Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19453/19.7T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A MAIOR
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
VIOLAÇÃO DE DEVERES
DEVER DE RESPEITO
Nº do Documento: RP2024070419453/19.7T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A cessação da prestação de alimentos por violação do dever de respeito pressupõe uma conduta grave e ponderosa que permita concluir, do ponto de vista social, pela inexigilidade dessa obrigação.
II - Não assume essa natureza o comportamento do filho que não visita a sua mãe nem a cumprimenta em público, por considerar que a mesma o desrespeitou anteriormente de forma grave conforme resulta de forma objectiva dos factos provados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 19453/19.7T8PRT-C.P1

Sumário:

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I - AA propõe contra BB, a presente ação, através da qual pretende seja cessada a obrigação de prestar alimentos ao Requerido, seu filho, nascido a ../../2002.

Alega, em síntese, que o Requerido, tendo atingido a maioridade, dispõe de condições económicas para prover ao seu sustento e desconhece se este se encontra a estudar. Diz ainda que o filho revela uma total indiferença perante a mãe, que nem sequer cumprimenta. Mais alega que não tem condições económicas para continuar a pagar a prestação de alimentos ao filho, pois aufere uma remuneração mensal no montante do salário mínimo nacional e vive sozinha.


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Frustrada a conciliação, veio o Requerido contestar. Alegou em síntese que é verdade que mãe e filho se afastaram, mas tal afastamento deveu-se à conduta da sua mãe, sendo esta que não se aproxima dele nem o cumprimenta. Acrescenta que informou a Requerente quando entrou na faculdade. Mais diz que a sociedade de que é sócio apresenta prejuízos e não lucros e não tem rendimentos que lhe permitam prover ao seu sustento.

Conclui pela improcedência da ação.


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Foi saneado o processo, instruída a causa e depois, realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Meses depois, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformada veio a requerente interpor recurso, o qual meses depois, foi admitido como de de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos, e com efeito devolutivo – artigos 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 637º, 638º, n.º 1, 644º, n.º1, a), 645º, n.º, 1, a) e 647º, n.º 1), todos do CPC

2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões (na precisa formatação que se transcreve)

I. NOS TERMOS DO ARTº615º, Nº1, AL. C) DO CPC, A SENTENÇA É NULA.

II. CONFORME SUMARIO O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA DE 06.11.2012: “OS VÍCIOS DETERMINANTES DA NULIDADE DA SENTENÇA CORRESPONDEM A CASOS DE (…) A ININTELIGIBILIDADE DO DISCURSO DECISÓRIO POR AUSÊNCIA TOTAL DE EXPLICAÇÃO DA RAZÃO POR QUE DECIDE DE DETERMINADA MANEIRA (FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO), QUER PORQUE ESSA EXPLICAÇÃO CONDUZ, LOGICAMENTE, A RESULTADO OPOSTO DO ADOTADO (CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO),OU (…) NÃO TRATAR DE QUESTÕES DE QUE DEVERIA CONHECER (OMISSÃO DE PRONÚNCIA)”.

III. NO CASO DOS AUTOS A DECISÃO ENCONTRA-SE FERIDA DE VÍCIOS TAIS COMO INSUFICIÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, EXISTÊNCIA DE UMA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO, E OMISSÃO DE PRONUNCIA RELATIVAMENTE AO ABUSO DE DIREITO.

IV. DO VICIO DE INSUFICIENCIA DE MOTIVAÇÃO DECORRE QUE, “NO ATUAL QUADRO CONSTITUCIONAL, EM CONFORMIDADE COM O ART. 205º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ( DORAVANTE CRP)), É IMPOSTO UM DEVER GERAL DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO OU DE DIREITO GRAVEMENTE INSUFICIENTE, COMO AQUELA QUE OCORRE NO CASO SUB JUDICE, DEVE SER EQUIPARADA À FALTA ABSOLUTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO E, CONSEQUENTEMENTE, DETERMINAR A NULIDADE DO ATO DECISÓRIO. VIDE, NESTE SENTIDO, AC. DO STJ DE 02.03.2011, PROC. N.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, RELATOR SÉRGIO POÇAS; E AC. DA RELAÇÃO DO PORTO DE 16.06.2014, PROC. N.º 722/11.0TVPRT.P1, RELATOR CARLOS GIL., AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT. V. ASSIM, A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DEVERIA SER EXPRESSA, CLARA, SUFICIENTE E CONGRUENTE, PERMITINDO, PERCEPCIONAR AS RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO QUE LHE SUBJAZEM, EM FUNÇÃO DE CRITÉRIOS LÓGICOS, OBJETIVOS E RACIONAIS, O QUE NÃO SUCEDEU.

VI. NO CASO DOS PRESENTES AUTOS A QUESTÃO DA INSUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO É TRANSVERSAL A TODA A DECISÃO, PELO QUE O VALOR DE TODA A SENTENÇA ENCONTRA-SE AFECTADO, O QUE DETERMINA A SUA NULIDADE.

VII. VERIFICA-SE AINDA, NO ÂMBITO NO ARESTO UMA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS PROVADOS, FUNDAMENTOS E DECISÃO, QUE CONSTITUI UM VICIO QUE AFETA A ESTRUTURA DA DECISÃO POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS PROVADOS E A CONCLUSÃO;

VIII. MELHOR, OS FACTOS PROVADOS EXPRESSOS PELO TRIBUNAL NÃO CONDUZ AO RESULTADO DECLARADO NA DECISÃO, MAS SIM AO SEU OPOSTO.

IX. O TRIBUNAL VIOLOU AINDA O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE, AO NÃO CONSIDERAR NA SUA DECISÃO, OS MEIOS DE QUEM PRESTA, E A NECESSIDADE DE QUEM RECEBE, A QUE ALUDE O ART.º 2004º E 1880º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL

X. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE QUANDO APLICADO AO ACASO EM APREÇO TORNA INEXIGÍVEL A PRESTAÇÃO.

XI. NESTE SENTIDO, REFERE O PROFESSOR REMÉDIO MARQUES “OS PRESSUPOSTOS OBJETIVOS PRENDEM-SE COM AS POSSIBILIDADES ECONÓMICAS DO JOVEM MAIOR (RENDIMENTOS PRÓPRIOS, RENDIMENTOS DO TRABALHO) E COM OS RECURSOS DOS PROGENITORES, (…) QUE MODELAM NA GÉNESE DO PROLONGAMENTO DESTA OBRIGAÇÃO.”

XII. POR OUTRO LADO, O DEVER MÚTUO OU RECÍPROCO DE RESPEITO É ENTENDIDO COMO DEVER DE CONSIDERAÇÃO PELA VIDA, PELA INTEGRIDADE FÍSICA E PELA PERSONALIDADE MORAL DE DUAS PESSOAS.

XIII. IN CASU, OS FACTOS CONSIDERADOS ASSENTES, REVELAM, SEM DÚVIDA, UMA VIOLAÇÃO GRAVE DE RESPEITO, POR PARTE DO REQUERIDO, RELATIVAMENTE A REQUERENTE, SUA MÃE, ATENTATÓRIA DA SUA PERSONALIDADE MORAL, DA SUA DIGNIDADE PESSOAL, RESPEITO E CONSIDERAÇÃO, QUE LHE SÃO DEVIDOS PELO REQUERIDO.

XIV. PERANTE ESTA FACTUALIDADE, EM ESPECIAL:  A ATITUDE DA REQUERIDO, QUE QUANDO ENCONTRA A MÃE NA RUA, VIRA-LHE A CARA, NÃO LHE TELEFONA E SO ENVIA MENSAGENS A PEDIR O PAGAMENTO DE DESPESAS,  O DESPREZO QUE DEMONSTROU NO DIA DO FUNERAL DA AVÓ,  EXIGÊNCIA PELA VIA JUDICIAL DO PAGAMENTO DA PENSÃO, QUANDO NAQUELA DATA USUFRUIA DE RENDIMENTOS E OMITIU ESTE FACTO, TUDO, REVELA TOTAL INDIFERENÇA E DESPREZO PELA MÃE, QUANDO LHE ERA EXIGÍVEL OUTRO COMPORTAMENTO.

XV. AO ADOTAR TAL CONDUTA, CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA, E SEM QUALQUER JUSTIFICATIVA ACEITÁVEL, O REQUERIDO VIOLOU GRAVEMENTE O DEVER DE RESPEITO DEVIDO À REQUERENTE, NECESSITANDO TAL CONDUTA SER CENSURÁDA QUER DO PONTO DE VISTA ÉTICO, QUER DO PONTO DE VISTA JURÍDICO.

XVI. O COMPORTAMENTO CRITICÁVEL DO REQUERIDO, QUE APENAS VÊ A MÃE COM FONTE DE RENDIMENTO, COMO SUJEITO DE DEVERES, DESPREZANDO OUTROS VALORES, COMO O RESPEITO PELA PERSONALIDADE MORAL, A ESTIMA, CONSIDERAÇÃO, E A SOLIDARIEDADE, CONFORME FICOU PROVADO, IMPLICARIA UMA SOLUÇÃO DIFERENTE POR PARTE DO TRIBUNAL RECORRIDO.

XVII. POIS COMO PRECEITUA O ART.º 2013 Nº 1 AL. C), DO CC, A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS CESSA QUANDO O CREDOR VIOLA GRAVEMENTE OS SEUS DEVERES PARA COM O OBRIGADO, MAS TAMBÉM OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, POIS QUE “QUEM VIOLA UMA OBRIGAÇÃO NÃO PODE, SEM ABUSO, EXIGIR O CUMPRIMENTO DE UMA OUTRA QUE, EM RELAÇÃO AQUELA ESTÁ EM NEXO DE RECIPROCIDADE.”

XVIII. DEVE AINDA ASSINALAR-SE QUE TRATANDO-SE DE OBRIGAÇÕES MÚTUAS ENTRE PAIS E FILHOS, AS EVENTUAIS VIOLAÇÕES DE PARTE NÃO SE ANULAM NECESSARIAMENTE ENTRE SI, ANTES DEVENDO SER ENTENDIDAS E ANALISADAS NO CONTEXTO EM QUE SE INSEREM.


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2.2. A parte contrária não contra-alegou.

3. Questões a decidir

1. apreciar as múltiplas nulidades da sentença.

2. Verificar, por fim, se existe alguma causa para a cessação da obrigação de alimentos.


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4. Das nulidades

Podemos constatar que basicamente a apelante pretende que a sentença é nula, por insuficiência de motivação, e contradição entre os factos e a decisão.

Nos termos do art. 615º, do CPC a sentença é nula se: (…)

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Ora, in casu é evidente que não existiu qualquer omissão de pronuncia.

Isto, porque, a sentença analisou a razoabilidade da manutenção da obrigação de alimentos tal como pretendia a apelante.

Apreciar esta questão é o mesmo que verificar se a exigência da mesma é abusiva.

E, nesta matéria, é pacifico entre nós (cfr. Acs. do STJ de 9/4/2019, processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1, e 27/6/2019, processo n.º 1346/15.9T8CHV.G2.S1, (FERNANDO SAMÕES) que  “(…) a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras)”.

Logo, improcede esta nulidade.


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Quanto à suposta contradição nos termos da sentença.

Salvo o devido respeito não vislumbramos qualquer nulidade, nem a apelante consegue indicar qual o fundamento concreto que origina essa contradição. Muito menos que esta seja de tal forma ostensiva que gere a inteligibilidade da decisão. Basta dizer que a sentença analisa de forma precisa, e mais do que suficiente, os requisitos da obrigação de alimentos e concluiu de forma congruente com os factos apurados.

Logo inexiste qualquer nulidade.


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5. Motivação de facto

1) O Requerido BB nasceu em ../../2002.

2) BB é filho da Requerida e de CC.

3) Por sentença homologatória do acordo celebrado proferida em 20-11-2019, no processo de divórcio a que o presente incidente se encontra apenso foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao Requerido BB, tendo então sido fixada a residência deste junto do respetivo progenitor.

4) Nos termos dessa decisão foi fixada uma pensão de alimentos a pagar pela Requerente progenitora ao filho no montante mensal de €110,00, até ao dia 8 de cada mês.

5) Tal prestação ficou sujeito a atualização anual no montante de €1,50, com início em 2021.

6) Mais foi previsto que a mãe contribuirá ainda com metade das despesas de saúde extraordinárias e dos livros e material escolar, sendo as mesmas pagas no mês seguinte ao da apresentação do respetivo comprovativo.

7) A Requerente nasceu em ../../1961.

8) Quando o Requerido tinha 17 anos, o seu pai saiu da casa onde ambos viviam com a Requerente e o Requerido acompanhou-o.

9) O Requerido durante cerca de um ano após a separação dos pais continuou a frequentar a casa da sua mãe, onde mantinha o seu quarto, almoçava, lanchava e estudava lá, depois das aulas, e no fim do dia ia para casa do seu pai.

10) Na sequência da Requerente se ter queixado que o Requerido gastava muita energia elétrica em sua casa, o Requerido passou a frequentar menos a casa da mãe, indo lá ocasionalmente quando visitava a avó materna, que vivia no andar por baixo daquele em vive a Requerente

11) Posteriormente a progenitora desmontou o quarto do Requerido, tirando de lá os pertences deste.

12) Mais tarde a Requerente mudou a fechadura da porta da entrada que dava acesso à sua casa, tendo informado o filho que este só deveria ir a casa dela quanto esta estivesse em casa.

13) Nessa altura o Requerido deixou de frequentar a casa da Requerente.

14) Passou então a frequentar a casa dos seus tios maternos quando vinha da escola.

15) O Requerido mantinha uma relação próxima com a sua avó materna.

16) Quando a avó materna do Requerido faleceu, em fevereiro de 2022, a mãe não lhe comunicou o óbito, tendo sido os tidos do Requerido a fazê-lo.

17) No funeral da sua avó materna o Requerido não se aproximou da Requerente e não a cumprimentou, mantendo junto dos seus primos.

18) O Requerido é sócio da sociedade comercial “A..., Lda”.

19) A quota do Requerido na aludida sociedade, no valor de € 3.750,00, foi-lhe transmitida pela Requerente em 30.07.2021.

20) O progenitor do Requerido é sócio gerente da sociedade “A..., Lda”.

21) No ano de 2021 a sociedade “A..., Lda” apresentou prejuízos fiscais no montante de € 6.748,00.

22) A Requerente é auxiliar de ação médica.

23) A Requerente aufere uma remuneração mensal de € 820,00, acrescida do montante de € 100,00 referente a trabalho extra e noturno.

24) A Requerente apresenta as seguintes despesas mensais fixas: - renda de casa: € 255,00 -água/luz/gás: € 70,00 - alimentação: € 150,00 - vestuário/calçado: € 50,00 - transportes/passe: € 40,00 - medicação: € 30,00 – com animal doméstico: € 30,00 - INT, TV, TEL: € 44,00

25) A Requerente reside sozinha.

26) O Requerido reside com o seu pai e a mulher deste.

27) O progenitor do Requerido aufere a remuneração mensal de € 1.080,00 e a mulher deste aufere a remuneração mensal de € 720,00.

28) O agregado familiar do Requerido apresenta as seguintes despesas fixas: - renda de casa: € 400,00; - água/luz/gás: € 150,00; - alimentação: € 600,00; - vestuário/calçado: € 160,00; - combustível: € 120,00; - TV, TEL, INT: € 110,00; - mensalidade da faculdade do Requerido: € 395,00; - transportes/passe do Requerido: € 30,00.

29) No ano letivo de 2022/2023 o Requerido frequentou o 2º ano do curso de Educação Física e desporto na B..., C.R.L

30) Entre 02.08.2021 e 28.01.2022, o Requerido trabalhou para a sociedade C..., SA, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, auferindo à data da cessação do contrato o vencimento base mensal ilíquido de 385,00€.

31) A Requerente sofre com a falta de relacionamento com o filho.

32) O Requerido mostra-se magoado com as condutas da progenitora.

33) O Requerido comunicou à Requerente a sua entrada na faculdade.


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6. Motivação Jurídica

1. Da obrigação de alimentos

A obrigação de alimentos está regulada nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil e os critérios a que deve obedecer a sua fixação estão previstos no artigo 2004º do Código Civil que prescreve que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” (nº 1) e que “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência” (nº 2).

Nos termos do art. 1880º, do CC: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.

Esta norma, deriva “(d)a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios”.[1]

Ou seja, estes alimentos visam a educação, não a sobrevivência ou sustento dos filhos e por isso, a possibilidade dos pais terá de ser valorada de forma mais objectiva e menos restrita do que naquelas situações em que está em causa a fixação de uma prestação de alimentos a um menor incapaz, por qualquer meio, de prover à sua sobrevivência.

Nestes termos, o art. 1905º, nº2, do CC [2]actualmente dispõe que “2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Deste modo para que a obrigação continue basta apenas a demonstração:

a) da idade inferior a 25 anos

b) não conclusão da formação e continuação da mesma.

2.Das possibilidades económicas da apelante

Neste caso não está em causa sequer qualquer abandono saliente da frequência escolar, e é evidente que a apelante tem meios suficientes para prestar os alimentos.

Basta dizer que esta aufere 920,00 euros mensais e apresenta despesas mensais de 664 euros (incluindo alimentação, TV cabo, etc), pelo que poderá suportar o pagamento da pensão de alimentos do seu filho no valor de 110,00 euros (facto provado nº4).


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3. Dos rendimentos do apelado

É evidente que essa prestação pode cessar ou ser diminuída se o alimentante tiver meios próprios de subsistência.

Dos factos provados nada resulta.

Desde logo porque a prestação laboral do alimentado, durou apenas 6 meses (facto provado nº 30) e importou o pagamento da quantia ilíquida de 385 euros mensais.

Acresce que a quota social de que é detentor, pertence à sociedade que antes era do casal formado pelos seus pais e que, por ocasião, do seu divórcio, lhe foi entregue pela apelante sua mãe. Acresce que essa sociedade nem sequer obteve lucros, pelo que não pode ser considerada como um meio de sustento capaz de suprir a necessidade de alimentos.


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4. Do suposto abuso de direito

Por fim, parece a apelante esquecer que o abuso de direito nos termos do art. 334º, do CC terá de ser manifesto, ostensivo, claro, evidente. Ora, a prestação por alguns meses de uma forma de trabalho precário, com uma remuneração inferior a metade do salário mínimo nacional não pode ser qualificada nesses termos.


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5. Da (i)razoabilidade da prestação de alimentos

A questão da cessação da obrigação de alimentos pelo comportamento do alimentado tem vindo a ser cada vez mais debatido na jurisprudência.

O art. 1880º, do CC determina que a obrigação de alimentos só subsiste “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento”.

Neste caso não está em causa o insucesso escolar[3], mas sim a violação do dever de respeito.

Sendo que, em termos gerais, “a razoabilidade a que se refere o art.º 1880.º do Código Civil deve ser interpretada, de forma teleológica, isto é, tendo em conta a salvaguarda dos interesses visados pelo legislador”.

Ora, este quis salvaguardar de forma ampla a formação escolar do alimentado e por isso, dever-se-á ser mais exigente e rigoroso na qualificação da situação concreta como sendo suficiente para desencadear a inexigibilidade da obrigação.


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6. Do conteúdo do dever de respeito

Em termos legais teremos de salientar que nos termos do art. 1874º, do CC “os Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”.

Etimológicamente respeito significa apreço, consideração, deferência ou acatamento, obediência, submissão[4].

Nessa segunda vertente, parece evidente que, por maioria de razão, entre dois entes adultos, não pode ser interpretado de forma literal, total ou absoluta.

Com efeito, decorre do art. 1878º, nº2, do CC que “2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida”.

Deste modo, e antes demais, parece que o respeito que a progenitora pode exigir juridicamente do seu filho não é o respeito vazio de este a cumprimentar formalmente em publico, mas o material de ter com ela com uma relação filial, isto é franca, aberta e real na qual seja criado um espaço de comunicação e ajuda.

Acresce que está em causa o confronto entre dois deveres de natureza distinta, um patrimonial e outro moral com relevância jurídica.

Conforme se refere no Ac. da RE de 22/3/2007, Proc. n.º 86/07-3 "o legislador de 1977, tal como claramente exprimiu, pretendeu, manifestamente, abandonar os efeitos taxativos diretos de uma condenação penal, para introduzir uma ideia mais vasta e genérica de violação grave e genérica dos deveres (éticos) para com o obrigado".

Nos mesmos termos o Ac do S.T.J, de 15/12/2005, Proc. n.º 05B4101, considerou que  "o dever recíproco de respeito a que alude o artigo 1874º nº 1, do Código Civil reporta-se à consideração pela vida, integridade fisica e moral, e o conceito de violação grave pelo credor de alimentos dos seus deveres para com o obrigado, a que se reporta o artigo 2013~ n" 1, alínea c), do Código Civil, deve ser prudencialmente densificado sem olvido do sentido mais restritivo do seu antecedente histórico e das atuais circunstâncias do modo de ser da vida familiar" .

Podemos, assim concluir que a violação desse dever ocorrerá quando[5]:

a) O filho ofenda gravemente direitos de personalidade do progenitor;

b) e/ou incumpre deveres elementares de respeito exigíveis numa relação de filiação.

Isto, porque o progenitor/devedor tem o direito, nos termos do artigo 70.º do CC, de ser preservado de qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

6. Dos exemplos tipo

Casuisticamente foram assinalados como ofensivos dos direitos de um progenitor, por parte de um filho, os seguintes comportamentos[6]:

i. a falta de resposta do filho aos seus contactos, quer pessoalmente, quer através de outros canais de comunicação;

ii. o facto de o filho bloquear o progenitor nas redes sociais;

iii. a falta de conhecimento pelo progenitor do número de telefone do filho;

iv. a falta de informação do progenitor relativamente à saúde e educação do filho;

v. a recusa sistemática do filho em estar ou falar com o progenitor;

vi. a ausência de interesse por parte do filho relativamente a tudo o que se relacione com o seu progenitor.

Teremos, porém, de notar que todos esses comportamentos pressupõem uma atitude unilateral do alimentado, que não seja possível de justificação social através do comportamento do progenitor.

Com efeito, nas relações humanas é muito fácil exigir respeito, mas este, pressupõe e exige uma atitude, também conforme com o mesmo dever que é recíproco.

Sendo que, como salienta, o Ac da RL de 13.23, nº 3755/18.2T8BRR-B.L1-6  (Adeodato Brotas) “Para que o requerido pudesse ficar desonerado do seu dever de prestar alimentos à filha, teria de verificar-se uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, não preenchendo o conceito de violação grave do dever de respeito a circunstância de a filha, actualmente maior, ter deixado de falar com o pai”.

Porque, “a ideia de razoabilidade não abrange a possibilidade de o devedor invocar, para se desonerar da obrigação, desentendimentos e conflitos com os filhos normais entre gerações diferentes ou um corte de relações da iniciativa dos filhos”[7].

 E, só uma inobservância qualificada – que revista gravidade objectiva – desses deveres poderá constituir causa de cessação da obrigação de alimentos.”[8].

Densificado o sentido restrito a aplicar ao requisito legal, resta abordar o caso concreto.


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7. Do caso concreto

Neste caso está demonstrado que:

● Quando o Requerido tinha 17 anos, o seu pai saiu da casa onde ambos viviam com a Requerente e o Requerido acompanhou-o.

● O Requerido durante cerca de um ano após a separação dos pais continuou a frequentar a casa da sua mãe, onde mantinha o seu quarto, almoçava, lanchava e estudava lá, depois das aulas, e no fim do dia ia para casa do seu pai.

● Na sequência da Requerente se ter queixado que o Requerido gastava muita energia elétrica em sua casa, o Requerido passou a frequentar menos a casa da mãe, indo lá ocasionalmente quando visitava a avó materna, que vivia no andar por baixo daquele em vive a Requerente

● Posteriormente a progenitora desmontou o quarto do Requerido, tirando de lá os pertences deste.

● Mais tarde a Requerente mudou a fechadura da porta da entrada que dava acesso à sua casa, tendo informado o filho que este só deveria ir a casa dela quanto esta estivesse em casa.

● Nessa altura o Requerido deixou de frequentar a casa da Requerente.

● O Requerido mantinha uma relação próxima com a sua avó materna.

● Quando a avó materna do Requerido faleceu, em fevereiro de 2022, a mãe não lhe comunicou o óbito, tendo sido os tios do Requerido a fazê-lo.

● No funeral da sua avó materna o Requerido não se aproximou da Requerente e não a cumprimentou, mantendo junto dos seus primos.

Destes factos resulta que, a primeira falta de respeito que inviabilizou a relação filial foi efectuada pela inicialmente pela progenitora e, não, pelo alimentado. Este apesar de livremente ter optado por ir viver com o seu pai durante um ano visitou a sua mãe mantendo os laços com esta.

Depois, essas visitas diminuíram até que a progenitora decidiu então impedir o acesso do filho à sua casa e ao seu quarto de criança/adolescente que desmantelou.

Logo, parece fácil concluir que quem violou, em primeiro lugar, o dever de respeito foi a mãe/autora/apelante.

Acresce que, aquilo que pelos vistos tanto ofendeu a apelante (que o filho não a tivesse cumprimentado no funeral da avó materna), foi uma reação (pouco adulta e sensata) ao facto desagradável de nada lhe ter sido comunicado sobre essa morte.

Conforme já referimos esta secção já abordou a questão no Ac da RP de 7.3.24, nº Processo: 5641/15.9T8MTS-G (Paulo Duarte Teixeira), tendo aí considerado que o comportamento concreto do alimentado era de tal forma grave que permitia preencher a razoabilidade social e jurídica.

Mas, teremos de notar a abissal diferença desse caso com o presente.

Naquele, o progenitor sofria de uma doença grave, teve uma filha de outra relação e a alimentada recusou-se, de forma regular e insistente, em visitar o seu pai e meia-irmã recém nascida, declarando publicamente nas redes sociais que o seu verdadeiro pai era o companheiro da sua mãe.

Neste, como vimos, existem queixas recíprocas entre a mãe e o filho, sendo que esta terá iniciado a confrontação ao impedir o seu filho de livremente aceder à sua casa, quando a procurava visitar, nomeadamente “desmantelando” o quarto que sempre foi deste nessa habitação e mudando a fechadura.

Daí, resulta, pois, que a atitude do alimentado, não é por certo a mais adulta, nem sensata, mas não se pode qualificar como unilateral, isolada e completamente injustificada.

Na verdade, estamos perante uma relação que não é igualitária, e na qual as duas partes têm deveres, qualidades e estatutos diferentes.

A parte vulnerável é ainda o jovem adulto que, por estar em período de formação precisa de alimentos.

A parte estruturada, adulta e que por isso deve dar o exemplo de um comportamento conforme com a boa fé e normas sociais é a mãe.

Ora, impedir o seu filho de a visitar desmantelando o seu quarto e mudar a fechadura foi uma forma bem directa e pouco subtil de afirmar que não era bem-vindo, ou, dito de outra forma, seria bem-vindo apenas nas condições e limites por si impostos que apelaram a uma forma de obediência pouco afectuosa.

Como tal, podemos concluir, usando a similitude com a relação obrigacional complexa que:

a) o apelado violou a sua obrigação de cumprimentar e visitar a sua mãe;

b) mas esses incumprimento foi justificado pela violação desta dos seus deveres principais (mudar a fechadura de acesso á casa de ambos); laterais (impedir a utilização do seu antigo quarto), e acessórios (informar o falecimento da avó materna).

8. Conclusão

Podemos, portanto, concluir, neste quadro de incumprimento bilateral imputável aos dois entes da relação jurídica que o incumprimento do filho é menos grave em termos afectivos; ocorreu cronologicamente após a primeira atitude grave da sua mãe, e por isso não pode, em concreto justificar a inexigibilidade da obrigação de alimentos.

Porque, usando o aresto citado de forma parcial, pela apelante nas suas alegações, afinal: “o facto da filha e progenitor não se relacionaram, sem que esteja sequer determinado que tal situação é exclusivamente imputável à filha, não permite concluir que há uma falta de respeito da parte desta para com o seu progenitor e não torna, só por si, desrazoável a manutenção de tal obrigação por parte deste último”[9].


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7. Deliberação

Pelo exposto, este tribunal julga a presente apelação não provida e, por via disso, confirma a decisão recorrida.


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Custas a cargo da apelante porque decaiu inteiramente.

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Porto, 4.7.2024
Paulo Duarte Teixeira
Isabel Peixoto Pereira
Ana Luísa Loureiro
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[1] MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, pág. 373.
[2] Considerando que essa norma é meramente interpretativa e por isso aplicável às situações, como a presente, em que a prestação estava já fixada: Ac do STJ de 8.2.18, nº 1092/16.6T8LMG.C1.S1 (Casanova), e Ac da RP de 6.3.17, nº 632/14.0T8VNG.P1 (Miguel Baldaia), posição que subscrevemos.
[3] Ac do STJ de 6.7.23, nº 108/17.3T8VCD-G.P3.S1 (Fernando Baptista); Ac. do TRE de 11/06/2015 e Ac. do TRP de 14/02/2006, ver ainda: Diana Gomes Rodrigues Mano, A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade, EDM; e Maria Inês Pereira da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação, UCP.
[4] in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/respeito
[5] Esta secção abordou já a questão no Ac da RP de 7.3.24, nº Processo: 5641/15.9T8MTS-G (Paulo Duarte Teixeira), do mesmo relator que nesta parte seguimos de perto.
[6] Carla Francisco, OS ALIMENTOS A FILHOS MAIORES EM SEDE DE TRIBUNAL, ebook CEJ, 958. Maria de Deus Correia, A PROPÓSITO DOS ALIMENTOS A FILHOS MAIORES, ebook CEJ. Maria Da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, tese mestrado UCP, acedida online.
[7] Clara Sottomayor (Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais nos casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 499.
[8] Rute Teixeira Pedro, CC anotado, coord. Ana Prata, Vol. II, pág. 921 e segs.
[9] Ac da RC de 21.5.19, nº 279/07, (Luís Cravo).