Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | RP202406203034/22.0T8LOU-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Segundo o artigo 1285.º do Código Civil, “o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”. II - De harmonia com o disposto no artigo 342.º, do Código Civil compete ao embargante a prova dos fundamentos do seu direito. III - Assim, sobre ele recai o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela. IV - No caso vertente, resulta evidente dos autos que a embargante, ora apelante, não provou a titularidade do direito sobre os bens cuja restituição pretende. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:3034/22.0T8LOU-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum, que A..., com sede na Rua ..., Lisboa, instaurou contra AA, residente na Rua ..., Felgueiras, ..., veio BB, residente na Rua ..., ... da União de freguesias ... e ..., concelho de Felgueiras, distrito do Porto, deduzir embargos de terceiro. Alegou ser proprietária dos bens, penhorados, a 16.06.2023, nos autos de execução. Acrescentou que os bens descritos no artigo 2º são propriedade da embargante, que os havia adquirido, tendo-os emprestados ao executado, a título gratuito, sob forma de contrato de comodato. Mais alegou, que os bens referidos na cláusula 5.ª são propriedade da embargante, uma vez que foram adquiridos, a 13 de junho de 2023, ao executado. * Citada, a exequente apresentou contestação, negando a veracidade dos factos alegados pela embargante e contestando a propriedade dos referidos bens.* Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal aplicável.* Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou os embargos de terceiro improcedentes, determinando a manutenção da penhora. * Não se conformando com a decisão proferida, veio a embargante BB interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:I. Vem a Recorrente BB, Embargante nos autos supra identificados, recorrer para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente improcedentes os embargos por si deduzidos contra a Recorrida A... e o Recorrido AA, no qual a Recorrente se opôs à penhora dos seus bens, indevidamente penhorados. II. O presente recurso tem como objeto a reapreciação da prova gravada, incindindo sobre a matéria dada por provada e não provada e subsequente aplicação do direito aplicável. III. A Recorrente, nos embargos deduzidos contra Recorrida e Recorrido/Executado, peticionou que fosse reconhecido ser da sua propriedade os seguintes bens: 1. 1 prensa móvel 500 LT com caniço; 2. 1 abre regos 4 bicos B...; 3. 1 riper para giratória B...; 4. 1 forquilha traseira tratro 9 bicos; 5. 1 freza galucho 2 mts; 6. 1 cilindro; 7. 1 escarnificador B...; 8. 1 rotativa SEKO 2 tambores; 9. 1 cuba inox ALANOL 600 LTS; 10. 1 barra de herbicida; 11. 2 cubas inox 1000 LTS; 12. 1 cuba inox 500 LTS; 13. 1 portão seccionado 4 folhas com motor; 14. 1 agitador de fossa; 15. 1 guincho florestal; 16. 2 vigas de betão armado; 17. 1 volta fenos 2 dardos; 18. 1 ralador de uvas B... com motor; 19. 1 escarnificador B...; 20. 1 lamina Buldozer 2,5m; 21. 1 juntador de feno circular 3 m; 22. 1 grade de bicos B... 3 corpos; 23. 1 lamina niveladora hidráulica Agriduarte; 24. 1 plantador de batatas pijuca; 25. 1 bomba de água de trator de alta pressão; 26. 1 pulverizador Rocha 600 LTOS com barra de herbicida; 27. 1 bomba de trasfega de vinho com filtro e mangueiras; 28. 1 bomba de água de alta pressão submersível; 29. 3 tinões de uvas de 1000 LTS; 30. 1 espalhador de adubo/ sementes Rocha; 31. 1 Moinho de pedra B...; 32. 1 Caixa de Carga/ Gamela de trator B... 2,0m; 33. 1 barra de pulverização Rocha; 34. 1 máquina de tirar batatas Pijuca; 35. 1 Semeador de milho/ feijão 2 bicos B...; 36. 1 grade de Discos 2.20m Pijuca; 37. 1 semeador de milho pneumático Gaspardo Prolavra; 38. 1 Unifeed Comag 4 senfins; 39. 2 abre regos 1 bico Galucho. 40. 1 reboque cisterna de matrícula AV ....; 41. 2 reboque de matrícula BR - ....; 42. 2 suínos. IV. Em relação às verbas indicadas de 1. a 39., a Recorrente juntou uma cópia da fatura da sua aquisição à sociedade B..., na data de 30 de maio de 2008. V. Relativamente às verbas indicadas de 40. a 42., a Recorrente juntou a fatura da sua aquisição na data de 13 de junho de 2023. VI. O Tribunal a quo deu por provada a seguinte factualidade: 1. Em 16.06.2023, no processo principal de que estes autos são apensos, foi efectuada a penhora dos bens móveis melhor identificados no auto de penhora constante dos autos, que se encontravam na posse do executado e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. VII. O Tribunal a quo deu por não provada a seguinte factualidade: a) Que os bens: 1. 1 prensa móvel 500 LT com caniço; 2. 1 abre regos 4 bicos B...; 3. 1 riper para giratória B...; 4. 1 forquilha traseira tratro 9 bicos; 5. 1 freza galucho 2 mts; 6. 1 cilindro; 7. 1 escarnificador B...; 8. 1 rotativa SEKO 2 tambores; 9. 1 cuba inox ALANOL 600 LTS; 10. 1 barra de herbicida; 11. 2 cubas inox 1000 LTS; 12. 1 cuba inox 500 LTS; 13. 1 portão seccionado 4 folhas com motor; 14. 1 agitador de fossa; 15. 1 guincho florestal; 16. 2 vigas de betão armado; 17. 1 volta fenos 2 dardos; 18. 1 ralador de uvas B... com motor; 19. 1 escarnificador B...; 20. 1 lamina Buldozer 2,5m; 21. 1 juntador de feno circular 3 m; 22. 1 grade de bicos B... 3 corpos; 23. 1 lamina niveladora hidráulica Agriduarte; 24. 1 plantador de batatas pijuca; 25. 1 bomba de água de trator de alta pressão; 26. 1 pulverizador Rocha 600 LTOS com barra de herbicida; 27. 1 bomba de trasfega de vinho com filtro e mangueiras; 28. 1 bomba de água de alta pressão submersível; 29. 3 tinões de uvas de 1000 LTS; 30. 1 espalhador de adubo/ sementes Rocha; 31. 1 Moinho de pedra B...; 32. 1 Caixa de Carga/ Gamela de trator B... 2,0m; 33. 1 barra de pulverização Rocha; 34. 1 máquina de tirar batatas Pijuca; 35. 1 Semeador de milho/ feijão 2 bicos B...; 36. 1 grade de Discos 2.20m Pijuca; 37. 1 semeador de milho pneumático Gaspardo Prolavra; 38. 1 Unifeed Comag 4 senfins; 39. 2 abre regos 1 bico Galucho. não pertencem ao executado e apenas foram emprestados ao executado pela embargante a título gratuito ao mesmo sob forma de contrato de comodato. b) Os referidos bens, constantes na cláusula segunda, são da propriedade da embargante pois foi esta que os adquiriu por compra. c) Que os bens 1. Um reboque cisterna de matrícula AV ....; 2. Um reboque de matrícula BR - ....; 3. Dois suínos. são propriedade da aqui embargante uma vez que foram adquiridos por compra, da embargante ao executado, em 13 de junho de 2023. VIII. O presente recurso tem como motivação que os Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação do Porto, analisando a prova, dêm por provados os factos constantes nas alíneas a) a c) dos factos não provados. IX. O Tribunal a quo deu por não provado que a Recorrente seja a proprietária dos bens referidos na alínea a) dos factos não provados e que os mesmos tenham sido emprestados ao Recorrido/Executado pela Recorrente a título gratuito sob a forma de contrato de comodato. X. Para justificar a sua decisão, o Mmº Juiz a quo elencou os seguintes argumentos que infra se expõem. XI. O Tribunal a quo firmou a convicção de que a Recorrente e o Recorrido/Executado mantinham ou mantêm um relacionamento amoroso e que tal é a justificação para que a Recorrente tenha feito um favor ao Recorrido/Executado no presente processo, tendo os embargos sido fruto de um conluio entre ambos. XII. Tal crença terá nascido apenas das insistentes questões por parte do mandatário da Recorrida às testemunhas, por forma a criar uma fragilidade ao presente processo, mas que não se veio a comprovar por qualquer depoimento ou outro tipo de prova. XIII. Na sentença recorrida, o Mmº Juiz a quo refere que a testemunha CC - tio do Recorrido/Executado - disse que não conhecia a Recorrente/Embargante mas que já a viu várias vezes na quinta do seu sobrinho bem como viu o sobrinho no café onde trabalha a Recorrente, o que revela uma frequência de contactos reveladora de uma relação para além da amizade. XIV. Com o devido respeito que me merece o Tribunal, parece-nos demasiado frágil esta fundamentação do Mmº Juiz a quo. XV. Os nossos tempos, são tempos em que um homem e uma mulher podem ter uma relação de amizade, sem que haja qualquer relação amorosa daí advinda. XVI. A argumentação trazida na sentença recorrida deverá chocar o ordenamento jurídico português, não tendo o Tribunal o poder de colocar em causa a dignidade, bom nome, reputação de um sujeito, processual ou não, com base em tentativas de deturpação, as quais ocorreram por parte do ilustre mandatário da Recorrida, ao longo da audiência de discussão e julgamento. XVII. A sentença recorrida ofende a honra e dignidade da Recorrente, na medida que expõe uma conclusão de que esta mantém um relacionamento amoroso com um terceiro, do qual ela não reconhece, reconhecendo-o apenas como seu amigo. XVIII. A testemunha CC, que referiu expressamente que já viu a Recorrente com o Recorrido/Executado umas 3 ou 4 vezes, mas que não sabia se mantinham qualquer relacionamento amoroso. XIX. Também a testemunha arrolada pela Recorrida, a Sr.ª DD - ex-cônjuge do executado, em instância do ilustre colega mandatário da Recorrida, questionada sobre se tinha conhecimento se a Recorrente mantinha algum relacionamento amoroso com o Executado, referiu desconhecer. XX. O Recorrido/Executado, em sede de depoimento, em instâncias do ilustre mandatário da Recorrida, também confirmou que nunca manteve nenhum relacionamento amoroso com a Recorrente. XXI. O mandatário da Recorrida, questionou nomeadamente se a Recorrente alguma vez viveu junto com o Recorrido/Executado, tendo este negado. XXII. O mandatário da Recorrida questionou o Recorrido/Executado se alguma vez a Recorrente teve a morada na quinta daquele, tendo este negado. XXIII. O depoimento do Recorrido/Executado, que se mostrou credível, demonstrou igualmente que nunca teve um relacionamento amoroso com a Recorrente. XXIV. Contudo, o mandatário da Recorrida quis passar a mensagem - pelos vistos com sucesso - de que haveria realmente um relacionamento amoroso. XXV. Aliás, se a Recorrida tem conhecimento que a Recorrente teve a morada na quinta do Recorrido/Executado, porque não juntou prova quanto a isso? Porque não requereu que fosse notificado o Registo Civil ou a Autoridade Tributária para comprovar tal circunstância? XXVI. A Recorrida, não mais fez do que tentar manipular o Tribunal a quo a seu favor, usando uma estratégia que não se aceita, a da mentira, por forma a criar a convicção de que houve um conluio na apresentação dos embargos deduzidos pela Recorrente. XXVII. A Recorrente, por sua vez, em sede de declarações de parte, em instâncias do Mmº Juiz a quo, afirmou que não era familiar nem tinha alguma relação com o Recorrido/Executado AA. XXVIII. Como se demonstra, não resultou provado em sede de Audiência de Discussão e Julgamento que entre a Recorrente e o Recorrido/Executado AA houvesse qualquer relacionamento amoroso, devendo este argumento cair para a fundamentação da matéria de facto dada por não provada pelo Tribunal a quo, quer para dar nos não provada a factualidade da al. a) dos factos não provados, quer a constante nas subsequentes alíneas b) e c). XXIX. O Tribunal a quo mantém ainda esta convicção, a do relacionamento amoroso, com o facto de a Recorrente ter declarado ter emprestado máquinas de cerca de 47 mil euros ao Recorrido/Executado de forma gratuita, bem como o facto de a Recorrente ter mudado de residência de Amarante para Felgueiras - “para próximo da residência do Recorrido/Executado” - em 2018, já depois do divórcio deste em 2016. XXX. O Mmº Juiz a quo conseguiu produzir uma sentença na qual sustenta a sua convicção em factos que não foram comprovados em sede de audiência de discussão e julgamento. XXXI. Para além de criar um relacionamento amoroso existente entre a Recorrente e o Recorrido/Executado, coloca-o também no tempo e no espaço, atribuindo a mudança de residência da Recorrente por motivos amorosos, quando nunca lhe foi sequer questionado o motivo da mudança de residência! XXXII. Quanto muito, atenta a prova produzida, poderíamos relacionar a alteração de morada da Recorrente com o facto de não pagar renda. XXXIII. Note-se que a Recorrente, desde o início do seu depoimento, sempre referiu que vivia na quinta da sua falecida ex-sogra sem pagar renda e que isso também a ajudou a criar poupanças, poupanças essas que foram depois fundamentais para a aquisição das máquinas agrícolas. XXXIV. Posteriormente, em instâncias do mandatário da Recorrida, a Recorrente revelou que estava a morar na casa de uma tia que está na Suíça há mais de 10 anos, que não pagava renda, que apenas pagava luz e a água. XXXV. Posto isto, quanto muito se poderia concluir que a Recorrente, após o falecimento da sua ex-sogra procurou outro local para viver sem que suportasse uma renda mensal pela sua estadia. XXXVI. Concluir que a mudança de residência se deveu ao possível relacionamento amoroso com o Recorrido/Executado, é descabido, sem qualquer sustentação de prova, não se podendo assim aceitar a fundamentação do Tribunal a quo para dar por provada ou não provada qualquer factualidade! XXXVII. Ainda neste ponto, adianta ainda o Mmº Juiz a quo, na sentença recorrida, que o facto de a testemunha CC ter dito que foi o Recorrido/Executado, seu sobrinho, a pedir-lhe que testemunhasse nos presentes autos, era revelador que aquele Recorrido/Executado andava a angariar prova testemunhal para a Embargante ora Recorrente, o que revelava uma proximidade que ambos negam ou tentam dissimular. XXXVIII. Ora, mais uma vez, não carece de lógica a argumentação do Mmº Juiz a quo na fundamentação da decisão recorrida. XXXIX. Concluir que o facto de uma pessoa angariar prova testemunhal para outra é sinónimo da presença de uma relação amorosa, é totalmente descabido, não podendo ser valorado pelos Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação do Porto, em abono da razoabilidade! XL. O argumento da relação amorosa é, assim, um falso argumento, pelo que deve cair a tese de que a Recorrente e o Recorrido/Executado mantiveram ou mantêm qualquer relação que exceda a mera amizade. XLI. O Mmº Juiz a quo fundamenta ainda que não parece credível que a embargante trabalhasse com as referidas máquinas elencadas na alínea a) dos factos não provados, em 3 ou 4 campos, com a sua sogra e com vários vizinhos, na medida em que poderia ter indicado algum desses vizinhos ou mesmo a sogra para que confirmassem aquela compra de 47 mil euros e que todavia não indicou ninguém. XLII. Em primeiro lugar, a sogra da Recorrente é falecida ao tempo da dedução dos embargos, pelo que era impossível que a mesma fosse arrolada como testemunha no processo. XLIII. Isto posto, o argumento da falta de produção de prova por imputação à Recorrente não lhe deverá ser oponível por este aspeto, uma vez que a sogra, quem realmente tinha o conhecimento ao detalhe da atividade que a Recorrente exercia na agricultura, é falecida. XLIV. Quanto aos vizinhos, não subjazem dados se os mesmos se encontrem vivos, não tendo sido questionado à Recorrente sobre esse aspecto. XLV. No entanto, pela prova produzida, fez-se prova bastante de que a Recorrente é a proprietária dos bens referidos na alínea a) dos factos dados por não provados. XLVI. A própria Recorrente, conseguiu localizar no espaço e no tempo a aquisição dos bens referidos na al. a) dos factos dados por não provados, tendo referido que os adquiriu na empresa B..., sita em Braga, por valor superior a €40.000,00 (quarenta mil euros). XLVII. A Recorrente afirmou ainda que já há vários anos que emprestava máquinas ao Recorrido/Executado. XLVIII. As declarações vindas a enunciar da Recorrente foram aliás corroboradas pela testemunha CC, que referiu ter conhecimento que o sobrinho – o Recorrido/Executado – utilizava muitas das vezes máquinas emprestadas para o exercício da agricultura, designadamente as da Recorrente. XLIX. Ademais, a Recorrente justificou a aquisição dos referidos utensílios e máquinas agrícolas com o trabalho nos terrenos que tinha ao redor da sua casa, nos quais tinha cavalos, póneis, porcos, cabras, entre outros animais. L. Acresce que a Recorrente, aquando do empréstimo das máquinas ao Recorrido/Executado, elaborou um contrato de comodato, datado de 07 de maio de 2018, no qual estabeleceu com o Recorrido/Executado o acordo de empréstimo daqueles bens. LI. O Mmº Juiz a quo, firmou a convicção de que aquele documento foi forjado, na medida em que referiu na sentença recorrida o seguinte: “Acresce também que o original do contrato de comodato data de 2018 e anexo de relação de bens também se apresenta o original de um papel A4 de cor branco imaculado sem qualquer dobra ou vinco, o que revela uma total falta de manuseamento, o que não é compatível com o decorrer de tantos anos e o estado em que se encontra, o que revela também quanto a nós a sua fabricação para o caso sub Júdice pelo executado em conluio com a embargante, com o intuito de dissimular o verdadeiro possuidor e proprietário dos bens que é o executado.” LII. Com o devido respeito, o Mmº Juiz a quo não pode usar das regras da livre apreciação da prova para se sub-rogar a peritos especializados, os quais poderiam ser convocados para a descoberta da verdade material, se considerava o Tribunal a quo insuficiente a prova produzida. LIII. Tendo Tribunal a quo dúvidas sobre a autenticidade ou a datação da elaboração do documento, tinha à sua disposição a possibilidade de requerer uma perícia documentoscópica, a qual não foi requerida nem pelo Mmº Juiz a quo nem pela Recorrida, para aferir da datação absoluta ou relativa do referido contrato de comodato. LIV. Esta perícia documentoscópica, poderia avaliar vários aspectos do documento num exame de datação, como as dimensões e a composição do papel, as tecnologias de impressão, a ortografia, a caligrafia dos manuscritos, os valores monetários, a própria fonte do texto, entre outros aspetos considerados pelos peritos. LV. A falta de vincos no contrato de comodato e a brancura do papel, não podem levianamente levar o julgador a concluir pela sua fabricação para o caso sub júdice, em momento posterior àquele em que é datado. LVI. Ademais, o Mmº Juiz a quo, no decorrer da Audiência de Discussão e Julgamento, em momento algum colocou em causa a fidedignidade do documento, nem tão-pouco foram elaboradas questões à Recorrente ou ao Recorrido/Executado que permitissem aferir se o documento foi muito ou pouco manuseado, e o cuidado na sua conversação. LVII. Por tal motivo, sempre deverão os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores da Relação do Porto desatender à argumentação trazida pelo Tribunal a quo para fins de invalidar a prova documental produzida. LVIII. A Recorrente referiu em instâncias do seu mandatário, o ora signatário, que adquiriu os bens para trabalhar na agricultura na quinta onde residia, e na altura em que teve de sair daquela quinta, pediu ao Recorrido/Executado para que guardasse as suas máquinas agrícolas na quinta dele. LIX. Mais referiu a instâncias do ora signatário que se recordava de ter feito um contrato de comodato em 2018. LX. A Recorrente, tendo prestado um depoimento coerente e portanto merecedor de colhimento para a produção decisória, referiu ainda o local onde adquiriu aqueles bens em 2008. LXI. Além do mais, a Recorrente referiu ainda que foi o próprio Recorrido/Executado que lhe levou ao conhecimento da penhora dos seus bens na quinta do Recorrido/Executado, tendo referido em concreto a reação que à época teve, fornecendo pormenores, reportando-se à época e retratando a expressão de surpresa. LXII. A Recorrente, referiu ainda, em instâncias do mandatário do Recorrido/Executado que os bens eram seus, estando apenas guardados nas instalações da quinta deste último. LXIII. Outro argumento trazido pelo Mmº Juiz a quo para a sentença recorrida para dar por não provada a factualidade dada por não assente na alínea a) dos factos não provados, foi o facto de não ser credível que uma simples empregada de balcão de pastelaria comprasse maquinaria agrícola no valor de 47 mil euros para cultivar apenas 3 ou 4 campos, e quando perguntada pelo Tribunal quantas pipas de vinho produzia, não sabia, quantos quilos de batatas produzia, não sabia, quantos quilos de milho não sabia, e apenas disse que comprava palha. LXIV. É referido na sentença recorrida que isto não é normal numa pessoa que gasta 47 mil euros só porque declarou que gosta de agricultura e depois não sabe esclarecer o Tribunal sobre o que produzia. LXV. Ora, a Recorrente, no seu depoimento deixou claro duas coisas: - A primeira a de que adquiriu os bens com o dinheiro que tinha junto, nomeadamente com o divórcio; - A segunda de que o que produzia era para consumo. LXVI. A Recorrente, no seu depoimento referiu a instâncias do mandatário do Recorrido/Executado que ganhou algum dinheiro do divórcio e juntou dinheiro. LXVII. A Recorrente deixou claro que tinha muitas poupanças, desde logo porque nunca pagou renda. LXVIII. A Recorrente, à data da aquisição das máquinas, em 2008, tinha estado casada com o ex-cônjuge durante 6 anos, o que equivale a 72 meses. LXIX. Se durante os 72 meses que esteve casada tivesse junto o valor de renda de uma habitação que deixou de pagar - de acordo com as suas declarações que viva com a ex-falecida sogra e que não pagava renda - e considerando um valor de renda de € 300,00, sempre se poderá dizer que poupou € 21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos euros) só de rendas que não pagou e terá junto. LXX. Ademais, a experiência mostra-nos que as pessoas que habitam nas aldeias, muitas das vezes, poupam largos recursos em bens essenciais de alimentação, na medida em que produzem aquilo que comem, tornando-se auto-sustentáveis. LXXI. Também a vida de grande parte da população dos meios agrícolas, longe dos grandes centros urbanos, abstêm-se de adquirir bens supérfluos, o que também justifica as grandes poupanças que se verificam nos meios mais rurais em detrimento dos meios urbanos. LXXII. A vida das pessoas das aldeias, que vivem do que o campo lhes dá, é geradora de uma maior poupança. LXXIII. As declarações da Recorrente não deixaram dúvidas de que a Recorrente terá levado uma vida de poupança e a aquisição dos bens agrícolas tinha como intuito o auto-consumo e consequente auto-sustentabilidade da Recorrente, em termos de alimentação. LXXIV. Também em instância do mandatário da Recorrida, a Recorrente em jeito de desabafo, reiterou que usava as máquinas para fazer os campos, para cultivar, “porque andar a cultivar assim à mão, já andamos alguns anos”. LXXV. Também o Recorrido/Executado AA, agricultor, em instância do mandatário da Recorrida, tendo sido questionado sobre o sentido de alguém despender quase 50 mil euros em máquinas para consumo próprio, respondeu que as máquinas agrícolas são muito caras e quem nos dias de hoje trabalhar com uma agricultura rudimentar, não consegue produzir. LXXVI. Ainda em instância do mandatário da Recorrida, a Recorrente referiu expressamente que com o auxílio das máquinas e utensílios agrícolas adquiridos em 2008, conseguia ser auto-sustentável, quando refere expressamente “não comprávamos nada.” LXXVII. A Recorrente esclareceu ainda o Tribunal de que para além do trabalho que tinha na pastelaria, dedicava-se à venda de animais, o que também por aí se justifica o dinheiro angariado para a aquisição das máquinas. LXXVIII. Acresce que o Recorrido/Executado AA confirmou que os bens são pertença da Recorrente que os entregou para guardar e depois o autorizou a utilizar, mediante assinatura de um contrato de comodato. LXXIX. O Recorrido/Executado referiu também que era habitual usar máquinas emprestadas, tendo referido nomeadamente o Sr. EE, a Sr.ª da Quinta ..., e que, portanto, não via qualquer problema no uso de máquinas emprestadas pela D.ª BB, aqui Recorrente. LXXX. Tal argumento foi também sustentado pela Testemunha CC, tendo referido que é habitual os agricultores emprestarem máquinas agrícolas, alfaias, utensílios, mutuamente e que tinha conhecimento que o Recorrido/Executado utilizava as máquinas da Recorrente. LXXXI. Acresce que a testemunha CC, referiu em sede de Audiência de Julgamento que o Executado/Embargado chegou a fazer alguns trabalhos para ele - testemunha - e que lhe terá transmitido que tinha de pedir à Recorrente as máquinas para fazer o trabalho. LXXXII. O Tribunal a quo, para fundamentar a sua decisão de que os bens referidos na al. a) dos factos dados por não provados, referiu ainda que não era credível que a Recorrente tivesse emprestado ao Recorrido/Executado maquinaria no valor de 47 mil euros. LXXXIII. O depoimento da testemunha CC, que também tem campos, serviu para elucidar o Tribunal a quo de que é habitual o empréstimo de máquinas agrícolas entre agricultores, referindo isso expressamente no seu depoimento. LXXXIV. A Recorrente deixou ainda claro que o empréstimo das máquinas agrícolas não eram nenhum favor que estava a fazer ao Recorrido/Executado, uma vez que este também as guardava sem cobrar por isso. Deixou ainda a ideia de que não tinha intenção de as vender porque tem um sonho a concretizar, que apesar de não concretizado em sede de Audiência de Julgamento, subjaz a ideia de que pretende vir a ter uma quinta para fabricar. LXXXV. A Recorrida pretendeu ainda demonstrar com o depoimento das testemunhas DD e FF, que os bens identificados na alínea a) dos factos dados por não provados que já eram da propriedade do Recorrido/Executado, e portanto que a penhora não tinha ofendido o direito de terceiros. LXXXVI. No entanto, pela prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, a Recorrida não conseguiu comprovar o alegado. LXXXVII. A testemunha DD, ex-cônjuge do Recorrido/Executado, questionada sobre se o Recorrido/Executado tinha vendido as máquinas agrícolas que eram da sua propriedade, respondeu afirmativamente, que o Recorrido/Executado tinha vendido as máquinas e utensílios agrícolas a uma D.ª GG. LXXXVIII. O depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida, DD, que refere que o Recorrido/Executado vendeu as máquinas que tinha, é coincidente com a versão trazida ao processo pelo Recorrido/Executado e que transmitiu à Recorrente, quando lhe solicitou as máquinas emprestadas. LXXXIX. Esta testemunha, no seu depoimento, referiu algo que deve merecer toda a atenção do EXMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, que foi que se casou com o Recorrido/Executado em 23 de agosto de 2008 e que a maior parte dos bens agrícolas por ele adquiridos foi anos depois do matrimónio. LXC. Isto posto, tendo a B..., de acordo com o que está patente na sentença recorrida, sido declarada insolvente em 2008 e o Recorrido/Executado tido adquirido bens agrícolas anos depois do casamento, parece-nos pouco provável que os bens que terá adquirido fossem da B.... LXCI. Ainda neste propósito, importa referir que a testemunha arrolada pela Recorrida, o Sr. FF, Agente de Execução, revelou que no âmbito de um processo de insolvência fez a entrega de bens ao Executado de determinados bens, mas que tal ocorreu em 2021 e não em 2008, ano da insolvência da B.... LXCII. Esta testemunha, o Sr. FF, pretendeu demonstrar que os bens que a Recorrente invoca o direito de propriedade são os mesmos que terá entregue em 2021 ao Recorrido/Executado. LXCIII. Contudo, não conseguiu identificar os bens, pelo que o seu depoimento não pode ser valorado a favor da Recorrida, referindo inclusivamente que os utensílios/máquinas agrícolas são quase todos iguais. LXCIV. Também neste aspeto, a testemunha DD, no seu depoimento deixou claro que não sabia identificar as máquinas que o seu marido, o aqui Recorrido/Executado, possuía na quinta que fabricava. LXCV. A sentença recorrida é manifestamente injusta, na medida em que não atendeu minimamente aos argumentos deduzidos pela Recorrente para provar a propriedade dos seus bens, devendo pelos motivos supra expostos ser dada por provada a factualidade dada por não provada na al. a) dos factos não provados, atentos os concretos pontos de discordância acima expostos, em conjugação com as passagens dos vários depoimentos. LXCVI. O Tribunal a quo deu ainda por não provado que os bens: 1. Um reboque cisterna de matrícula AV ....; 2. Um reboque de matrícula BR - ....; 3. Dois suínos. São propriedade da Recorrente uma vez que foram adquiridos por compra, da Recorrente ao Executado, em 13 de junho de 2023. LXCVII. Ora, uma vez mais, é manifesto o desacerto da decisão recorrida, a qual não se concorda, devendo a Relação do Porto repor a justiça e dar esta factualidade por provada. LXCVIII. O Tribunal a quo fundamentou a sua posição com base nos seguintes argumentos: “Desde logo tivemos em conta o teor do auto de penhora de 16.06.2023 e o facto de o executado ter sido notificado a 09.06.2023 que ia ser efetuada a entrega do imóvel no dia 16.06.2023 e como tal o executado sabia que ia ser “despejado” e assim não se valoraram as suas declarações quando disse que não sabia. Acresce que o próprio executado sabia que ele próprio tinha deduzido incidente de diferimento da entrega do imóvel que foi indeferido e foi notificado da decisão a 02.06.2023, ou seja, o executado sabia da pendência da execução quer para a entrega quer para o pagamento de quantia certa e que que a entrega do imóvel e a penhora estariam por dias. Daí que não tenhamos ficado com duvida que o executado não vendeu à embargante um reboque cisterna de matrícula AV ....; um reboque de matrícula BR - .... e dois suínos no dia 13.06.2023, ou seja, três dias da entrega do imóvel e da penhora de bens móveis realizada. É que é absolutamente incoerente o afirmado pela embargante quando disse que comprou os bens e os porcos mas deixou-os lá para os ir buscar mais tarde. É que a embargante trabalha numa pastelaria e não exerce actividade comercial ou de prestação de serviços de agricultura e como tal não é crível que tenha decidido comprar dois porcos quando diz que vive sozinha em casa de uma tia. Quem é que morando sozinha compra dois porcos para abater e comer? Só seria plausível e coerente se fosse um agregado familiar muito numeroso o que não é o caso e a embargante não deu qualquer explicação convincente para esse facto. Depois seria muita coincidência que a embargante tenha comprado os únicos bens moveis penhoráveis que não constam da lista da fatura que juntou e que alega ter emprestado ao executado. Como não é crível que tenha pago em dinheiro tais bens quando na tese da embargante o executado lhe deva favores pois usa as suas máquinas e ainda lhe cobra dinheiro por dois porcos e não lhos oferece como agradecimento.” LXIX. Pois bem, importa demonstrar que a tese vertida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, mais não passa de ficção, não tendo qualquer correspondência com a realidade, e por isso, não pode deixar de ser aqui impugnada! C. A Recorrente é terceiro de boa fé que adquiriu os referidos bens elencados na alínea c) dos factos não provados ao Recorrido/Executado e que por ora se vê afetada no seu direito de propriedade sobre os mesmos. CI. A Recorrente adquiriu na realidade na data de 13 de junho de 2023 os referidos reboques e os dois suínos, tendo efetuado o pagamento em numerário e mediante a emissão de fatura por parte do Executado, tendo o original da fatura sido entregue ao Mmº Juiz a quo. CII. O argumento do Tribunal a quo de que o Executado já sabia que lhe iam ser penhorados os bens não faz com que a venda seja nula ou anulável perante a Recorrente. CIII. Não ficou demonstrado que a Recorrente tivesse conhecimento de que iria haver qualquer penhora daqueles bens. CIV. A Recorrente adquiriu os bens, pagou-os e agora pretende o Tribunal a quo retirar-lhe a propriedade dos mesmos, sem qualquer indemnização. CV. Independentemente do Tribunal a quo ter desvalorizado o depoimento do Recorrido/Executado quando referiu que não sabia se iria ser despejado ou os seus bens alvo de penhora, não pode repercutir isso na esfera patrimonial da Recorrente, terceiro de boa fé. CVI. A Recorrente, em sede de declarações de parte, referiu inclusive que tinha adquirido tais bens, os porcos para consumo próprio, só que o facto de a corte da casa onde vive estar degradada, fê-la pedir ao Recorrido/Executado para os mesmos ficarem na quinta dele e tomar conta deles, até que ela os pudesse matar. CVII. Não se vislumbra razão para o Tribunal a quo duvidar de que a Recorrente teve mesmo a intenção de adquirir dois porcos para consumo próprio, quando do decorrer da sua inquirição ficou bem patente que é uma mulher poupada, e por isso a aquisição dos dois porcos serviriam para durante uma longa temporada não ter de adquirir mais bens de consumo. CVIII. Relativamente aos reboques, a Recorrente deixou claro que a sua aquisição tinha como intenção a revenda dos mesmos, por forma a angariar dinheiro. CIX. O Tribunal a quo não pode dizer que o Recorrido/Executado não vendeu os reboques e os suínos à Recorrente na data de 13/06/2023, uma vez que existe factura dessa venda, cujo original foi disponibilizado ao Mmº Juiz a quo! CX. Se a venda pelo Recorrido/Executado foi mal intencionada? Isso já não é culpa da Recorrente que não pode sair prejudicada por via disso. CXI. Como supra se demonstrou, a Recorrente demonstrou os motivos pelos quais fez a aquisição dos suínos e dos reboques, juntou a fatura de aquisição dos mesmos, por isso, não se encontra fundamento para considerar que tais bens não são da sua propriedade. CXII. Ademais, o Tribunal a quo refere ainda que não é crível que a Recorrente tenha pago em dinheiro tais bens quando na tese da mesma, o Recorrido/Executado deve-lhe favores pois usa as suas máquinas e ainda lhe cobra dinheiro por dois porcos e não lhos oferece como agradecimento. CXIII. Mas, onde é que se ficou provado que a Recorrente tem a consciência de que o Executado lhe deve favores??? CXIV. Bem pelo contrário! CXV. É a própria Recorrente que refere que o Recorrido/Executado é que lhe fez um grande favor em ter guardado as máquinas e utilizando-as para não se deteriorarem. CXVI. Ora, os Tribunais, e nós agentes e gentes do direito, muitas vezes temos dificuldade em perceber como funcionam os meios rurais, o seu dinamismo e até mesmo de máquinas agrícolas. CXVII. A Recorrente referiu expressamente que foi o Sr. AA, Recorrido/Executado, que se ofereceu para guardar as máquinas e que lhe pediu para usar algumas e que a Recorrente preferiu que elas fossem usadas, para não se estragarem. CXVIII. É que as máquinas, são como os veículos, que se não forem usados acabam por apodrecer. CXIX. Aliás, pelo depoimento da Recorrente, esta é que se sente em obrigação com o Recorrido/Executado, por este as guardar e utilizar, na medida em que se tivesse que arrendar um sitio para guardar as máquinas, teria que dispensar dinheiro por isso. CXX. Por tudo quanto se supra expôs, nomeando concretamente os pontos de discordância da matéria de facto dada por não provada, devem os Senhores Juízes Desembargadores da Relação do Porto dar por provada a factualidade contante na alínea c) dos factos dados indevidamente por não provados. CXXI. A Recorrente demonstrou para efeitos do disposto nos art.º(s) 342º, 1285º do Código Civil e 351º do Código Processo Civil que é um terceiro na relação jurídica entre Exequente e Executado e que é a proprietária dos bens penhorados ao Recorrido/Executado, devendo por isso ser-lhe restituída a posse dos bens e reconhecida a sua propriedade. * Foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Factos2.1 Factos provados O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. Em 16.06.2023, no processo principal de que estes autos são apensos, foi efectuada a penhora dos bens móveis melhor identificados no auto de penhora constante dos autos, que se encontravam na posse do executado e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. * 2.2 Factos não provadosO Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: a) Que os bens: 1. 1 prensa movel 500 LT com caniço; 2. 1 abre regos 4 bicos B...; 3. 1 riper para giratória B...; 4. 1 forquilha traseira tratro 9 bicos; 5. 1 freza galucho 2 mts; 6. 1 cilindro; 7. 1 escarnificador B...; 8. 1 rotativa SEKO 2 tambores; 9. 1 cuba inox ALANOL 600 LTS; 10. 1 barra de herbicida; 11. 2 cubas inox 1000 LTS; 12. 1 cuba inox 500 LTS; 13. 1 portão seccionado 4 folhas com motor; 14. 1 agitador de fossa; 15. 1 guincho florestal; 16. 2 vigas de betão armado; 17. 1 volta fenos 2 dardos; 18. 1 ralador de uvas B... com motor; 19. 1 escarnificador B...; 20. 1 lamina Buldozer 2,5m; 21. 1 juntador de feno circular 3 m; 22. 1 grade de bicos B... 3 corpos; 23. 1 lamina niveladora hidráulica Agriduarte; 24. 1 plantador de batatas pijuca; 25. 1 bomba de água de trator de alta pressão; 26. 1 pulverizador Rocha 600 LTOS com barra de herbicida; 27. 1 bomba de trasfega de vinho com filtro e mangueiras; 28. 1 bomba de água de alta pressão submersível; 29. 3 tinões de uvas de 1000 LTS; 30. 1 espalhador de adubo/ sementes Rocha; 31. 1 Moinho de pedra B...; 32. 1 Caixa de Carga/ Gamela de trator B... 2,0m; 33. 1 barra de pulverização Rocha; 34. 1 máquina de tirar batatas Pijuca; 35. 1 Semeador de milho/ feijão 2 bicos B...; 36. 1 grade de Discos 2.20m Pijuca; 37. 1 semeador de milho pneumático Gaspardo Prolavra; 38. 1 Unifeed Comag 4 senfins; 39. 2 abre regos 1 bico Galucho. não pertencem ao executado e apenas foram emprestados ao executado pela embargante a título gratuito ao mesmo sob forma de contrato de comodato. b) Os referidos bens, constantes na cláusula segunda, são da propriedade da embargante pois foi esta que os adquiriu por compra. c) Que os bens 1. Um reboque cisterna de matrícula AV ....; 2. Um reboque de matrícula BR - ....; 3. Dois suínos. são propriedade da aqui embargante uma vez que foram adquiridos por compra, da embargante ao executado, em 13 de junho de 2023. * 2.3 Convicção do TribunalO Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos: “Para dar como assentes e não assentes os factos constantes do requerimento de embargos, o Tribunal analisou a prova produzida apreciada criticamente. Desde logo tivemos em conta o teor do auto de penhora de 16.06.2023 e o facto de o executado ter sido notificado a 09.06.2023 que ia ser efetuada a entrega do imóvel no dia 16.06.2023 e como tal o executado sabia que ia ser “despejado” e assim não se valoraram as suas declarações quando disse que não sabia. Acresce que o próprio executado sabia que ele próprio tinha deduzido incidente de diferimento da entrega do imóvel que foi indeferido e foi notificado da decisão a 02.06.2023, ou seja, o executado sabia da pendência da execução quer para a entrega quer para o pagamento de quantia certa e que que a entrega do imóvel e a penhora estariam por dias. Daí que não tenhamos ficado com duvida que o executado não vendeu à embargante um reboque cisterna de matrícula AV ....; um reboque de matrícula BR - .... e dois suínos no dia 13.06.2023, ou seja, três dias da entrega do imóvel e da penhora de bens móveis realizada. É que é absolutamente incoerente o afirmado pela embargante quando disse que comprou os bens e os porcos mas deixou-os lá para os ir buscar mais tarde. É que a embargante trabalha numa pastelaria e não exerce actividade comercial ou de prestação de serviços de agricultura e como tal não é crível que tenha decido comprar dois porcos quando diz que vive sozinha em casa de uma tia. Quem é que morando sozinha compra dois porcos para abater e comer? Só seria plausível e coerente se fosse um agregado familiar muito numeroso o que não é o caso e a embargante não deu qualquer explicação convincente para esse facto. Depois seria muita coincidência que a embargante tenha comprado os únicos bens moveis penhoráveis que não constam da lista da fatura que juntou e que alega ter emprestado ao executado. Como não é crível que tenha pago em dinheiro tais bens quando na tese da embargante o executado lhe deva favores pois usa as suas máquinas e ainda lhe cobra dinheiro por dois porcos e não lhos oferece como agradecimento. Cremos sim que a embargante terá um relacionamento amoroso, facto que deduzido pelo facto de o tio do executado a testemunha CC ter dito que não conhece a embargante mas que já a viu várias vezes na quinta do seu sobrinho bem como viu o sobrinho no café onde trabalha a embargante, o que revela uma frequência de contactos reveladora de uma relação para além de amizade. Também revela essa proximidade da embargante com o executado o facto de a embargante ter declarado ter emprestado máquinas de cerca de 47 mil euros ao executado de forma gratuita, bem como o facto de a embargante ter mudado de residência de Amarante para Felgueiras para próximo da residência do executado em 2018, já depois do divorcio deste em 2016. Acresce que o facto de a testemunha CC ter dito que não conhece a embargante e que foi o seu sobrinho (o executado AA) que lhe pediu para ser testemunha, bem como foi ele que ficou fiel depositário dos porcos, revela que é o executado que andou a angariar prova testemunhal para a embargante, o que revela uma proximidade que ambos negam ou tentaram dissimular. De igual forma, se fosse como diz a embargante que trabalhou com as máquinas em Amarante em 3 ou 4 campos com a sua sogra e com vários vizinhos, esta poderia ter indicado qualquer destes vizinhos ou mesmo a sua sogra que confirmassem essa compra de 47 mil euros e todavia não indicou ninguém. Apenas uma simples factura de 30.05.2008 que tem fonte duvidosa pois são muitas coincidências, como seja o facto de terem a mesma data da fatura da reclamação à relação de bens na partilha após o divórcio da executada junto em sede de execução (no seu artº 27) em que o executado alega que comprou várias máquinas antes do casamento nessa data à empresa C.... Por outro lado não é credível que uma simples empregada de balcão de uma pastelaria comprasse maquinaria agrícola no valor de 47 mil euros para cultivar apenas 3 ou 4 campos, e contudo quando perguntada pelo Tribunal quantas pipas de vinho produzia, não sabia, quantos quilos de batatas produzia , não sabia, quantos quilos de milho não sabia, e apena disse que comprava palha. Ora, isto não é normal numa pessoa eu gasta 47 mil euros só porque declarou que gosta de agricultura e depois não sabe esclarecer o Tribunal sobre o que produzia. De igual forma não é credível que a embargante tenha emprestado ao executado maquinaria no valor de Ou seja, o Tribunal crê que a embargante fez sim um favor ao executado com recurso a uma mera cópia de fatura que se revela atípica e que o original não terá sido junto não porque o perdeu na mudança em 2018 como alegou a embargante mas sim porque inexiste ou foi alvo de adulteração. A embargante nunca alegou que não tinha o original e apesar de impugnada a fatura na contestação quer quanto ao seu teor e reprodução mecanográfica e contudo apenas porque solicitado pelo Tribunal veio esclarecer que apenas tem cópia pois perdeu o original da fatura na mudança de casa em 2017 ou 2018. Não é plausível que alguém perca um original e tenha uma cópia arquivada em casa. Acresce que o original da cópia da factura exibida e junta em sede de julgamento apresenta-se de um branco imaculado e sem qualquer vinco ou dobra, o que não é compativel com a cópia de uma factura de 2008 ou seja há mais de 15 anos. Acresce que a alegada compra foi feita a uma empresa que veio ser declarada insolvente nesse ano, empresa á qual o executado tinha adquirido bens à massa insolvente como referiu o Agente de Execução que fez um auto de entrega de bens semelhantes a estes. Assim, o Tribunal face à falta de junção do original da factura e dada o estado da cópia crêmos que podemos estar perante uma adulteração de factura com intenção de o executado obter benefício, razão pela qual não valoramos a mesma e dada a conjugação de toda a prova duvidamos mesmo que a embargante tenha adquirido tais máquinas em 2008 como alega. Acresce também que o original do contrato de comodato datado de 2018 e anexo de relação de bens também se apresenta o original de um papel A4 de cor banco imaculado sem qualquer dobra ou vinco, o que revela uma total falta de manuseamento, o que não é compatível com o decorrer de tantos anos e o estado em que se encontra, o que revela também quanto a nós a sua fabricação para o caso sub Júdice pelo executado em conluio com a embargante, com o intuito de dissimular o verdadeiro possuidor e proprietário dos bens que é o executado. Assim, o Tribunal considerando o exposto e ainda o facto de a testemunha DD, ex-cônjuge do executado ter dito que o executada disse que comprou bens na insolvência da “B...” que é coincidente com o depoimento do Agente de Execução FF, e ainda que muitas das máquinas que identificou foram compradas na constância do casamento que relacionou no inventário que são coincidentes e o facto de o executado ter essas máquinas na sua posse como sucedeu no dia da penhora, e porque não valoramos quer a mera cópia da factura apresentada pela embargante, quer a contrato de comodato apresentado, formamos a convicção que os bens e os animais que o executado detinha no dia da penhora estavam na sua posse e que não são propriedade da embargante mas sim do executado que os possuía como se proprietário fosse.” * 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes: - Da impugnação da matéria de facto; - Do mérito dos embargos de terceiro. * 4. Conhecendo do mérito do recurso:4.1 Da impugnação da matéria de facto A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, pugnando que sejam julgados como provados os factos dados como não provados. Vejamos, então. No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma. Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece. Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto. Tendo presentes os elementos probatórios e ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a análise crítica referida corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante. Como é sabido, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos. Deve ter-se em conta que o acto de julgar parte de uma operação lógico-dedutiva, a partir de dados objectivos (a experiência pessoal, as regras da experiência da vida) e dados intuitivos (a forma como o depoente expõe, as reacções públicas e emocionais, a racionalidade e razoabilidade das respostas). Destarte, a prova testemunhal não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode ser objecto de formulação de deduções e induções, os quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras da experiência. E sempre se deve ter presente a globalidade dos depoimentos e não apenas as partes que alegadamente conviriam à Apelante. Destarte, tendo em consideração a data do auto de penhora (16.06.2023) conjugado com a circunstância de o executado ter sido notificado, a 09.06.2023, que iria ser efectuada a entrega do bem imóvel no dia 16.06.2023, também concluímos que o mesmo sabia e não poderia ignorar que ia ser “despejado”, pelo que não podemos valorizar as suas declarações quando afiança que não sabia. Além disso, temos, ainda, que concluir que o executado sabia da pendência da execução para pagamento e entrega de coisa certa, bem como que a penhora e a sua entrega estariam para breve. Com efeito, havia deduzido o incidente de diferimento da entrega do imóvel, que foi indeferido, decisão de que havia sido notificado a 02.06.2023. De resto, também não ficamos convictos que o executado tenha, no dia 13.06.2023, vendido à embargante um reboque cisterna de matrícula AV ...., um reboque de matrícula BR - .... e dois suínos, precisamente três dias antes da entrega do bem imóvel e da penhora dos bens móveis realizada. Com efeito, não é credível o afirmado pela embargante quando refere que comprou os bens, bem como os porcos, mas que os deixou no local para mais tarde os ir buscar. Além disso, trabalhando a Apelante/embargante numa pastelaria e não exercendo qualquer actividade comercial ou de prestação de serviços de agricultura não se encontra em sintonia com as regras da experiência comum que a embargante tenha decidido comprar dois porcos quando refere viver sozinha em casa de uma tia. Ademais, constituiria muita coincidência que a embargante tenha comprado os únicos bens móveis penhoráveis que não constam da lista da factura que juntou e que menciona ter emprestado ao executado. De resto, não se encontra também em sintonia com as regras da experiência comum que a embargante tenha pago em dinheiro tais bens quando segundo a tese da embargante o executado lhe devia mercês, dado que usa as suas máquinas e ainda lhe cobra dinheiro por dois porcos e não lhe oferece por graça ou, pelo menos, um deles. Além disso, o aqui Recorrido/Embargado impugnou a factura junta pela Apelante e a sua reprodução e a Embargante além, de não ter junto o seu original, não juntou recibo dessa factura, nem comprovativo de pagamento da mesma, sendo, ainda, certo que a Apelante, em momento algum, alegou, sequer, como e quando pagou. Por outro lado, a referida factura tem a mesma data da factura junta pelo Executado no processo de inventário (junta aos autos) onde estão descritos, na sua larga maioria, os mesmos bens em causa nestes autos. Além disso, a embargante não era, sequer, possuidora e muito menos proprietária de tractor que permitisse o uso das máquinas em causa, conforme reconheceu, pelo que não se compreende o seu real interesse a aquisição dos bens em causa. Sucede que, se correspondesse à realidade, tal como afirmado pela embargante, que a mesma tivesse trabalhado com as máquinas em 3 ou 4 campos sitos em Amarante, com a sua sogra e vários vizinhos, certamente poderia ter indicado alguma dessas pessoas por forma a confirmar a compra dos bens em causa no valor de € 47.000,00, o que não fez. Além disso, desempenhando funções de empregada de balcão de uma pastelaria não se encontra em sintonia com as regras da experiência comum que comprasse maquinaria agrícola no valor de € 47.000,00 para cultivar apenas 3 ou 4 campos, sendo, ainda, certo que não soube, sequer, esclarecer o que produzia. Como é sabido, as regras de experiência comum (ou técnicas e científicas de conhecimento generalizado) ou máximas da experiência, são juízos ou normas de comportamento social de natureza geral e abstracta, sem ligação a factos concretos sobre que há que decidir, mas concretamente observáveis pela experiência anterior de casos semelhantes. E não são resultantes de uma ciência pessoal, mas de um conhecimento que é partilhado (comum) pela generalidade das pessoas de um país, de uma região, de uma classe de pessoas e concretizam-se na ideia de que certos factos geralmente ocorrem associados a outros. De forma mais sucinta, se os factos costumam ocorrer de certa forma, isso permite um raciocínio indutivo que conclua que, em iguais circunstâncias, voltarão a ocorrer dessa forma. Assim, é aceite que uma “regra de experiência comum” ou máxima da experiência não passa de uma lei social constatada de forma empírica por observação de factos anteriores. É certo que não podemos concluir pela existência de uma relação amorosa entre a embargante e o executado, mas podemos, sem dúvida, concluir pela existência de uma forte relação de amizade entre ambos. Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto não provada. Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto. * 4.2. Do mérito dos embargos de terceiro.A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre. Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da ausência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Segundo o artigo 1285.º do Código Civil, “o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”. Por seu turno, dispõe hoje o n.º 1, do artigo 342.º, do Código de Processo Civil que “se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, acrescentando o nº 2 que “não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência”. À excepção da remissão, no n.º 2, para o “processo especial de recuperação da empresa e de falência” que foi actualizada com a referência ao processo de insolvência, o artigo 342.º reproduz o artigo 251.º do pretérito Código de Processo Civil. Com a reforma do processo civil empreendida em 1995 (Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12 e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25.09), os embargos de terceiro deixaram de constituir processo especial e de ser tratados como acção possessória, passando a integrar-se nos incidentes de instância, perspectivando-se como “verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências (…) considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o carácter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam - que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante -, mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante” - cfr. Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95. Como esclarece Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 10ª edição, pág. 290, “hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351º e segs.). E assim como é do conceito de oposição (art. 342º, nº 1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas.” “Os embargos de terceiro são uma forma particular de reclamação tendo em vista a revisão pelo mesmo órgão jurisdicional da questão sobre a qual incidiu a decisão que ordenou a diligência posta em causa. Este procedimento caracteriza-se, essencialmente, pela posição do embargante, o qual se “introduz” num processo pendente entre outras partes, a fim de obstar à efectivação de um seu direito, incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto judicial de afectação ilegal daquele mesmo direito” – Cf. acórdão da Relação de Lisboa, 30.11.2000, processo nº 0074228, www.dgsi.pt. Ou seja, “os embargos de terceiro, no Código de Processo Civil revisto, passaram a constituir o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito de embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ser, necessariamente, alegada a posse, mas sim um qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada, tendo-se alargado, expressa e deliberadamente, por via legislativa, o âmbito de tal procedimento” - Cf. acórdão da Relação de Lisboa, 11.01.2001, processo nº 0076718, www.dgsi.pt.. Mas, constituindo os embargos de terceiro um meio de defesa da posse ofendida, por quem é alheio à acção executiva, isto é terceiro, essa posse não pode ser uma posse precária, mas antes uma posse real, efectiva, que se consubstancia no exercício de poderes de facto sobre a coisa penhorada, não se exigindo a posse jurídica. Além disso, de harmonia com o disposto no artigo 342.º, do Código Civil compete ao embargante a prova dos fundamentos do seu direito. Assim, sobre ele recai o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela. No caso vertente, resulta evidente dos autos que a embargante, ora apelante, não provou a titularidade do direito sobre os bens cuja restituição pretende. E a ser assim bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou não estarem verificados os pressupostos de facto e de direito previstos nos artigos 342º e seguintes do Código de Processo Civil, acabando por julgar improcedentes por não provados os embargos de terceiro aqui deduzidos. Impõe-se, por isso, o não provimento do recurso de apelação. * Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * 5. DecisãoNos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida. * Custas a cargo da apelante.* Notifique.Porto, 20 de Junho de 2024 Paulo Dias da Silva António Carneiro da Silva Aristides Rodrigues de Almeida (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |