Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL DANO BIOLÓGICO DANO NÃO PATRIMONIAL | ||
Nº do Documento: | RP202407101481/16.6T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Sucedendo que um dano seja simultaneamente resultante da violação de um direito de crédito e de um direito absoluto entramos na questão de saber se existe um concurso entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, questão que, salvo raras exceções, terá de ser respondida negativamente, porquanto o ressarcimento deve ser efetuado em conformidade às regras que regulam a responsabilidade civil contratual – dado que entre os dois tipos de responsabilidade civil existe um concurso aparente, legal ou de normas, pois o regime da contratual consome o da extracontratual (princípio da consunção). II – Não consideramos o dano biológico um tertium genus para lá da dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial, pois que uma afetação da completa integridade bio-psíquica (diminuição da capacidade funcional) poderá, consoante as circunstâncias de cada caso (idade, profissão, tipo de afetação sofrida), ter uma repercussão com um pendor mais patrimonial ou mais não patrimonial – de todo o modo, terá de se tratar de um dano que mereça a tutela do Direito, entendendo nós que, em qualquer dos casos, os juízos de equidade, em conformidade ao disposto nos artigos 562.º a 564.º e 566.º, n.º 3, do C.C., permitirão a determinação do justo quantum do ressarcimento (e não já locupletamento…). III – A fixação do montante de compensação por dano não patrimonial emergente da lesão da integridade física e da saúde, esta enquanto o completo bem-estar físico, mental e social, não pode quedar-se pela afirmação dos princípios legais mas interpretados de forma miserabilista ou simbólica; a compensação tem de ter um valor que efetivamente permita à vítima adquirir o que lhe dê prazer e a satisfaça, um verdadeiro lenitivo. IV – De entre os diferentes critérios a ter em conta na fixação da compensação, o decurso do tempo entre o evento lesivo e a determinação judicial da compensação não pode ser ignorado, porque o tempo é, em si mesmo, um facto juridicamente relevante. V – Considera-se adequado o montante compensatório de 20000 Euros num caso em que, por negligência médica (imperícia), a agulha para administrar a anestesia para o procedimento odontológico partiu e ficou alojada no trígono retromolar, ainda que o paciente por tal não tenha ficado com qualquer diminuição funcional. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 1481/16.6T8PVZ.P1 SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.): ……………………………… ……………………………… ……………………………… - Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendoRelator: Jorge Martins Ribeiro; 1.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais e 2.ª Adjunta: Ababela Mendes Morais. ACÓRDÃO I – RELATÓRIO([1]) Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, com processo comum, fundada em responsabilidade civil, é autor (A.) AA, titular do N.I.F. ......, e são réus (RR.) “A..., S.A.”, titular do N.I.F. ......, BB, titular do N.I.F. ......, e “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, titular do N.I.F. ...; a “C... – Companhia de Seguros, S.A.”, titular do N.I.F. ......, é interveniente acessória. - Procedemos agora a uma síntese([2]) do processado relevante para o objeto do presente recurso; assim, e lançando mão da síntese efetuada na sentença recorrida: A) O A. interpôs a presente ação aos 18/11/2016, reportando-se a factos ocorridos no dia 09/12/2015. A.1) O A. pediu “a condenação solidária dos Réus a indemnizá-lo pela quantia global de € 112.853,68 e no que se liquidar «em execução de sentença na parte do pedido que não é passível no momento de liquidação» e nos juros legais a partir da citação”. A.2) Alegou, para tal, que “recorria, quando necessário, aos serviços da Hospital... para consultas de várias especialidades, entre as quais, de medicina dentária, disponibilizando aquela aos utentes vários dentistas, entre os quais o Réu, com o qual se submeteu a algumas consultas e tratamentos dentários; a 9 de Dezembro de 2015 dirigiu-se à Hospital... para uma consulta de medicina dentária por sentir uma «moedeira» na arcada dentária inferior, sendo atendido pelo Réu que lhe disse que tinha de tratar um dente; foi-se apercebendo que o tratamento estava a demorar mais do que era costume e que ao fim de algum tempo, o Réu evidenciava apreensão e preocupação agindo como se algo estivesse a correr mal; terminada a intervenção, o Réu disse que lhe tinha tirado um dente mas que tinha corrido mal, porque ao dar a anestesia tinha partido a agulha, tinha feito tudo para a tirar, informou-o que a remoção tinha de ser feita noutra intervenção, medicou-o, com baixa médica de 26 dias e indicação para marcar consulta para uns dias depois; pela declaração médica ficou a saber que o Réu extraiu o dente 47 apesar de não ter informado, de ter diagnosticado uma pulpite aguda e não ter pedido exame prévio para aferir de tratamento restaurador; em 14 de Dezembro teve consulta da especialidade de cirurgia maxilo-facial, realizou ortopantomografia que demonstrou o alojamento da agulha no trígono retromolar direito; após reunião com a especialista e o Réu, a primeira medicou-o, disse que nada podia fazer por ser um caso de intervenção cirúrgica e que, quando a boca estivesse recuperada, tratariam de arranjar um cirurgião para o efeito; após várias deslocações à Hospital... para agilização da cirurgia, em 21 de Dezembro teve indicação para se deslocar ao Hospital 1... no dia seguinte, para consulta com o especialista Dr. CC, o qual o informou da necessidade de realização de cirurgia com anestesia geral, que ficou marcada para 19 de Janeiro de 2016; no entanto, a remoção da agulha não foi conseguida com a cirurgia e, em nova consulta a 25 de Janeiro, o referido médico disse-lhe que não faria outra tentativa por risco de lesões causadoras de sequelas, restando ficar em observação radiológica periódica e avisou-o que não poderia fazer ressonâncias magnéticas; consultou outro especialista para obter segunda opinião e, após realização de exames, apenas prescreveu a observação e controlo radiológico periódico, assim como fisioterapia por contraturas musculares. Por via da cirurgia ficou com dores permanentes, trismos, suturas em parte da mandíbula, grande edema na face, sem um dente com implicações a nível da função mastigatória, a tomar medicamentos e de baixa médica para o exercício das suas funções profissionais de rececionista na portaria da Escola Básica ...; andou mais de três meses com a boca permanentemente inflamada, dificuldade de mastigação só conseguindo ingerir líquidos e ficou com incontinência salivar e alterações de sensibilidade que lhe retirou a perceção da escorrência de líquidos pelos lábios, o que o envergonhava, deixando de comer à frente das pessoas e de frequentar cafés e restaurantes; perdeu o sentido gustativo, cansa-se a falar, a língua «enrola-se”» alterando-lhe o discurso, ficou com menor abertura bucal e limitações alimentares; entrou em processo depressivo, isolando-se; teve de deixar o posto de trabalho quando retomou a atividade, fazendo apenas vigilância exterior, mas não tem condições para trabalhar encontrando-se de baixa médica. Era um homem cheio de saúde, energia, capacidade de trabalho e gosto pela vida, fazia biscates de construção civil aos sábados, auferindo € 250/mês e cultivava um pequeno campo com legumes para o sustento do agregado familiar, que teve de abandonar e lhe causa prejuízos de € 5.000; jogava futebol de salão, que deixou por não poder ter atividades que impliquem esforço físico. Não consegue abstrair-se do risco de deslocação da agulha e de ser atingido o nervo mandibular ou órgão vital, ficou afetado de IPG de, pelo menos, 30%; liquidou a incapacidade de ganho em € 30.000, o dano biológico em € 55.000, os danos não patrimoniais em € 25.000, as deslocações € 896, portagens de € 150, em consultas, exames e medicamentos € 107,68 e prejuízo de € 1.700 decorrente da baixa. Por último, alegou que o Réu não agiu com a diligência e perícia profissional que era exigível, desconhecer se trabalha na Hospital... como prestador de serviços ou faz parte dos seus quadros e que a Ré seguradora outorgou com aquele contrato de seguro transferindo a responsabilidade civil profissional”. - B) O R. BB, médico dentista, apresentou a sua contestação aos 05/02/2017.B.1) O R. defendeu a improcedência da ação, com a inerente absolvição do pedido; pediu ainda a intervenção da seguradora “B..., S.A.” com quem tinha efetuado contrato de seguro, para a eventualidade de vir a ser condenado – o que viria a ser indeferido por esta ser já R. nos autos. B.2) Alegou para tal o seguinte: “na data em causa o Autor deu entrada no serviço de medicina dentária queixando-se de dores, diagnosticou-lhe pulpite aguda do dente 47, com indicação para extração por se encontrar cariado, com compromisso da raiz e não ter dente antagonista; informou-o do diagnóstico e procedimentos a seguir, iniciou os procedimentos tendentes ao tratamento, com de anestesia troncular para bloqueio do nervo alveolar inferior, pediu a abertura máxima da boca, colocou o indicador esquerdo no bordo anterior do ramo da mandíbula, paralelo e acima 1 cm do plano oclusal, identificou a rafe pterigomandibular, fez a punção a ¾ da distância do seu dedo à mais profunda da rafe com a carpule em diagonal no sentido dos pré-molares opostos, até tocar o osso, injetou um pouco do anestésico no trajeto, recuou aproximadamente 1 mm, administrou o anestésico lentamente e ao remover a carpule verificou que houvera fratura da agulha, que ainda era visível; tentou remove-la, sem sucesso, avisou o Autor do sucedido, medicou-o e alertou-o da necessidade de intervenção de médico especialista em cirurgia maxilo-facial para avaliação e remoção da agulha; considera que o procedimento de administração da anestesia foi bem executado, trata-se de um procedimento que realiza inúmeras vezes ao dia, há mais de dez anos, que comporta, referindo que a agulha podia ser deficiente ou padecer de qualquer anomalia não percetível na inspeção prévia que realizou, colocando como hipótese de o paciente contribuir para o resultado por não conseguir estar estático, por ser normal respiração engula saliva desencadeando um pequeno movimento; referiu que o material é encomendado e disponibilizado pela Ré A..., limitando-se a prestar a sua atividade”. - C) Aos 06/02/2017 a 3.ª R. (“B..., S.A.”), enquanto seguradora do R., apresentou a sua contestação, defendendo, igualmente, a improcedência dos autos.C.1) Para tal, alegou que “que o contrato de seguro que celebrou com o Réu é facultativo, tem como limite o capital de € 300.000 e de € 150.000 por sinistro e uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, invocando a sua ilegitimidade. Admitiu que o sinistro lhe foi participado pelo Réu, resultando de risco próprio da cirurgia podendo dever--se a defeito do material utilizado; deixou para o Réu a descrição do modo como se processou a cirurgia e as diligências subsequentes”. Além disso, questionou igualmente o nexo de causalidade entre o ato médico e as lesões alegadas pelo A., bem como destacou o facto de o A. ter admitido que tinha celebrado com a 1.ª R, “A..., S.A.” um contrato de prestação de serviço – sendo que entre tal R. e a ora contestante não existe qualquer vínculo contratual, frisou. - D) A 1.ª R., “A..., S.A.”, apresentou a sua contestação aos 09/02/2017, defendendo, também, a improcedência da ação.D.1) Alegou, para tal, que “a quebra da agulha é um risco do procedimento anestésico prévio a tratamento dentário, ainda que raro, foi um acidente, não tendo havido falha técnica suscetível de criar ou potenciar a sua ocorrência, o material anestésico utilizado era adequado e seguro, com certificação de qualidade, boas condições não tendo sido reportado qualquer defeito do mesmo; a permanência da agulha no trígono retromolar é inofensiva, indolor, assintomática e não acarreta qualquer risco para a vida ou sequer para a saúde do Autor; referiu que as incapacidades e danos alegados, a existirem, estão relacionados com acidente de trabalho sofrido em Setembro de 2014, pedindo a sua condenação como litigante de má fé. Acrescentou que em 9 de Dezembro de 2015 o Autor apresentou-se na consulta do Réu para dar continuidade a tratamentos iniciados em Agosto do ano anterior, estando ciente do mau estado da sua dentição e da consequente necessidade de extração de dentes com lesões extensas que não fosse possível desvitalizar ou restaurar; descreveu o diagnóstico e o procedimento seguido pelo Réu referindo que depois de este verificar que a agulha tinha partido tentou removê-la, sem sucesso, por prudência não prosseguiu com o tratamento de exodontia, avisou o Autor do acidente, deu-lhe indicações e medicação que considerou adequadas e referenciou-o para consulta da Dr. DD especialista em cirurgia maxilo-facial para a segunda feira seguinte, a qual avaliou a situação, realizou ortopantomografia para comprovar a localização da agulha e, como também não a conseguiu extrair e a localização era assintomática, não oferecendo preocupação ou risco para a saúde transmitiu essas informações ao Autor, que compreendeu e aceitou as explicações. Só tomou conhecimento da quebra da agulha após a referida consulta quando o Autor reclamou verbalmente da situação aos seus serviços administrativos pretendendo falar com além da Direção, mas a Diretora do Centro de Gestão responsável já não se encontrava e a situação foi tratada a partir do dia seguinte; questionado o Coordenador do Serviço de Medicina Dentária, o mesmo não tinha conhecimento e, pedidos esclarecimentos ao Réu, em 17 de Dezembro este enviou um relatório com a descrição sumária dos tratamentos dentários, tendo a referida Diretora contactado o Autor no dia seguinte sugerindo uma nova avaliação por um reputado especialista em cirurgia maxilo-facial no Hospital 1..., o que foi aceite pelo Autor, e diligenciou pelo agendamento da consulta informando-o para comparecer no dia 22 de Dezembro para consulta; o Dr. CC confirmou a presença da agulha no trígono retromolar direito, propôs cirurgia para a respetiva remoção, realizada a 19 de Janeiro de 2019, mas após dissecção parcial da mandíbula comprovou a presença na agulha no músculo pterigoideu direito, mas não foi conseguida a remoção por comportar risco de causar lesões neurológicas ou musculares deixando sequelas maiores do que deixar a agulha no local; no pós-operatório após ortopantomografia de controlo confirmou-se que a agulha se mantinha no mesmo local, o que foi confirmado nas sucessivas consultas realizadas em Janeiro, Fevereiro e Março, constatando o médico que as queixas apresentadas pelo Autor eram as habituais e próprias da cirurgia, passageiras e sem relevância, propondo tratamento analgésico e fisioterapia para acelerar a sua recuperação, dando—lhe [alta]([3]) em Março de 2016, sem necessidade de [controlo]([4]) radiológico; em Outubro de 2016 o Autor voltou à consulta com queixas álgicas, mas as mesmas não eram consonantes com o exame clínico e nada tinham a ver com a permanência da agulha no trígono retromolar. Quanto à sua relação com o Réu, referiu que, em 24 de Fevereiro de 2011, celebrou com D..., Ld.ª [da qual o R. é sócio, tal como o seu irmão]([5]) um contrato de prestação de serviços nos termos do qual esta se obrigou a prestar serviços médicos das especialidades de medicina dentária e cirurgia geral nas suas unidades de saúde de ... e ..., pagando-lhe uma percentagem dos valores que fatura aos clientes pelos serviços prestados [70% para a 1.ª R. e 30% para o R.]([6]), designadamente, pelo demandado, a quem fornece as instalações, os meios técnicos, os materiais e o apoio de assistente de medicina dentária para prestação da atividade no horário que lhe disponibiliza, para consultas e tratamentos. Para a hipótese de condenação no pagamento de indemnização ao Autor, requereu o incidente de intervenção acessória de C... – Companhia de Seguros, S.A. por ter com ela celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional e de exploração, que foi admitido”. - E) Aos 21/02/2017 o A. respondeu à contestação do R. e à da 1.ª R. E.1) O incidente de intervenção da seguradora da 1.ª R., “A... S.A.” (a “C... S.A.”), foi deferido por despacho de 13/03/2017. E.2) Aos 02/05/2017 a “C..., S.A.” apresentou o seu articulado de defesa, defendendo a improcedência da ação. - F) No dia 25/09/2017 foi realizada a audiência prévia; foi proferido o despacho saneador, enunciado o objeto do litígio, fixados os factos então já assentes e, por fim, foram enunciados os temas da prova.- G) Seguiram-se diferente momentos processais, que acabaram por também contribuírem para a duração dos autos.Assim (e exemplificativamente): G.1) Aos 04/10/2017 a “C..., S.A.” pediu uma perícia formulando 73 quesitos, sendo que aos 19/10/2017 a 3.ª R. propôs mais 3, tendo a perícia sido pedida ao I.N.M.L., por despacho de 18/10/2017. G.2) O I.N.M.L. apresentou um relatório aos 19/01/2018, algo insuficiente, dizemos, referindo a necessidade de o A. ser observado em cirurgia maxilo-facial (doravante, C.M.F.), o que, por força de despacho nesse sentido, viria a ser efetuado no Hospital 2... (doravante, Hospital 2...). G.3) O Hospital 2... enviou relatório, referindo algum “exagero” do A., mas sem responder aos quesitos, pelo que por despacho, de 06/06/2018, foi tal ordenado. G.4) No dia 30/07/2018 o Hospital 2... enviou uma resposta da qual resulta e, em suma: reiteração do antes informado, sugestão de exame do A. em psiquiatria e remissão para as respostas dos especialistas de C.M.F. G.4.1) Resultou ainda que a agulha em causa tinha a dimensão de 20mm. de comprimento por 0.3 mm. de espessura([7]); no dia 23/11/2018 enviou aos autos a resposta aos três quesitos da 3.ª R. e, no dia 14/12/2018, o relatório integral (pois antes tinha sido enviado um incompleto). G.4.2) Perante o antes referido, no dia 20/08/2019 o I.N.M.L. viria a enviar um novo relatório. G.4.2.1) Uma vez que no dia 07/09/2018 o A. tinha pedido informação complementar sobre casos, referidos na literatura, de migração (deslocação) de agulhas no corpo humano, no dia 23/11/2018 o Hospital 2... respondeu, ainda que de forma pouco conclusiva, resultado que, não obstante o reporte de casos na literatura, será uma realidade ínfima([8])… G.4.2.2) Na prática, o relatório do I.N.M.L. antes referido viria a ficar como que “sem efeito”, pois não teve mais desenvolvimentos, a não ser o envio, aos 06/01/2020, do relatório de perícia psiquiátrica: deste, e novamente em suma, o que resultou foi que o A. é normal, sem psicopatologia, sem depressão e que não apresenta perturbação pós-traumática em nexo de causalidade com o evento (agulha alojada). G.5) Perante tudo isto que vimos referindo, neste item G), nos dias 07/07/2020 e 07/09/2020 foram proferidos despachos a solicitar consulta técnico-científica ao I.N.M.L., tendo sido enviado um relatório, aos 02/12/2020, que pouco ou nada, dizemos, acrescentou ao que constava já dos autos… H) A audiência de discussão e julgamento foi designada por despacho de 23/04/2021. H.1) Seguiram-se muitas vicissitudes processuais como, por exemplo, dado o grande número de intervenientes (advogados, peritos, testemunhas), impedimentos para datas sugeridas, lapsos em convocatórias, intercorrência da pandemia Covid, entre outros. H.2) Entre depoimentos de parte, peritos e testemunhas foram ouvidas 22 pessoas, sendo que ao longo das sessões de julgamento houve consecutivos despachos a solicitar elementos probatórios pedidos pelas partes…, o que acabou por protelar também o andamento processual. H.3) As 8 sessões da audiência de discussão e julgamento decorreram nas seguintes datas: 24/09/2021, 26/10/2021, 29/10/2021, 10/12/2021, 21/01/2022, 16/02/2022, 01/04/2022 e 27/05/2022. H.4) Ao longo do julgamento, entre outros, foram juntos aos autos os seguintes documentos: H.4.1) Dia 23/11/2021: participação do sinistro pela 1.ª R. à sua seguradora, no dia 28/09/2016. H.4.2) Dia 28/12/2021, informação clínica da médica de família do A. H.4.3) Dia 29/12/2021 (complementada depois aos 13/04/2022), documentação clínica de medicina dentária respeitante ao A., por parte da “Hospital 5...”. H.4.4) Dia 06/01/2022 (complementada depois aos 28/04/2022), documentação clínica de medicina dentária respeitante ao A. por parte do “Hospital 3...”. H.4.5) Dia 01/04/2022 a 1.ª R. juntou parecer([9]) de análise de risco em o A. (por ter a agulha na mandíbula, ao lado direito), futuramente, poder, ou não, fazer ressonância magnética enquanto meio auxiliar de diagnóstico (M.A.D.) que é (resultando que, em geral, não está e, como qualquer M.A.D. o médico avalia sempre em cada caso a relação custo-benefício). H.4.6) Dia 27/05/2022 o relatório do perito da 3.ª R., EE([10]), envidado por aquele a esta e que referiu no seu depoimento – tendo a junção sido ordenada pelo tribunal por a testemunha ter considerado não lhe pertencer mas sim à 3.º R.. Deste relatório resulta que a agulha tem 21mm. por 0.4 m., tendo havido um lapso de escrita que foi debatido (pois do relatório constava o dente n.º 22 quando no evento em questão a intervenção seria ao dente n.º 47). H.5) Por acordo, as alegações foram apresentadas por escrito. H.5.1) Aos 14/10/2022, as do A. H.5.2) Aos 21/10/2022, as do R. H.5.3) Aos 25/10/2022, as da 3.ª R. - I) A sentença([11]), objeto de recurso, foi proferida aos 04/09/2023.Do dispositivo da mesma consta o seguinte: “Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente: A) condena a Ré A..., S.A. a pagar ao Autor AA o seguinte: a) a quantia de € 182,38 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais relativos a despesas de deslocação, consultas, exames e medicamentos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 23 de Novembro de 2016 até integral e efetivo cumprimento; b) o que vier a ser apurado em incidente de liquidação relativamente às perdas salariais durante o período de doença entre 21 de Dezembro de 2015 e 18 de Janeiro de 2016, aos custos identificados no ponto 82) da fundamentação de facto e às portagens de seis viagens entre o domicílio do Autor e o Hospital 1... e vice-versa; c) a quantia de € 10.000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento; d) o que vier a ser apurado em incidente de liquidação a título de danos não patrimoniais, na hipótese de, após realização da diligência identificada no ponto 85) da fundamentação de facto, resultar que o Autor não pode ser submetido a exames de ressonância magnética. B) em consequência da condenação em A), absolve do pedido os Réus BB e B... – Companhia de Seguros, S.A. dos pedidos formulados pelo Autor; C) julga improcedentes os incidentes de litigância de má fé suscitados pela Ré A... e pelo Autor. Custas a cargo do Autor e da Ré A... na proporção de 9/10 e 1/10, respetivamente. Registe e notifique”. - J) As alegações de recurso do A. deram entrada em juízo aos 18/10/2023.Das mesmas constam as seguintes conclusões([12]): (…) - K) No dia 04/12/2023 a 3.ª R. respondeu ao recurso do A., formulando as seguintes conclusões([13]):(…) - L) O requerimento de interposição de recurso foi corretamente admitido por despacho proferido aos 05/01/2024.- O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. - As questões (e não razões ou argumentos) a decidir são se a decisão da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo deve ser alterada e, em qualquer caso, se o decidido deve ser alterado, mormente a quantia de indemnização por danos patrimoniais e a de compensação por danos não patrimoniais.Assim, e em termos factuais: 1) Se os factos que foram considerados não provados nas alíneas n) e r) devem agora serem considerados provados. 2) Se dos factos provados deve ser eliminado o n.º 103. 3) Se deve ser alterada a redação do facto não provado v) e do facto provado n.º 117. Em termos jurídicos: A) Se por facto ilícito praticado pelo R. deve a sua seguradora, a 3.ª R., ser condenada solidariamente com a 1.ª R., no âmbito de concurso efetivo (não meramente aparente, por força da consunção) entre responsabilidade civil contratual e extracontratual. B) Se o A. padece de diminuição funcional enquadrável no âmbito do dano biológico. C) Se se justifica a realização de exame futuro atinente a determinar se o A. pode, ou não, ser sujeito a uma ressonância magnética, no âmbito da decisão de relegar para execução de sentença a liquidação da compensação por tal eventual dano não patrimonial. D) Se a quantia compensatória, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., fixada pelo tribunal a quo se mostra adequada. II – FUNDAMENTAÇÃO Os factos provados e não provados relevantes para a decisão tal como decidido na sentença sob recurso (cujo teor integral damos por reproduzido)([14]): Factos provados: 1. O Autor nasceu a 4 de Fevereiro de 1961 [resposta ao artigo 1º da petição inicial]. 2. A Ré A... mantém aberto um estabelecimento hospitalar onde presta serviços clínicos, designadamente, de medicina hospitalar à data sob a denominação “Hospital...” e atualmente Hospital 4... – ... [resposta ao artigo 93º da petição inicial]. 3. No ano de 2014 o Autor foi assistido na Hospital... em uma consulta de clínica geral, seis consultas de ortopedia e uma consulta de oftalmologia [resposta ao artigo 2º da petição inicial]. 4. A Hospital... disponibilizava aos utentes dos seus serviços para a área de medicina dentária, vários dentistas, entre os quais o segundo Réu [resposta ao artigo 3º da petição inicial]. 5. No ano de 2014 o Autor recorreu à consulta do segundo Réu, no Hospital referido em 4), tendo sido submetido a tratamentos de endodontia do dente 22 (18 de Agosto, 9 de Setembro), com restauração dos meios retentivos (16 de Setembro), exodontia, com sutura, das raízes do dente 26 (1 de Setembro), dos dentes 27 (1 de Setembro) e 24 (3 de Novembro), bem como extração de quisto dentário detetado neste último (3 de Novembro) [resposta aos artigos 4º da petição inicial, 34º, 35º da contestação da Ré A...]. 6. Em 11 de Maio de 2015, em consulta do segundo Réu, o Autor foi submetido tratamento de exodontia, com sutura, do dente 16 [resposta aos artigos 5º da petição inicial, 34º, 35º da contestação da Ré A...]. 7. No dia 9 de Dezembro de 2015 o Autor dirigiu-se à Hospital... para a consulta de medicina dentária por sentir dores num dente da arcada inferior, o anterior ao dente do siso direito, tendo sido atendido pelo Réu [resposta aos artigos 6º da petição inicial, 3º da contestação do Réu]. 8. Na data referida em 7) o Autor estava ciente do mau estado da sua dentição e da consequente necessidade de extrair dentes com lesões extensas quando não era possível a sua desvitalização ou restauração, a fim de os manter [resposta ao artigo 36º da contestação da Ré A...]. 9. As dores referidas em 7) eram compatíveis com a existência de uma cárie extensa causadora de pulpite aguda que afetava o dente 47 [resposta ao artigo 37º da contestação da Ré A...]. 10. A pulpite é uma inflamação dolorosa da polpa dentária que é a parte mais interna do dente que contém os nervos e os vasos sanguíneos responsáveis pela vitalidade do dente [resposta ao artigo 38º da contestação da Ré A...]. 11. A pulpite aguda é considerada uma situação de emergência pela dor intensa que provoca [resposta ao artigo 39º da contestação da primeira Ré]. 12. A cárie dentária é a causa mais comum de pulpite [resposta ao artigo 40º da contestação da primeira Ré]. 13. A cárie dentária é uma doença infeciosa de origem bacteriana que, não sendo tratada adequadamente, nomeadamente, por exodontia, pode progredir, alastrar aos tecidos moles adjacentes da boca ou a outras estruturas da face, da cabeça, entre outras, e dar origem a complicações graves, de-signadamente, infeções [resposta ao artigo 41º da contestação da Ré A...]. 14. O segundo Réu identificou a pulpite aguda do dente 47 e a necessidade de tratamento por exondontia (extração) por se encontrar com cárie extensa, não ter dente antagonista e, por isso, sem função mastigatória [resposta ao artigo 44º da contestação da Ré A..., 4º, 33º da contestação do Réu]. 15. Após informar o Autor e obter a sua concordância, o Réu iniciou os procedimentos tendentes ao tratamento [resposta ao artigo 5º da contestação do Réu]. 16. Segundo procedimento habitual, o tratamento foi iniciado com a administração de anestesia troncular para bloqueio do nervo alveolar inferior, prévia quer à extração, quer à desvitalização [resposta aos artigos 45º da contestação da primeira Ré, 6º, 16º, 34º da contestação do Réu]. 17. O tratamento da pulpite aguda consiste, habitualmente, em desvitalização [resposta ao artigo 11º da petição inicial]. 18. O Réu não pediu exame radiográfico prévio para aferir da remoção da cárie e tratamento restaurador [resposta ao artigo 12º da petição inicial]. 19. A técnica anestésica foi efetuada da seguinte forma: a) o segundo Réu pediu abertura máxima da boca ao Autor; b) após, colocou o dedo indicador esquerdo no bordo anterior do ramo da mandíbula, paralelo e acima, aproximadamente, 1 cm do plano oclusal; c) de seguida, identificou a rafe pterigomandibular e fez a punção a 1/3 da distância do seu dedo à parte mais profunda da rafe com a carpule em diagonal no sentido do pré-molares opostos; d) a punção foi feita até tocar no osso, injetando um pouco de anestésico no trajeto; e) após, recuou aproximadamente 1 mm e administrou o anestésico lentamente; f) o Réu pressionou excessivamente a carpule [resposta aos artigos 98º da petição inicial, 7º a 12º da contestação do Réu, 46º, 47º da contestação da Ré A...]. 20. O procedimento referido em 19) a) a e) corresponde à técnica correta [resposta ao artigo 48º da contestação da Ré A..., 18º da contestação do Réu]. 21. O Réu executa o procedimento de anestesia troncular, por rotina, quase diariamente, ao longo de 10 anos, com sucesso [resposta aos artigos 19º, 30º da contestação do Réu, 49º da contestação da Ré A...]. 22. O objetivo da anestesia correspondia ao bloqueio do nervo alveolar inferior, que foi conseguido [resposta ao artigo 50º da contestação da Ré A...]. 23. Após administrar a anestesia, o Réu retirou a seringa carpule e constatou que a agulha (nova e descartável) tinha partido [resposta aos artigos 11º da contestação do Réu, 51º da contestação da Ré A...]. 24. Perante tal, como a agulha era visível, o Réu tentou removê-la, mas não conseguiu [resposta aos artigos 12º da contestação do Réu, 52º da contestação da Ré A...]. 25. Prosseguindo na tentativa de remoção, o Réu fez incisão na gengiva do Autor explorando com uma pinça hemostática a fim de a extrair por tração através do orifício de entrada, sem sucesso [resposta ao artigo 28º da petição inicial]. 26. Quando deu por terminada a intervenção, após sutura da incisão, o segundo Réu explicou ao Autor que, ao dar a anestesia, a agulha partira, já tinha feito tudo para a tirar e não podia prosseguir [resposta aos artigos 9º da petição inicial, 53º da contestação da Ré]. 27. A quebra da agulha está descrita na literatura médica como um dos riscos da anestesia local odontológica, embora considerado raro [resposta ao artigo 55º da contestação da Ré A...]. 28. O local mais frequente da ocorrência é na injeção a nível mandibular, mais especificamente, na anestesia do nervo alveolar inferior [resposta ao artigo 55º da contestação da Ré A...]. 29. Segundo a literatura médica a quebra da agulha pode estar associado à qualidade do material, à técnica anestésica ou a movimentos bruscos inesperados do paciente [resposta ao artigo 57º da contestação da Ré A...]. 30. As boas práticas recomendam que, perante a fratura da agulha, se tente extraí-la de imediato, se informe o paciente do sucedido e, na impossibilidade da sua remoção, se referencie o paciente para um Hospital para avaliação e decisão se convém ou não extraí-la [resposta ao artigo 58º da contestação da Ré A...]. 31. O segundo Réu medicou o Autor e referenciou-o para consulta com a Dr.ª DD, médica especialista em medicina maxilo-facial com vista à remoção da aguda, que agendou para 14 de Dezembro seguinte [resposta aos artigos 9º da petição inicial, 31º da contestação do Réu, 54º, 66º da contestação da Ré A...]. 32. Naquela ocasião a consulta de cirurgia maxilo-facial da Dr.ª DD ocorria uma vez por mês às segundas feiras [resposta ao artigo 64º da contestação da Ré A...]. 33. Na data referida em 31) a especialista prescreveu uma ortopantomografia para ver onde a agulha se encontrava alojada [resposta aos artigos 13º da petição inicial, 67º da contestação da Ré A...]. 34. A ortopantomografia demonstrou que a agulha estava alojada no trígono retromolar direito – região anatómica da mandíbula localizada atrás do último molar, onde habitualmente se encontram os dentes do siso – entre a gengiva e o músculo [resposta aos artigos 14º da petição inicial, 68º da con-testação da Ré A...]. 35. A Dr.ª DD também não conseguiu retirar a agulha, o que comunicou ao Autor referindo-lhe que a sua localização não atingia nervos e que era normalmente assintomática, não havendo indicação para a sua remoção cirúrgica e medicou-o [resposta ao artigo 15º da petição inicial, 69º da contestação da Ré A...]. 36. O Autor receava que a agulha pudesse deslocar-se e alojar-se no cérebro ou no coração e viesse a provocar-lhe a morte [resposta ao artigo 20º da petição inicial]. 37. Devido ao receio referido em 36) o Autor sentia-se em pânico, não conseguia dormir, limitava a abertura da boca e passou a evitar esforços físicos [resposta aos artigos 16º, 21º da petição inicial]. 38. Por pretender a remoção da agulha, em 17 de Dezembro de 2015, pelas 20h00/20h30, o Autor dirigiu-se à Hospital... para falar com alguém da Direção [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 89º, 90º, 91º da contestação da Ré A...]. 39. No momento referido em 38), foi atendido pela chefe de turno administrativa D. FF [resposta ao artigo 91º da contestação da Ré A...]. 40. Naquele horário, a Diretora do Centro de Gestão responsável pelo serviço de medicina dentária, Dr.ª GG, já não se encontrava na Hospital... [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 92º da contestação da Ré A...]. 41. Tendo em vista inteirar-se da situação, no dia seguinte, a Dr.ª GG reuniu com o Coordenador do serviço de medicina dentária, Dr. HH e com o Réu [resposta aos artigos 93º, 94º, 95º da contestação da Ré A...]. 42. Na sequência da reunião, o Réu elaborou um relatório clínico com a descrição sumária dos tratamentos dentários que tinha efetuado ao Autor [resposta ao artigo 95º da contestação da Ré A...]. 43. Subsequentemente, a Dr.ª GG reuniu com o Autor propondo nova avaliação por um reputado especialista de cirurgia maxilo facial, Dr. CC, o que aquele aceitou [resposta aos artigos 96º, 97º da petição inicial]. 44. Após contacto para marcação da referida avaliação, a Ré A... informou o Autor, telefonicamente, que devia apresentar-se, no dia 22 de Dezembro de 2015, no Hospital 1..., para ser consultado pelo referido cirurgião maxilo-facial [resposta aos artigos 23º da petição inicial, 98º da contestação da Ré A...]. 45. O Réu informou o Autor que tinha um seguro de responsabilidade civil e que já havia participado à seguradora [resposta ao artigo 24º da petição inicial]. 46. Após observar o Autor, o Dr. CC confirmou a presença da agulha no trígono retromolar direito e informou-o que para remoção da agulha tinha de o submeter a uma cirurgia com anestesia geral, a qual ficou agendada para 19 de Janeiro de 2016 [resposta aos artigos 25º da petição inicial, 101º da contestação da Ré A...]. 47. Na data referida em 46), o Dr. CC realizou cirurgia que consistiu na dissecação do músculo da mandíbula e identificou os nervos lingual e dentário inferior [resposta aos artigos 30º da petição inicial, 102º, 103º da contestação da Ré A...]. 48. A dissecação referida em 47) permitiu comprovar localmente a agulha no músculo pterigoideu direito [resposta ao artigo 104º da contestação da Ré A...]. 49. A intervenção correu bem, sem registo de intercorrências ou complicações, mas não foi conseguida a remoção da agulha, uma vez que a manobra apresentava um risco sério de causar lesões nos nervos referidos em 47) e deixar sequelas, designadamente, de perda de sensibilidade e parestesia no lábio inferior, dos dentes inferiores e laterais [resposta ao artigo 30º da petição inicial]. 50. Quando soube que o médico não conseguira remover a agulha o Autor ficou em estado de choque, revoltado e angustiado [resposta ao artigo 27º da petição inicial]. 51. Devido à cirurgia o Autor ficou com edema na boca, gengiva e mandíbula direita, tendo sentido dores durante algumas semanas [resposta ao artigo 28º da petição inicial]. 52. O Autor teve alta do internamento para a cirurgia no dia 20 de Janeiro de 2016 por se encontrar hemo-dinamicamente estável [resposta ao artigo 110º da contestação da Ré A...]. 53. Na consulta de pós-operatório realizada em 25 de Janeiro de 2016, o Dr. CC explicou detalhadamente ao Autor a localização da agulha, o procedimento operatório e os riscos de lesões nos nervos, afirmando perentoriamente que não fazia qualquer outra tentativa de remoção e que não restava senão ficar em observação radiológica periódica para controlo da posição da agulha [resposta aos artigos 29º, 30º, 31º, 45º da petição inicial, 109º da contestação da Ré A...]. 54. Na consulta referida em 53) o médico avisou que não deveria fazer ressonâncias magnéticas [resposta ao artigo 30º da petição inicial]. 55. Por via da cirurgia o Autor foi medicado, teve indicação para fazer dieta líquida/mole e teve baixa para o trabalho por dez dias [resposta ao artigo 32º da petição inicial]. 56. Nas consultas de revisão pós-operatória realizadas em Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, o Dr. CC confirmou, por controlo radiológico, que a agulha permanecia na mesma posição e localização [resposta ao artigo 112º da contestação da Ré A...]. 57. Nessas consultas o médico considerou que as queixas que o Autor apresentava eram as habituais e próprias da intervenção cirúrgica e não tinham a ver com a presença da agulha no trígono retromolar, encarando-as como passageiras e propondo tratamento analgésico [resposta ao artigo 113º da contestação da Ré A...]. 58. O Autor teve alta da consulta de cirurgia em 4 de Março de 2016 [resposta ao artigo 115º da contestação da Ré A...]. 59. Em 3 de Fevereiro de 2016 o Autor foi colher uma segunda opinião médica, consultando o cirurgião maxilo-facial Dr. II pois era-lhe difícil aceitar que a agulha não pudesse ser extraída [resposta ao artigo 34º da petição inicial]. 60. O médico identificado em 59) prescreveu uma Dentascan da maxila e uma TAC da face, exames que o Autor realizou no dia seguinte [resposta ao artigo 35º da petição inicial]. 61. A Dentascan revelou que nas áreas edêntula o osso apresentava altura diminuída existindo focos de espessamento mucoso revestindo os seios maxilares de origem inflamatória [resposta ao artigo 35º da petição inicial]. 62. A TAC revelou a existência da agulha horizontalizada, adjacente e paralela à cortical medial interna da mandíbula direita e o seu topo atingia quase a proximidade do limite posterior do ramo da mandibula [resposta ao artigo 36º da petição inicial]. 63. Perante a informação contida na TAC, o Dr. II foi de opinião que não devia fazer-se outra tentativa de remoção devido a risco de lesões vasculares e nervosas [resposta aos artigos 36º, 45º da petição inicial]. 64. O cirurgião em causa referiu que o Autor não devia fazer ressonâncias magnéticas [resposta ao artigo 37º da petição inicial]. 65. O aparelho de ressonância magnética funciona como um grande íman que gera um campo eletromagnético extremamente forte que pode levar ao movimento ou aquecimento de objetos metálicos, consoante a sua composição [resposta ao artigo 38º da petição inicial]. 66. O Dr. II também aconselhou o Autor a continuar em observação para controlo clínico e radiológico [resposta ao artigo 39º da petição inicial]. 67. Nas consultas de 10 de Fevereiro, 2, 23 e 30 de Março de 2016 com o Dr. II, o Autor apresentava trismos com abertura bucal de um dedo/dedo e meio e queixas de dores, consequências da cirurgia referida em 47), levando a que aquele prescrevesse fisioterapia, assim como exercícios de abertura bucal de maneira a evitar contraturas musculares e a alcançar melhoria sintomática [resposta aos artigos 32º, 40º da petição inicial]. 68. Em 21 de Março de 2016 o Autor apresentava edema da face direita, queixas de dor à palpação da região massetérica e limitação da mobilidade mandibular e da língua enquadradas no contexto pós-cirúrgico [resposta ao artigo 41º da petição inicial]. 69. O Autor fez 19 sessões de fisioterapia da qual teve alta com ligeira melhoria do edema e da mobilidade mandibular mantendo queixas álgicas [resposta ao artigo 42º da petição inicial]. 70. Em 17 de Outubro de 2016 o Autor voltou à consulta do Dr. CC com queixas álgicas [resposta ao artigo 116º da contestação da Ré A...]. 71. Mais uma vez, o médico verificou que a agulha continuava na mesma localização e posição [resposta ao artigo 116º da contestação da Ré A...]. 72. Na sequência da pulpite aguda do dente 47 e da intervenção do Réu, o Autor ficou com edema facial, dores na mandíbula e dificuldade de mastigação durante alguns dias [resposta ao artigo 46º da petição inicial]. 73. Com a intervenção cirúrgica referida em 47) os sintomas identificados em 72) regressaram [resposta ao artigo 47º da petição inicial]. 74. O Autor manteve dieta líquida/mole durante várias semanas após as intervenções referidas em 24), 25) e 47) [resposta ao artigo 48º da petição inicial]. 75. Devido à intervenção do Réu, à recuperação da cirurgia e ao referido em 37), o Autor faltou ao serviço de 21 de Dezembro de 2015 a 31 de Janeiro de 2016, de 8 de Março a 18 de Maio e de 9 de Setembro a 19 de Dezembro de 2016 [resposta ao artigo 52º da petição inicial]. 76. Uma das filhas do Autor casou no dia 12 de Dezembro de 2015 não tendo este disfrutado do convívio por sentir emocionalmente debilitado e com dores [resposta ao artigo 53º da petição inicial]. 77. Nos dias subsequentes às consultas de Dezembro de 2015 e à cirurgia realizada em Janeiro de 2016 o Autor não pôde tomar alimentos sólidos tendo emagrecido [resposta ao artigo 54º da petição inicial]. 78. O Autor não festejou o Natal de 2015 e Ano Novo subsequente apesar da reunião com os familiares mais próximos, isolando-se destes [resposta ao artigo 59º da petição inicial]. 79. Durante alguns meses o Autor deixou de se reunir com os amigos e familiares [resposta ao artigo 58º da petição inicial]. 80. Após o período de ausência de serviço, por decisão da direção da escola, que colocara outro Colega no seu posto de trabalho na receção da escola, o Autor passou a fazer vigilância exterior [resposta ao artigo 60º da petição inicial]. 81. Além dos referidos em 75), Autor teve períodos de baixa médica entre de 13 de Fevereiro a 17 de Março de 2017 e de 12 a 30 de Setembro de 2017 [resposta ao artigo da petição inicial]. 82. O Autor necessita de fazer controlo radiográfico periódico para monitorizar a agulha a fim de prevenir o risco de migração, o que implica custos com consultas, exames e deslocações para o efeito [resposta aos artigos 61º, 87º da petição inicial]. 83. O receio referido em 36) provocou-lhe angústia, medo e insónias [resposta ao artigo 64º da petição inicial]. 84. O equipamento de ressonância magnética tem a capacidade de gerar imagens nítidas, sem necessidade de recorrer a radiação ionizante, tendo vantagens na realização de diagnósticos em relação a outros exames [resposta ao artigo 65º da petição inicial]. 85. A realização de ressonâncias magnéticas pelo Autor depende de teste prévio de agulha com as características referidas em 107) para verificar o efeito produzido pelo equipamento [resposta ao artigo 65º da petição inicial]. 86. O Autor gostava de trabalhar, era alegre, saía com a família e os amigos, tendo perdido o interesse no convívio durante vários meses [resposta aos artigos 66º, 75º, 76º da petição inicial]. 87. Em Dezembro de 2015 o Autor tinha a categoria profissional de assistente operacional, desempenhando as suas funções na Escola ..., Vila Nova de Famalicão [resposta ao artigo 1º da petição inicial]. 88. O demandante tinha vencimento base bruto de € 505, acrescido de subsídios de férias e Natal e subsídio de refeição no montante de € 4,27 por dia de trabalho [resposta ao artigo 1º da petição inicial]. 89. O Autor trabalhou mais de 20 anos na construção civil, antes de ingressar no Agrupamento de Escolas ..., realizando, ocasionalmente, biscates nessa atividade, para complementar o rendimento necessário ao pagamento do empréstimo da casa e dos cursos das filhas [resposta ao artigo 67º da petição inicial]. 90. O Autor cultivava um pequeno campo com produtos hortícolas destinados ao sustento do agregado familiar [resposta ao artigo 68º da petição inicial]. 91. Após ter ficado com a agulha alojada na mandíbula o Autor abandonou as atividades referidas em 90) e 91) [resposta ao artigo 68º da petição inicial]. 92. O Autor tem de conformar-se com o diagnóstico dos cirurgiões maxilo-faciais de que não deve submeter-se a nova cirurgia por riscos de atingimento dos nervos alveolar inferior, lingual e hipoglosso localizados na região [resposta ao artigo 72º da petição inicial]. 93. O Autor deslocou-se no seu veículo automóvel: a) à Hospital... para a consulta referida em 31) e nas ocasiões referidas em 38) e 43) e em 5 de Janeiro de 2016 para realização dos exames pré-operatórios, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 19,20 km e vice-versa; b) ao Hospital 1... para as consultas de 22 de Dezembro de 2015, 4, 25 de Janeiro, 8 de Março, 24 de Maio de 2016 e cirurgia, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 45 km e vice-versa; c) ao Hospital 5... para as consultas e exames referidos em 60), 59) e 67) percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 13,2 km e vice-versa; d) à Clínica ..., Ld.ª para as sessões de fisioterapia referidas em 69) e duas consultas, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 8,9 km e vice-versa [resposta ao artigo 88º da petição inicial]. 94. Nessas deslocações o Autor despendeu quantia não apurada em combustível, assim como em portagens nas viagens da alínea b) [resposta ao artigo 88º da petição inicial]. 95. O Autor despendeu € 3,99 em causa uma das consultas identificadas em 59) e 67), € 48,30 nos exames referidos em 60) e € 37,44 em medicamentos, sendo € 23,52 respeitantes aos prescritos pelo Réu e pela Dr.ª DD e os restantes pelo Dr. CC [resposta ao artigo 91º da petição inicial]. 96. O Autor deixou de auferir quantia não apurada nos períodos de baixa médica [resposta ao artigo 92º da petição inicial]. 97. Alguns médicos que a Ré A... disponibiliza aos seus utentes, entre os quais o Réu, têm convenção com a ADSE, da qual o Autor é beneficiário [resposta ao artigo 94º da petição inicial]. 98. Por escrito datado de 24 de Fevereiro de 2011 a Ré A... e a sociedade D..., Ld.ª acordaram na prestação de serviços de medicina dentária pelo Réu e de cirurgia geral por Dr. JJ, representantes da referida sociedade, na Hospital... de ... e da ... para atendimento e tratamento dos utentes que recorressem aos serviços de saúde daquelas unidades mediante pagamento de honorários, no caso do Réu, das percentagens dos valores faturados estipulados nas instruções de serviço em vigor à data de pagamento, competindo exclusivamente à Ré determinar o montante a ser debitado aos utentes [resposta ao artigos 95º da petição inicial]. 99. A Ré A... cobrava ao Autor o valor das consultas, tratamentos e exames que não estavam cobertos pelo acordo com a ADSE [resposta ao artigo 107º da petição inicial]. 100. O material e equipamentos, designadamente, as agulhas, usados pelo Réu na sua atividade são encomendados e disponibilizados pela Ré A... [resposta ao artigo 28º da contestação do Réu]. 101. O Réu tem experiência médica dentária de 10 anos de atividade ininterrupta, acrescendo pós-graduação em implantologia [resposta ao artigo 28º da contestação do Réu]. 102. É reputado no meio hospitalar como profissional competente e experiente [resposta ao artigo 29º da contestação do Réu]. 103. A permanência da agulha no trígono retromolar é, por norma, indolor e assintomática [resposta aos artigos 17º da contestação da Ré A...]. 104. Para efeitos de realização de ressonâncias magnéticas a presença desse material no corpo humano é comparável a uma prótese metálica, um parafuso ou outro dispositivo médico devendo a sua existência ser comunicada aos técnicos que a realizam [resposta ao artigo 18º da contestação da Ré A...]. 105. Comprovadamente a agulha nunca saiu do local onde se encontra alojada [resposta ao artigo 20º da contestação da Ré A...]. 106. A administração da anestesia referida em 16) foi feita através de seringa carpule que é o dispositivo médico indicado para esse procedimento [resposta ao artigo 75º da contestação da Ré A...]. 107. Na seringa foi aplicada uma agulha Octoplus infiltrativa 30G curta de 0,3 x 21 mm produzida por E..., S.A. em aço inoxidável 304 - X5CrNi18-10 [resposta ao artigo 76º da contestação da Ré A...]. 108. Trata-se de uma agulha descartável, de uso único, esterilizada por radiação gama, selada e revestida de silicone, própria para a anestesia do nervo alveolar inferior [resposta ao artigo 77º da contestação da Ré A...]. 109. A agulha cumpre as normas de qualidade ISO 7855:2010 (agulhas estéreis para injeção de uso único) e ISO 11137-1-2006 (esterilização de dispositivos médicos por radiação) [resposta ao artigo 78º da contestação da Ré A...]. 110. Os componentes da agulha cumprem as normas de qualidade: - ISO 9626:2001: agulha bisel em aço inoxidável siliconizado; - ISO 9997:1999: cone de rosca em polipropileno que encaixa na seringa [resposta ao artigo 79º da contestação da Ré A...]. 111. Cada agulha é fornecida numa embalagem individual selada que garante as condições de esterilidade e inviolabilidade [resposta ao artigo 80º da contestação da Ré A...]. 112. A agulha é obrigatoriamente descartada após cada utilização, não podendo ser reutilizada, nem utilizada se o selo de garantia estiver violado [resposta ao artigo 81º da contestação da Ré A...]. 113. Desde, pelo menos, 2013/2014, a Ré adquire à F..., Ld.ª os dispositivos médicos correspondentes ao identificado em 107) [resposta ao artigo 85º da contestação da Ré A...]. 114. A sociedade referida em 113) é uma empresa de referência especializada no fornecimento de material odontológico [resposta ao artigo 85º da contestação da Ré A...]. 115. Todos os consumíveis hospitalares da Hospital... são geridos pelo seu Serviço de Aprovisionamento, sob o controlo da Direção de Logística do mesmo, o qual encomenda os produtos, controla o respetivo fornecimento, assegura e monitoriza as condições de armazenamento, procedendo à sua distribuição pelos diferentes serviços em função das suas necessidades [resposta ao artigo 86º da con-testação da Ré A...]. 116. A Ré A... nunca recebeu do Coordenador de Serviço de Medicina Dentária ou de qualquer profissional desse mesmo serviço, designadamente, o Réu, qualquer reporte de defeitos do material odontológico fornecido pela F..., em particular das agulhas Octoplus [resposta ao artigo 87º, 88º da contestação da Ré A...]. 117. O músculo pterigoideu direito onde a agulha está alojada não permite a sua entrada na corrente sanguínea tão-pouco havendo comunicação direta entre esse músculo e o cérebro ou o coração [resposta ao artigo da contestação da Ré A...]. 118. Na sequência de trauma sofrido no ombro direito, seguido de queda, no local de trabalho em Setembro de 2014, o Autor ficou a padecer de IPP de 9% [resposta aos artigos 135º, 136º da con-testação da Ré A...]. 119. Entre a primeira Ré, A..., e a chamada C... foi celebrado um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e de Exploração, titulado pela apólice ..., com efeitos desde 01/01/2015 a 01/01/2016, renovável anualmente, pelo qual a primeira Ré transferiu para a C... a responsabilidade civil que lhe seja imputável, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causados involuntariamente a pacientes ou a terceiros em geral, pela exploração e a atividade da sua unidade de saúde, in caso a Hospital... – Hospital Privado [ponto 1º do despacho em referência]. 120. Nos termos da referida apólice, a C... garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis à Ré, até ao montante do capital seguro de € 1.250.000 (um milhão duzentos e cinquenta mil euros) por sinistro e por anuidade, tudo nos termos das condições particulares e especiais [cuja cópia se encontra junta a fls. 167 e sgs. dos autos - Doc. 1 da contestação da chamada C...) cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais] [ponto 2º do despacho em referência]. 121. Ficou a constar da 3ª cláusula particular da apólice identificada em 119) que a mesma garantia «ainda a responsabilidade civil profissional decorrente de atos médicos, praticados por empregados do Segurado» assim como «responsabilidade civil profissional, entendendo-se a responsabi-lidade legalmente imputável ao Segurado pelos atos ou omissões profissionais do pessoal médico, corpo de enfermagem, pessoal paramédico, auxiliares de saúde e demais pessoas quando ao serviço do segurado, com qualquer tipo de vínculo contratual ou sob as suas ordens e responsabilidade, no exercício das funções inerentes à prática da atividade segura, ficando excluídos atos ou omissões praticados por empregados de empresas de outsourcing prestadores de serviços complementares à atividade do segurado [resposta ao artigo 7º do articulado da Interveniente Acessória]. 122. Entre o segundo Réu, BB, como tomador e segurado, e a Ré B... – Companhia de Seguros, S.A., foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice nº ..., com o limite de capital de € 300.000, com sublimite por sinistro de € 150.000 [tudo nos termos da apólice cuja cópia se encontra junta a fls. 70verso/71 (Doc. 2 da contestação do 2º réu) cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais] [ponto 3º do despacho em referência]. 123. Entre a Ordem dos Médicos Dentistas, como tomador de seguro, o segundo Réu, BB, como pessoa segura, e a Ré B... – Companhia de Seguros, S.A., foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, com início em 01/01/2009 e [termo a] 31/12/2017, titulado pela apólice nº ... [nos termos das condições particulares e especiais juntas a fls. 71verso/76 (Doc. 2 da contestação do 2º réu) cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais] [ponto 4º do despacho em referência]. 124. Na sequência da participação do Réu, a Ré B... solicitou à empresa G... que procedesse a averiguação dos factos participados com vista a estabelecer a sua relação com o sinistro não dando qualquer instrução para apresentação de proposta de regularização ao Autor [resposta aos artigos 4º, 5º do articulado apresentado em 24 de Março de 2017 pela Ré B...]. *** Não se provaram os seguintes factos:a) o Autor foi-se apercebendo que o tratamento estava a demorar muito mais que o costume; b) o Réu começou, ao fim de algum tempo de tratamento, a evidenciar uma notória apreensão e preocupação e agia como se algo estivesse a correr mal no tratamento que estava a fazer, tendo inclusive chamado mais uma técnica para o ajudar; c) o Réu referiu ao Autor que lhe tinha retirado um dente; d) no momento referido em 26) o Réu disse ao Autor que como este já tinha a gengiva e partes moles mandibulares golpeadas em vários sítios e a sangrar a remoção tinha de ser feita em nova intervenção; e) o Réu deu ao Autor baixa médica de 26 dias; f) em 9 de Dezembro o Réu extraiu ao Autor o dente 47; g) durante o tratamento o Réu nunca referiu ao Autor que lhe ia extrair o dente, designadamente, por pulpite aguda; h) após o exame referido em 34), o segundo Réu reuniu com a Dr.ª DD e o Autor; i) a Dr.ª DD disse ao Autor que quando a boca estivesse recuperada da «golpeada» que lhe foi infligida pelo segundo Réu, tratariam de arranjar um cirurgião no Hospital 1... para fazer a intervenção; j) as dores referidas em 51) fossem permanentes; k) por via da intervenção cirúrgica o Autor ficou de baixa até à propositura da ação e sem outro dente, também com função mastigadora que lhe foi extraído durante essa cirurgia; l) em 9 de Dezembro de 2015 o Réu administrou mais de uma vez a anestesia; m) após o Réu terminar a intervenção, o Autor esteve muitas horas com a boca adormecida; n) o Autor ficou com incontinência salivar e com alterações de sensibilidade; o) não conseguia fazer a barba, pois ao mais pequeno toque, tinha dores; p) como a perda de sensibilidade lhe retirou a perceção da escorrência de líquidos pelos lábios, a saliva e os líquidos saiam-lhe sem o Autor contar, o que muito o envergonhava e por isso deixou de comer à frente das pessoas, deixou de ir aos cafés e aos restaurantes e mesmo em família comia isolado; q) a perda de sensibilidade também fazia com que se babasse sem dar conta, só quando o fluido caia é que se apercebia, o que também lhe provocou vergonha e desconforto; r) o Autor ainda permanece com dores, edema facial, perda de sensibilidade e não consegue dormir para o lado direito; s) por via das intervenções cirúrgicas e consequências, o Autor tem perda do sentido gustativo, cansa-se a falar, a língua como que se «enrola», alterando o discurso, ficou com menor abertura bucal, com limitações e restrições físicas e alimentares; t) durante meses o Autor deixou de ir a restaurantes, de se reunir com os amigos e familiares por se sentir envergonhado; u) o Autor não tem condições para trabalhar; v) entre o espaço de tempo em que não faz a monitorização, a agulha pode deslocar-se no seu organismo atingindo uma zona letal, vivendo «como se tivesse uma espada sobre a cabeça»; w) só à custa de indutores do sono o Autor consegue ultrapassar as insónias; x) o Autor era um homem cheio de saúde e de energia; y) o Autor auferia em média € 250 por mês com a atividade complementar referida em 89); z) o abandono da atividade referida em 90) causa prejuízos estimados em € 5.000; aa) antes do descrito evento jogava frequentemente futebol de salão e agora não mais pode jogar; ab) por imposição médica o Autor não pode ter atividades, quer de lazer, quer de trabalho que impliquem esforço físico; ac) há pessoas que se suicidam quando são atingidas no trigémeo porque não suportam a dor permanente e irreversível; ad) a relação familiar com a esposa tem-se tornado fria e pouco intimista dado sentir vergonha pelas sequelas com que ficou, retrai-se de a beijar e nunca mais tiveram a mesma vida sexual, já não se procuram como antes do evento; ae) o Autor mantém permanentemente bolsas de saliva na boca e apesar da higiene dentária que faz e bem, parece que tem sempre mau hálito e que a boca tem um sabor metálico; af) o Autor não consegue abstrair-se do risco de saúde que comporta ter a agulha no trígono retro-molar, do risco de se deslocar atingindo o nervo mandibular direito ou qualquer órgão vital; ag) o Autor sentia-se profissionalmente realizado no anterior cargo, o que não sucede neste, o que lhe causa incómodo e insatisfação pessoal; ah) em consequência das intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter o Autor perdeu para sempre massa óssea e ficou com o maxilar irregular e com perda de sensibilidade; ai) as lesão e as sequelas que lhe ficaram do descrito evento provocado pelo segundo Réu acarretou para o Autor uma incapacidade permanente geral de pelo menos 30%; aj) a Ré A... tem acordo com a ADSE; ak) o dente 47 estava com a raiz comprometida; al) as incapacidades e danos alegados pelo Autor estão relacionados com acidente de trabalho referido em 118); am) a agulha podia ser deficiente ou padecer de qualquer anomalia que não era percetível na inspeção prévia realizada pelo Réu; an) qualquer movimento do doente, ainda que subtil, como o ato de respirar ou engolir saliva, pode contribuir para a quebra da agulha; ao) na sequência da informação referida em 45) houve negociações entre Autor e a Ré B..., que mandatou o Dr. KK da G... para as fazer”. - Dando por reproduzida a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, passemos então a apreciar as questões.Segundo o art.º 640.º do C.P.C, “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Consideramos que tais ónus foram cumpridos. Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[n]a enunciação da matéria de facto na sentença, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, o juiz deve verter o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais (arts. 607.º, n.º 4, e 5.º, n.º 2, al.a))”([15]). Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Importa manter presente que o disposto no art.º 607.º, n.º 4 (e o n.º 5), do C.P.C., aplica-se igualmente a esta instância, tanto mais que a anulação de uma sentença deve confinar-se aos casos em que, como previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., “não constando do processos todos os elementos, que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”. O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso. Posto isto, o agora relevante é, em síntese, saber se a decisão da matéria de facto pelo tribunal a quo se mostra correta em função de toda a prova produzida. Tendo presente todos os meios de prova constantes dos autos, mormente a documental, vejamos agora se o declarado em audiência em alguma coisa justifica, impõe, uma alteração da decisão de facto nesta Instância, sendo que, como já referido, a prova é analisada como um todo e à luz dos critérios enunciados. Não obstante estar em causa a reapreciação da prova([16]), na medida do possível, não iremos reproduzir observações já constantes da motivação da decisão recorrida e cujo teor demos já por reproduzido. Estão em causa as declarações (esclarecimentos periciais e depoimentos testemunhais por médicos das especialidades de medicina dentária e de cirurgia maxilo-facial, C.M.F.) de DD, LL, MM, II, CC e, por fim, de NN – filha do autor([17]). Começamos pelo depoimento de DD, especialista em C.M.F., na então “Hospital...” (onde ia dar consulta uma vez por mês, tendo calhado na segunda-feira seguinte ao evento), que, após o evento, pela primeira vez examinou o autor([18]). Disse que só viu o doente uns dias depois (6) do evento e não o viu mais, tendo-o observado a pedido do R., a fim de avaliar a situação e ver se a agulha poderia ser removida. Considerou que, uma vez que o R. já o tinha tentado, seria adequado tentar ver se a radiologia de intervenção (por exemplo, com magnetes) poderia dar uma outra solução (não traumática, pois não queria causar mais danos). Contactou os colegas da radiologia para ver se poderiam remover a agulha, o que foi infrutífero (quer na “Hospital...”, quer no Hospital 2...). O autor (A.) posteriormente terá sido visto pelo Dr. CC. Quando examinou o doente constatou que o A. estava muito ansioso, exaltado([19]), pouco colaborante na observação([20]) por estar muito queixoso (exageradamente); constatou edema e alguma limitação da abertura da boca, compatível com a intervenção que o R. tinha feito para tentar retirar a agulha (“aceitável”, não uma boca “esquartejada”). Ainda que seja uma situação muito rara (quebra da agulha), e que a ortopantomografia não mostra com precisão se a agulha está ou não a tocar o nervo([21]), mas não costuma estar, é raro, daí que a limitação na abertura da boca seria mais não por dor([22]) que a abertura da boca causasse, mas mais com medo de, ao abrir a boca, sentir dor. O A. estava nervoso e exaltado (e um familiar a perturbar, a falar alto na sala de espera) e não ficou com a ideia que estivesse a babar-se; referiu que o A. disse ter a preocupação com a remoção da agulha porque teria uma patologia na coluna que implicaria uma ressonância magnética e que tinha medo que esta pudesse mexer-se. Ao longo de vinte e tal anos de trabalho teve conhecimento de dois ou três casos de fratura de agulha; as causas podem ser erro de fabrico, erro de manipulação pelo médico, fragilizando a estrutura da agulha, ou por mobilização do doente (mexer-se). Dos casos que ouviu, a agulha nunca foi retirada (não foi conseguido) e a agulha nunca se descolocou (até por não ser fácil, por estar perto do osso e por se desenvolver fibrose), ficando as pessoas sem limitação ou sem queixas idênticas às que o A. refere. Não tem conhecimento se há uma grande contraindicação para que num caso destes o doente não possa fazer uma ressonância magnética (com os anos forma-se uma fibrose em torno da agulha e mais dificulta a movimentação da agulha). A localização da agulha não pode justificar queixas que resultariam de lesão do nervo lingual, do alveolar ou do hipoglosso, ou seja, teriam de coexistir outras queixas consistentes (no caso, ausentes) relativamente às que o A. alega, sendo que então seriam detetáveis (“objetiváveis”) em sede pericial; também a agulha, só por si, não causaria trismos([23]). “Quanto à parte psicológica e outros interesses que o A. poderá ter, isso é outra coisa” – acrescentou. No atinente à migração da agulha, achou que seria uma coisa “mirabolante”. LL, perito do I.N.M.L., no âmbito de C.M.F.([24]), referiu que a fratura de uma agulha em anestesia troncular é possível mas muito rara (e não costuma dar origem a queixas dos doentes) e que se deve tentar tirar de imediato, o que sucedeu ainda que sem sucesso – mesmo posteriormente (à tentativa do R.), pelo Dr. CC (com anestesia geral). Não há um protocolo quanto ao tempo que deve intermediar entre eventual tentativa pelo dentista ou por um especialista de C.M.F. É uma ocorrência rara mas pode acontecer a um médico experiente. Quando viu o A. em abril de 2018 referiu haver um quadro muito importante de somatização([25]), o A. colaborou pouco no exame físico, tendo constatado também alguma incongruência durante o exame, mesmo na abertura da boca, queixas de dores e de perda de sensibilidade. Faz-se um seguimento dos casos a fim de ver se os pacientes desenvolvem sintomas; a agulha pode “migrar” (para zonas próximas), havendo 3 casos publicados; não conhece nenhum caso de morte. A migração é “possível” mas é um risco baixo e não é expectável. Quanto à possibilidade de o A. fazer uma ressonância magnética no futuro, a agulha ali é um corpo estranho mas geralmente não dá problemas, não é expectável que a agulhe migre e quanto a fazer uma ressonância magnética precisa-se de saber qual é a composição da agulha; nos últimos anos as agulhas deixaram de ter ferro e não impede a realização de uma ressonância magnética. Poderá tirar-se a dúvida com o teste de uma agulha igual à que ficou alojada no A., para saber se é impeditivo. Grande parte das pessoas tem próteses de titânio, dentárias, implantes, etc. e tal não é impeditivo de fazerem uma ressonância magnética (R.M.). A perda de altura no osso mandibular nada tem a ver com a agulha, até porque o A. tem perda de dentes. Perante persistentes e sucessivos quadros hipotéticos, futuros, “se”, “se”, “se” respondeu que na medicina “pode tudo”, de “0 a 100%”. A somatização também pode ser simulação (ampliação das queixas); por exemplo o A. queixa-se de perda ou alteração de sensibilidade, mas quando é examinado constata-se que tem, a quantificação é que é difícil de fazer. No tocante à abertura de boca, a espontânea está no normal e, quando se força, abre mais. A propósito do alegado “esquartejamento” da boca para localizar a agulha, referiu que o que é feito é (apenas) uma incisão na zona; quanto a o A. ter sido visto em C.M.F. na segunda-feira seguinte (o evento foi na quarta--feira anterior) não vê que tenha relevância. Não há um guideline para a duração de um seguimento (follow-up) mas se o paciente não tivesse queixas, 3 a 6 meses, para se saber onde está a agulha; se estiver sintomático, a partir da altura em que em C.M.F. se decida que não se retirará a agulha, é irrelevante. À data em que examinou o A. (em dezembro de 2018), volvidos 3 anos do evento, a agulha estava no mesmo sítio e, apesar de na medicina tudo ser possível, não é expectável que se mexa, não havendo possibilidade de migrar para o coração, para os pulmões ou para o cérebro (encéfalo). É possível que a presença da agulha naquele local seja inócua. Não tem ideia de no Hospital 2..., nos últimos 10 anos, se ter removido uma agulha e que nesses casos tenha havido algum problema para os pacientes. Dos esclarecimentos da perita do I.N.M.L. MM([26]) retemos ter afirmado que enquadrou o dano (cicatriz interna) por analogia por não ter enquadramento direto noutro item da tabela e que à data da consolidação da lesão não havia nenhuma infeção ou inflamação dos tecidos adjacentes à agulha. É recomendável um controlo radiológico, mas não sabe qual a periodicidade e se deve ser sempre ou se só em caso em que haja um agravamento, pois trata-se de um evento raro. Quanto ao esforço acrescido para as atividades, uma vez que se trata de um auxiliar de ação educativa, de 2%([27]) que afirmou, e tendo em conta a perícia de C.M.F. (que refere poder praticar desportos e que não tem limitações para a atividade física([28]), disse que é difícil distinguir entre dano real e somatização, ainda que esta se apresente significativa), remeteu para as queixas que o A. lhe referiu, para os dados do processo (trismos, salivação excessiva) e descritos na literatura como possíveis, ainda que seja uma afetação muito diminuta, ligeira. Contudo, não os observou no exame objetivo, não os presenciou no caso concreto (salivação excessiva, trismos, etc.), mas acredita que possa ter uma afetação muito ligeira. É um caso raro e nunca tinha tido um destes antes. Tanto quanto se lembrava, o A. apresentou-se ansioso e queixoso, reconhecendo que revelava somatização – o que é diferente de simulação([29]). Também foi com base nas queixas do A. que mencionou trismos, salivação excessiva e língua torta (insensibilidade), não que tenha constatado; não soube precisar se o A. tinha dificuldade em expressar-se, em falar, mas recordou-se que não tinha uma fala fluída, ainda que não tenha observado alguma alteração significativa, pois de outro modo tê-lo-ia mencionado no relatório. II, especialista em C.M.F.([30]), disse que o A. lhe foi pedir uma segunda opinião, em fevereiro de 2016, depois de já ter sido operado pelo Dr. CC para tentar tirar a agulha. Referiu, em fevereiro de 2016, que o A. não deve realizar R.M., até remoção do corpo estranho (agulha), por precaução, até se ter certeza se há algum risco, analisando a composição da agulha em questão. Se se viesse a confirmar que a agulha é incompatível com uma R.M., haveria alguma limitação de diagnóstico, mas há outros meios de diagnóstico. Não tem conhecimento de casos de migração de agulhas (ainda que não pudesse migrar para a artéria carótida), sendo que a utilização de um navegador cirúrgico teria dado uma probabilidade maior de remoção de agulha, mas ainda assim sem garantia. Do relatório de 04/03/2016 fez constar que não deve ser feita nova tentativa de remoção da agulha ao A. e que na altura (ainda) apresentava trismos (transitórios mas normais em pós-operatório, com uma duração estimada de dois a três meses, por variar caso a caso), tendo prescrito acompanhamento em fisiatria (fisioterapia) e acompanhamento radiológico, porque é a sequência normal após uma cirurgia como a que o Dr. CC tinha feito. Não precisou durante quanto tempo, pois será o fisiatra a orientar a fisioterapia. Os exercícios bocais do doente (fora das sessões de fisioterapia) são essenciais para a recuperação. Se não houver lesão, eventual perda de sensibilidade será transitória e de aferição algo subjetiva pelo doente (e que este diga a verdade). Se na altura o A. se tivesse queixado de perda de sensibilidade teria referido no relatório (do qual só fez constar trismos e dor). É natural que durante duas a três semanas após a cirurgia tivesse restrição alimentar (líquidos) e dores. Não pode afirmar objetivamente que uma agulha naquele sítio cause dor. A sua opinião foi no sentido de não fazer outra tentativa porque os riscos superariam o benefício, pois apesar de a permanência da agulha poder implicar algum risco, os riscos de uma segunda cirurgia seriam maiores, em termos de causar problemas. Ao longo dos exames que viu, “se tivesse de adivinhar”, diria que a agulha não tinha movido. Numa situação destas deverá haver algum acompanhamento durante algum tempo e comparar as imagens, mas tal seria o Dr. CC a determinar. No caso concreto não se podia fazer mais nada do que foi feito. Os trismos, transitórios, que o A. apresentava quando o viu resultavam da cirurgia a que tinha sido submetido com o Dr. CC e não do facto de ter a agulha alojada. É verdade que até ao fim da vida o A. pode não ter qualquer mazela por ter a agulha alojada. Se tivesse sido o primeiro a opinar não teria sido no sentido de tentar remover a agulha, apenas vigiar. A testemunha CC([31]), especialista em C.M.F., disse que fez uma cirurgia ao A. para tentar retirar-lhe a agulha. Da experiência que tem com casos semelhantes, nunca nenhum paciente (cerca de 10, pois é um evento raro) ficou com sequelas e só uma vez conseguiu remover a agulha (“encontrar uma agulha num músculo é como encontrar uma agulha num palheiro”) e disse ao A. que não valia a pena estar a remover, porque não havia sequelas e geralmente fica assim. Esclareceu que “tudo é possível”, mas do que sabe e do que leu é um corpo estranho que fica ali e no tempo que observou o A. a agulha estava no mesmo sítio e sem sequelas. Deve fazer-se o controlo radiológico para proteger o doente, se houver uma excecionalidade e a agulha se mexer… Quanto a fazer uma R.M. será a única contraindicação da agulha, ainda que os colegas lhe tenham dito que também não tinham a certeza mas que à cautela seria melhor não fazer; contudo, se houver algum implante os especialistas também perguntam, se for titânio, por exemplo, não tem influência. Em qualquer intervenção tem de ser fazer a avaliação risco-benefício e neste caso não se justificava, porque não tinha sequelas, mas nova operação podia deixá-las, uma parestesia (formigueiro) se lesasse um dos ramos do nervo trigémeo (lingual, alveolar e dentário inferior). A agulha naquele local, e no caso concreto, não causou perda de sensibilidade, tal como acha que não provoque dores: também acha que a agulha não afeta os nervos até porque encapsula (cria-se um granuloma de corpo estranho, fibrose, que contribui para que o corpo estranho não se mexa). Quanto à cessação de um controlo radiológico, após dois a três anos do evento parece-lhe adequado. As agulhas geralmente partem perto do plástico, mas neste caso não se lembra. Quanto a eventuais sequelas referiu que “com a nossa imaginação podemos ir até à morte”… Passado duas semanas da cirurgia geralmente o edema desaparece e tudo regressa ao normal, ainda que na primeira semana seja conveniente fazer uma dieta líquida por causa da dificuldade em abrir a boca; a partir da primeira semana começam as melhorias e ao fim de duas podem comer normalmente. É de opinião, tanto quanto sabe, que o sucesso de tirar uma agulha nada tem a ver com a intervenção em C.M.F. ser de imediato, ou não, relativamente à quebra da agulha. O sistema de neuro-navegação é útil noutros casos, não neste, porque simplesmente não é possível fazer. Das observações que fez do A. não se apercebeu de qualquer dor “irreversível” e ao longo do tempo (desde janeiro até outubro de 2016) a agulha manteve-se exatamente no mesmo sítio, não sendo possível que entre na circulação sanguínea ou que chegasse ao coração e muito menos ao cérebro (encéfalo). Explicou tudo isto ao A. Disse ao A. para não mexer (operar), porque era muito difícil encontrar a agulha e explicou tudo e que pela experiência que tinha a agulha não daria problemas. Não tem ideia de ter constatado a “exuberância”, “panóplia” de sintomatologia do A. referida nos autos. Apesar de ter dito ao A. para não mexer o A. insistiu em fazer a cirurgia e o declarante fez. É sempre da opinião de controlar e de ir vendo… Das situações que conhece, o alojamento da agulha não provoca perda de capacidade funcional (mastigação), perda de abertura da boca, incontinência salivar ou babar-se, sensação de sabor metálico na boca, mau hálito, perda de massa óssea ou perda de capacidade física ou laboral, risco de vida ou perigo para a saúde. Quando o examinou o A. não se babava, nem após a cirurgia que lhe efetuou. A filha do A., NN([32]), disse que o pai teve dificuldade em gerir a situação, queria a situação resolvida. O evento ao pai aconteceu a 09/12/2015, tendo a depoente casado em Ovar no dia 12/12/2015 e ele estava debilitado pelas dores; a festa de Natal desse ano também não foi normal. Passado muito tempo, não sabe quanto tempo, o pai queixava-se de dores e tomava medicação; foi a consultas na zona do ..., da ... e fez fisioterapia. Mesmo passado este tempo todo o pai ficou mais resistente em ir a um médico, estava impaciente, queixoso e revoltado. Às vezes o pai pede um comprimido porque diz que não aguenta dores. O pai trabalhava na escola e tratava da horta, além de alguns biscatos (de construção civil), que deixou de fazer por estar sempre com dores. Disse ao pai para ir a um psiquiatra, mas não sabe o desenvolvimento. Não soube dizer que medicação o pai fazia ou quem a receitava, tomava o que os médicos que o acompanharam receitavam([33]). Nunca acompanhou o pai a qualquer consulta, o que sabe, tirando o que viu, foram os pais quem lhe contou. Não sabe precisar ao certo durante quanto teve o pai teve dores, foi-se prolongando no tempo; atualmente o pai, de vez em quando, ainda toma medicamentos para dores. O pai sempre teve dores de dentes mas como não é médica dentista não sabe precisar, acha que as dores a partir do evento eram diferentes e estava debilitado emocionalmente por causa das dores (e não por achar que lhe aconteceria alguma desgraça)... Conforme antes referimos, não iremos reproduzir considerandos desnecessários; porém, antes de prosseguirmos, faremos uma breve referência a alguns dos elementos da prova documental junta aos autos – já referida até na sinopse que efetuámos – e cujo teor integral damos por reproduzido, sendo de realçar que os depoimentos, esclarecimentos, antes referidos foram sobremaneira como que uma análise dos documentos (incluindo relatórios e informações clínicas) subscritas pelos visados. Assim, e mantendo presentes as observações que deixámos em nota aquando do depoimento da Dra. DD, do relatório do I.N.M.L. junto aos autos aos 19/01/2018, destacamos que não obstante as queixas manifestadas pelo A. (incluindo dores e sialorreia, ou seja, babar-se – cf. pp. 4 e 5 do relatório), não foram constatadas lesões ou sequelas (ponto 3 de p. 5) e por o exame objetivo ter sido pouco conclusivo foi requerido exame por C.M.F. No dia 30/04/2018 foi remetida aos autos a resposta da observação em C.M.F. no Hospital 2... (efetuada pelo Dr. LL), dela resultando, entre o mais, que o A. apresenta um quadro muito importante de somatização com pouca colaboração no exame, sem incompetência salivar ou sialorreia aparente e pouco colaboração na protusão e lateralização da língua. Também da informação do Hospital 2... junta aos autos no dia 14/12/2018, entre o mais, foi referido que o A. não precisava (já então) de controlo radiológico periódico, que não havia risco de migração da agulha, que não estava impedido de praticar desporto ou de fazer esforço físico, reiterando-se não apresentar sialorreia e ter abertura bucal espontânea de 30 a 35 mm. e sem restrições quando forçada. Novamente é referida a somatização do A. e sugerida avaliação em psiquiatria; sem lesões nos nervos (sublingual, alveolar e hipoglosso). Do relatório do I.N.M.L. remetido aos autos no dia 20/08/2019, subscrito pela Dra. MM, vemos que a p. 3 é referida a I.P.P. de 9% por acidente de trabalho anterior (tendinite no ombro direito([34])), novamente as queixas do A. já referidas (cf. p. 4), sendo que então não abria a boca mais do que 20mm. e não colocava a língua de fora; foi sugerido o exame em C.M.F. e fez-se constar que o exame objetivo foi pouco conclusivo – sendo que não vamos repetir aqui os esclarecimentos prestados pela subscritora deste relatório e antes já enunciados. Aos 06/01/2020 o I.N.M.L. remeteu o relatório de psiquiatria forense, concluindo-se que o A. não sofre de psicopatologia e que não apresenta sintomatologia depressiva/ansiosa, perturbações cognitivas, pós-traumáticas ou somatiformes com nexo causal com o evento em apreço. Do relatório de consulta técnico-científica pedida ao I.N.M.L., e junta aos autos aos 02/12/2020, retemos que o procedimento anestésico foi conforme às leges artis. Da informação da médica de família, junta aos autos no dia 28/12/2021, resultam, entre o mais, queixas dos dentes reportadas ao ano de 2016. A “Hospital 5...” aos 29/12/2021 juntou informações pedidas, resultando em 2019 e em 2020 consultas (as referidas em nota aquando do depoimento de DD) por dores nos dentes n.º 35 e n.º 45 (sendo que o que se discutiu nos autos era o n.º 47), tendo ocorrido retirada do dente (exodontia) n.º 35 e desvitalização (endodontia) do n.º 45. Antes de terminarmos estas referências, cumpre ainda atentar em quatro outros documentos constantes dos autos. Assim, afigura-se relevante a participação do sinistro (aos 28/09/2016), efetuada pela 1.ª R. à sua seguradora, junta aos autos aos 23/11/2021, pois que desde então o sucedido foi genericamente descrito. Também não é despicienda a análise de risco em o A. fazer, futuramente, uma R.M., junta pela 3.ª R. aos 01/04/2022 – isto não obstante o A. ter questionado a isenção do subscritor da mesma, como referimos antes; no entanto, a prova (excetuando as específicas previsões legais em contrário) é global e livremente apreciada pelo tribunal. Fazemos esta referência porquanto está em causa a análise de risco a uma agulha igual à usada no procedimento em causa, tal como resulta dos factos provados, constando do mesmo as seguintes conclusões: “Perante a análise realizada, o risco de realização de exames de RM é considerado mínimo. Perante toda a envolvência, a realização de exames de RM, deve ter sempre em conta uma análise risco-benefício, realizada por um Médico, onde, o benefício clínico de realizar o exame, deve ser superior ao risco de realizar esse mesmo exame. Dependendo da análise de risco-benefício realizada, a presença do fragmento da agulha com o material especificado, no maxilar inferior, não impede a realização de exames de RM em geral”([35]). Este aspeto assume importância tendo em conta o decidido pelo tribunal a quo em “A d)”, relegando para liquidação em execução de sentença a compensação pelo dano não patrimonial em função de exame, teste a agulha idêntica, que poderia até vir a ser realizado nas instalações da 1.ª R.([36]). Em terceiro lugar, até por ter sido requisitado pelo tribunal a quo, e junto aos autos no dia 27/05/2022, o relatório interno elaborado pelo perito (e testemunha EE) da 3.ª R., não obstante o já identificado lapso ao referir o dente n.º 22 em vez do n.º 47. Por fim, e em quarto lugar, de atentar que de acordo com o relatório pericial de avaliação do dano, de 25/03/2022, o A. r teve alta da consulta de cirurgia em 4 de março de 2016, data da consolidação médico-legal. Aqui chegados. Realçamos o cuidado, generalizado, posto pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto e na motivação da mesma, descrevendo o seu percurso analítico-dedutivo formador da convicção quanto à decisão tomada. Esta instância não vê falha ou erro de julgamento relevante na sentença recorrida; pelo contrário (sendo de observar as ilações, lógicas e pertinentes, atingidas pelo tribunal a quo), corrobora-a genericamente – sem prejuízo de procedermos a algumas alterações pontuais, que assinalaremos (o texto suprimido constará de nota de rodapé o aditado será assinalado a negrito). Da apreciação global da prova que vimos fazendo, a nossa decisão factual irá no sentido do já considerado provado na primeira instância. Os peritos ouvidos e as testemunhas médicas especialistas são globalmente concordantes, à exceção do relatório da perita MM. Uma perícia é uma forma de prova que consiste em pedir a um indivíduo, ou a um colégio deles, ou a uma entidade, um esclarecimento, ou um conjunto deles, sobre determinados factos e o seu alcance à luz de um dado ramo do conhecimento, carecendo assim o tribunal de informações de natureza científica que depois valorará livremente (nos termos do art.º 389.º do Código Civil, C.C. e, no caso, do art.º 489.º do Código de Processo Civil, C.P.C.) em concertação com a demais prova produzida. A prova pericial destina-se, como qualquer outro meio de prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes (art.º 341.º do Código Civil) ou a recolher factos essenciais à boa decisão da causa, constando a descrição do objeto pericial do art.º 388.º do C.C., “[a] prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial”. A perícia pode ser requerida por qualquer das partes indicando o respetivo objeto ou pode ser oficiosamente ordenada pelo tribunal, incumbindo sempre ao juiz, no despacho em que a ordena, determinar o seu objeto (artigos 475.º, n.º 1, 477.º e 476.º, n.º 2, do C.P.C.). O “resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respetivo objeto” – art.º 484.º, n.º 1, do C.P.C., objeto que foi fixado pelo juiz (nos termos do disposto no art.º 476.º do C.P.C.). Uma vez notificadas do relatório pericial, as partes, segundo o disposto no art.º 485.º, n.º 2, do C.P.C., “[se] entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações”. Temos uma deficiência quando o relatório não considera todos os pontos que devia ou não os considera tão completamente como deveria; uma obscuridade nos casos em que não se vislumbra o sentido de alguma passagem, ou esta pode ter mais que um sentido, e uma contradição quando entre os vários pontos focados ou entre as posições tomadas pelos peritos (nas colegiais); por falta de fundamentação suficiente deve considerar-se os casos em que as conclusões do perito não estão devidamente fundamentadas([37]). Se as reclamações forem atendidas o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente o relatório apresentado, nos termos do art.º 485.º, n.º 3, do C.P.C. – foi o que sucedeu, reiteradamente, nos autos, como resulta da panóplia de relatórios que referimos…. Ainda que toda a prova seja livremente valorada pelo tribunal, nos termos do art.º 607, n.º 5, e n.º 5 do C.P.C., (e tendo presente o disposto nos artigos 410.º a 414.º do C.P.C.), bem como o disposto no art.º 489.º do C.P.C. quanto à prova pericial, o que é realidade é que uma perícia tem um valor probatório acrescido, ou “reforçado”([38]), ainda que não absoluto([39]). Ou seja: não obstante os fundamentos específicos que justificam uma perícia, o tribunal pode, fundadamente, afastar-se da conclusão do relatório pericial. No entanto, em tal caso (de dúvida ou de discordância), impõe-se ao tribunal um dever acrescido de fundamentação dessa sua decisão. Contudo, o tribunal tem agora a referir dois aspetos: não só os esclarecimentos da perita MM são no sentido de ter feito uma avaliação por analogia e não objetivada no exame, confiando antes nas verbalizações do examinando A., como também outros peritos e médicos especialistas não confirmam o teor dos esclarecimentos por ela prestados quanto às sequelas, mormente quanto ao défice funcional – o que permite a este Tribunal discordar do por si referido, ao abrigo do antes referido princípio da livre valoração da prova pericial, por até sufragado pelos demais peritos e especialistas. Importa realçar também a contribuição da lógica e da experiência comum para a valoração de toda a prova. Como observado pelas testemunhas, a medicina não é uma ciência exata, pelo que se se perguntar se algo é impossível, o lógico é que se afirme que impossível não será, outra, bem diferente, é se é provável, para o que releva também a experiência comum. Assim, e a propósito, a título retórico, perguntamos: é impossível uma pessoa ser atingida por fragmento de um cometa ou de lixo espacial, não, não é, mas é extremamente improvável. Menos impossível, mas também extremamente improvável, é perguntar-se se uma pessoa pode ser atingida por um raio: não é impossível, mas novamente é extremamente improvável – ou muito pouco quando comparando com a possibilidade de, por exemplo, uma pessoa ser atropelada. No processo constatou-se um exagero de alegação e de discussão de probabilidades científicas ínfimas por contraposição à realidade e à realidade provada – para bem do A. diga-se, ainda que tal possa não ser coincidente com o seu esforço e desiderato probatório do relevante para o montante em que pretende ser ressarcido, seja a título de indemnização por danos patrimoniais, seja de compensação por danos não patrimoniais, mas a isto voltaremos no momento próprio, pois estamos ainda em sede de decisão da matéria de facto. Como fomos referindo já, o A. tem tido, ao longo dos anos (antes e depois do evento – sendo que dos elementos clínicos referidos que vem sendo medicado para as diferentes intercorrências que o levam a consulta), diferentes problemas dentários, sendo ilustrativa a radiografia panorâmica dentária junta aos autos no dia 28/04/2022 pelo “Hospital 3...”, entre outros documentos que referimos. É patente o exagero do A. perante o que a generalidade dos peritos e médicos constatou, escreveu e declarou em audiência de discussão e julgamento. O A. quer imputar as suas queixas e dores de dentes à agulha, quando sofre de diferentes (e sucessivos) problemas dentários; além de resultar que a agulha naquele local não provoca dor, o A. ignora a tendinite no ombro direito, que lhe determinou uma I.P.P. de 9%, para dizer que dorme em decúbito dorsal à esquerda por causa da agulha na mandíbula à direita. Ignorando os exames e o que os médicos dizem, afirma uma não constatada sialorreia, tal como insiste em receios infundados. Se é verdade que somatização e simulação não são a mesma coisa, formámos a convicção que coexistem, dada a atitude do A. (incluindo pouca colaboração nos exames objetivos, tal como verbalizações inconsistentes com a ciência medicina) e que antes referimos por mais que uma vez. Quanto à somatização (independentemente do interesse no desfecho do processo…), e a partir da altura em que, pelo menos com o julgamento, ficou na disponibilidade da informação científica existente, competirá ao próprio desconstruir, na medida do possível, os seus “receios”, seja, ou não, a sós ou em consulta de psicologia. Perante tudo o que vimos expondo, e tendo presente o já citado art.º 662.º do C.P.C., e tendo presentes as questões sobre a matéria de facto([40]), a matéria de facto a considerar será então a seguinte([41]). “1. O Autor nasceu a 4 de fevereiro de 1961. 2. A Ré A... mantém aberto um estabelecimento hospitalar onde presta serviços clínicos, designadamente, de medicina hospitalar à data sob a denominação “Hospital...” e atualmente “Hospital 4... – ...”. 3. No ano de 2014 o Autor foi assistido na “Hospital...” em uma consulta de clínica geral, seis consultas de ortopedia e uma consulta de oftalmologia. 4. A “Hospital...” disponibilizava aos utentes dos seus serviços para a área de medicina dentária, vários dentistas, entre os quais o segundo Réu. 5. No ano de 2014 o Autor recorreu à consulta do segundo Réu, no Hospital referido em 4), tendo sido submetido a tratamentos de endodontia do dente 22 (18 de agosto, 9 de setembro), com restauração dos meios retentivos (16 de setembro), exodontia, com sutura, das raízes do dente 26 (1 de setembro), dos dentes 27 (1 de setembro) e 24 (3 de novembro), bem como extração de quisto dentário detetado neste último (3 de novembro). 6. Em 11 de maio de 2015, em consulta do segundo Réu, o Autor foi submetido a tratamento de exodontia, com sutura, do dente 16. 7. No dia 9 de dezembro de 2015 o Autor dirigiu-se à “Hospital...” para a consulta de medicina dentária por sentir dores num dente da arcada inferior, o anterior ao dente do siso direito, tendo sido atendido pelo Réu. 8. Na data referida em 7) o Autor estava ciente do mau estado da sua dentição e da consequente necessidade de extrair dentes com lesões extensas quando não era possível a sua desvitalização ou restauração, a fim de os manter. 9. As dores referidas em 7) eram compatíveis com a existência de uma cárie extensa causadora de pulpite aguda que afetava o dente 47. 10. A pulpite é uma inflamação dolorosa da polpa dentária que é a parte mais interna do dente que contém os nervos e os vasos sanguíneos responsáveis pela vitalidade do dente. 11. A pulpite aguda é considerada uma situação de emergência pela dor intensa que provoca. 12. A cárie dentária é a causa mais comum de pulpite. 13. A cárie dentária é uma doença infeciosa de origem bacteriana que, não sendo tratada adequadamente, nomeadamente, por exodontia, pode progredir, alastrar aos tecidos moles adjacentes da boca ou a outras estruturas da face, da cabeça, entre outras, e dar origem a complicações graves, designadamente, infeções. 14. O segundo Réu identificou a pulpite aguda do dente 47 e a necessidade de tratamento por exondontia (extração) por se encontrar com cárie extensa, não ter dente antagonista e, por isso, sem função mastigatória. 15. Após informar o Autor e obter a sua concordância, o Réu iniciou os procedimentos tendentes ao tratamento. 16. Segundo procedimento habitual, o tratamento foi iniciado com a administração de anestesia troncular para bloqueio do nervo alveolar inferior, prévia quer à extração, quer à desvitalização. 17. O tratamento da pulpite aguda consiste, habitualmente, em desvitalização. 18. O Réu não pediu exame radiográfico prévio para aferir da remoção da cárie e tratamento restaurador. 19. A técnica anestésica foi efetuada da seguinte forma: a) o segundo Réu pediu abertura máxima da boca ao Autor; b) após, colocou o dedo indicador esquerdo no bordo anterior do ramo da mandíbula, paralelo e acima, aproximadamente, 1 cm do plano oclusal; c) de seguida, identificou a rafe pterigomandibular e fez a punção a 1/3 da distância do seu dedo à parte mais profunda da rafe com a carpule em diagonal no sentido do pré-molares opostos; d) a punção foi feita até tocar no osso, injetando um pouco de anestésico no trajeto; e) após, recuou aproximadamente 1 mm e administrou o anestésico lentamente; f) o Réu pressionou excessivamente a carpule. 20. O procedimento referido em 19) a) a e) corresponde à técnica correta. 21. O Réu executa o procedimento de anestesia troncular, por rotina, quase diariamente, ao longo de 10 anos, com sucesso. 22. O objetivo da anestesia correspondia ao bloqueio do nervo alveolar inferior, que foi conseguido. 23. Após administrar a anestesia, o Réu retirou a seringa carpule e constatou que a agulha (nova e descartável) tinha partido, separando-se da carpule. 24. Perante tal, como o início da agulha ainda era visível, o Réu tentou removê-la, mas não conseguiu. 25. Prosseguindo na tentativa de remoção, o Réu fez incisão na gengiva do Autor explorando com uma pinça hemostática a fim de a extrair por tração através do orifício de entrada, sem sucesso, tendo deixado de ficar visível o início da agulha. 26. Quando deu por terminada a intervenção, após sutura da incisão, o segundo Réu explicou ao Autor que, ao dar a anestesia, a agulha partira, já tinha feito tudo para a tirar e não podia prosseguir. 27. A quebra da agulha está descrita na literatura médica como um dos riscos da anestesia local odontológica, embora considerado raro. 28. O local mais frequente da ocorrência é na injeção a nível mandibular, mais especificamente, na anestesia do nervo alveolar inferior. 29. Segundo a literatura médica a quebra da agulha pode estar associado à qualidade do material, à técnica anestésica ou a movimentos bruscos inesperados do paciente. 30. As boas práticas recomendam que, perante a fratura da agulha, se tente extraí-la de imediato, se informe o paciente do sucedido e, na impossibilidade da sua remoção, se referencie o paciente para um Hospital para avaliação e decisão se convém ou não extraí-la. 31. O segundo Réu medicou o Autor e referenciou-o para consulta com a Dr.ª DD, médica especialista em medicina maxilo-facial com vista à remoção da aguda, que agendou para 14 de dezembro seguinte. 32. Naquela ocasião a consulta de cirurgia maxilo-facial da Dr.ª DD ocorria uma vez por mês às segundas feiras. 33. Na data referida em 31) a especialista prescreveu uma ortopantomografia para ver onde a agulha se encontrava alojada. 34. A ortopantomografia demonstrou que a agulha estava alojada no trígono retromolar direito – região anatómica da mandíbula localizada atrás do último molar, onde habitualmente se encontram os dentes do siso – entre a gengiva e o músculo. 35. A Dr.ª DD([42]) referiu ao A. a sua localização, que não atingia nervos e que era normalmente assintomática, não havendo indicação para a sua remoção cirúrgica e medicou-o; indagou, sem sucesso, da possibilidade de solução em radiologia com técnica não invasiva. 36. O Autor receava que a agulha pudesse deslocar-se e alojar-se no cérebro ou no coração e viesse a provocar-lhe a morte. 37. Devido ao receio referido em 36) o Autor sentia-se em pânico, não conseguia dormir, limitava a abertura da boca e passou a evitar esforços físicos. 38. Por pretender a remoção da agulha, em 17 de dezembro de 2015, pelas 20h00/20h30, o Autor dirigiu-se à “Hospital...” para falar com alguém da Direção. 39. No momento referido em 38), foi atendido pela chefe de turno administrativa D. FF. 40. Naquele horário, a Diretora do Centro de Gestão responsável pelo serviço de medicina dentária, Dr.ª GG, já não se encontrava na Hospital.... 41. Tendo em vista inteirar-se da situação, no dia seguinte, a Dr.ª GG reuniu com o Coordenador do serviço de medicina dentária, Dr. HH e com o Réu. 42. Na sequência da reunião, o Réu elaborou um relatório clínico com a descrição sumária dos tratamentos dentários que tinha efetuado ao Autor. 43. Subsequentemente, a Dr.ª GG reuniu com o Autor propondo nova avaliação por um reputado especialista de cirurgia maxilo facial, Dr. CC, o que aquele aceitou. 44. Após contacto para marcação da referida avaliação, a Ré A... informou o Autor, telefonicamente, que devia apresentar-se, no dia 22 de dezembro de 2015, no Hospital 1..., para ser consultado pelo referido cirurgião maxilo-facial. 45. O Réu informou o Autor que tinha um seguro de responsabilidade civil e que já havia participado à seguradora. 46. Após observar o Autor, o Dr. CC confirmou a presença da agulha no trígono retromolar direito e informou-o que para remoção da agulha tinha de o submeter a uma cirurgia com anestesia geral, a qual ficou agendada para 19 de janeiro de 2016; fez a cirurgia por insistência do A. 47. Na data referida em 46), o Dr. CC realizou cirurgia que consistiu na dissecação do músculo da mandíbula e identificou os nervos do trigémeo, lingual, alveolar e dentário inferior. 48. A dissecação referida em 47) permitiu comprovar localmente a agulha no músculo pterigoideu direito. 49. A intervenção correu bem, sem registo de intercorrências ou complicações, mas não foi conseguida a remoção da agulha, uma vez que a manobra apresentava um risco sério de causar lesões nos nervos referidos em 47) e deixar sequelas, designadamente, de perda de sensibilidade e parestesia no lábio inferior, dos dentes inferiores e laterais. 50. Quando soube que o médico não conseguira remover a agulha o Autor ficou em estado de choque, revoltado e angustiado. 51. Devido à cirurgia o Autor ficou com edema na boca, gengiva e mandíbula direita, tendo sentido dores durante algumas semanas. 52. O Autor teve alta do internamento para a cirurgia no dia 20 de janeiro de 2016 por se encontrar hemo-dinamicamente estável. 53. Na consulta de pós-operatório realizada em 25 de janeiro de 2016, o Dr. CC explicou detalhadamente ao Autor a localização da agulha, o procedimento operatório e os riscos de lesões nos nervos, afirmando perentoriamente que não fazia qualquer outra tentativa de remoção e que não restava senão ficar em observação radiológica periódica para controlo da posição da agulha. 54. Na consulta referida em 53) o médico avisou que, por precaução, não deveria fazer ressonâncias magnéticas. 55. Por via da cirurgia o Autor foi medicado, teve indicação para fazer dieta líquida/mole e teve baixa para o trabalho por dez dias. 56. Nas consultas de revisão pós-operatória realizadas em janeiro, fevereiro e março de 2016, o Dr. CC confirmou, por controlo radiológico, que a agulha permanecia na mesma posição e localização. 57. Nessas consultas o médico considerou que as queixas que o Autor apresentava eram as habituais e próprias da intervenção cirúrgica e não tinham a ver com a presença da agulha no trígono retromolar, encarando-as como passageiras e propondo tratamento analgésico. 58. O Autor teve alta da consulta de cirurgia em 4 de março de 2016, data da consolidação médico-legal. 59. Em 3 de fevereiro de 2016 o Autor foi colher uma segunda opinião médica, consultando o cirurgião maxilo-facial Dr. II pois era-lhe difícil aceitar que a agulha não pudesse ser extraída. 60. O médico identificado em 59) prescreveu uma Dentascan da maxila e uma TAC da face, exames que o Autor realizou no dia seguinte. 61. A Dentascan revelou que nas áreas edêntula o osso apresentava altura diminuída existindo focos de espessamento mucoso revestindo os seios maxilares de origem inflamatória. 62. A TAC revelou a existência da agulha horizontalizada, adjacente e paralela à cortical medial interna da mandíbula direita e o seu topo atingia quase a proximidade do limite posterior do ramo da mandibula. 63. Perante a informação contida na TAC, o Dr. II foi de opinião que não devia fazer-se outra tentativa de remoção devido a risco de lesões vasculares e nervosas. 64. O cirurgião em causa referiu que o Autor não devia fazer, por precaução, ressonâncias magnéticas. 65. O aparelho de ressonância magnética funciona como um grande íman que gera um campo eletromagnético extremamente forte que pode levar ao movimento ou aquecimento de objetos metálicos, consoante a sua composição; pessoas com implantes (tudo o que não é natural no organismo, podendo ser uma prótese, implante dentário ou, no caso, uma agulha), podem ser sujeitas a uma ressonância magnética após verificação da compatibilidade, ou não, do preciso material implantado com o equipamento a usar. 66. O Dr. II também aconselhou o Autor a continuar em observação para controlo clínico e radiológico. 67. Nas consultas de 10 de fevereiro, 2, 23 e 30 de março de 2016 com o Dr. II, o Autor apresentava trismos com abertura bucal de um dedo/dedo e meio e queixas de dores, consequências da cirurgia referida em 47), levando a que aquele prescrevesse fisioterapia, assim como exercícios de abertura bucal de maneira a evitar contraturas musculares e a alcançar melhoria sintomática. 68. Em 21 de março de 2016 o Autor apresentava edema da face direita, queixas de dor à palpação da região massetérica e limitação da mobilidade mandibular e da língua enquadradas no contexto pós-cirúrgico. 69. O Autor fez 19 sessões de fisioterapia da qual teve alta com ligeira melhoria do edema e da mobilidade mandibular mantendo queixas álgicas. 70. Em 17 de outubro de 2016 o Autor voltou à consulta do Dr. CC com queixas álgicas. 71. Mais uma vez, o médico verificou que a agulha continuava na mesma localização e posição. 72. Na sequência da pulpite aguda do dente 47 e da intervenção do Réu, o Autor ficou com edema facial, dores na mandíbula e dificuldade de mastigação durante alguns dias. 73. Com a intervenção cirúrgica referida em 47) os sintomas identificados em 72) regressaram. 74. O Autor manteve dieta líquida/mole durante várias semanas após as intervenções referidas em 24), 25) e 47). 75. Devido à intervenção do Réu, à recuperação da cirurgia e ao referido em 37), o Autor faltou ao serviço de 21 de dezembro de 2015 a 31 de janeiro de 2016, de 8 de março a 18 de maio e de 9 de setembro a 19 de dezembro de 2016. 76. Uma das filhas do Autor casou no dia 12 de dezembro de 2015 não tendo este disfrutado do convívio por sentir emocionalmente debilitado e com dores. 77. Nos dias subsequentes às consultas de dezembro de 2015 e à cirurgia realizada em 19 de janeiro de 2016 o Autor não pôde tomar alimentos sólidos tendo emagrecido. 78. O Autor não festejou o Natal de 2015 e Ano Novo subsequente apesar da reunião com os familiares mais próximos, isolando-se destes. 79. Durante alguns meses o Autor deixou de se reunir com os amigos e familiares. 80. Após o período de ausência de serviço, por decisão da direção da escola, que colocara outro Colega no seu posto de trabalho na receção da escola, o Autor passou a fazer vigilância exterior. 81. Além dos referidos em 75), Autor teve períodos de baixa médica entre de 13 de fevereiro a 17 de março de 2017 e de 12 a 30 de setembro de 2017. 82. O Autor necessita de fazer, por precaução, controlo radiográfico periódico, anual (dados os anos já decorridos sem alteração), para monitorizar a agulha a fim de prevenir o risco de migração, o que implica custos com consultas, exames e deslocações para o efeito. 83. O receio referido em 36) provocou-lhe angústia, medo e insónias. 84. O equipamento de ressonância magnética tem a capacidade de gerar imagens nítidas, sem necessidade de recorrer a radiação ionizante, tendo vantagens na realização de diagnósticos em relação a outros exames. 85. A realização de ressonâncias magnéticas pelo Autor depende de teste prévio de agulha com as características referidas em 107) para verificar o efeito produzido pelo equipamento, como antes referido. 86. O Autor gostava de trabalhar, era alegre, saía com a família e os amigos, tendo perdido o interesse no convívio durante vários meses. 87. Em dezembro de 2015 o Autor tinha a categoria profissional de assistente operacional, desempenhando as suas funções na Escola ..., Vila Nova de Famalicão. 88. O demandante tinha vencimento base bruto de € 505, acrescido de subsídios de férias e Natal e subsídio de refeição no montante de € 4,27 por dia de trabalho. 89. O Autor trabalhou mais de 20 anos na construção civil, antes de ingressar no Agrupamento de Escolas ..., realizando, ocasionalmente, biscates nessa atividade, para complementar o rendimento necessário ao pagamento do empréstimo da casa e dos cursos das filhas. 90. O Autor cultivava um pequeno campo com produtos hortícolas destinados ao sustento do agregado familiar. 91. Após ter ficado com a agulha alojada na mandíbula o Autor abandonou as atividades referidas em 90) e 91). 92. O Autor tem de conformar-se com o diagnóstico dos cirurgiões maxilo-faciais de que não deve submeter-se a nova cirurgia por riscos de atingimento dos nervos alveolar inferior, lingual e hipoglosso localizados na região. 93. O Autor deslocou-se no seu veículo automóvel: a) à “Hospital...” para a consulta referida em 31) e nas ocasiões referidas em 38) e 43) e em 5 de janeiro de 2016 para realização dos exames pré-operatórios, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 19,20 km e vice-versa; b) ao “Hospital 1...” para as consultas de 22 de dezembro de 2015, 4, 25 de janeiro, 8 de março, 24 de maio de 2016 e cirurgia, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 45 km e vice-versa; c) ao “Hospital 5...” para as consultas e exames referidos em 60), 59) e 67) percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 13,2 km e vice-versa; d) à Clínica ..., Ld.ª” para as sessões de fisioterapia referidas em 69) e duas consultas, percorrendo em cada viagem a partir de sua casa de 8,9 km e vice-versa. 94. Nessas deslocações o Autor despendeu quantia não apurada em combustível, assim como em portagens nas viagens da alínea b). 95. O Autor despendeu € 3,99 em causa uma das consultas identificadas em 59) e 67), € 48,30 nos exames referidos em 60) e € 37,44 em medicamentos, sendo € 23,52 respeitantes aos prescritos pelo Réu e pela Dr.ª DD e os restantes pelo Dr. CC. 96. O Autor deixou de auferir quantia não apurada nos períodos de baixa médica. 97. Alguns médicos que a Ré “A..., S.A.” disponibiliza aos seus utentes, entre os quais o Réu, têm convenção com a ADSE, da qual o Autor é beneficiário. 98. Por escrito datado de 24 de fevereiro de 2011 a Ré “A..., S.A.” e a sociedade “D..., Ld.ª” acordaram na prestação de serviços de medicina dentária pelo Réu e de cirurgia geral por Dr. JJ, representantes da referida sociedade, na “Hospital...” de ... e da ... para atendimento e tratamento dos utentes que recorressem aos serviços de saúde daquelas unidades mediante pagamento de honorários, no caso do Réu, das percentagens dos valores faturados estipulados nas instruções de serviço em vigor à data de pagamento, competindo exclusivamente à Ré determinar o montante a ser debitado aos utentes, na proporção de 70% para a “R. A..., S.A.” e de 30% para a “D..., Lda.”. 99. A Ré “A..., S.A.” cobrava ao Autor o valor das consultas, tratamentos e exames que não estavam cobertos pelo acordo com a ADSE. 100. O material e equipamentos, designadamente, as agulhas, usados pelo Réu na sua atividade são encomendados e disponibilizados pela Ré “A..., S.A.”. 101. O Réu tem experiência médica dentária de 10 anos de atividade ininterrupta, acrescendo pós-graduação em implantologia. 102. É reputado no meio hospitalar como profissional competente e experiente. 103. A permanência da agulha no trígono retromolar é, por norma, indolor e assintomática. 104. Para efeitos de realização de ressonâncias magnéticas a presença desse material no corpo humano é comparável a uma prótese metálica, um parafuso ou outro dispositivo médico devendo a sua existência ser comunicada aos técnicos que a realizam. 105. Comprovadamente a agulha nunca saiu do local onde se encontra alojada. 106. A administração da anestesia referida em 16) foi feita através de seringa carpule que é o dispositivo médico indicado para esse procedimento. 107. Na seringa foi aplicada uma agulha Octoplus infiltrativa 30G curta de 0,3 x 21 mm produzida por E..., S.A. em aço inoxidável 304 - X5CrNi18-10. 108. Trata-se de uma agulha descartável, de uso único, esterilizada por radiação gama, selada e revestida de silicone, própria para a anestesia do nervo alveolar inferior. 109. A agulha cumpre as normas de qualidade ISO 7855:2010 (agulhas estéreis para injeção de uso único) e ISO 11137-1-2006 (esterilização de dispositivos médicos por radiação). 110. Os componentes da agulha cumprem as normas de qualidade: - ISO 9626:2001: agulha bisel em aço inoxidável siliconizado; - ISO 9997:1999: cone de rosca em polipropileno que encaixa na seringa. 111. Cada agulha é fornecida numa embalagem individual selada que garante as condições de esterilidade e inviolabilidade. 112. A agulha é obrigatoriamente descartada após cada utilização, não podendo ser reutilizada, nem utilizada se o selo de garantia estiver violado. 113. Desde, pelo menos, 2013/2014, a Ré adquire à “F..., Ld.ª” os dispositivos médicos correspondentes ao identificado em 107). 114. A sociedade referida em 113) é uma empresa de referência especializada no fornecimento de material odontológico. 115. Todos os consumíveis hospitalares da “Hospital...” são geridos pelo seu Serviço de Aprovisionamento, sob o controlo da Direção de Logística do mesmo, o qual encomenda os produtos, controla o respetivo fornecimento, assegura e monitoriza as condições de armazenamento, procedendo à sua distribuição pelos diferentes serviços em função das suas necessidades. 116. A Ré “A..., S.A.” nunca recebeu do Coordenador de Serviço de Medicina Dentária ou de qualquer profissional desse mesmo serviço, designadamente, o Réu, qualquer reporte de defeitos do material odontológico fornecido pela F..., em particular das agulhas Octoplus. 117. O músculo pterigoideu direito onde a agulha está alojada não permite a sua entrada na corrente sanguínea tão-pouco havendo comunicação direta entre esse músculo e o encéfalo ([43]) ou o coração. 118. Na sequência de trauma sofrido no ombro direito, seguido de queda, no local de trabalho em setembro de 2014, o Autor ficou a padecer de IPP de 9%, tendinite. 119. Entre a primeira Ré, “A..., S.A.” e a chamada “C..., S.A.” foi celebrado um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e de Exploração, titulado pela apólice ..., com efeitos desde 01/01/2015 a 01/01/2016, renovável anualmente, pelo qual a primeira Ré transferiu para a C... a responsabilidade civil que lhe seja imputável, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causados involuntariamente a pacientes ou a terceiros em geral, pela exploração e a atividade da sua unidade de saúde, in caso a “Hospital...” – Hospital Privado. 120. Nos termos da referida apólice, a “C..., S.A.” garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis à Ré, até ao montante do capital seguro de € 1.250.000 (um milhão duzentos e cinquenta mil euros) por sinistro e por anuidade, tudo nos termos das condições particulares e especiais cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 121. Ficou a constar da 3ª cláusula particular da apólice identificada em 119) que a mesma garantia «ainda a responsabilidade civil profissional decorrente de atos médicos, praticados por empregados do Segurado» assim como «responsabilidade civil profissional, entendendo-se a responsabi-lidade legalmente imputável ao Segurado pelos atos ou omissões profissionais do pessoal médico, corpo de enfermagem, pessoal paramédico, auxiliares de saúde e demais pessoas quando ao serviço do segurado, com qualquer tipo de vínculo contratual ou sob as suas ordens e responsabilidade, no exercício das funções inerentes à prática da atividade segura, ficando excluídos atos ou omissões praticados por empregados de empresas de outsourcing prestadores de serviços complementares à atividade do segurado [resposta ao artigo 7º do articulado da Interveniente Acessória]. 122. Entre o segundo Réu, BB, como tomador e segurado, e a Ré “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice nº ..., com o limite de capital de € 300.000, com sublimite por sinistro de € 150.000 [tudo nos termos da apólice cuja cópia se encontra junta, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais]. 123. Entre a Ordem dos Médicos Dentistas, como tomador de seguro, o segundo Réu, BB, como pessoa segura, e a Ré “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, com início em 01/01/2009 e [termo a] 31/12/2017, titulado pela apólice nº ... cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais]. 124. Na sequência da participação do Réu, a Ré “B..., S.A.” solicitou à empresa G... que procedesse a averiguação dos factos participados com vista a estabelecer a sua relação com o sinistro não dando qualquer instrução para apresentação de proposta de regularização ao Autor. *** Não se provaram os seguintes factos:a) o Autor foi-se apercebendo que o tratamento estava a demorar muito mais que o costume; b) o Réu começou, ao fim de algum tempo de tratamento, a evidenciar uma notória apreensão e preocupação e agia como se algo estivesse a correr mal no tratamento que estava a fazer, tendo inclusive chamado mais uma técnica para o ajudar; c) o Réu referiu ao Autor que lhe tinha retirado um dente; d) no momento referido em 26) o Réu disse ao Autor que como este já tinha a gengiva e partes moles mandibulares golpeadas em vários sítios e a sangrar a remoção tinha de ser feita em nova intervenção; e) o Réu deu ao Autor baixa médica de 26 dias; f) em 9 de dezembro o Réu extraiu ao Autor o dente 47; g) durante o tratamento o Réu nunca referiu ao Autor que lhe ia extrair o dente, designadamente, por pulpite aguda; h) após o exame referido em 34), o segundo Réu reuniu com a Dr.ª DD e o Autor; i) a Dr.ª DD disse ao Autor que quando a boca estivesse recuperada da «golpeada» que lhe foi infligida pelo segundo Réu, tratariam de arranjar um cirurgião no Hospital 1... para fazer a intervenção; j) as dores referidas em 51) fossem permanentes; k) por via da intervenção cirúrgica o Autor ficou de baixa até à propositura da ação e sem outro dente, também com função mastigadora que lhe foi extraído durante essa cirurgia; l) em 9 de dezembro de 2015 o Réu administrou mais de uma vez a anestesia; m) após o Réu terminar a intervenção, o Autor esteve muitas horas com a boca adormecida; n) o Autor ficou com incontinência salivar e com alterações de sensibilidade; o) não conseguia fazer a barba, pois ao mais pequeno toque, tinha dores; p) como a perda de sensibilidade lhe retirou a perceção da escorrência de líquidos pelos lábios, a saliva e os líquidos saiam-lhe sem o Autor contar, o que muito o envergonhava e por isso deixou de comer à frente das pessoas, deixou de ir aos cafés e aos restaurantes e mesmo em família comia isolado; q) a perda de sensibilidade também fazia com que se babasse sem dar conta, só quando o fluido caia é que se apercebia, o que também lhe provocou vergonha e desconforto; r) o Autor ainda permanece com dores, edema facial, perda de sensibilidade e não consegue dormir para o lado direito; s) por via das intervenções cirúrgicas e consequências, o Autor tem perda do sentido gustativo, cansa-se a falar, a língua como que se «enrola», alterando o discurso, ficou com menor abertura bucal, com limitações e restrições físicas e alimentares; t) durante meses o Autor deixou de ir a restaurantes, de se reunir com os amigos e familiares por se sentir envergonhado; u) o Autor não tem condições para trabalhar; v) entre o espaço de tempo em que não faz a monitorização, a agulha pode deslocar-se no seu organismo atingindo uma zona letal([44]); w) só à custa de indutores do sono o Autor consegue ultrapassar as insónias; x) o Autor era um homem cheio de saúde e de energia; y) o Autor auferia em média € 250 por mês com a atividade complementar referida em 89); z) o abandono da atividade referida em 90) causa prejuízos estimados em € 5.000; aa) antes do descrito evento jogava frequentemente futebol de salão e agora não mais pode jogar; ab) por imposição médica o Autor não pode ter atividades, quer de lazer, quer de trabalho que impliquem esforço físico; ac) há pessoas que se suicidam quando são atingidas no trigémeo porque não suportam a dor permanente e irreversível; ad) a relação familiar com a esposa tem-se tornado fria e pouco intimista dado sentir vergonha pelas sequelas com que ficou, retrai-se de a beijar e nunca mais tiveram a mesma vida sexual, já não se procuram como antes do evento; ae) o Autor mantém permanentemente bolsas de saliva na boca e apesar da higiene dentária que faz e bem, parece que tem sempre mau hálito e que a boca tem um sabor metálico; af) o Autor não consegue abstrair-se do risco de saúde que comporta ter a agulha no trígono retromolar, do risco de se deslocar atingindo o nervo mandibular direito ou qualquer órgão vital; ag) o Autor sentia-se profissionalmente realizado no anterior cargo, o que não sucede neste, o que lhe causa incómodo e insatisfação pessoal; ah) em consequência das intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter o Autor perdeu para sempre massa óssea e ficou com o maxilar irregular e com perda de sensibilidade; ai) as lesões e as sequelas que lhe ficaram do descrito evento provocado pelo segundo Réu acarretou para o Autor uma incapacidade permanente geral de pelo menos 30%; aj) a Ré A... tem acordo com a ADSE; ak) o dente 47 estava com a raiz comprometida; al) as incapacidades e danos alegados pelo Autor estão relacionados com acidente de trabalho referido em 118); am) a agulha podia ser deficiente ou padecer de qualquer anomalia que não era percetível na inspeção prévia realizada pelo Réu; an) qualquer movimento do doente, ainda que subtil, como o ato de respirar ou engolir saliva, pode contribuir para a quebra da agulha; ao) na sequência da informação referida em 45) houve negociações entre Autor e a Ré B..., que mandatou o Dr. KK da G... para as fazer”. Posto isto, improcederam as pretendidas alterações à matéria de facto, para lá da irrelevante supressão efetuada (referida em nota) e das alterações que introduzimos nos termos do art.º 662.º do C.P.C. O Direito aplicável aos factos: Seremos tão sucintos quanto possível e com o enfoque posto naquilo que é o objeto de recurso – sendo de observar, também na parte jurídica, o cuidado posto pelo tribunal a quo na elaboração da sentença, sem prejuízo de não concordarmos com ela em toda a linha, como veremos. Recuperamos agora as questões jurídicas que já enunciámos. A) Se por facto ilícito praticado pelo R. deve a sua seguradora, a 3.ª R., ser condenada solidariamente com a 1.ª R., no âmbito de concurso efetivo (não meramente aparente, por força da consunção) entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual. B) Se o A. padece de diminuição funcional enquadrável no âmbito do dano biológico. C) Se se justifica a realização de exame futuro atinente a determinar se o A. pode, ou não, ser sujeito a uma ressonância magnética, no âmbito da decisão de relegar para execução de sentença a liquidação da compensação por tal eventual dano não patrimonial. D) Se a quantia compensatória, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., fixada pelo tribunal a quo, se mostra adequada. Tal como fizemos aquando da discussão da matéria de facto, não iremos reproduzir os considerandos jurídicos tecidos na sentença em apreço; limitar-nos-emos à discussão do que se mostra controvertido. Assim, e quanto à primeira questão, A). Concordamos com o entendimento da primeira instância, pelo que a resposta será negativa. Existe responsabilidade civil quando uma pessoa é obrigada a reparar um dano sofrido por outra. O art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil (C.C.) dispõe da seguinte forma: “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe “a existência de um facto voluntário do agente e não de um mero facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano, pois sem isso não se põe qualquer problema de responsabilidade civil, e, também que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele”([45]). De acordo com os factos provados, todos estes pressupostos estão preenchidos, pois o R. (cuja responsabilidade civil emergente da sua atividade profissional estava transferida para a 3.ª R.) praticou, voluntariamente, um facto, ilícito [por violar normas destinadas a proteger interesses alheios, no caso as atinentes à tutela do direito à integridade física, bem jurídico tutelado ao nível constitucional no art.º 25 da Constituição da República([46]), com emanação infraconstitucional, quer no direito civil, no art.º 70.º, n.º 1, do C.C.([47]), quer no direito criminal, desde logo no art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal([48])], com culpa (por merecedor de um juízo de censura, nos termos do art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), ainda que negligente (por imperícia) – enquanto violação do dever de cuidado([49]) ([50]) – do qual emergiram danos para o A. A propósito do termo que acabámos de usar, imperícia, citamos o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 453/13.7T2AVR.P1.S1, de 31/03/2022, relatado por Ferreira Lopes, “[a] culpa em sede de responsabilidade médica, traduz-se na omissão de diligência e competências exigíveis. Há assim culpa quando o médico, na sua actuação, se desvia do modelo de comportamento – em termos de prudência, competência e atenção – que ele podia e devia ter adoptado, desvio que, como sublinhado no citado acórdão do STJ de 12.01.2022, se pode manifestar por 3 formas: - negligência, entendida como omissão dos cuidados devidos; - imprudência, que se caracteriza pela adoção imponderada de condutas arriscadas e inadequadas; - imperícia, que se caracteriza pela ausência dos saberes teóricos, da capacidade técnica e da destreza prática adequada ao ofício que profissionalmente exerce”([51]). O juízo de valor antecedente tem o apoio factual na matéria enunciada como provada. Assim([52]): Facto voluntário: facto n.º 15. Ilícito: facto n.º 34. Culposo: factos n.º 19, al. f), e n.º 23. Dano: factos n.º 34, 36, 37, 47, 50 a 52, 55, 58, 62, 64, 67 a 69, 73 a 83, 85, 86 e 91 a 96. Nexo de causalidade entre o facto voluntário, ilícito, culposo e o dano ocorrido: 19, al. f), e e 34. Sobre este nexo, voltamos a citar o acórdão atrás referido: “[p]ara a teoria da causalidade adequada, na vertente negativa, que é a seguida no nosso [direito], o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem concorrido decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, que intercederam no caso concreto. Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite não só a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano”([53]). Não obstante, in casu, é inquestionável a causalidade adequada, pois os (sucessivos) danos foram consequência direta do evento causado por imperícia do R. (ter pressionado a carpule, como vimos já) – este aspeto é de manter em linha de conta, dado que, adiante, consideraremos não estar quebrado o nexo de causalidade relativamente à posterior cirurgia a que o A. foi sujeito para tentar remover a agulha. Segundo o art.º 562.º do C.C., “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Assim, e de acordo com o disposto nos artigos 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º do C.C., há que determinar o quantum indemnizatório (para os danos patrimoniais) e o compensatório (para os não patrimoniais). Danos patrimoniais são os que se traduzem numa perda quantificável em numerário, abrangendo (nos termos do art.º 564.º do C.C.) os danos emergentes, que são a efetiva diminuição do património, e os lucros cessantes. Por danos não patrimoniais entende-se os “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou moral”([54]). São danos que, pela sua própria natureza, são insuscetíveis de reparação in natura – pois sempre subsistirão – ou de indemnização stricto sensu; são passíveis, isso sim, de uma compensação destinada a proporcionar à vítima satisfações diversas que representem um lenitivo ou uma atenuação do sofrimento e, de acordo com o disposto no art.º 496.º do C.C., serão de atender sempre que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo o quantum compensatório determinado de acordo com juízos de equidade, nos termos dos artigos 496.º, n.º 3, e 494.º do C.C. Como resulta dos factos provados n.º 45 e 122 (e, também, de certa forma, do 123…), entre o R., enquanto tomador e segurado, e a 3.ª R. foi efetuado um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil emergente da atividade profissional daquele. Assim, qualquer dano a ressarcir nesse âmbito seria da responsabilidade da 3.ª R. e não do R. Contudo, o evento causador dos danos sofridos pelo A. ocorreu durante a execução de um contrato de prestação de serviço (médico) celebrado entre a 1.ª R. e o A., tal como provado nos factos n.º 97 a 100. Citando novamente o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “[c]omo se refere no supracitado acórdão de 28.01.2016, «o art. 800º abrange tanto a conduta de auxiliares dependentes como a conduta de auxiliares independentes», pelo que no caso concreto é indiferente determinar qual o vínculo existente entre o 1º Réu e 2ª Ré, porque quer se trate de contrato de trabalho quer de outra natureza, o regime da responsabilidade do Réu Hospital é o mesmo. A razão de ser do art. 800º, segundo Vaz Serra, BMJ, nº 72, pag. 270, é a seguinte: «O devedor que se aproveite de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos actos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares alargaram-se as possibilidades do devedor, o qual, assim tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles”([55]). Ou seja, a citação é plenamente válida neste caso, pois que é irrelevante o facto de o R. não ser funcionário da 1.ª R., antes prestador de serviço no âmbito do contrato celebrado entre aquela e a firma de que é sócio. Por seu turno, tal como assente nos factos n.º 119, 120 e 121, entre a 1.ª R. e a chamada companhia de seguros “C..., S.A.”, à data do evento (09/12/2015) estava em vigor um contrato de seguro, em que a primeira era a tomadora e segurada, de responsabilidade civil profissional e de exploração, nos termos do qual, entre o mais “entendendo-se a responsabilidade legalmente imputável ao Segurado pelos atos ou omissões profissionais do pessoal médico, corpo de enfermagem, pessoal paramédico, auxiliares de saúde e demais pessoas quando ao serviço do segurado, com qualquer tipo de vínculo contratual ou sob as suas ordens e responsabilidade, no exercício das funções inerentes à prática da atividade segura”([56]). Feito este enquadramento, há então que explicarmos por que dissemos já que a questão seria respondida negativamente: a pretensão recursiva de pretender a condenação solidária da 3.ª R. com a 1.ª R., por entender que existe concurso efetivo de responsáveis civis ou, dito de outra forma, que é de excluir o entendimento do tribunal a quo de que existe uma relação de concurso aparente, ou legal, entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, por consunção. Concordamos com o entendimento da primeira instância – aliás, atualmente pacífico, diríamos… Como explica Almeida Costa, “[p]ode acontecer que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física. [Tem] sido muito discutido o problema da equação, em tais casos do concurso das duas espécies de ilícito civil. As diversas orientações dividem-se em dois grupos; os denominados sistema de cúmulo e sistema de não cúmulo. [Se], de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. [A]s [hipóteses] reconduzem-se à figura do concurso aparente, legal ou de [normas], já que nos deparamos com uma única conduta ilícita – a merecer, portanto, uma só indemnização. [O] regime da responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto se traduz o princípio da consunção”([57]). Nos termos expostos, a resposta à questão A é negativa. Quanto à questão B)([58]), a resposta será a mesma, ou seja, também aqui, à semelhança do tribunal a quo, não vemos razão factual ou jurídica para que os danos sofridos pelo A. não sejam ressarcíveis pela tradicional dicotomia entre indemnização (de danos patrimoniais) e compensação (de danos não patrimoniais). Referimos “razão factual”, além de jurídica, por não ter ficado provada qualquer afetação da capacidade funcional do A., quer em termos profissionais (auxiliar de ação educativa), quer pessoais – nas suas diferentes vertentes, física e psíquica, de tudo o que é existir e “viver a vida”. No concernente ao conceito de dano biológico([59]) não o consideramos um tertium genus para lá da referida dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial, pois que uma afetação da completa integridade bio-psíquica (diminuição da capacidade funcional) poderá, consoante as circunstâncias de cada caso (idade, profissão, tipo de afetação sofrida), ter uma repercussão com um pendor mais patrimonial ou mais não patrimonial – de todo o modo, terá de se tratar de um dano que mereça a tutela do Direito, entendendo nós que, em qualquer dos casos, os juízos de equidade, em conformidade ao disposto nos artigos 562.º a 564.º e 566.º, n.º 3, do C.C., permitirão a determinação do justo quantum do ressarcimento (e não já locupletamento…). Posto isto, e como dissemos, não se tendo provado qualquer diminuição da capacidade funcional, nas suas diferentes vertentes, a questão nem se coloca, pelo que a resposta à questão é negativa. Quanto à terceira questão, C)([60]). Ora, ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, não se justifica a decisão de relegar, para momento futuro, em liquidação de sentença, a determinação da compensação pelo dano não patrimonial para, após a realização de um exame, de um teste, se estipular se a agulha em questão é compatível com a realização de uma ressonância magnética (R.M.)([61]). Todos os elementos relevantes atinentes à composição da agulha estão já provados (factos n.º 107, 109 e 110), sendo que até já foi feito um teste e que está junto aos autos, como antes referimos. De todo o modo, é de crucial importância neste ponto mantermos presente o que resultou abundantemente dos autos (e, parcialmente, referido nas conclusões do mencionado teste, que oportunamente já transcrevemos). Assim: a) qualquer teste em abstrato (como o preconizado pelo tribunal a quo) poderia ser inconclusivo por os equipamentos de R.M. terem características diferentes, em função do fabricante e da potência, b) as R.M. são efetuadas a distintas partes do corpo, pelo que a presença da agulha só será relevante para as que fossem efetuadas à cabeça e, eventualmente, ao tórax, c) qualquer uso de um meio auxiliar de diagnóstico é sempre precedido por um juízo de valor médico sobre a relação custo-benefício para o concreto caso de um doente e, d), estando o A. na posse das características da agulha, eventual teste a fazer terá de ser para uma potencial R.M. em concreto (parte do corpo e equipamento, bem como protocolo técnico aplicável consoante o fundamento da prescrição e o objetivo a explorar). Mantendo presentes os considerandos que antes tecemos sobre os critérios de compensação de um dano não patrimonial e atendendo a que: a) nem sempre a realização de uma R.M. é o meio de diagnóstico mais adequado; b), a exposição à radiação ionizante inerente à utilização de outros meios de diagnóstico é segura (daí ser utilizada com frequência, há décadas)([62]) e, c), não deixar de configurar uma preocupação e, a verificar--se a necessidade de um teste em concreto, não deixar de ser um transtorno, afigura-se-nos adequado fixar a compensação em 1000 Euros – por, também eventualmente, poder suceder que fique privado de fazer uma R.M. com concreta relevância diagnóstica. Em conformidade, será revogado o segmento decisório A d) da sentença recorrida, pois que quanto a tal decidiremos o seguinte: “A d) Compensar o A. na quantia de 1000 Euros, a título de danos não patrimoniais, pela eventual necessidade de, caso seja necessário fazer uma ressonância magnética, ter de se sujeitar a um teste de compatibilidade de agulha igual à agulha alojada na mandíbula com o concreto exame de ressonância, zona do corpo e equipamento a utilizar (e possibilidade existente de, em concreto, o mesmo não poder ser realizado)”. Resta a derradeira questão, “D) [s]e a quantia compensatória, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., fixada pelo tribunal a quo se mostra adequada” – 10000 Euros. Reiterando o respeito devido por diferente entendimento, novamente discordamos com o tribunal a quo. Mantendo presentes os factos pertinentes aos danos não patrimoniais sofridos pelo A. e tidos em conta pelo tribunal recorrido, bem como os considerandos sobre tal tecidos, salientamos ainda o seguinte (e no seguimento de tudo o quanto vimos dizendo). a) Há uma cadeia de eventos dolorosos e geradores de vários incómodos (no que se incluem, entre os demais constantes dos factos provados e no tempo em que o foram, a transitória alteração de alimentação, bem como os trismos, ainda que temporários) que não pode ser obliterada: não fosse o evento inicial de a agulha ter partido aos 09/12/2015, não teria o A. de ter sido submetido a uma cirurgia (ainda que a seu pedido, pois é um direito seu tomar as decisões atinentes à sua saúde) com anestesia geral, não teria andado a procurar outra segunda (terceira([63])) opinião, não teria feito fisioterapia([64])… b) O evento aconteceu aos 09/12/2015, a cirurgia para tentar remover a agulha aos 19/01/2016 e a alta foi considerada como verificada aos 04/03/2016. c) A angústia (e receio) foi persistente no tempo, tal como foi a persistência do A., pois que após a ida ao cirurgião CC, que o operou, foi ainda pedir opinião ao Dr. II. d) Se, e como afirmámos antes, a simulação pode coexistir com a somatização, o que é facto é que esta foi referida em diferentes relatórios, sendo que quanto a tal também já referimos que o A., após o julgamento (pelo menos), está na posse dos elementos para começar a trabalhar mentalmente a questão, a sós ou com ajuda psicológica. e) O decurso do tempo, pois que esta ação deu entrada em juízo aos 18/11/2016 e estamos aos 10/07/2024... Como observámos antes, diferentes fatores contribuíram para o decurso do tempo; no entanto, consabidamente, o decurso do tempo é um facto juridicamente relevante([65]). Não é exigível que um utente de um tribunal considere o decurso do tempo do mesmo modo que os diferentes intervenientes processuais (e partes que sejam pessoas coletivas…), até porque, como é evidente, para o utente é “o seu processo”, “o seu problema”… Ora, tendo presente tudo quanto ao longo deste acórdão vimos referindo (inclusive no atinente aos critérios de determinação do montante de compensação, que não pode ser meramente simbólico, a situação económica de ambas as partes, em que de um lado temos um auxiliar de ação educativa e do outro um relevante grupo de hospitais em diferentes cidades e, de não esquecer, o decurso de tanto tempo…), consideramos adequada a compensação de 20000 Euros pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A.([66]) – tanto mais que a angústia, por assim dizer, do mesmo foi efetivamente sentida. Assim, também nesta parte a sentença recorrida será revogada, pelo que a redação do ponto decisório A c) passará a ser a seguinte: “A quantia de 20000 Euros a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento”. Pelo exposto, o presente recurso será julgado parcialmente procedente. III – DECISÃO Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo A. e, consequente, revoga-se a sentença proferida no respeitante ao seguinte: O excerto decisório A d), é substituído pelo seguinte: “A d) Compensar o A. na quantia de 1000 Euros, a título de danos não patrimoniais, pela eventual necessidade de, caso seja necessário fazer uma ressonância magnética, ter de se sujeitar a um teste de compatibilidade de agulha igual à agulha alojada na mandíbula com o concreto exame de ressonância, zona do corpo e equipamento a utilizar (e possibilidade existente de, em concreto, o mesmo não poder ser realizado)”. O excerto decisório A c), é substituído pelo seguinte: “A quantia de 20000 Euros a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento”. No mais, não alterado por este acórdão, mantém-se a decisão recorrida. Custas na primeira instância e da apelação na proporção do decaimento nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C. Porto, 10/07/2024. - Jorge Martins RibeiroEste acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos: Miguel Baldaia de Morais Ababela Morais ___________________ [1] Ainda que com pontuais alterações, seguiremos de perto a síntese efetuada na primeira instância. [2] Mais detalhada do que seria indispensável mas que cremos ser útil para a compreensão do objeto do processo e da decisão. [3] Interpolação nossa. [4] Interpolação nossa. [5] Interpolação nossa. [6] Interpolação nossa. [7] Como veremos adiante, estas medidas variam nos autos, pois também se refere 21mm. por 0.4 mm.; a dimensão correta é 21mm por 0.3 mm. [8] De todo o modo, e como resulta dos autos, nunca seria para o encéfalo ou para o coração (possibilidade avançada pelo A.), até por ser impossível – dada a anatomia humana e a estrutura dos vasos sanguíneos. [9] Posteriormente este “parecer” foi impugnado pelo A., aos 05/04/2022, por o seu subscritor ter declarado que nada tinha a ver com as partes e ter sido apurado pelo A. que presta funções para o grupo a que a 1.ª R. pertence (atualmente “Hospital 4...”)… [10] Perito jurista. [11] Cujo teor integral (93 páginas) damos por reproduzido. [12] Itálico, aspas e negrito no original. [13] Itálico e negrito no original. [14] Negrito, aspas, itálico e parênteses no original. [15] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 30. [16] O reexame da prova produzida oralmente, sem prejuízo do demais, terá a enfâse posta nos seguintes aspetos: se a agulha pode mexer ou “migrar” para outra parte do corpo…, se o autor ficou a padecer permanentemente de incontinência salivar e de alterações de sensibilidade, se ainda tem dores resultantes de a agulha estar alojada na mandíbula, edema facial, perda de sensibilidade, não pode dormir para o lado direito e se, após 04/03/2016 ficou com algum défice funcional permanente. De notar, contudo, e como resulta dos autos, que o historial de cuidados prestados ao autor na especialidade de medicina dentária é longo (por diferentes problemas), quer antes do evento (reportado aos 09/12/2015), quer depois… – ao que voltaremos a diante. [17] Sequência referida nas alegações. [18] Sessão de 21/01/2022. [19] Observamos em nota o seguinte: como resulta do documento junto aos autos no dia 29/12/2021 pela “Hospital 5...”, relativamente aos atendimentos ao A., a médica OO, no dia 01/06/2019, fez constar da ficha “paciente extremamente rude” e no dia 01/09/2020 o médico PP anotou “paciente muito ansioso”, tal como o é referido também na informação do “Hospital 3...” junta aos autos no dia 06/01/2022. [20] Novamente em nota, observamos que a pouca colaboração do A. foi constatada por mais que uma vez nos diferentes exames ocorridos ao longo do processado. [21] Posteriormente, ao examinar a dentascan do maxilar e a da mandíbula, esclareceu que a agulha não está a tocar no nervo, nem a interferir ou com potencial para causar lesões nervosas. [22] Os nervos são sensitivos ou motores, sendo que a dor prende-se à afetação de um nervo sensitivo. [23] Contração dos músculos que impede a abertura da boca. [24] Ouvido na sessão de 26/10/2021. [25] Dificuldade em distinguir os aspetos psíquicos e físicos. [26] Ouvida na sessão de 16/02/2022. [27] Incluindo a alegação do A. de ter de dormir para o lado esquerdo por dor mandibular à direita (por causa da agulha…), ao passo que foi constatada uma I.P.P. de 9% no ombro direito por uma lesão anterior. Esclareceu que a queixa pode ser mista, derivada “às duas patologias”… [28] Como veremos adiante. [29] Impõe-se-nos, desde já, fazer uma observação: se somatização e simulação não são a mesma realidade, o que é um facto é que, mesmo existindo somatização, nada exclui a cumulação com eventual simulação… [30] Ouvido na sessão de dia 29/10/2021. [31] Prestou depoimento na sessão de 26/10/2021. [32] Ouvida na sessão de 29/10/2021. [33] Como veremos adiante, a partir dos elementos clínicos respeitantes a consultas posteriores por outros dentes, encontrámos antibiótico, anti-inflamatório e analgésico. [34] As ilações a tirar foram já enunciadas aquando dos esclarecimentos desta perita. [35] Indicação de bibliografia no original. [36] Por facilidade de exposição, transcrevemos novamente em nota esta parte do dispositivo: “Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente: A) condena a Ré A..., S.A. a pagar ao Autor AA o [seguinte]: d) o que vier a ser apurado em incidente de liquidação a título de danos não patrimoniais, na hipótese de, após realização da diligência identificada no ponto 85) da fundamentação de facto, resultar que o Autor não pode ser submetido a exames de ressonância magnética”, sendo que os ponto 85 e 107 dos factos provados são do seguinte teor: “85. A realização de ressonâncias magnéticas pelo Autor depende de teste prévio de agulha com as características referidas em 107) para verificar o efeito produzido pelo equipamento [resposta ao artigo 65º da petição inicial]. 107. Na seringa foi aplicada uma agulha Octoplus infiltrativa 30G curta de 0,3 x 21 mm produzida por E..., S.A. em aço inoxidável 304 - X5CrNi18-10 [resposta ao artigo 76º da contestação da Ré A...]”. [37] Cf. Lebre de FREITAS e Isabel ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2019, p. 339. [38] Neste sentido, transcrevemos parte do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 38/17.9JAFAR.E1.S1, datado de 03-04-2019, relatado por Manuel Augusto de Matos: “III - A produção da prova pericial justifica-se quando a percepção ou a apreciação dos factos pressuponha o uso de conhecimentos em determinada área específica, normalmente não acessíveis à generalidade das pessoas, sendo-lhe atribuída uma força probatória reforçada, ainda que não absoluta. IV - Por essa razão, o regime jurídico da prova [pericial] visa garantir, por um lado, a isenção e a imparcialidade daqueles a quem deva ser confiada a sua produção e, por outro lado, a sua competência no ramo específico de saber que esteja em causa” (itálico e interpolação nossa). O acórdão está acessível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/db3fd500f19fb1bc802583d200488cb6?OpenDocument [20/06/2024]. [39] Sobre tal, a título exemplificativo, veja-se o A do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 34/11.0TAAGH.L2.S1, de 25/05/2023, relatado por Leonor Furtado. O acórdão está acessível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8cf34b68938ffedc802589bf0032a11c?OpenDocument [20/06/2024]. [40] Por facilidade de exposição, e por o acórdão já ir longo, reproduzimo-las em nota: 1) Se os factos que foram considerados não provados nas alíneas n) e r) devem agora serem considerados provados. 2) Se dos factos provados deve ser eliminado o n.º 103. 3) Se deve ser alterada a redação do facto não provado v) e do facto provado n.º 117. [41] Introduziremos as alterações a negrito, bem como pontuais alterações no texto, até por causa do acordo ortográfico em vigor; as demais alterações serão assinaladas em nota de rodapé. [42] Texto suprimido: “também não conseguiu retirar a agulha, o que comunicou ao Autor referindo-lhe que”. [43] Texto suprimido: “cérebro”, que é uma pequena parte do encéfalo. [44] Texto inócuo suprimido, como pretendido pelo recorrente: “, vivendo «como se tivesse uma espada sobre a cabeça»”. [45] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, p. 446. [46] “1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável”. [47] “A protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. [48] “1 - Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. [49] Ainda que no âmbito da medicina se imponha moderação na aferição do tipo de culpa, aferida a partir da observância, ou não, das leges artis – moderação que se impõe, sob pena de, assim não sendo, se poder conduzir a uma significativa restrição da atuação médica (bem imprescindível às pessoas), pois que por natureza não pode ser excluída a intercorrência de eventos e de consequências indesejadas, seja em que procedimento médico for. [50] Como resulta da instrução e julgamento dos autos, a agulha usada no procedimento pode quebrar-se por defeito de fabrico, movimento do doente, ou indevida utilização pelo profissional clínico. Ora, quanto ao defeito de fabrico nem foi sequer alegado (e, diga-se, também não que foi o doente quem fez um movimento inoportuno), muito pelo contrário, a qualidade do material (e conformidade aos regulamentos aplicáveis) foi deveras elogiado pelos réus, bem como a sua frequente utilização sem quaisquer problemas. Por outro lado, e quanto ao R., não obstante estar rotinado no procedimento, que ao longo de 10 anos fez milhares de vezes, fazendo-o diariamente, o que é um facto é que inseriu completamente a agulha tendo pressionado a carpule – resultado, desta vez, na quebra de ligação entre a agulha e a sua carpule, o que, apesar de ser um evento raro, é conhecido. [51] O acórdão está acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f2ee57be1cae6b4f80258816005a6c61?OpenDocument [20/06/2022 (itálico nosso)]. [52] Dada a amplitude da matéria de facto e a suscetibilidade de diferentes factos serem enquadráveis (ou relevantes para a aferição de) em mais de um pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, a enunciação que acima fizemos é descritiva e não exaustiva, pelo acabado de referir. [53] Interpolação e itálico nosso. [54] Cf. Inocêncio Galvão TELLES, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, p. 375. [55] Aspas no original. [56] Itálico nosso. [57] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 436-441 (interpolação nossa; itálico e aspas francesas no original). [58] Relembramo-la em nota: “B) Se o A. padece de diminuição funcional enquadrável no âmbito do dano biológico”. [59] Passível de diferentes construções doutrinais e entendimentos jurisprudenciais. [60] “Se se justifica a realização de exame futuro atinente a determinar se o A. pode, ou não, ser sujeito a uma ressonância magnética, no âmbito da decisão de relegar para execução de sentença a liquidação da compensação por tal eventual dano não patrimonial”. [61] Relembramos o teor do decidido em A) d) na sentença recorrida: “d) o que vier a ser apurado em incidente de liquidação a título de danos não patrimoniais, na hipótese de, após realização da diligência identificada no ponto 85) da fundamentação de facto, resultar que o Autor não pode ser submetido a exames de ressonância magnética”, sendo que os ponto 85 e 107 dos factos provados são do seguinte teor: “85. A realização de ressonâncias magnéticas pelo Autor depende de teste prévio de agulha com as características referidas em 107) para verificar o efeito produzido pelo equipamento [resposta ao artigo 65º da petição inicial]. 107. Na seringa foi aplicada uma agulha Octoplus infiltrativa 30G curta de 0,3 x 21 mm produzida por E..., S.A. em aço inoxidável 304 - X5CrNi18-10 [resposta ao artigo 76º da contestação da Ré A...]”. [62] Aliás, por ser um facto do conhecimento geral, notório, referimos que todas as pessoas estão constantemente expostas à radiação ionizante, natural (do gás radão), proveniente do planeta e da atmosfera. Uma breve pesquisa na internet confirma o que acabámos de referir. [63] No fundo, a primeira, da Dra. DD, reportou-se à (infrutífera) radiologia de intervenção, depois a cirurgia do Dr. CC e, por fim, a opinião do Dr. II… [64] Como resulta da sentença recorrida, na mesma foi considerada a interrupção do nexo de causalidade adequada (entre os danos decorrentes do evento e os da posterior cirurgia para remoção da agulha), à semelhança do decidido no acórdão desta secção de 23/03/2020, proferido em processo respeitante a situação idêntica; trata-se do acórdão proferido no processo n.º 401/16.2T8PVZ.P1. (este acórdão, citado na sentença recorrida aquando da determinação do montante da compensação, reduziu o montante de compensação de 25000 Euros para 15000 Euros). O acórdão está acessível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7af08d7d6f2456758025858a0054b4bb?OpenDocument [20/06/2024]. [65] “O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo”. Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, p. 637. [66] Iremos transcrever agora a parte da sentença respeitante à compensação do dano, sendo que não se nos afigura justificada a redução do valor em conformidade, até, à jurisprudência que cita… “Numa situação idêntica à do demandante, também ocorrida na ..., embora com indicação de realização de cirurgia de extração, também frustrada, realizada no dia seguinte após exames pré-operatórios, após condução da paciente pelo médico dentista à urgência de um Hospital do Porto, o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 23 de Março de 2020, fixou a compensação em € 15.000. No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 19 de Novembro de 2020, fixou em € 15.750 a compensação num caso de perfuração da língua em consequência do resvalamento acidental do instrumento de exodontia com secção do nervo lingual, durante a extração do dente 38 da paciente. Confrontando as duas situações e porque o Autor apresentou queixas exuberantes que não demonstrou – associadas quer à fratura da agulha, quer à cirurgia –, mas ponderando que a assistência que o Réu proporcionou foi tardia, surgindo a Ré A... a facultar uma nova avaliação, no espaço de dois dias após o conhecimento da reclamação, que culminou na cirurgia de 19 de Janeiro de 2016, demonstrando estar interessada na resolução do problema, afigura-se que os padecimentos descritos merecem a tutela do Direito, mostrando-se ajustada a quantia de € 10.000”. |