Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO RENOVAÇÃO DO CONTRATO OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO PRAZO LIBERDADE CONTRATUAL | ||
Nº do Documento: | RP202407104959/23.1T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Para os contratos de arrendamento para fins habitacionais está consagrada no art. 1097º nº 1 do CC uma salvaguarda mínima quanto ao prazo de antecedência a observar pelo senhorio para comunicar ao arrendatário a oposição à renovação do contrato de arrendamento, não impedindo que as partes livremente estabeleçam por acordo no contrato de arrendamento um prazo superior ao previsto legalmente, estando a liberdade contratual apenas limitada ao respeito pela tutela mínima concedida ao arrendatário naquele preceito legal. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4959/23.1T8PRT.P1- APELAÇÃO ** Sumário (elaborado pela Relatora):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** I. RELATÓRIO:1. AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e marido CC, formulando os seguintes pedidos: a) Ser julgada válida a oposição à renovação operada pela A. através da comunicação que enviou em 8 de agosto de 2022 e 19 de Setembro condenando-se, consequentemente, os RR. na entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens, b) Condenando, ainda, os RR. a pagar à título de indemnização nos termos do art. 1045.º do código civil, e até ao momento da efectiva restituição do locado livre de pessoas e bens, o equivalente ao dobro do valor da renda que as partes tenham estipulado. Como fundamento das referidas pretensões alegou em síntese que é proprietária do imóvel identificado nos autos, que recebeu por sucessão, tendo sido celebrado um contrato de arrendamento em 12 dezembro 2008 entre a 1º R e referido primitivo senhorio para fim habitacional o qual teve o seu início em 1 de janeiro de 2009 pelo prazo de cinco anos, renovável por períodos sucessivos de três anos, sendo que o prazo inicial terminou em 31 de dezembro de 2013 , a primeira renovação terminou em 31 de dezembro de 2016, e a segunda em 31 de dezembro de 2019 e terceira renovação terminou em 31 de dezembro de 2022. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 8 de agosto de 2022 a A., na qualidade de proprietária e senhoria, remeteu aos RR. a oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais que entre eles existia e, como em 11 de agosto 2022 os RR. manifestaram a sua discordância com a oposição à renovação, argumentando para o efeito que a comunicação deveria ter operado com outro prazo de antecedência , nomeadamente de um ano conforme o contrato de arrendamento.(Doc. n.º 5 que se junta), a A., por carta datada de 19 de Setembro 2022 reiterou a posição já manifestada, fundamentando- a ao abrigo da al b) do nº 1 do art º 1097ºCC, sem que, porém, os RR tenham entregue o locado até à presente data. 2. Os Réus deduziram contestação, defendendo que, em matéria de oposição à renovação, o contrato impõe um prazo específico na cláusula primeira al. a), o qual a Autora não respeitou, pois comunicou à Ré a sua oposição à renovação por carta datada de 8 de Agosto de 2022 determinando a entrega do imóvel livre de pessoas e bens em 1 de Janeiro de 2023, concluindo os Réus que a oposição à renovação expedida pela Autora não foi efectuada em tempo, pois de acordo com o prazo estipulado para esse efeito no contrato de arrendamento, a oposição à renovação deveria ter sido remetida no dia 30 de Dezembro de 2021, e consequentemente deu-se a renovação do contrato de arrendamento pelo prazo de três anos no dia 1 de Janeiro de 2023 com termo a 31 de Dezembro de 2025 de acordo com o convencionado. 3. Concedido o contraditório por escrito, foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido Saneador/Sentença, que culminou com a seguinte decisão: “Nestes termos, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os réus do pedido formulado. Custas da ação a cargo da autora - art.º 527.º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” 4. Inconformada, a Autora/Apelante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES I. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo, a qual julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pela Recorrente, nomeadamente: a qual decidiu julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora, nomeadamente: (i) ser jugada válida a oposição à renovação operada pela Autora através da comunicação enviada em 8 de Agosto de 2022 e 19 de Setembro condenando-se, consequentemente, os Réus na entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens ; (ii) condenação dos Réus a pagar a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º do Código Civil, e até ao momento da efectiva restituição do locado livre de pessoas e bens, o equivalente ao dobro do valor da renda que as partes tenham estipulado. II. A presente Apelação visa, unicamente, sindicar a qualificação jurídica da factualidade dada como provada, ou seja, a aplicação dos normativos aos factos dados como provados, entendendo o Recorrente que uma adequada e rigorosa interpretação das normas legais imporá a conclusão de que a oposição à renovação comunicada se afigura válida e eficaz. III. A questão nuclear a colocar perante o Tribunal ad quem sintetiza-se no seguinte: tendo a Recorrente observado o prazo para oposição à renovação previsto no artigo 1097.º-1-a) do Código Civil [240 dias], ainda que o contrato disponha de prazo diverso, afigura-se lícita a oposição à renovação. IV. Entendeu o Tribunal a quo – assentando a sua tese na transcrição de um único aresto– que o disposto no programa contratual prevaleceria sobre a norma legal. V. Como se deixou dito e demonstrado, diversa é a posição sustentada pela Recorrente. VI. Aquilo que resulta do melhor entendimento caucionado pela jurisprudência e doutrina mais autorizada é que as normas sobre a oposição à renovação assumem natureza imperativa, prevalecendo o disposto na lei, ainda que do contrato possa resultar um prazo superior. VII. Essa é, de resto, a interpretação que tem sido abundantemente sustentada pela jurisprudência e doutrina citadas ao longo das presentes Alegações. VIII. Ao entender de forma diversa, o Tribunal a quo fez uma errada qualificação jurídica da factualidade assente nos autos. IX. Assim se impondo a singela e inevitável conclusão de que a oposição à renovação comunicada pela Autora se afigura inteiramente válida e eficaz. X. Solução pela qual, renovadamente, se pugna, impondo-se a este Venerando Tribunal ad quem a integral revogação da Sentença recorrida. XI. Ao decidir conforme decidiu, a decisão em crise violou, ou fez errada interpretação e aplicação, das normas, designadamente, dos artigos 1097.º-1-a) e do artigo 1080.º, ambos do Código Civil. Concluiu, pedindo que seja revogada integralmente a Sentença recorrida e, em consequência, seja julgada válida a oposição à renovação operada pela Autora através da comunicação enviada em 8 de Agosto de 2022 e 19 de Setembro condenando-se, consequentemente, os Réus na entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens e, a pagar a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º do Código Civil, e até ao momento da efectiva restituição do locado livre de pessoas e bens, o equivalente ao dobro do valor da renda que as partes tenham estipulado. 5. Os Réus/Apelados ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado. 6. Foram observados os vistos legais. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. * A questão a decidir no presente recurso é a seguinte:Se a oposição à renovação do arrendamento foi comunicada pela Apelante aos Apelados com a antecedência necessária para operar a extinção do contrato. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. A autora é dona do imóvel composto por casa de cave, rés do chão, primeiro e segundo andares descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e inscrito a seu favor mediante a Ap. ... de 2015/12/30, situado na Rua ..., no Porto. 2. Em 12/12/2008, a autora declarou dar de arrendamento e a ré declarou tomar de arrendamento o rés do chão do imóvel descrito em 1., pelo período de 5 anos, com início em 1/1/2009, renovável, mediante a entrega mensal da quantia de 300,00 euros, a qual mercê das sucessivas atualizações ascende ao valor de 333,00 euros. 3. Acordaram a autora e a ré que “A oposição à renovação deste contrato pela parte do SENHORIO deverá ser feita através de comunicação remetida à INQUILINA com um ano de antecedência sobre o termo da duração ou renovação em curso.” 4. A autora por carta, registada com aviso de receção, datada de 8/8/2022, comunicou aos réus que “Serve a presente para comunicar que me oponho `renovação do contrato de arrendamento que entre nós vigora relativo a essa casa (…). (…)À luz do disposto no n.º 1, alínea a) do artigo 1097.º do Código Civil, oponho-me à renovação do contrato para o termo da renovação em curso, ou seja para 31 de Dezembro de 2022. (…)”; a carta foi remetida pelos CTT no dia 9/8/2022, tendo sido recebida pelos réus, pelo menos, no dia 11/8/2022. 5. Os réus por carta datada de 11/8/2022 comunicou à ré opor-se à sua pretensão invocando o referido em 3. 6. A autora por carta datada de 19/9/2022 comunicava aos réus que reiterava a posição vertida na carta mencionada em 4., tendo os réus respondido por carta datada de 27/12/2022 reiterando a sua aceitação da pretensão da autora. 7. Os réus não desocuparam o imóvel no dia 31/12/2022, nem ulteriormente. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.A questão sob recurso é de mera apreciação jurídica e reconduz-se, basicamente, à determinação da antecedência necessária para ser comunicada pelo senhorio a oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais. O enquadramento jurídico da questão decidenda foi devidamente realizado na sentença recorrida, existindo apenas dissensso sobre qual o prazo de antecedência a observar pelo senhorio para se opor à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais, nos casos em que o contrato prevê, também ele, um prazo para o efeito, mas distinto do previsto no art. 1097º do CC. De forma a evitarmos repetições, mas sendo importante para a presente decisão que esse enquadramento seja referenciado de novo, optamos por reproduzir o que a esse propósito ficou vertido na sentença recorrida: “(…) verifica-se que a autora e a ré celebraram um contrato de arrendamento para habitação no dia 12/12/2008, ou seja, já na vigência da lei n.º 6/2006, de 27/2, pelo período de 5 anos, renovável. Por efeito do contrato celebrado, a autora obrigou-se a entregar o imóvel arrendado à ré, proporcionando-lhe o gozo; por seu turno a ré obrigou-se ao pagamento pontual e integral da renda devida pela ocupação, uso e gozo do imóvel. O contrato de arrendamento é um contrato bilateral nos termos do qual em contrapartida à obrigação do senhorio de entregar o arrendado proporcionando e assegurando seu gozo, recai sobre o arrendatário, entre outras, a obrigação primeira e elementar de pagar a renda no tempo e lugar próprios. Relativamente aos contratos com prazo certo, como é o presente, prescrevem os art.ºs 1096.º e 1097.º do Código Civil, na redação vigente, que: Art.º 1096.º “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.” Art.º 1097.º “1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”. Prescreve o art.º 1080.º do Código Civil que “As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.” As partes acordaram que “A oposição à renovação deste contrato pela parte do SENHORIO deverá ser feita através de comunicação remetida à INQUILINA com um ano de antecedência sobre o termo da duração ou renovação em curso. A ré comunicou a oposição à renovação respeitando o prazo a que alude o art.º 1097.º, n.º 1, al.ª a) do Código Civil. Assim, a questão a dirimir é apenas determinar-se se a declaração de oposição à renovação no prazo previsto no art.º 10971.º, n.º 1, al.ª a) do Código Civil é válida ou se deverão ter respeitado o prazo acordado no contrato celebrado. ” Feito esse enquadramento jurídico, o tribunal a quo sufragou o sentido decisório já vertido no acórdão da Relação de Lisboa de 9/9/2021, a cuja tese aderiu e do qual citou o seguinte segmento: “Tratando-se de contrato com renovações sucessivas por períodos de três anos, de acordo com o artº 1097º nº1, al. b) do CC (redacção da Lei 31/2012), a antecedência mínima de comunicação da oposição à renovação do contrato é de 120 dias. Ora a questão que se coloca é saber se os prazos estabelecidos nas diversas alíneas do artº 1097º nº 1 do CC - consoante os prazos de duração do contrato ou da sua renovação - são prazos absolutamente imperativos, que não permitem que as comunicações de oposição à renovação seja efectuadas com períodos de antecedência diferentes, ou se se tratam de prazos imperativos mínimos, que possibilitam às partes estipular prazos de comunicação de oposição à renovação superiores àqueles. Segundo entendemos, trata-se da determinação de prazos mínimos que não impedem as partes de, livremente, estipulem prazos superiores para o senhorio comunicar a oposição à renovação do contrato. Na verdade, quanto à letra, é a própria lei que no proémio do nº 1 do artº 1097º refere expressamente que esses prazos previstos nas diversas alíneas estabelecem uma antecedência mínima. Por outro lado, atendendo à ratio da norma, que visa estabelecer um prazo razoável mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato, nada impede que as partes estipulem prazo de oposição à renovação superior àqueles prazos mínimos legais. A esta luz, somos a entender que não tem razão o senhorio/apelante ao pretender a aplicação do prazo de 120 dias referido no artº 1097º nº 1, al. b) do CC, afastando o prazo de um ano que foi livremente convencionado no contrato. Em suma, não se aplica ao caso o prazo de 120 dias do artº 1097º nº 1 do CC.”. Tendo acabado por concluir que “uma vez que concordamos com a tese propalada no acórdão supra transcrito, por ser aquela que melhor se adequa, em nosso entendimento, à previsão legal, ao texto e espírito da lei, concluímos ser a oposição à renovação declarada pela autora inválida e, como tal, incapaz de produzir os efeitos pretendidos, devendo a sua pretensão improceder.” A Apelante discorda desse entendimento, defendendo que ainda que o contrato disponha de prazo diverso é lícita a oposição à renovação por si comunicada com observância do prazo para o efeito previsto no art. 1097º nº 1 al. a) do CPC e, fá-lo alicerçada no único argumento de que as normas sobre a oposição à renovação assumem natureza imperativa, por força do art. 1080º do CC, prevalecendo o disposto na lei ainda que do contrato possa resultar um prazo superior. E se quanto à questão da natureza imperativa das normas relativas á extinção ou cessação do contrato de arrendamento- entre as quais se incluirão as atinentes à oposição da renovação do contrato, pois que tal oposição conduzirá à extinção do contrato por caducidade- parece ser pacífica a jurisprudência e doutrina que a Apelante convocou, já o mesmo não se pode dizer quanto à questão sobre o prazo de antecedência a observar pelo senhorio para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais quando o contrato prevê especificamente um prazo distinto da lei e este prazo é superior ao previsto na lei. Compete-nos, pois, de acordo com o objecto do presente recurso decidir apenas o seguinte: i. se deve ser obrigatoriamente observada pelo senhorio a antecedência prevista no art. 1097º nº 1 al. a) do CC; ii. se deve ser obrigatoriamente observada pelo senhorio a antecedência acordada especificamente no contrato de arrendamento, se o prazo nele acordado for, como no presente caso ocorre, superior ao previsto no referido art. 1097º nº 1 al. a) do CC. No caso sub judice, não é despiciendo referir que o contrato de arrendamento em questão foi celebrado em 12.12.2008 para fins habitacionais e, que se terá renovado sucessivamente pois permanecia em vigor em Agosto de 2022, data da comunicação enviada pela Apelante, na qualidade de senhoria, através da qual comunicou a sua oposição à renovação do contrato para o termo da renovação em curso, referindo ocorrer em 31.12.2022. Os Apelados não discutem a natureza imperativa das normas previstas sobre a formas de cessação do contrato de arrendamento, até porque o art. 1080º do CC assim o determina, nem que entre elas esteja a oposição à renovação, mas defendem que contrariamente ao sustentado pela Apelante, aquela imperatividade não é absoluta, no sentido de que, no art. 1097º nº 1 do CC estão estabelecidos apenas prazos mínimos legais, tal como do próprio texto desse preceito legal consta expressamente- antecedência mínima-, o qual apenas impede que as partes acordem prazos de oposição à renovação mais curtos do que os previstos na lei, designadamente naquele preceito legal. Basicamente foi esse o entendimento sufragado pelo tribunal a quo, que nos merece total concordância, mormente porque nos parece ser o único que compatibiliza o respeito pelo texto da lei com o respeito pela liberdade contratual das partes, que acordaram num prazo de antecedência que, sendo superior ao legalmente previsto, não colide com a imperatividade das normas atinentes à cessação do contrato de arrendamento para fins habitacionais, entendimento que só não será defensável se as partes tiverem acordado num prazo de comunicação com uma antecedência inferior ao previsto no art. 1097º nº 1 do CC. Isto porque, como decorre da leitura do referido preceito legal, o legislador, no que diz respeito aos contratos para fins habitacionais, com o propósito perfeitamente claro de proteção do arrendatário habitacional, teve o cuidado de mencionar expressamente que “o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte”, enquanto que nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais não impôs qualquer antecedência mínima, permitindo que as regras relativas à oposição à renovação dos contratos dessa natureza sejam livremente estabelecidas pelas partes ( art. 1110º nº 1 do CC). A redação actual do art. 1097º do CC, introduzida pela Lei nº nº 31/2012 de 14.08, não existia à data da celebração do contrato de arrendamento em apreço neste autos (celebrado em 2008) e, não será porventura coincidência que as partes tenham convencionado um prazo de antecedência para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais pelo senhorio coincidente com o que nessa data era a redação do referido preceito legal. Efectivamente, na data da celebração do contrato de arrendamento aqui em causa, o art. 1097º nº 1 do CC mencionava que o senhorio podia impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato. Não obstante, é de realçar que já nessa altura o art. 1097º do CC estabelecia um prazo mínimo, com a única nuance de que era um prazo mínimo único de um ano, possibilitando às partes já nessa altura acordar num prazo superior a esse prazo mínimo legal, tendo-se traduzido a referida alteração legal introduzida pela Lei nº 31/2012 na diversificação dos períodos de pré-aviso da comunicação da oposição à renovação do contrato consoante a maior ou menor duração do contrato, mas mantendo sempre tais prazos como prazos mínimos que só não podiam ser encurtados pela mera vontade das partes, nada obstando a que fossem acordados prazos superiores àquele. Tendo o contrato de arrendamento sob apreciação sofrido várias renovações, perdurou durante o período largo de cerca de 14 anos (entre 2008 e 2022), sem que alguma das partes tenha tido a iniciativa de alterar a cláusula primeira, alínea a), designadamente a senhoria no sentido de acordar num prazo de antecedência de comunicação da oposição à renovação inferior, mormente fazendo-o coincidir com o prazo de antecedência mínimo previsto no art. 1097º nº 1 do CC após a alteração introduzida pela Lei nº 31/2012. Não o tendo feito, a vontade expressamente acordada no contrato não pode ser afastada unicamente pela senhoria sem o acordo dos arrendatários, pois que o prazo nele previsto não colide com o prazo de antecedência mínima consagrado no art. 1097º nº 1 do CC mesmo após a alteração do texto entretanto operada, porque respeita a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao arrendatário. Isto mesmo já foi assim decidido não apenas no aresto citado na sentença recorrida ( proferido no Proc. Nº 2149/19.7YLPRT.L1-6), encontrando também respaldo no Ac RP de 10.12.2019 ( proferido no Proc. Nº 2848/18.0YLPRT.P1)[1], que debruçando-se sobre uma situação em que o prazo contratualmente acordado era substancialmente menor do que o expressamente previsto na al. a) do nº 1 do art. 1097º do CC, refere no seu texto de forma expressa que “(…) no caso estamos perante uma imperatividade relativa, já que o prazo pode ser aumentado por acordo das partes, mas não pode ser diminuído”, valendo-se dos argumentos tecidos pelo então Desembargador Fernando Baptista de Oliveira, cujo excerto citou, “E por esta disposição (a do art.º 1080º) se fica sabendo que as normas contidas nessas bolsas mais resguardadas, facilmente localizáveis no percurso do regime da relação negocial locatícia, se impõem ao próprio acordo das partes em sentido contrário. Mas como, por outro lado, a intenção do legislador ao proclamar solene e abertamente a natureza imperativa destes pequenos condados normativos, não é positivamente a de criar tabus da lei ou de implementar dogmas em certas ilhas do instituto, antes é apenas, por via de regra, a de proteger de modo especial os interesses de uma ou outra das partes mais dignos de tutela, caberá naturalmente ao intérprete inquirir, junto de cada norma compreendida nesses pequenos santuários, qual o interesse que o legislador pretendeu salvaguardar (não se excluindo obviamente a possibilidade de uma ou outra norma proteger de modo especial interesses de terceiros ou até interesses gerais de contratação). E, uma vez feito esse levantamento, poder-se-á algumas vezes concluir com segurança pela nulidade das cláusulas contratuais que não respeitem a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao interesse visado, (…)”, ressalvando este Autor, em abono claro da nossa posição, “mas admitir racionalmente outras vezes a validade das cláusulas contratuais que, em vez de enfraquecerem, só reforcem a tutela publicística da lei“[2], o que como vimos nos parece ser o caso em apreço. Em jeito de conclusão, figura-se-nos que da articulação dos preceitos legais acima citados e pelos motivos já explanados, podemos afirmar que nos contratos de arrendamento para fins habitacionais existe uma salvaguarda mínima quanto ao prazo de antecedência a observar pelo senhorio para se opor à renovação do contrato de arrendamento, mas isso não impede que as partes livremente estabeleçam por acordo no contrato de arrendamento um prazo superior ao previsto no art. 1097º nº 1 do CC, porque a liberdade contratual apenas está limitada pela antecedência mínima imperativamente imposta naquele preceito legal. Deste modo, não tendo a Apelante respeitado o prazo de antecedência de um ano, expressamente acordado no contrato de arrendamento celebrado com os aqui Apelados, não se pode considerar válida a oposição à renovação por si operada, mantendo-se a sentença recorrida que assim decidiu. ** V. DECISÃO:Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da apelante. Notifique. Porto, 10 de Julho de 2024 Maria da Luz Seabra João Proença João Ramos Lopes (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _________________ [1] Consultável em www.dgsi.pt [2] A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, pag. 21 e 22 |