Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1633/22.0T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
Nº do Documento: RP202406061633/22.0T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Quando apenas estão em concurso, para serem pagos pelo produtos de bens móveis penhorados numa execução cível, um crédito comum e créditos da ATA, provenientes de IVA e IRC, e créditos do ISS, provenientes do não pagamento das contribuições sociais, os créditos da ATA e do ISS devem ser graduados ambos no 1.º lugar dos créditos com privilégio mobiliário geral, para serem pagos a par, se necessário mediante rateio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃOECLI:PT:TRP:2024:1633.22.0T8AGD.A.P1



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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:



I. Relatório:
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente A... e Cª Lda., sociedade comercial com o nº de contribuinte de identificação de pessoa colectiva, com sede em ..., ...69 e é executado B... – Plásticos e Ferragens de Decoração, Lda., sociedade comercial com o nº de contribuinte de identificação de pessoa colectiva ...53, com sede em ..., e na qual foram penhorados bens móveis, foram reclamados os seguintes créditos:
A- Pelo Ministério Público, em representação do Estado, Autoridade Tributária e Aduaneira,
i- € 17.284,64, proveniente de IVA, do 3.º e 4.º trimestre dos anos 2022 e 2023, e respectivos juros de mora no valor de € 775,12,
ii- € 894,81, proveniente de IRC, relativo ao ano de 2022.
B- Pelo Instituto de Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro,
i- €14.239,35 proveniente do não pagamento das contribuições sociais referentes aos períodos Agosto/2022, Novembro/2022 a Dezembro/2022 e Fevereiro/2023 a Julho/2023 e respectivos juros de mora vencidos no valor de € 478,17, a que acrescerão os juros de mora vencidos partir de 1 de Janeiro de 2023.
ii- € 32,39, proveniente a juros de mora pelas contribuições de Agosto/2022, Outubro/2022 e Janeiro/2023 pagas fora do prazo legal.
Não foi deduzida oposição às reclamações de créditos.
A seguir foi proferida decisão, reconhecendo os créditos reclamados e procedendo à sua graduação pela seguinte ordem:
1.º - O crédito reclamado pelo Ministério Público ... no montante global de € 18.954,57 ..., acrescido dos respectivos juros de mora;
2.º - O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. no montante de € 14.749,81 ..., acrescidos dos respectivos juros de mora;
3.º - O crédito exequendo.
Do assim decidido, o reclamante Instituto da Segurança Social interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem na parte relevante:
1. [...]. 7. Acontece que a douta sentença, por ter desconsiderado a similitude do privilégio creditório mobiliário geral de que que goza o crédito do ora recorrente com o privilégio creditório de que goza o crédito do Estado decidiu, na ordem de graduação, sobrepor os créditos reclamados pela Fazenda Pública a título de IVA e de IRC aos reclamados pela Segurança Social.
8. Violando, assim, a norma legal prevista na al. a), do n.º 1, do artigo 747.º, do CC, conjugada com as normas legais previstas no artigo 204.º, n.º 1, do CRCSPSS, no artigo 736.º do CC e no artigo 116.º do CIRC.
9. De acordo com o preceituado no n.º 1, do artigo 204.º do CRCSPSS, os créditos da Segurança Social gozam de privilégio mobiliário sobre os bens móveis existentes no património do contribuinte e, por isso, graduam-se a par com os créditos referidos na al. a), do n.º 1, do artigo 747.º do CC.
10. É no n.º 1, do artigo 747.º do CC que se encontra prevista a ordem a que os créditos reclamados e reconhecidos com privilégio mobiliário geral devem obedecer.
11. Nele se ditando, que a graduação dos privilégios mobiliário se inicia pelos créditos por impostos, dentro dos quais se pagarão primeiro os créditos do Estado e, de seguida, os créditos das Autarquias Locais (cf. al. a), n.º 1, do artigo 747.º do CC).
12. No entanto, a ordem de graduação dos créditos com privilégio mobiliário geral nem sempre foi esta… 13. Visto que o primitivo nº 1, do artigo 10.º, do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, determinava que “os créditos das caixas de previdência por contribuições e os respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do Código Civil”, ou seja, logo após os créditos do provenientes de Impostos do Estado, seguidos das autarquias locais.
14. No entanto, não podemos ignorar que tal diploma já se encontra revogado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro (o actual CRCSPSS), e que a mesma acabou por introduzir – como já vimos – uma redacção diferente.
15. Tendo em conta que, actualmente, o disposto no n.º 1, do artigo 204.º do CRCSPSS estabelece que os créditos da Segurança Social devem ser graduados nos mesmos termos que os indicados na alínea a), do n.º 1, do artigo 747.º do C.C.
16. E não, como anteriormente, graduados logo após os créditos provenientes de impostos.
17. Ora, tanto o IVA, como o IRC, são impostos que gozam de privilégio mobiliário geral sobre os bens existentes no património mobiliário do sujeito passivo de imposto, à data da penhora ou acto equivalente, conforme postula o n.º 1, do artigo 736.º do CC e o artigo 116.º do CIRC.
18. Privilégio esse que se revela idêntico ao que detêm as contribuições e respectivos juros de mora da Segurança Social.
19. Dúvidas não podem existir de que, que quer os créditos da Segurança Social, relativos a contribuições e quotizações, quer os créditos da Autoridade Tributária (relativos a IVA e IRC) por gozarem de privilégios mobiliários idênticos devem, inevitavelmente, ser graduados a pari.
20. Para sustentar o entendimento de que os créditos do Estado se sobrepõem aos créditos da Segurança Social, o Tribunal a quo apela aos ensinamentos do Conselheiro Salvador da Costa (cf. “Concurso de Credores”, Almedina, 2015, pp. 242 a 244) e, por identidade de argumento, apoia-se ainda no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 06/05/2010, proferido no processo n.º 744/08.9TBVFR-E.P1.
21. Ou seja, parece-nos que o argumento utilizado na sentença proferida é, na verdade, a existência de uma espécie de hierarquia entre os impostos e as taxas.
22. Todavia, torna-se imperioso alertar que o Acórdão a que o Tribunal a quo fez alusão data de Maio de 2010…
23. O que quer dizer que foi proferido em momento anterior à entrada em vigor da redacção dada pelo art.º 204.º do CRCSPSS (1 de Janeiro de 2011).
24. E se atentarmos ao teor do mesmo, verificamos que a sua posição se encontra integralmente sustentada pelas normas previstas no [já revogado] Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, mormente o artigo 10.º,
25. E não, como no caso dos autos, pela actual norma prevista no artigo 204.º do CRCSPSS.
26. E, como tal, entende o apelante, s.m.o., que o mesmo não se revela adequado para sustentar a tese defendida pela sentença recorrida.
27. Nunca poderíamos concordar com o argumento da hierarquia dos tributos, tendo em conta que o disposto no artigo 747.º do CC se mantém intocável desde a redacção originária deste diploma (cf. DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro).
28. Ou seja, à data em que a aludida norma legal foi prevista, ainda não estava assente – quer na jurisprudência, quer na doutrina – nem legalmente prevista a existência de outros tributos para além dos impostos.
29. E, como tal, é natural que o referido normativo apenas faça menção ao tributo “impostos”.
30. Pois que esta classificação ternária dos tributos – impostos, taxas e contribuições – apenas surgiu com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária em 1 de Janeiro de 1999 – cf. n.º 2, do artigo 3.º da LGT.
31. Contudo, nos dias de hoje, dúvidas já não persistem quanto à natureza tributária das contribuições devidas à Segurança Social…
32. Pois que as mesmas, contrariamente, ao defendido pelo Conselheiro Salvador da Costa e pelo Tribunal a quo (que as denominam “taxas contributivas”) configuram a espécie tributária contribuição.
33. Em momento algum o legislador – quer no artigo 747.º do CC, quer no artigo 3.º da LGT – diferencia ou gradua os tributos por ordem de importância, grandeza ou valor.
34. E, como se disse supra, entendemos que o artigo 747.º do CC apenas faz referência ao tributo impostos – e não aos demais – porque, àquela data, era o único que se encontrava legalmente previsto.
35. Destarte, entendemos que a expressão “imposto” deve ser, numa perspectiva actualista, objecto de uma interpretação ampla, no sentido de o mesmo ser percepcionado como tributo….
36. Abarcando, assim, não só os impostos em sentido estrito como, também, as taxas e as contribuições.
37. Fazendo uso do invocado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Outubro de 2022, proferido no processo n.º 4568/21.0T8GMR-B.G1, parece-nos pacífico que os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira são hoje equiparados aos créditos da Segurança Social.
38. Em sentido idêntico vejam-se, igualmente, os Acórdãos proferidos pelo colendo Tribunal da Relação do Porto em 12/09/2023, no processo n.º 1178/22.8T8OAZ-C.P1 e no processo n.º 803/20.0T8OAZ-B.P1 e em 26/09/2023, no processo n.º 943/19.8T8OAZ-B.P1, respectivamente (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
39. Com efeito, contrariando a interpretação do Tribunal a quo, que não tem, com o devido respeito, qualquer correspondência com os textos legais, a solução avançada pela sobredita jurisprudência é aquela que permite uma correcta – e actual – interpretação da norma legal prevista na al. a), do n.º 1, do artigo 747.º do CC.
40. No caso em apreço, não tendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo considerado a similitude dos créditos privilegiados reclamados pelo aqui Apelante com os créditos privilegiados reclamados pelo Ministério Público em representação da Autoridade Tributaria e Aduaneira, dúvidas não restam de que a mesma terá violado o disposto nas normas legais previstas na al. a), do n.º 1, do artigo 747.º do CC, conjugado com o disposto no n.º 1, do artigo 204.º do CRCSPSS, no artigo 736.º do CC e no artigo 116.º do CIRC.
41. Pelo que se entende que a correcta aplicação da al. a), do n.º 1, do artigo 747.º do CC, é aquela que gradua em paridade o crédito reclamado pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional proveniente de dívidas de IVA e IRC com o crédito reclamado pela Segurança Social proveniente de dividas de contribuições e respectivos juros de mora.
42. Em razão disso, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá ser alterada e substituída por outra que gradue os créditos reconhecidos da seguinte forma: [...]: 1.º - O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, proveniente de dívidas de IVA e de IRC, no montante global de € 18.954,57 (...), acrescido dos respectivos juros de mora, a par com o crédito reclamado pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.” no montante de € 14.749,81 (...), acrescidos dos respectivos juros de mora; 2.º - O crédito exequendo.
Termos em que, ..., deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, na ordem da graduação dos créditos, ordene em 1.º lugar os créditos reclamados pelo ora recorrente ... a par com os créditos reclamados pelo Ministério Público, ..., assim se fazendo a costumada Justiça.

Não houve resposta a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.


II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se o crédito por contribuições sociais reclamado pela Segurança Social deve ser graduado no mesmo lugar da ordem de prioridades de pagamento que o crédito reclamado de IVA e IRC pelo Ministério Público.

III. Fundamentação de facto:
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os do processo e consta do relatório supra.

IV. Matéria de Direito:
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se numa situação em que estará em causa o respectivo pagamento através do produto de bens móveis, os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira provenientes de IVA e IRC devem ser graduados acima dos créditos do Instituto de Segurança Social provenientes do não pagamento das contribuições sociais ou, pelo contrário, ambos os créditos devem ser graduados na mesma ordem de preferência, em paridade, para serem pagos a par, de forma rateada.
No fundo, trata-se de saber se os privilégios mobiliários de que gozam todos esses créditos possuem naturezas que imponham a respectiva graduação segundo uma prioridade ou na mesma ordem.
Nos termos do artigo 733.º do Código Civil, o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores de, independentemente do registo, serem pagos com preferência a outros.
Nos termos do disposto no artigo 736.º, n.º 1, do Código Civil, o Estado goza de privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.
O IVA é qualificado como imposto indirecto, beneficiando de privilégio mobiliário geral.
O IRC é um imposto directo e, nos termos do artigo 106.º do Código do IRC, goza de privilégio mobiliário geral sobre os bens do sujeito passivo à data da penhora.
O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social estabelece no artigo 204.º que os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral.
Deste modo todos os créditos em concurso no caso concreto gozam de privilégio mobiliário geral. Como se graduam?
O n.º 1 do artigo 745.º do Código Civil diz que os créditos privilegiados são pagos pela ordem segundo a qual vão indicados nas disposições seguintes. O n.º 2 da mesma norma acrescenta que havendo créditos igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes.
Sendo possível haver vários créditos graduados na mesma posição, o que pode decorrer de os créditos serem distintos, mas possuírem o mesmo privilégio, ou de serem de igual natureza, mas serem titulados por credores diferentes, esta disposição estabelece que nesse caso os créditos igualmente graduados são graduados a par e serão pagos se necessário mediante rateio do produto da venda por todos eles.
Depois de no artigo 746.º se referir de forma particular aos créditos por despesas de justiça, que possuem uma preferência total e absoluta, o artigo 747.º estabelece a ordem dos outros privilégios mobiliários, estabelecendo que eles se graduam pela ordem seguinte:
a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais;
b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola;
c) Os créditos por dívidas de foros;
d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil;
e) Os créditos do autor de obra intelectual;
f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º.
Os créditos previstos e enumerados no artigo 737.º como tendo privilégio mobiliário geral são os seguintes:
a) O crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra;
b) O crédito por despesas com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;
c) O crédito por despesas indispensáveis para o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;
d) Os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses.
Temos assim que os créditos graduados no primeiro lugar da preferência de pagamento decorrente do privilégio mobiliário geral são os «créditos por impostos». Mas, entre estes, a normal legal ainda estabelece uma ordem relacionada com o titular do crédito: em primeiro lugar paga-se o Estado; só depois se pagam as autarquias locais.
Sucede que o n.º 2 do artigo 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social já mencionado estabelece ainda que os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora se graduam «nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil».
Não se nos afigura possível interpretar esta norma como querendo dizer outra coisa que não a de estes créditos deverem ser graduados como os créditos do Estado, na mesma posição que os créditos do Estado previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, ou seja, em primeiro lugar da ordem de graduação.
Por outro lado, não havendo norma que estabeleça entre os vários créditos situados nessa posição outra distinção para além da que decorre de eles serem titulados pelo Estado ou pelas autarquias locais, sendo certo que não existe dúvidas de que a Segurança Social é Estado e não é autarquia local, essa graduação deve colocar os créditos da Autoridade Fiscal e Aduaneira e do Instituto da Segurança Social a par, para serem pagos, se necessário, mediante rateio na proporção dos respectivos montantes, por aplicação do regime regra do artigo 745.º do Código Civil.
Sublinhe-se, isto até pode ser diferente noutras situações de concurso de créditos, estando em concurso outros créditos cujo regime de privilégio suscite dúvidas sobre a preferência de pagamento estabelecida entre todos e no seu conjunto (v.g. créditos laborais e créditos garantidos por penhor, situações em que se confrontam várias interpretações possíveis e sobre as quais existe abundante jurisprudência), mas não deve suscitar dúvidas quando, como aqui sucede, apenas estão em concurso créditos da Autoridade Fiscal e Aduaneira de IVA e IRC e do Instituto da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora.
Essa conclusão só pode considerar-se reforçada pela história da lei.
O artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que aprovou o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência, estabelecia que os «créditos das caixas de previdência por contribuições e os respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil», sendo de referir que nos termos do artigo 30.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, a referência às caixas de previdência compreende os centros regionais de segurança social, a que posteriormente sucedeu o Instituto de Solidariedade e Segurança Social.
Presentemente, como vimos, o artigo 204.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social estabelece que os «créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil».
Daí que se possa afirmar, como afirma o Acórdão da Relação de Guimarães de 06-10-2022, proc. n.º 4568/21.0T8GMR-B.G1, in www.dgsi.pt, que é «indesmentível a alteração da letra da lei», que «os objectivos e princípios do Instituto da Segurança Social, a quem cabe assegurar a sustentabilidade do sistema previdencial, o que, pela sua enorme repercussão social e crescente dificuldade de êxito (face, nomeadamente, ao aumento da esperança de vida, à inversão da pirâmide etária e ao baixo crescimento da produtividade e do produto interno bruto, tudo a propiciar uma alteração do anterior paradigma de justiça inter-geracional), justifica uma graduação a par dos créditos por impostos do Estado» e que «por força desta norma especial, os créditos por contribuições para a Segurança Social, com privilégio mobiliário geral, são hoje equiparados aos créditos, com privilégio mobiliário geral, do Estado por impostos, sendo pagos a par dos mesmos».
Nesse sentido pronunciaram-se ainda os Acórdãos da Relação de Guimarães de 21-10-2021, proc. n.º 4407/20.9T8VNF-J.G1, in www.dgsi.pt, e o Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2023, proc. n.º 803/20.0T8OAZ-B.P1, não publicado mas consultado através do acervo de registo de sentenças disponibilizado no Citius e no qual se pode ler: «... mesmo os defensores da interpretação menos restritiva do artigo 204.º, n.º 2, do CRCSPSS, reconhecem que o crédito da Segurança Social apenas prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e do Estado se com eles concorrer um crédito pignoratício (...), cedendo perante os créditos dos trabalhadores e sendo graduado a par dos créditos por impostos se não se verificar esse concurso com um crédito garantido por penhor (os ... acórdãos afirmam mesmo que os créditos da Segurança Social são graduados depois dos créditos por impostos; porém, cremos que esta afirmação se deve a algum lapso, pois desconsidera o regime introduzido pelo artigo 204.º, n.º 1, do CRCSPSS, aplicando a solução que vigorava nos preceitos que o precederam). (...) Não concorrendo este crédito com algum crédito pignoratício, ou seja, não se verificando a previsão do artigo 204.º, n.º 2, do CRCSPSS, não faz sentido convocar a respectiva estatuição. Acresce que, ... a principal alteração do artigo 204.º, n.º 1, do mesmo código, traduz-se graduação dos créditos da Segurança Social a par dos créditos do Estado por impostos, rompendo com a solução tradicional de os graduar depois destes créditos por impostos» (itálicos nossos).
Nessa medida, os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira provenientes de IVA e IRC e os créditos do Instituto de Segurança Social provenientes do não pagamento das contribuições sociais devem ser graduados no mesmo lugar da ordem de preferência, a par.
Procede por isso o recurso.




V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida, graduando os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira provenientes de IVA e IRC e os créditos do Instituto de Segurança Social provenientes do não pagamento das contribuições sociais a par, todos no primeiro lugar da preferência, para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis penhorados, se necessário mediante rateio.

Não há lugar ao pagamento de (mais) custas porque não tendo havido resposta ao recurso as custas devidas estão confinadas à taxa de justiça e esta mostra-se paga.




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Porto, 6 de Junho de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 832)
1.º Adjunto: Isabel Silva
2.º Adjunto: Ernesto Nascimento


[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]