quando foram realizados os trabalhos na casa da ....
Também quando inquirida acerca da inexistência de um contrato reduzido a escrito com os RR. e se esta constituiria uma prática corrente da A., a testemunha esclareceu que, na empresa, já era habitual não o fazerem com os demais clientes, muito menos lhes tendo parecido necessário fazê-lo com os RR., na altura, face à relação de “parentesco e amizade” então existente.
Além disso, a instâncias do mandatário dos RR., quando questionada sobre o facto de parte dos trabalhos só terem sido facturados cinco anos depois, a testemunha reafirmou que foi devido à relação de parentesco e de amizade entre as partes e devido ao pedido dos RR. para que o pagamento pudesse ocorrer mais para a frente, sendo que, se fosse um cliente normal, o pagamento já não seria feito dessa forma.
Da análise do referido depoimento, verifica-se que o mesmo não revela as fragilidades que lhe são apontadas pelos Apelantes, uma vez que demonstra conhecimento directo dos factos, relata-os com objectividade e clareza, não revela qualquer evidência de estar a faltar à verdade, nem influenciada pelo facto de ser esposa do sócio gerente da Autora, ou de estar a agir por animosidade com os RR., pelo que referido depoimento também nos merece credibilidade, tal como lhe foi conferido pela Sr.ª Juiz a quo.
Ademais, a propósito da interpelação para pagamento, o legal representante da A. também esclareceu que falou várias vezes com o R., seu primo, tentando pressioná-lo a pagar tal como acordado, uma vez que, face à dimensão da empresa, não poderia ficar sem receber, só tendo vindo a emitir a segunda fatura em 2021, porque “a escritura foi feita, houve crédito e sobrou para todos menos para mim, eu fui o único que não recebi e a partir daí a situação mudou um bocadinho e percebi que se não recebia naquela altura em que houve o crédito, em que havia supostamente dinheiro, nunca mais iria receber”.
De resto, em momento algum admitiu que o motivo pelo atraso na emissão da segunda fatura se deveu a um acordo celebrado com os RR. em que os serviços reclamados não seriam pagos por “troca” de angariação de clientes por estes na Suíça.
O que o legal representante explicou foi que o R., na Suíça, trabalhava na área da construção, realizando, “fora de horas, aos sábados e domingos” alguns trabalhos, encaminhando para lá algumas especialidades, como a carpintaria, uma vez que só se dedicava à parte da construção, demolição e pintura, eventualmente pichelaria e eletricidade. Assim, o R. foi pedindo ao legal representante da A. alguns orçamentos, e, ajustando a obra, o R. apresentava aos clientes o orçamento para aquela especialidade, mas tinha “um valor global que ia ganhar na obra, a parte dele”.
Mais tarde, e a instâncias do mandatário dos RR., o legal representante da A. explicou que acedeu a esse pedido do R. para ajudar o primo e lhe permitir ter essas possibilidades porque “como sabe, lá, tudo é extremamente caro, extremamente caro e, indo daqui, ficava-lhe sempre mais barato, isto era uma colaboração, uma amizade, fazia parte… claro que eu também ganhava o meu dinheiro”.
Contudo, o legal representante da A. sempre frisou que nunca houve uma lógica de troca subjacente a estes negócios, desde logo porque os primeiros trabalhos na Suíça remontam a 2014/2015, data em que os RR. ainda nem sequer equacionavam a hipótese de adquirir uma casa em Portugal, tendo, inclusivamente, sido o legal representante da A. quem lhes deu a conhecer a moradia na ..., e o valor global daqueles primeiros trabalhos na Suíça ascendeu a cerca de € 16.000,00.
Já os dois trabalhos realizados na Suíça no ano de 2019, importaram um valor combinado de cerca de € 66.000,00, sendo que a margem de lucro da A. foi na ordem dos 15%/20%, ou seja, cerca de € 12.000,00.
Constata-se, assim, que o legal representante da Autora nas suas declarações relata os factos com objectividade e clareza, não revelando qualquer sentimento de animosidade relativamente aos RR, embora naturalmente pretenda receber o que não pagaram e está desaprazido.
De resto, nem os segmentos dos depoimentos seleccionados pelos Apelantes impõem decisão diferente.
Ademais, além do depoimento da testemunha DD e das declarações do sócio gerente da Autora, importa ainda ter presente o depoimento de FF, funcionário da A. desde o ano de 2010 e que participou das obras da casa dos RR. na ....
Com efeito, quando questionado sobre se sabia alguma coisa relativamente aos trabalhos terem de ser pagos ou se tinha conhecimento de que os mesmos seriam oferecidos pela A. aos RR., a testemunha afirmou que, daquilo que sabe é que não era para oferecer, relatando de seguida um episódio que o levou a extrair tal conclusão em que, estando a trabalhar na obra dos RR., tinham ido almoçar e, à mesa, ouviu uma conversa entre o II, legal representante da A., e o R., em que este dizia “a obra está a acabar, agora para o fim temos de fazer contas, para acertar” e o primeiro respondia “sentamo-nos ao fim para acertar tudo”, nunca tendo ouvido nenhum deles falar em oferecer.
Ainda a propósito do pagamento dos trabalhos, também a testemunha HH, referiu que era trabalhador na B..., participou das obras da casa dos RR. na ... e, posteriormente, foi lá fazer uma reparação.
De resto, a instâncias do mandatário da A., a referida testemunha referiu uma ida, em finais de agosto, à moradia na ... para realizar uma reparação no piso flutuante, a pedido do legal representante da A., em virtude daquele ter levantado.
Referiu que, dessa vez em que se deslocou para proceder à reparação, encontravam-se na casa os RR., que ficaram a assistir e com quem conversou. Nessa conversa, os RR. questionaram a testemunha se o material seria bom, uma vez que, face ao preço que iriam pagar, não se admitia que, no prazo de um mês, já houvesse necessidade de reparação.
De resto, a referida prova encontra-se em sintonia com as regras da lógica e da experiência comum tendo em consideração os valores em causa no negócio em causa nos autos.
Podemos, assim, concluir, que bem andou a Sr.ª Juiz a quo ao dar como provados os factos 2 a 4 e 6 a 11, bem como ao não dar como não provados os factos mencionados de a) a f).
Aliás, nem dos excertos selecionados pelos Recorrentes dos depoimentos do Réu marido e da testemunha EE se pode concluir que abalam a credibilidade dos depoimentos das testemunhas atrás identificadas e as declarações do sócio gerente da Autora.
Para além das contradições e incoerências das declarações do Réu, bem notadas na motivação sobre a decisão da matéria de facto, o depoimento da testemunha EE não merece credibilidade.
Com efeito, da análise do depoimento da testemunha EE, resulta que a instâncias do mandatário dos RR., a testemunha referiu que, numa das vezes em que se encontrava na Suíça, viu lá o legal representante da A., com os seus funcionários, a trabalhar em casa da Dr.ª JJ (“estava o II, estava o FF, o outro não estava lá, os outros dois não estavam lá”).
De resto, a instâncias do mandatário da A., que perguntou à testemunha se esta tinha a certeza de que a pessoa que tinha saído da sala de audiências antes de ela entrar (a testemunha FF) tinha estado na Suíça a trabalhar, esta confirmou, por várias vezes, que sim.
Todavia, questionado sobre se o seu funcionário FF alguma vez tinha ido à Suíça numa daquelas deslocações, o legal representante da A., foi perentório ao afirmar que o mesmo nunca esteve na Suíça, o que foi corroborado pelo referido funcionário.
Além disso, as incongruências do depoimento e inerente falta de credibilidade foram devidamente salientadas pelo Tribunal a quo.
Afigura-se-nos, por isso, que não existe fundamento para modificar a decisão sobre a matéria de facto.
Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.
Não esqueçamos, por fim, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.
Na realidade as observações feitas às declarações, bem como aos depoimentos prestados e à prova documental oferecida são pertinentes e acutilantes.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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4.3. Do mérito da decisão.
Os apelantes clamam pela revogação da sentença de que recorrem.
Sustentam, desde logo, tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclamam.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Assim, dispõe, quanto ao contrato de empreitada, o artigo 1207.º do Código Civil o seguinte: «Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.»
O contrato de empreitada, enquanto modalidade autónoma de prestação de serviço, pressupõe a vinculação do empreiteiro a realizar certa obra, a obter um resultado, mediante o pagamento de um preço.
São, assim, elementos essenciais do contrato de empreitada os seguintes (veja-se, a título de exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 4/04.4TBVNO.C2, datado de 11-03-2008, disponível in www.dgsi.pt):
a. O acordo sobre a realização de certa obra;
b. Mediante um preço, ainda que apenas determinável; e,
c. Com autonomia do executante da obra em relação ao dono desta.
O referido contrato é oneroso e sinalagmático, pois pressupõe o pagamento de um preço (pelos trabalhos realizados, pelos materiais da obra, ou por ambos) e existem obrigações recíprocas de ambas as partes do contrato, do dono da obra e do empreiteiro.
O elemento da autonomia do executante da obra é o critério que permite distinguir este contrato de outros afins, em especial, do contrato de trabalho.
No caso vertente, ficou demonstrado que a “obra” descrita nos factos provados 2 e 3 foi realizada por conta dos réus e por estes recebida.
Mas ficou por demonstrar o pagamento do correspondente preço pelos réus.
Isto posto, cumpriu a autora com o seu ónus probatório ao demonstrar o facto constitutivo do seu direito, isto é, a entrega da obra (arts. 342.º, n.º 1, 406.º, 762.º, n.º 1, 1207.º, e 1208.º todos do Código Civil), mas soçobraram os réus em demonstrar o cumprimento das suas obrigações, isto é, o pagamento do preço ou que o incumprimento contratual não decorre de culpa sua, porquanto é esse o seu ónus, como dispõem os arts. 342.º, n.º 2, 406.º, 762.º, n.º 1, 799.º, n.º 1, 1207.º, e 1211.º, n.º 2 todos do Código Civil.
É certo que os Apelantes não se conformam com a sentença na parte em que, reconhecendo a nulidade do contrato de empreitada em causa nos autos, invocada por aqueles apenas no decurso da audiência de julgamento, determinou o pagamento à Autora do preço da empreitada em vez de condenar a levantar a obra executada, como entendem que deveria ter acontecido.
Para tanto, insurgem-se, designadamente, com o seguinte segmento da sentença em crise: “No caso, a restituição em espécie já não é possível. De facto, o trabalho efectuado pela autora está incorporado na casa dos réus, não sendo possível, retirar a obra feita. Aliás, mesmo que fosse possível, desincorporar as obras feitas, tal não configuraria uma verdadeira restituição. De facto, essa desincorporação, necessariamente, causaria danos nos bens, que, neste momento, têm mais de 7 anos de uso, sendo muito duvidoso que pudessem ser reutilizados. Acresce que essa restituição nunca contemplaria a mão de obra incorporada. Assim, os Réus não podem restituir o que foi prestado. Têm, pois que restituir o valor correspondente …”
E concluem que “em momento algum da audiência de julgamento, foi produzida qualquer prova testemunhal, documental ou pericial ou qualquer outra no sentido de que a restituição era impossível, como consequência incontornável da nulidade que o Tribunal considerou verificada, e prevista nos termos do artº 289º do Código Civil.
A única referência a essa invocada nulidade foi feita pelos mandatários nas suas alegações e em mais nenhum outro momento do processo e nem sequer nem mesmo nesse momento foi alegado ou defendido pela A. o que o Tribunal declarou.
A decisão que consta da sentença recorrida a esse propósito e que acabou por dar sem efeito a nulidade do contrato e as consequências desse vício, pois considerou que não haveria lugar à restituição prevista nos termos do 289 do CC. constitui uma conclusão sem sustentação de facto ou de direito, também em violação do disposto nas alíneas b) e c), do nº 1, do artº 615º, do CPC”.
Conforme atrás referimos, apenas no decurso da audiência de julgamento os Apelantes vieram invocar a nulidade, por não redução a escrito, do contrato de empreitada em que a A. fundamenta o pedido do pagamento do preço dos trabalhos e dos materiais incorporados em obra realizada no prédio deles.
Com efeito, na contestação os RR. não invocaram, nem sequer a título subsidiário, a referida nulidade, limitando-se a negar a existência de qualquer contrato de empreitada, mesmo verbal, antes sustentando que, no essencial, se tratava de trabalhos oferecidos pela Autora.
É certo que o artigo 29.º, nº 1 do Decreto Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redacção que lhe deu o artigo 7.º do Decreto Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, em conjugação com a Portaria nº 119/2012, de 30 de abril, consagra a forma escrita para o contrato de empreitada e subempreitada de obra particular de construção civil, com o valor superior a € 17.000,00 - montante em vigor à data do referido acordo de empreitada.
Ora, não só resulta do nº 3, do referido artigo 29º, como tem sido entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, que a não redução a escrito de tal contrato gera uma nulidade atípica, como, aliás, reconheceram os RR./Apelantes no requerimento que então fizeram, na medida em que apenas pode ser invocada pelo dono da obra e não é de conhecimento oficioso (vg. acórdãos da Relação de Guimarães de 31/05/2012, prolatado no Proc.º 1085/10.7TBBCL-A.G1; da Relação do Porto de 3/07/2012, prolatado no Proc.º 814/10.3TBMCN-A.P1 e da Relação de Lisboa de 10/03/2015, proferido no Proc.º 215314/09.3YIPRT.L1-1).
Como não se trata de excepção de conhecimento oficioso, e apenas poderia ser invocada pelos RR, tinham os mesmos que o fazer na contestação, momento em que tem de se concentrar toda a defesa, com exceção dos factos e incidentes supervenientes e das exceções que também não sejam de conhecimento superveniente nem de conhecimento oficioso (cfr. arts. 573º, nºs 1 e 2), sendo certo que à data em que os RR. deduziram a contestação, já sabiam que o contrato de empreitada não tinha sido reduzido a escrito.
Porém, a Sr.ª Juiz a quo na sentença em crise conheceu e declarou a referida nulidade e embora a questão da oportunidade do momento processual para o efeito seja controversa, o certo é que a referida decisão nesse segmento não foi alvo de impugnação.
Ora, como se prevê no artigo 289º, n.º 1 do Código Civil “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Os efeitos da declaração de nulidade decorrem da lei, mas a vontade das partes condiciona os deveres de restituição cujo conteúdo resulta, no essencial, da estipulação das partes no negócio inválido - cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, Livraria Almedina, Coimbra, Março de 1999, pág. 581 e Luís Carvalho Fernandes José Brandão Proença, Coord. Comentário ao Código Civil-Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pág. 717.
Ora, um dos efeitos típicos consiste no “efeito retroativo”, o que significa que uma vez declarada a nulidade do negócio tudo se passa como se o negócio jurídico não tivesse sido celebrado e executado.
Ou seja, declarada ou reconhecida a nulidade, “(…) estabelece-se entre as partes uma relação de liquidação: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, nos termos do artigo 289º, n.º 1 do Código Civil.
Contudo, existem situações de facto em que os efeitos do contrato inválido não podem ser apagados, quando as partes cumpriram as prestações a que estavam vinculadas e uma das prestações não pode ser restituída.
Nessas circunstâncias como refere Clara Sotto Mayor a relação de liquidação deve ser determinada a partir “(…) da avaliação da situação de interesses, tendo em conta as realidades materiais e económicas ocorridas no período intermédio entre o momento da celebração ou da execução do contrato e o da declaração de nulidade ou anulação” - cf. Luiz Carvalho Fernandes José Brandão Proença, Coord Comentário ao Código Civil-Parte Geral, ob. cit., pág. 718.
Destarte, estando em causa um contrato de empreitada em que uma das partes beneficia de um serviço, a restituição em espécie não é possível, por não ser possível restituir os materiais e mão-de-obra utilizada na execução da obra, os quais perdem individualidade quando se materializam na obra executada.
Nessas circunstâncias refere o Professor Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, ob. cit., pág. 582 “(…) haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada.(…) Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos”.
Clara Sotto Mayor considera que nesta circunstância: “(…) o critério para calcular o valor do serviço prestado será aquele que foi adotado no próprio contrato inválido que fixou o valor da contraprestação, o que tem como consequência que cada uma das partes retém a prestação recebida, equivalendo, na prática, a liquidação do contrato inválido à execução do mesmo. Só não será assim, por exemplo, se o valor do serviço for superior ao valor da remuneração estipulada no contrato, a qual não teve em conta os critérios do mercado. Nesta hipótese, o prestador do serviço terá direito ao pagamento da diferença entre o valor recebido e o valor de mercado” - Cf. Luíz Carvalho Fernandes José Brandão Proença, Coord Comentário ao Código Civil-Parte Geral, ob. cit., pág. 718.
Porém, fora dos casos expressamente previstos no artigo 289º, nºs. 2 e 3 do Código Civil, poderá ser necessário lançar mão da obrigação de restituir por enriquecimento, quando a obrigação de restituir não assegure que todas as deslocações patrimoniais ou intervenções patrimoniais injustamente processadas, ao abrigo do negócio nulo, foram devolvidas.
Também é de considerar, como refere Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral, Tomo I, ob. cit., pág. 583, que: “a invalidade dum negócio pode não prejudicar a manutenção dos deveres de segurança, de informação e de lealdade que acompanham qualquer obrigação, por força da boa fé. Esta, na linguagem de CANARIS, manter-se-á, então, mau grado a falta do dever de prestar principal. Tais deveres irão acompanhar toda a relação de liquidação, podendo ainda manter-se post factum finitum”.
Em conclusão, em contratos com prestações efectivamente executadas e cumpridas, mas em que não é possível a restituição de uma das prestações, na relação de liquidação, gerada com a nulidade do contrato, não se pode ignorar a natureza das obrigações assumidas no contrato e todo o processo que se desencadeou entre a fase da celebração do contrato e a declaração de nulidade, sem ignorar o princípio da boa-fé que preside à celebração e cumprimento do contrato, mesmo depois de se considerar inválido.
Com efeito, o contrato nulo não é um nada jurídico, nem um acto inexistente. Nos casos em que um contrato de execução duradoura, como o contrato de empreitada, é declarado nulo, não é possível regressar ao estado anterior à celebração do contrato para aplicar de forma estritamente lógica o princípio da retroatividade dos efeitos da nulidade. Estamos, assim, perante uma situação que tem sido designada pela doutrina francesa, como um contrato sinalagmático de sentido inverso (cfr. Jean Carbonnier, Droit Civil, Volume II, Paris, 2004, n.º 1022, p. 2100), ou como um contrato putativo (Malaurie, «Cour de Cassation (Ch. Civ., Sect. Soc.), 8 avril 1957», Jurisprudence, Dalloz, 1958, p. 223) ou ainda como uma situação para-contratual (Pierre Hébraud, «Jurisprudence Française en Matière de Procédure Civile», RTDC, 1949, p. 298). A retroatividade não pode ser uma ficção, servindo antes como um instrumento ou técnica jurídica de correção de relações contratuais defeituosas, tendo em conta as realidades materiais e económicas anteriores à anulação ou à declaração de nulidade.
Destarte, retomando o caso concreto, os RR./Apelantes ao invocar a referida nulidade não deveriam ignorar que podiam vir a ser julgados provados os factos alegados pela Autora e dados como provados sob os pontos 1 a 6, tanto mais que nem sequer tinham posto em causa a realização dos trabalhos, o fornecimento de materiais e outros bens, bem como o preço de uns e outros.
Além disso, como também bem salientam os Apelados, não podiam olvidar que a Autora, mesmo alegando tratar-se de um contrato de empreitada não reduzido a escrito peticionava o pagamento do preço dos trabalhos acordados; que a obra tinha sido realizada em 2016, isto é sete anos antes do julgamento, e tinha implicado a aplicação, entre outros, de produtos de madeira, transformada e ajustada às medidas e características da obra dos RR, como portas, rodapés apainelados, piso flutuante, mobiliário de cozinha e de casa de banho, para além de eletrodomésticos, mobiliário dos quartos e da sala, roupas de cama, cortinados, tapetes e outras peças. Bem como que os materiais aplicados, os electrodomésticos e demais bens fornecidos já tinham à data da invocação da nulidade um uso superior a sete anos e que, mesmo que fosse possível retirar e restituir todos os referidos materiais intactos, essa restituição tem custos significativos de mão de obra.
Com efeito, existem situações de facto, como no caso vertente, em que os efeitos do contrato inválido não podem ser simplesmente apagados, quando uma parte cumpriu a prestação a que estava vinculada e a retirada da prestação não é possível ou não reconstitui o seu património afectado pela prestação.
Como se escreve no Sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 26.04.2021, prolatado no Proc. 1420/15.1T8PVZ.P1, consultável in www.dgsi.pt. “I - Por efeito da nulidade do contrato de empreitada, com fundamento em vício de forma, cada uma das partes é obrigada a restituir aquilo que recebeu, o que significa que não sendo possível restituir a obra executada deve restituir o valor correspondente que será em princípio o valor convencionado no contrato, por corresponder ao preço acordado e devido como contrapartida pela sua realização”.
No corpo do aresto escreve-se “Estando em causa um contrato de empreitada em que uma das partes beneficia de um serviço, a restituição em espécie não é possível, por não ser possível restituir os materiais e mão-de-obra utilizada na execução da obra, os quais perdem individualidade quando se materializam na obra executada”.
Ou seja, e como aí também se diz, “A restituição pela R. à A. da obra realizada é, num contrato de empreitada, impossível.
Não podem restituir-se os materiais incorporados na obra nem a mão de obra despendida na sua realização.
Tal significa, como estabelece a própria lei, que não sendo possível a restituição em espécie, deve ser restituído o valor correspondente a esta obra - art. 289º, nº1, parte final”.
E é nesse sentido que têm decidido os Tribunais em situações como a que está em causa nos autos, sempre que se trata de empreitadas com uma componente de incorporação de materiais em obra e com a utilização de mão-de-obra do empreiteiro para a realização dos trabalhos, como é o caso.
Ora, cientes que estavam, ou deviam estar, de tudo isso, os RR./Apelantes em momento algum vieram invocar em primeira instância que o dever de restituição se deveria fazer, contra o que é o normal acontecer e o normal decidir, retirando a Autora da obra os materiais aplicados e os bens fornecidos.
Afigura-se-nos, ainda que não competia à Autora alegar factos que, uma vez provados, demonstrassem que a restituição em espécie não era possível ou não reconstituia a situação existente antes da celebração do contrato nulo, tanto mais que na acção peticionava o pagamento do preço acordado da mão-de-obra e dos materiais, competindo sim aos Réus fazê-lo como meio de demonstrar que a restituição em espécie era possível, obstando, assim, ao pedido efectuado formulado.
Conclui-se, assim, ser de manter a sentença em crise, confirmando a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Notifique.

Porto, 06 de Junho de 2024
Paulo Dias da Silva
Aristides Rodrigues Almeida
António Paulo Vasconcelos

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)